Utilização da dinâmica de reality show como estratégia de gamificação do ensino remoto de Química

Éllen Reis Silva

Graduada em Química (UESC), mestranda em Ensino na Educação Básica (PPGEEB/UFES)

Gilmene Bianco

Graduada em Química (UFSC), doutora em Química (USP), professora associada da UFES

A metodologia tradicional de ensino está presente no ambiente escolar há décadas. Nesse modelo, o professor se apresenta como elemento central do processo de ensino-aprendizagem, em um sistema expositivo de informações, tendo o educando como figura passiva do aprendizado (Leite, 2020), em uma educação que Freire (1987) apresenta como dissertadora e bancária, na qual os educadores “depositam” sobre os alunos conteúdos a serem guardados por eles. Contudo, apesar de o modelo tradicional ainda ser predominante, os questionamentos sobre sua eficiência não são recentes e, em contrapartida a ele, surgiram algumas propostas educacionais; uma delas é a ideia do uso das metodologias ativas.

O processo de ensino-aprendizagem de Química no Ensino Médio tem sido há anos um desafio enfrentado por educadores e por educandos, que muitas vezes se veem aprisionados no sistema tradicional de ensino, com aulas puramente expositivas e raras experiências laboratoriais, o que resulta em um aprendizado baseado em memorização. Por causa disso, percebe-se a utilização das metodologias ativas como estratégia para a promoção de aprendizagem efetiva. Dessa forma, surge a ideia de propor a utilização de uma metodologia ativa, a gamificação, a partir da dinâmica de um reality show com grande apelo popular, principalmente entre jovens e adolescentes, o Big Brother Brasil.

Em um mundo repleto de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), como o visto no século XXI, no qual o digital é tão real quanto o não digital, ainda mais em um contexto pandêmico como o enfrentado ao redor do mundo com a covid-19, torna-se de suma importância adaptar também a forma como se ensina por meios digitais. A gamificação pode se tornar uma grande aliada nesse processo de tornar as TDIC parte do processo de ensino, livrando-as do papel de opositora e complicadora do aprendizado. Diferentemente do que o que nome pode levar o leitor a pensar, a gamificação, de acordo com Kapp (2012), não consiste na aplicação de games para tornar as aulas menos cansativas e monótonas, mas sim na aplicação de elementos de jogos a fim de incentivar pessoas, seja no processo de aprendizagem, seja em outros meios, como no marketing, por exemplo.

O objetivo deste estudo é apresentar uma proposta de ensino baseada na gamificação de dois conteúdos de Química: modelos atômicos e atomicidade, em uma sala de 1º ano do Ensino Médio na cidade de Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia, a partir da dinâmica do reality show Big Brother Brasil, exibido pela Rede Globo. Faz-se importante ressaltar o porquê da escolha do referidoprograma, que surge da grande popularidade dele entre os alunos do Ensino Médio, principalmente no período em que este estudo se realizou, nos meses de fevereiro e março de 2021.

Metodologias ativas para uma aprendizagem significativa

As metodologias ativas apresentam uma diferença fundamental em relação ao sistema tradicional de ensino: enquanto no segundo o elemento central é o professor, nas metodologias ativas é crucial o real envolvimento dos alunos no processo de aprendizagem. Na verdade, nessas metodologias os estudantes são os agentes mais importantes do aprendizado (Leite, 2020). Para Berbel (2011, p. 29), as metodologias ativas precisam “desenvolver o processo de aprender utilizando experiências reais ou simuladas, visando às condições de solucionar, com sucesso, desafios advindos das atividades essenciais da prática social, em diferentes contextos”.

Os primeiros aprendizados da vida de um indivíduo vêm da experiência com outros indivíduos, seja aquela adquirida por ele mesmo, seja por meio de vivências ou por meio de questionamentos. Além disso, aprende-se melhor o que gera interesse em algum aspecto ao aprendiz, e é nesse sentido que o método tradicional de transmissão de conteúdos por meio expositivo pode falhar (Bacich; Moran, 2018).

Nessa perspectiva, Moran (2017) apresenta as metodologias ativas como benéficas, já que o uso delas promove também uma aprendizagem ativa, que seria mais profunda por melhorar a capacidade de se adaptar a situações inesperadas e por não estarem presas ao autoritarismo, que, segundo o autor, não é tão eficiente como muitos imaginam. Ainda para o autor, “aprendemos melhor através de práticas, atividades, jogos, projetos relevantes do que da forma convencional, combinando colaboração (aprender juntos) e personalização (incentivar e gerenciar os percursos individuais)” (Moran, 2017, p. 23).

