O ensino-aprendizagem do raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil
Nalaine Moura Melo de Souza
Licenciada em Matemática, especialista em Gestão Escolar, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (Unigranrio), professora de Educação Infantil da SME/RJ
Eline das Flores Victer
Doutora em Modelagem Computacional, docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino das Ciências da Unigranrio
Neste artigo, refletiremos sobre a importância da intencionalidade educativa no estímulo à aprendizagem do raciocínio lógico na Educação Infantil (EF) e de como se dá o entendimento dos educadores sobre seu fazer pedagógico, especificamente para crianças em idade pré-escolar.
Tendo em vista o desenvolvimento do processo de maturação gradual do pensamento da criança e a necessidade de os professores serem capacitados a identificar mudanças no processo de maturação infantil como mediadores do ensino da Matemática, eles precisam instigar seus alunos ao raciocínio, por meio de um direcionamento prático que os leve a um envolvimento na resolução de problemas de forma prazerosa.
Dentro da maturidade psicológica, as crianças não raciocinam como adultos, pois só aos poucos vão se inserindo nos conhecimentos das regras e dos símbolos. Nas classes de Educação Infantil, percebe-se que a criança está em plena descoberta da representação, quando começa a brincar de imitação, reproduzindo suas vivências e saberes, incorporando objetos do mundo exterior aos esquemas mentais já existentes na sua estrutura cognitiva (Piaget, 1996).
De acordo com Piaget, para que haja a maturação do pensamento lógico, o educando realizará, aos poucos, o abandono do egocentrismo. Dentre os quatro estágios de desenvolvimento cognitivo estudados pelo autor, nos limitaremos ao estágio pré-operacional, no qual está a capacidade de dominar a linguagem e de realizar a representação do mundo por meio de símbolos. Visto isso, tentaremos entender os caminhos pelos quais alunos em idade pré-escolar desenvolvem o pensamento lógico e, ainda, formas possíveis de abordagens desse processo, respondendo a inúmeros questionamentos de professores em relação à prática da Matemática na Educação Infantil (Piaget, 1996).
Utilizando a metodologia de revisão sistemática de literatura (Kitchenham, 2004), buscamos trabalhos que compreendam o raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil, assim como o processo de maturação da criança em relação ao seu aprendizado.
Referencial teórico
Quando lançada, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que define o conjunto de aprendizagens essenciais para o percurso da Educação Básica, englobando a Educação Infantil, nos fez refletir sobre a importância dos campos de experiência, em especial ao da Matemática sob uma visão diferenciada, agregando outros contextos ao seu ensino, quando as atividades propostas acontecem de forma contínua às vivências trazidas pelo professor à turma (Brasil, 2018).
Os campos de experiência da BNCC direcionam à pré-escola conceitos indispensáveis ao desenvolvimento dos conceitos de espaço, de tempo, de quantidades e de transformações. Nesses campos, a criança é estimulada a fazer relações entre quantidades e precisa de incentivo para raciocinar logicamente sobre os conhecimentos propostos (Brasil, 2018).
A BNCC aponta para a normatizações desses conceitos às crianças de quatro e cinco anos:
Além disso, nessas experiências e em muitas outras, as crianças também se deparam, frequentemente, com conhecimentos matemáticos (contagem, ordenação, relações entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de pesos e de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais e ordinais etc.) que igualmente aguçam a curiosidade (Brasil, 2018, p. 45).
Também nos faz repensar sobre o aluno como cidadão crítico, embora com pouca idade, desmistificando a visão da criança como um ser inferior ao adulto. Somos convidados a enxergá-la como um cidadão dotado de experiências e saberes que podem ser compartilhados com toda a comunidade escolar (Brasil, 2018).
A integração dos principais objetivos de ensino com estímulos que precisam passar pelos eixos estruturantes das práticas pedagógicas é algo que permanece essencialmente interligado à prática do professor da Educação Infantil, conforme o Art. 9º das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI) (Brasil, 2010).
Isso posto, começam nossos questionamentos sobre como desenvolver essa proposta e como fazer uma mediação efetiva para que a criança compreenda os conceitos básicos, seguindo uma grade curricular. Segundo nossa experiência e vivência, atuando nos anos iniciais da EF, o desenvolvimento do pensamento teórico e a apropriação dos conceitos não são realizados de forma simples. Toda relação precisa fazer sentido para a criança, intermediada por uma atividade humana consciente. O aluno precisa ser movido, a fim de aproximar-se do conhecimento, estando motivado a isso. Nesse caso, o papel da escola é organizar situações que coloquem a criança diante de conceitos que se tornem práticos e concretos para que possa explorar as suas características essenciais e raciocinar sobre os passos da resolução.
Para a criança, a mediação deve ser feita de forma lógica e estruturada. Inhelder e Piaget apontaram para “o crescimento do pensamento lógico desde a infância até a adolescência” como importantes para traçar um percurso para o desenvolvimento da inteligência. Em sua trajetória de estudos, Piaget prova que os pseudoconceitos predominam no intelecto de crianças em idade pré-escolar e estão acima dos conceitos complexos, pois os significados das palavras ainda estão sendo construídos na sua estrutura cognitiva (Inhelder; Piaget, 1958).
Em uma busca mais profunda das teorias piagetianas, encontramos Constance Kamii, aluna e colaboradora do teórico, explicando que o número é construído por cada criança a partir de todos os tipos de relações que ela cria entre os objetos e entre a linguagem matemática e o seu pensamento. Por ter concebido dois tipos de conhecimentos, o conhecimento físico e o lógico-matemático, Piaget explica que a criança irá progredir no conhecimento lógico-matemático, por meio das relações com esses objetos. Quando o aluno adquire o conhecimento de cor, por exemplo, esse conhecimento é adquirido por um processo diferente do processo de conhecimento dos números. Para essas naturezas diferentes, ele dá o nome de abstração empírica (cor) e abstração reflexiva (número). Na prática, significa que quando a criança descobre uma nova cor, ela não precisa associar novos conhecimentos, podendo ignorar as outras propriedades que virão com a cor: tipo de material, peso ou medida. O que não ocorre no caso da aprendizagem dos números, pois precisará de uma ordem e uma inclusão hierárquica (Kamii, 1992).
Além de ricas contribuições, Kamii sintetiza alguns resultados de pesquisas mostrando a importância de os professores enfatizarem o pensamento lógico-matemático com seus alunos por meio da contagem, pois contar é um dos primeiros passos que a criança dará até chegar à adição. Contudo, ele observa que não será com imposições adultas que conseguiremos tal pensamento em nossos alunos.
Pela observação do comportamento da criança, o professor atento pode inferir se ela está abordando um problema de forma intuitiva, espacial ou lógica. Com base neste tipo de observação contínua o professor pode intervir para influir no processo de pensamento da criança em vez de responder à pergunta (Kamii, 1992, p. 66).
Gréco e Meljac (1979 apud Kamii, 1992) mostram em seu conjunto de estudos que a criança já sabe contar com menos de 7 anos, porém crianças não optam pelo uso dessa aptidão quando lhe pedem que representem numericamente a quantidade exibida diante delas. Ao utilizarem o número, as crianças precisam de boas razões para contarem, pois a contagem ainda não é um instrumento totalmente confiável para elas.
Em um breve resumo, a autora sugere que o educador encoraje seu aluno a refletir logicamente em todos os momentos, até mesmo nos momentos mais inusitados, pois há a necessidade da intencionalidade ao raciocínio lógico. Como exemplo, temos a hora das refeições. Sobre esse momento, a autora propõe que ao invés de pedirmos a criança: “Pegue oito colheres, por favor”, deve-se dizer: “Criança, você pode pegar colheres para todos que estão à mesa?”. Desse modo, a criança pensará a respeito por uma boa razão intencional, calculará a quantidade de colheres e se sentirá encorajada ao raciocínio lógico (Kamii, 1992).