Sendo assim, as metodologias ativas se mostram como grandes aliadas do processo de ensino-aprendizagem, já que os conteúdos ensinados no ambiente escolar devem estar de alguma forma associados ao mundo não escolar dos alunos para, assim, terem algum significado e poderem de fato ser aprendidos pelos estudantes (Leite, 2020; Moran, 2007). Para tal, até mesmo a escolha de qual metodologia ativa utilizar deve ser criteriosa, pois não se pode aplicar qualquer uma delas em qualquer contexto; elas devem ser escolhidas de acordo com os objetivos que se planeja alcançar. Soma-se a isso o fato de que as metodologias ativas devem ser bem aplicadas para atingir esses objetivos (Moran, 2015).

Para esse autor,

em um sentido amplo, toda aprendizagem é ativa em algum grau, porque exige do aprendiz e do docente formas diferentes de movimentação interna e externa, de motivação, seleção, interpretação, comparação, avaliação, aplicação [...] A aprendizagem mais profunda requer espaços de prática frequentes (aprender fazendo) e de ambientes ricos em oportunidades. Por isso, é importante o estímulo multissensorial e a valorização dos conhecimentos prévios dos estudantes para “ancorar” os novos conhecimentos (Moran, 2018, p. 38-39).

Apesar de muitas metodologias ativas fazerem uso das TDIC, a concepção de metodologias ativas surge com a Escola Nova pensada por William James, John Dewey e Édouard Claparède, na qual o ensino deveria se dar pela experiência; é a ideia do learning by doing. Essa experimentação levaria o estudante também a associar os novos conhecimentos àqueles já adquiridos por ele durante a sua vida (Bacich; Moran, 2018). Nessa perspectiva, pode-se apontar ainda o pensamento de Freire (2011), quando ele afirma que o professor deve respeitar a “leitura de mundo” que o educando traz consigo para o ambiente escolar, já que as novas leituras realizadas na escola não são contrárias nem anulam as que o estudante já realizou previamente, mas podem ser basilares para a feitura de novas leituras.

Segundo Ausubel (1968), em sua Teoria da Aprendizagem Significativa, os novos conhecimentos devem ser relacionados àqueles que já existem para que a aprendizagem seja de fato significativa. Dessa forma, as metodologias ativas podem contribuir para que o educando e o educador juntos alcancem a aprendizagem significativa que tanto desejam e os novos conhecimentos não sejam armazenados de maneira arbitrária e temporária pelos estudantes. Para o autor, a aprendizagem significativa é mais bem alcançada com materiais potencialmente significativos, mas nem mesmo esses materiais podem garantir que a aprendizagem seja realmente significativa.

Outro fator importante para a aprendizagem significativa, de acordo com Ausubel (1980), é o que o aprendiz sabe, quais ideias são relevantes ao aluno e podem ser relacionadas a novos conhecimentos. Não se deve pensar em simplesmente relacionar novas informações a conhecimentos que o educador considera relevantes, já que os seres humanos são particulares; então, questões como idade, condições de vida e ocupação devem ser levadas em conta pelo educador na produção do material potencialmente significativo.

Dessa forma, nota-se a importância de conhecer, de certa forma, os estudantes que são o alvo dessa aprendizagem significativa. Freire (2015, p. 94) expõe que

procurar conhecer a realidade em que vivem nossos alunos é um dever entre outros que a prática educativa nos impõe. Sem conhecer a realidade de nossos alunos, não temos acesso à maneira como pensam, dificilmente podemos saber o que sabem e como sabem.

Percebe-se então que a metodologia ativa não transforma magicamente toda aprendizagem em significativa, nem toda aprendizagem significativa está atrelada a uma metodologia ativa. Porém, se bem aplicada, pensando nos objetivos que se deseja alcançar e no público-alvo do aprendizado, os estudantes, como indivíduos que carregam bagagens e conhecimentos preexistentes, uma metodologia ativa pode, sim, ser uma colaboradora importante da aprendizagem significativa.

Por que utilizar a gamificação como metodologia ativa na educação?

A gamificação será tratada neste artigo como metodologia ativa de ensino, porém não foi na educação que a estratégia surgiu. Segundo Kapp (2012), a utilização do termo gamification se deu primeiramente no ano de 2008 no mundo digital, mais especificamente na indústria de mídias digitais, mas só alcançou maior difusão a partir de 2010, sendo então um termo relativamente novo. Mas como definir a gamificação? Para Zichermann e Cunningham (2012), seria o processo de utilizar elementos que geralmente estão presentes nos jogos para incentivar as pessoas a resolver alguns problemas. Nessa mesma linha de pensamento, Kapp (2012, p. 10) apresenta a gamificação como “o uso de mecânicas, estéticas e pensamentos dos games para engajar pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas” e como “aplicação cuidadosa e considerada do pensamento dos games para resolver problemas e encorajar o aprendizado usando todos os elementos dos games que forem apropriados” (Kapp, 2012, p. 15).

Lee e Hammer (2011) afirmam que, apesar de a gamificação ser mais utilizada na área do marketing, para a promoção de negócios, alguns produtos e até mesmo de um estilo de vida, a gamificação tem grande potencial para ser utilizada como estratégia de motivação para o aprendizado nos ambientes escolares. Os autores justificam o uso da gamificação no processo de ensino a partir da perspectiva de que a escola já utiliza alguns elementos dos games, afinal, a escola “recompensa” ou “pune” os alunos de acordo com seus comportamentos, ganham pontos se fizerem trabalhos e atividades da maneira considerada correta e passam de nível quando depois de um ano letivo conseguem conquistar pontos suficientes para tal. Porém, apesar desses elementos, os autores percebem que a escola falha em engajar os estudantes nessa experiência.

Por causa disso, utilizar outros elementos dos games, sejam eles digitais ou não, poderia ser observado como uma forma melhor de engajar os estudantes a fim de obter um aprendizado efetivo (Lee; Hammer, 2011). Logo, a gamificação também deve se preocupar em “analisar os elementos presentes no design de jogo que o fazem ser divertido e adaptar esses elementos a situações que normalmente não são consideradas jogos” (Schlemmer, 2014, p. 77). Percebe-se então que a gamificação não pode ser apenas o processo de aplicar elementos dos jogos em ambientes fora dos jogos, mas, como em qualquer outra metodologia ativa, deve-se investigar cautelosamente quais elementos aplicar e como aplicá-los.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa foi realizada em caráter qualitativo, que não se ocupa com números e quantificações, e sim com uma melhor compreensão sobre um dado grupo social – neste caso estudantes da 1ª série do Ensino Médio de uma instituição educacional privada da cidade de Teixeira de Freitas/BA durante as aulas de Química. Por causa da pandemia da covid-19, a aplicação da proposta de ensino se deu durante as aulas regulares de Química, de maneira remota, através do Google Meet, em um período de 15 dias, entre os dias 22 de fevereiro e 8 de março do ano de 2021, o equivalente a oito aulas de 50 minutos cada em turma de cerca de vinte alunos.

A pesquisa foi realizada em três etapas: desenvolvimento de uma proposta de gamificação de conteúdos de Química a partir da dinâmica do Big Brother Brasile suas respectivas etapas, observando quais elementos do reality show poderiam ser adaptados para essa proposta; desenvolvimento dos jogos que foram utilizados na proposta; exposição e explicação do funcionamento da proposta para os alunos e aplicação do projeto de gamificação em uma turma de 1º ano do Ensino Médio.

Escolha de elementos do reality show adaptáveis à proposta de gamificação

O reality show Big Brother Brasiltem vários elementos próprios, mas para a realização da proposta de gamificação apenas alguns aspectos foram selecionados, como o próprio nome escolhido para a proposta apresentada aos alunos, Big Brother Química (BBQ), entre outros elementos apresentados no Quadro 1.

Quadro 1: Elementos do reality show Big Brother Brasil adaptados à proposta de gamificação

Elementos

Atribuições no reality

Atribuições no BBQ

Líder

Escolhido semanalmente em provas diversas, tem o poder de ficar imune (não ser indicado ao “paredão”) e indicar alguém ao paredão.

Escolhido a partir de provas de conhecimento ou de sorte, fica imune ao paredão.

Anjo

Escolhido semanalmente em provas diversas, tem o poder de imunizar outro participante.

Escolhido semanalmente em provas diversas, tem o poder de imunizar outro colega.

Emparedados

Escolhidos pela votação geral dos participantes do reality e do líder da semana.

Sorteados entre todos os participantes que não estiverem imunes.

Paredão/

Eliminação

Processo de eliminação realizado por votação popular.

Processo de eliminação realizado em disputas com jogos didáticos sobre os conteúdos estudados.