Em seus experimentos matemáticos com crianças da pré-escola, Vygotsky (2002) constatou que quando um adulto tenta ajudar a criança em uma tarefa, explicando a forma de se resolver um problema, essa criança não usa esses estímulos externos para organizar seus pensamentos. Sua pesquisa sugere que o uso repetido de instruções é prejudicial ao raciocínio do aluno. As operações indiretas não sugerem resultados de uma lógica pura, embora o aspecto mediador das operações psicológicas seja uma característica dos processos mentais. O teórico considera, por meio do conceito de zona de desenvolvimento proximal e numa análise rasa, a distância que existe entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento proximal, pois as crianças possuem capacidade de realização de tarefas de modo independente, sem auxílio de terceiros (Vygotsky, 2002).
Para o desenvolvimento psíquico da criança, ocorrem variações na estrutura interfuncional da consciência. Assim, para o desenvolvimento do pensamento, é essencial focar em estudos mais apurados da gênese do conhecimento, pois eles levam à conclusão de que para a comunicação infantil exige-se um significado, ou seja, o entendimento dos signos (Ivic, 2010). Em relação ao desenvolvimento dos conceitos científicos da criança pequena, o autor faz alusão às teorias de Vygotsky e Piaget.
O desenvolvimento dos conceitos, dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar. Estes processos psicológicos complexos não podem ser dominados apenas através da aprendizagem inicial (Ivic, 2010, p. 59).
Para Vygotsky, as crianças que já se utilizam da fala conseguem planejar como solucionar um problema, executando caminhos para a sua solução com uma atividade visível. Essa manipulação direta é substituída por um complexo processo psicológico, pois a motivação interior realizada a seu tempo, as estimulam no seu desenvolvimento. Portanto, com a ajuda da fala os alunos da pré-escola têm um grande aliado na resolução de problemas, adquirindo a capacidade de se tornarem sujeitos do seu próprio comportamento (Vygotsky, 1991).
Nesse processo, a linguagem é forte aliada, pois permite a construção de saberes intrínsecos, quando a criança também precisará fazer uma integração de símbolos socialmente elaborados em sua própria consciência. A fala irá atuar diretamente na organização do pensamento e do comportamento da criança, assim como da memória, nas soluções de problema e nas suas percepções, pois os instrumentos e signos também colaboram para tornarem mais eficientes as maneiras diversas de se resolver um problema.
A criança consegue internalizar os meios de adaptação social disponíveis a partir da sociedade em geral através de signos. Um dos aspectos essenciais do desenvolvimento é a crescente habilidade da criança no controle e direção do próprio comportamento, habilidade tornada possível pelo desenvolvimento de novas formas e funções psicológicas e pelo uso de signos e instrumentos nesse processo (Vygotsky, 1991, p. 83).
Para aprofundarmos nossos estudos, conheceremos os achados de Gérard Vergnaud, discípulo de Piaget, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, que se concentrou em desvendar o funcionamento cognitivo e as operações lógicas das estruturas gerais do pensamento infantil embasado nas teorias piagetianas. Ele orienta que a Matemática precisa funcionar por meio de um conjunto de noções e sistemas que se apoiam uns nos outros. A ordem como se expõe a Matemática à criança se difere da ordem realizada e compreendida da Matemática pela criança, caracterizando uma ordem não linear, mas ramificada (Vergnaud, 2009). Assim, apenas a clareza no conhecimento das noções matemáticas a serem ensinadas levarão o professor a compreender dificuldades que possam surgir, futuramente (Vergnaud, 2009).
Metodologia de pesquisa
Inicialmente foi realizada uma busca à literatura pelos principais teóricos de referência do assunto. A metodologia, portanto, traz uma abordagem qualitativa de pesquisa documental, com revisão sistemática, buscando identificar os elementos norteadores para o ensino contemporâneo do raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil (Gil, 2017).
Segundo Kitchenham (2004, p. 6),
uma revisão sistemática da literatura é um meio de identificar, avaliar e interpretar todas as pesquisas disponíveis relevantes para uma questão de pesquisa específica, ou área de tópico, ou fenômeno de interesse. Estudos individuais que contribuem para uma revisão sistemática são chamados estudos primários; uma revisão sistemática é uma forma de estudo secundário.
Os elementos de estudo observados a partir de pesquisadores e autores diversos, nos dão a oportunidade de entender e analisar posições diferenciadas sobre a nossa pergunta de partida. Esses pensamentos e essas conclusões permitem uma gama de fenômenos mais amplos (Gil, 2017).