Eliminados

Participantes mais votados pelo público entre os emparedados.

Participantes com menor pontuação nas provas de eliminação. Passam a ser o público do BBQ, podendo ajudar na realização de algumas provas.

Campeão

Participante que chegar à última semana do reality show e for mais votado pelo público, ganhando R$ 1,5 milhão.

Participante que chegar à última semana do BBQ sem ser eliminado e tiver a maior pontuação na rodada final, ganhando um ponto e meio extra.

As adaptações foram pensadas para não causar atritos entre os estudantes que participaram da proposta e de tornar os elementos possíveis de serem aplicados.

Jogos e desenvolvimento dos jogos

Para a realização da proposta de gamificação foram desenvolvidos cinco jogos, todos eles a partir do site Canva™. Todas as provas foram realizadas completamente online, com recursos visuais, quiz, prova de sorte ou tabuleiro, sendo mostrados via apresentação de tela do Google Meet para que todos os alunos pudessem observá-los.

Quadro 2: Provas (jogos didáticos) utilizados no BBQ, suas regras e funcionamento

Prova (jogo didático)

Funcionamento e regras

Quiz do líder (prova do líder e do anjo)

Disputado em duplas, com a ordem das duplas sendo sorteada. O quiz (Figura 1) possuía perguntas objetivas com diversos níveis de dificuldade sobre modelos atômicos. A dupla com a maior pontuação disputou uma rodada bônus, em que o aluno com maior pontuação recebeu o título de líder, e o outro aluno recebeu o título de anjo da rodada.

Pontuação: cada resposta correta equivalia a 5 pontos;

Cada resposta incorreta equivalia a -3 pontos.

Jogo das cartas coloridas

(paredão – prova de eliminação)

Disputado individualmente pelos cinco alunos emparedados, com ajuda de um consultor (aluno que não emparedado na etapa) escolhido pelo aluno emparedado. A disputa (Figura 2) foi dividida em três etapas:

1ª Etapa: perguntas com valor de 2 pontos; 2ª Etapa: perguntas com valor de 5 pontos; 3ª Etapa: perguntas com valor de 7 pontos.

Em cada etapa havia cinco cartas virtuais de diferentes cores, cada uma correspondendo a uma pergunta discursiva de resposta curta sobre modelos atômicos. Os não emparedados tinham o poder de escolher uma cor de pergunta para cada emparedado, e este devia responder à pergunta correspondente à cor escolhida.

Ao final, os dois alunos com menor pontuação foram eliminados. Os três alunos não eliminados ganharam a chance de disputar a prova do líder.

Líder de sorte

(prova do anjo e do líder)

A disputa (Figura 3) envolveu apenas sorte. Os candidatos a líder puderam escolher dois entre seis balões virtuais de diferentes cores. Apenas um dos balões concedia o direito à liderança; o aluno que o escolheu foi o líder da etapa. Os demais alunos disputaram o anjo, escolhendo entre vinte nuvens numeradas, mas apenas uma nuvem ofertava o direito de ser o anjo.

BBQ Game

(paredão - prova de eliminação)

Disputado em trios, o jogo (Figura 4) se realizou a partir de um tabuleiro virtual, com casas que correspondiam a perguntas discursivas ou de verdadeiro ou falso sobre a estrutura do átomo e outras casas correspondentes a punições, como voltar três casas ou não jogar naquela rodada.

Regras: a ordem das jogadas foi decidida a partir de dados. Os grupos com maiores pontuações nos dados foram os primeiros e aqueles com menores foram os últimos a jogar.

Jogava-se o dado e o trio podia andar a quantidade de casas correspondente ao número presente no dado apenas ao acertar a pergunta presente na casa. Os dois trios com menor pontuação final foram eliminados.

Quiz final

(prova final)

Semelhante ao quiz do líder, porém disputado individualmente e sobre modelos atômicos e estrutura do átomo, sendo considerado campeão o aluno com maior pontuação; porém o segundo e o terceiro lugares também foram premiados.