As orientações de Kitchenham (2004) foram escolhidas para a execução da revisão sistemática, considerando-se os itens mencionados no Quadro 1.
Quadro 1: Critérios da revisão sistemática
Intervenção: Trabalhos que apresentem a temática raciocínio-lógico e Educação Infantil no ambiente escolar, levando-se em consideração a maturação do pensamento lógico da criança. |
Controle: Não definido |
Efeitos: Entender como funciona a maturação infantil no que tange ao raciocínio lógico-matemático e conhecer abordagens de ensino relevantes. |
População: Artigos, capítulo de livro. |
Período: Últimos 10 anos, de 2012 a 2022. |
Aplicação: Auxiliar professores na mediação do ensino de raciocínio lógico. |
Fonte: Kitchenham, 2004.
A partir da questão de pesquisa, apresentamos os critérios para a realização da revisão sistemática.
Quadro 2: Detalhamento dos critérios para a revisão sistemática
Critério |
Descrição |
Seleção de fontes |
Fundamentada de acordo com os dados obtidos nos trabalhos pesquisados em periódicos. |
Palavras-chave |
Raciocínio lógico Educação Infantil Ensino de Matemática Pensamento lógico-matemático Pensamento infantil Pré-escola Maturação |
Idioma de estudo |
Português |
Método de busca de fontes |
Busca em periódicos via web |
Listagem das fontes |
Google Acadêmico |
Tipo dos artigos |
Empíricos e teóricos |
Critérios de inclusão e exclusão de artigos |
Os trabalhos devem estar disponíveis na web e considerar situações envolvendo o ensino de raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil |
Fonte: Kitchenham, 2004.
A seleção dos estudos foi feita por meio da busca de artigos identificados pela temática, selecionados e verificados segundo os critérios de inclusão e exclusão. Para a extração de informações de cada estudo, após a execução do processo de seleção, foram extraídos dados, tais como, título do artigo, fonte, categoria, relevância, descrição das vivências e os aspectos de influência em ensino. Para definir os procedimentos de contextualização, as análises são voltadas para o ensino da Matemática na Educação Infantil, com foco no raciocínio lógico. Para a busca dos trabalhos, a pesquisa foi feita a partir de palavras-chave. As primeiras palavras-chave utilizadas na pesquisa foram:
“Raciocínio lógico” + “Educação Infantil”
A busca no Google Acadêmico gerou 15.800 resultados. Então, delimitamos a pesquisa com a aplicação de mais palavras-chave:
“Raciocínio lógico” + “Educação Infantil” + “Ensino de Matemática” + “Pensamento Lógico”
Como consequência dessa nova busca, obtivemos 2.160 resultados. Então, delimitamos novamente a pesquisa com a aplicação de um terceiro grupo de palavras-chave:
“Raciocínio lógico” + “Educação Infantil” + “Ensino de Matemática” + “Pensamento Lógico” + “Pensamento Infantil” + “Pré-escola” + “Maturação”
Como resposta, encontramos 751 resultados. Deles, escolhemos os trabalhos que estavam disponíveis para consulta e que apontavam caminhos para o entendimento sobre a maturação do pensamento lógico da criança em ensino pré-escolar, excluindo os trabalhos que abordavam outras áreas do conhecimento e outros níveis da Educação Básica.
A partir das análises elementares dos documentos, traremos as contribuições de um a um dentro da temática, seus resumos, estratégias e principais abordagens de ensino.