Figura 1: Parte inicial do quiz do líder, utilizado como prova do líder e do anjo na primeira etapa do BBQ

Figura 2: Parte inicial da prova de eliminação do primeiro paredão do BBQ

Figura 3: Prova Líder de Sorte, utilizada como prova do líder e do anjo na primeira etapa do BBQ

Figura 4: Tabuleiro utilizado para a última prova de eliminação do BBQ

Aplicação da proposta de gamificação

Ao projeto foi dado o nome de Big Brother Química (BBQ) (Figura 5); para sua realização, as aulas foram divididas em três momentos: momentos de revisão do conteúdo com base em questionamentos dos próprios estudantes; discussão em duplas e trios sobre o conteúdo; e provas de conhecimentos sobre os conteúdos e de sorte, realizadas por meio de jogos didáticos em formato digital, de tabuleiro, de cartas, e quiz formulados com o uso do site Canva™. A partir dessas provas, eram selecionados os líderes, anjos, emparedados e eliminados da semana (nomes e conceitos retirados do reality show citado) durante as duas semanas de aula, até uma rodada final, em que os três alunos com melhor pontuação de cada sala foram premiados com pontuação extra.

Figura 5: Parte da apresentação utilizada para introduzir o projeto Big Brother Química (BBQ) para os alunos

Após a culminação da última prova, os alunos foram convidados a debater os conteúdos abordados durante o BBQ, as dificuldades enfrentadas por eles durante as etapas do projeto e sobre quais haviam sido os pontos mais positivos e negativos, segundo eles, em relação ao BBQ. As aulas se dividiram da seguinte forma (Quadro 3):

Quadro 3: Organização das aulas realizadas no BBQ

Aula

Etapas da proposta de gamificação

Primeira aula

Revisão de conteúdo de modelos atômicos (modelos de Dalton, Thomson, Rutherford e Bohr) com base nos questionamentos dos estudantes.

Segunda aula

Realização da prova do líder e do anjo a partir do Quiz do Líder.

Terceira aula

Formação de paredão em um sorteio de cinco alunos, utilizando o site Sorteador, entre aqueles que não estavam imunizados. Após o sorteio, os alunos no paredão podiam formar duplas ou trios e se reunir em salas temáticas do Google Meetpara discutir o assunto de modelos atômicos e se preparar para a prova de eliminação.

Quarta aula

Realização da prova de eliminação/paredão a partir do Jogo das Cartas Coloridas, culminando na eliminação de dois participantes.

Quinta aula

Revisão de conteúdo de estrutura do átomo (número atômico, número de massa, massa do elemento e conceitos de isótopos, isóbaros e isótonos) a partir dos questionamentos dos estudantes.

Sexta aula

Realização da prova do líder e do anjo a partir do jogo Líder de Sorte, seguido de formação de paredão com todos os alunos formando trios entre todos os alunos não imunes para disputar o próximo paredão juntos, podendo se reunir em salas temáticas do Google Meetpara discutir o assunto de estrutura atômica para a prova de eliminação.

Sétima aula

Realização da prova de eliminação/paredão, a partir da prova BBQ Game, culminando na eliminação de dois trios, seis alunos.

Oitava aula

Realização da final do BBQ, a partir do Quiz Final resultando em primeiro, segundo e terceiro lugares entre os alunos que mais pontuaram, sendo premiados com pontos extras.

Resultados e discussões

O projeto foi recebido com bastante animação por parte dos alunos; eles já haviam sido provocados sobre a possibilidade de unir Química e o Big BrotherBrasil a partir da divulgação de uma imagem sugestiva no Instagram da instituição (Figura 6).

Figura 6: Imagem utilizada na divulgação do Big Brother Química

Um dos maiores objetivos da proposta de gamificação aplicada foi aumentar o engajamento dos alunos nas aulas online no período de pandemia, o que pôde ser observado com o passar das aulas. Ao total, a turma contava com dezoito alunos; todos se engajaram inicialmente com a proposta; porém, a partir do paredão da segunda etapa, notou-se certa resistência de três alunos que ainda estavam na disputa pelo prêmio final, mas, no geral, mesmo os alunos já eliminados se mostraram interessados até a rodada final, o que havia sido uma preocupação inicial, e que levou a se pensar em como torná-los parte ativa da proposta mesmo após a eliminação, o que se deu com base em suas contribuições durante as provas, ajudando na aplicação dos jogos e colaborando com outros colegas.

Por ter sido aplicado durante o período de maior sucesso do reality show, os alunos demonstraram grande interesse e curiosidade pelo que viria; então, quando o projeto foi iniciado, mesmo nos períodos de revisão, os estudantes tiravam dúvidas avidamente e discutiam bastante o assunto, a fim de se preparar para as provas que viriam. Ao fim, após as premiações serem realizadas, foi realizado um debate quanto à percepção deles sobre o BBQ. Nesse debate, alguns alunos disseram que se interessaram mais pela disciplina de Química nesse período e acharam uma experiência bastante diferente daquilo que já haviam realizado na disciplina. Um ponto que alguns estudantes apontaram como negativo da experiência se relaciona ao fato de que tudo foi realizado de maneira remota, por causa da pandemia, o que realmente foi, por algumas vezes, um empecilho para um melhor desenvolvimento das atividades da proposta.