Após os levantamentos metodológicos, elegemos cinco propostas norteadoras do trabalho docente no ensino da Matemática:
Quadro 3: Resultados da busca de revisão sistemática
Título do trabalho |
Autores |
Ano de publicação |
Desenvolvimento lógico-matemático na educação infantil de criança de 4 anos |
PEREIRA, Manuela dos Santos |
2016 |
O ensino de Matemática na Educação Infantil: uma proposta de trabalho com a resolução de problemas |
CUSATI, I. C. |
2016 |
A classificação em crianças de pré-escola: contribuições do Flex Memo |
ALMEIDA, Girliane Castro de |
2017 |
A educação matemática para crianças do infantil V: refletindo as práticas de ensino |
RODRIGUES, Fabrícia Duarte |
2018 |
O uso de material manipulativo e a produção de desenhos no desenvolvimento do raciocínio combinatório na Educação Infantil |
SILVA, Ariedja de Carvalho |
2019 |
Resultados e discussões
Pereira (2016) demonstra que provocar a construção de conceitos e noções matemáticas de maneira livre permite que a criança faça relação entre as atividades e seu cotidiano, pois o conhecimento lógico-matemático está ligado à coordenação de relações mentais. Ao analisar um grupo de crianças de 4 anos de uma creche, o autor percebeu que elas apresentavam dificuldades na resolução de questões do dia a dia. Foi então que a pesquisadora deste trabalho decidiu fazer um trabalho com aulas diversificadas com a manipulação de objetos concretos, como forma de desencadear a construção e a exploração lúdica e afetiva da Matemática. Utilizando procedimentos embasados na Psicopedagogia, a docente trouxe experimentos, tais como, a exposição diária do número e da quantidade ao aluno, a separação e a seriação de objetos por cor, tamanho e formato, brincadeiras com regras e comandos claros, jogos matemáticos, blocos lógicos, quebra-cabeças e construção de jogos.
Quando a criança é bem estimulada, os efeitos negativos no seu desenvolvimento tendem a ser minimizados. Desse modo é de suma importância a preparação de aulas dentro do estágio de desenvolvimento no qual a criança se encontra, conforme afirma Pereira (2016).
Cusati (2016) também realizou pesquisas com sujeitos de quatro anos e não só concorda com a pesquisadora anterior como discorre sobre a necessidade de o professor explorar de modo contextualizado a Matemática na Educação Infantil, a fim de que a criança sinta prazer em suas construções e descobertas.
Almeida (2017, p. 92) afirma que “à medida que a criança atua sobre o objeto, ela percebe, mediante os sentidos, o que pode ou não ser feito com eles, construindo ou modificando os esquemas necessários para construção desse tipo de conhecimento. Sabemos também que “o conhecimento lógico-matemático consiste na coordenação das relações” (Kamii, 1991, p. 15). Em Almeida (2016), a criança precisa construir relações previamente articuladas a partir dos objetos ou das situações, pois o conhecimento não é inerente ao objeto.
Rodrigues (2018) fala sobre o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, trazendo interfaces entre o concreto e o abstrato, passando pela inclusão hierárquica que a criança faz dos objetos, à medida que seu entendimento amadurece. A autora endossa o RCNEI, enfatizando que o ensino da Matemática é beneficiado quando o pensamento lógico-matemático é desenvolvido, considerando-se as experiências das crianças sobre classificação, seriação e comparação, dentre outras habilidades.
Desse modo, enxergamos alguns detalhes relevantes no ensino do raciocínio lógico para a pré-escola. Ao conversar com o quadro docente, percebemos a contradição entre suas falas a respeito do ensino e de suas práticas. Ao observar as aulas, entendemos que não há um empenho, de fato, em levar às crianças à relação entre o concreto e o abstrato. Também que a utilização de técnicas tradicionais como a da memorização de números, acarreta mais interesse e curiosidade do que as propostas tradicionais de ensino (Rodrigues, 2018).
Em uma pesquisa recente, Silva (2019) coletou dados a partir de atividades aplicadas a 20 crianças em idade pré-escolar. Nelas, observou a maturação das ideias e dos pensamentos matemáticos por meio das diversas reações que tiveram quando colocadas diante de situações lógico-matemáticas. Uma delas foi a superação e a tentativa insistente de acerto, tendo em vista que as atividades eram aplicadas dentro de um contexto chamativo e interessante. Essa pesquisa, portanto, corrobora com a ideia de que é possível aplicar questões de raciocínio lógico para crianças de cinco anos, propondo a resolução de problemas com o uso de material concreto como propulsor e facilitador do aprendizado.
O que mais nos empolga nesta pesquisa é a comprovação de que, quando instigadas ao pensamento lógico, as crianças são capazes de formarem relações combinatórias, consideradas complexas, tais como, permutação e arranjo, chegando a combinar elementos e conjuntos (Silva, 2019).
Considerações finais
Pesquisas demonstram que quando a criança é posta em posição de reflexão para resolver desafios ela se sente estimulada e encorajada a raciocinar por saídas lógicas. Outro ponto importante é o uso da linguagem para a abordagem utilizada, pois acreditamos que para seguir os pensamentos construtivistas de Piaget é necessário que a criança domine uma linguagem e que o educador leve em consideração o conhecimento que ela traz consigo. Quando se apresenta a Matemática para uma criança de 4 a 6 anos de forma contextualizada, melhor ela trabalhará os conceitos.
Isso posto, concluímos que deve haver cautela nas metodologias e nas abordagens aplicadas ao ensino da Matemática às crianças da Educação Infantil. O desenvolvimento do raciocínio lógico em idade pré-escolar é fundamental para os demais ciclos de aprendizado, por isso os cálculos devem fazer sentido desde o início ao aluno, a fim de que não se transformem em um enfadonho e rotineiro processo.
Diante dos estudos que fizemos, vimos a importância de estimular e encorajar o educando a uma intencionalidade lógica, com o uso de recursos e materiais concretos que estimulem suas explorações e vivências. A Matemática deve ser viva, inserida no cotidiano do aluno para que ele veja significado e ganhe confiança ao desenvolver e articular o seu modo próprio de raciocínio.
Referências
ALMEIDA, Girliane Castro de. A classificação em crianças de pré-escola: contribuições do Flex Memo. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2017.
______; BARGUIL, Paulo Meireles. O conhecimento lógico-matemático e a Educação Infantil. In: ANDRADE, Francisco Ari de; GUERRA, Maria Aurea Montenegro Albuquerque; JUVÊNCIO, Vera Lúcia Pontes; FREITAS, Munique de Souza (orgs.). Caminhos da Educação: questões, debates e experiências. Curitiba: CRV, 2016.
BRASIL. MEC. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: maio 2021.
______. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ciências Naturais). Brasília: MEC, 1997.
CUSATI, I. C. O ensino de Matemática na Educação Infantil: uma proposta de trabalho com a resolução de problemas. Educação e Fronteiras, v. 6(17), p. 5-19, 2016. Disponível em: https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/educacao/article/view/5783.
D’AMBROSIO, Beatriz S. Como ensinar Matemática hoje? Temas e Debates, Rio Claro, ano II, nº 2, 1989.
D’AMBROSIO, U. Prefácio. In: ______. Pesquisa qualitativa em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
INHELDER, B.; PIAGET, J. The growthof logical thinking from childhood to adolescence. Trad. A. Parsons e S. Milgram. London: Routledge and Kegan Paul, 1955.
IVIC, Ivan. Lev Semionovich Vygotsky. In: COELHO, Edgar Pereira (org.). Educadores. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2010.
KAMII, C. A criança e o número: implicações da teoria de Piaget para a atuação junto a escolares de 4 a 6 anos. Campinas: Papirus, 1989.
KITCHENHAM, B. Procedures for performing systematic reviews. Keele: Keele University, 2004.
KLIMAN, M. Integrating Mathematics and Literature in the elementary classroom. Arithmetic Teacher, v. 40, n° 6, p. 318-321, 1993.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisas em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MEIRA, Luciano de Lemos; DIAS, Maria da Graça; SPINILLO, Alina Galvão. Raciocínio lógico-matemático: aprendizagem e desenvolvimento. Temas em Psicologia, n°1, 1993.
MORGADO, L. M. de A. O ensino da Aritmética: perspectiva construtivista. Coimbra: Almedina, 1993.
NACARATO, A. M. Narrar a experiência docente... um processo de (auto)formação. In: GRANDO, R. C.; TORICELLI, L.; NACARATO, A. M. (orgs.). De professora para professora: conversas sobre iniciação matemática. São Carlos: Pedro e João, 2008.
NASCIMENTO, C.; BARBOSA-LIMA, M. C. O ensino de Física nas séries iniciais do Ensino Fundamental: lendo e escrevendo histórias. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, n° 6, São Paulo, 2006.
NASCIMENTO, M. J. Rangel do. A importância do uso dos materiais manipuláveis para o despertar do raciocínio lógico-matemático em crianças do ensino primário. Revista Eletrônica Kulongesa, p. 130-138, 2021. Disponível em: https://revistas.ipls.ao/index.php/kulongesa-tes/article/view/296.
NEWMAN, F.; HOLZMAN, L. Vygotsky, cientista revolucionário. São Paulo: Loyola, 2002.
NUNES, T.; BRYANT, P. Crianças fazendo Matemática. Trad. S. Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
______; ______. Uma visão da Matemática para o ensino multidisciplinar. Conferência realizada para a Capes. Brasília: Capes, 2015.
NOVA ESCOLA, São Paulo, nº 1.023, 07 de agosto de 2015. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/7234/jean-piaget
PASSOS, C. L. B. Processos de leitura e de escrita nas aulas de Matemática revelados pelos diários reflexivos e relatórios de futuros professores. In: LOPES, C. A. E.; NACARATO, A. (orgs.). Educação Matemática, leitura e escrita: armadilhas, utopias e realidades. Campinas: Mercado de Letras, 2009.
PEREIRA, Manuela dos Santos. O desenvolvimento lógico-matemático na Educação Infantil de crianças de quatro anos. Salvador: Repositório UFBA, 2016. Disponível em: http://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/19978.
PIAGET, Jean. Biologia e conhecimento. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996.
POWELL; A. B.; FRANCISCO, J. M.; MAHER, C. A. Uma abordagem à análise de dados de vídeo para investigar o desenvolvimento de ideias e raciocínios matemáticos de estudantes. Bolema, Rio Claro, v. 17, n° 21, p. 81-140, maio 2004.
RABELO, Gabriela Moreira. Livros da Vida: memórias das crianças e em práticas pedagógicas na Educação Infantil. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, 2017.
RODRIGUES, Fabrícia Duarte. A Educação Matemática para crianças do infantil V: refletindo as práticas de ensino. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) - Centro de Formação de Professores, Universidade Federal de Campina Grande, Cajazeiras, 2018.
SELVA, A.; BRANDÃO, A. A notação escrita na resolução de problemas por crianças pré-escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 16, n° 3, p. 241-249, 2000.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007.
SILVA, Ariedja de Carvalho. O uso de material manipulativo e a produção de desenhos no desenvolvimento do raciocínio combinatório na Educação Infantil. Repositório do Centro de Educação da UFPE. Recife, 2019.
SILVA, Simone de Oliveira Andrade; LUNA, Sérgio Vasconcelos de. Correlação entre o raciocínio lógico e o raciocínio matemático em crianças escolarizadas. Bolema, Rio Claro, v. 33, n° 65, p. 1.047-1.066, 2019.
SMOLE, K. A Matemática na Educação Infantil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
______. A Matemática na Educação Infantil: a teoria das inteligências múltiplas na prática escolar [recurso eletrônico]. Porto Alegre: Penso, 2014.
VERGNAUD, G. A criança, a Matemática e a realidade: problemas do ensino da Matemática na escola elementar. Trad. Maria Lúcia Faria Moro. Curitiba: Ed. da UFPR, 2009. (Pesquisa n° 146).
______. Todos perdem quando a pesquisa não é colocada em prática. Nova Escola, seção Fala, mestre! Entrevista com Gerard Vergnaud, nº 215, set., 2008.
VYGOTSKY, L. S. Thoughtand speech. Psychiatry, v. II, nº 1, 1939.
______. Formação social da mente. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
ZACARIAS, Eloísa; MORO, Maria Lucia Faria. A Matemática das crianças pequenas e a literatura infantil. Educar, Curitiba, n° 25, p. 275-299, 2005.
Publicado em 11 de abril de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, Nalaine Moura Melo de; VICTER, Eline das Flores. O ensino-aprendizagem do raciocínio lógico-matemático na Educação Infantil. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 13, 11 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/13/o-ensino-aprendizagem-do-raciocinio-logico-matematico-na-educacao-infantil
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.