Faz-se importante observar também as maiores dificuldades e facilidades deles em relação aos assuntos aplicados e às perguntas feitas, o que pode ser verificado na Tabela 1.

Tabela 1: Quantidade de acertos, em porcentagem, dos alunos em relação às perguntas feitas durante as provas do BBQ

Conteúdo

Acertos em perguntas discursivas

Acertos em perguntas objetivas

Acertos em questões de cálculo

Modelos atômicos

 69,2%

72,3%

Não aplicável

Estrutura atômica (número de massa, número de prótons e massa do elemento)

74,6%

80,8%

83,4%

Isótopos, isóbaros e isótonos

Não aplicável

81,6%

82,1%

Total de acertos

77,7%

Com base nesses números, notou-se maior dificuldade em aplicar os conhecimentos de modelos atômicos às perguntas, sobretudo quando eram discursivas. Notou-se também contingente bastante alto de acertos em questões de cálculos, porcentagem ainda maior do que em perguntas objetivas e discursivas, o que não costuma ocorrer com grande frequência na maioria dos conteúdos de Química, mas foi observado na aplicação dos conteúdos expressos na Tabela 1. Contudo, observando de maneira geral, houve acerto de 77,7% das questões propostas.

Destaca-se, ainda, que, das quatro provas, duas puderam ser realizadas em duplas e uma em trios, o que pode ter facilitado a experiência, elevando a quantidade de acertos dos alunos. Apesar disso, durante a experiência foi possível notar boa compreensão das turmas acerca dos conteúdos abordados pelas provas e maior participação nas aulas. Geralmente, dos dezoito alunos, apenas seis costumavam participar ativamente das aulas, enquanto durante o BBQ cerca de quinze alunos, dos dezoito, participavam de maneira ativa das aulas, melhorando bastante o rendimento delas. A maior participação pode se dever, em parte, ao fato de que as câmeras de todos os alunos precisavam estar ligadas durante as aulas para assegurar que todos estavam com as mesmas condições de participação.

Por outro lado, a maior participação também pode ser advinda de um tipo de motivação extrínseca, obtida pela premiação dos primeiros colocados, talvez de algumas motivações intrínsecas ao indivíduo (Moran, 2015), como também o fato de que o próprio game, segundo Kapp (2012, p. 7), é “um sistema em que os jogadores se engajam em um desafio abstrato, definido por regras, interatividade e feedback, que resulta em uma saída quantificável e frequentemente provoca uma reação emocional”.

Considerações finais

Levando em consideração a dificuldade enfrentada por muitos alunos no processo de ensino-aprendizagem de Química, percebe-se a gamificação como uma aliada e facilitadora dele, contribuindo para um bom desenvolvimento da prática docente e da aprendizagem ativa dos estudantes, que não participaram apenas como espectadores do conhecimento, e sim como agentes principais desse processo de aprendizagem. Some-se a isso a popularidade do reality show escolhido como pano de fundo foi fundamental para melhor interesse por parte dos estudantes, alcançando então bons resultados na aplicação da proposta, aumentando o engajamento dos alunos nas aulas online durante a pandemia.

Além disso, tendo em vista que o objetivo inicial deste trabalho era apresentar uma proposta de ensino baseada na gamificação de um conteúdo de Química: modelos atômicos em uma turma de 1º ano do Ensino Médio com base na dinâmica do reality show Big Brother Brasil, exibido pela Rede Globo, acredita-se que ele tenha sido devidamente alcançado. É possível perceber como a gamificação pode se apresentar na prática e como a pandemia da covid-19 afetou o projeto, que, apesar de ter sido possível, acabou sendo limitado por causa dela.

Entende-se ainda que essa proposta de gamificação, BBQ, pode ser aplicada de maneira presencial, com alunos de outros anos do Ensino Médio e utilizando outros temas, preferencialmente aqueles nos quais se observa maior dificuldade de compreensão por parte dos alunos, a fim de que haja melhora no processo de aprendizagem. Percebe-se também sua utilidade para o trabalho em outras disciplinas, mediante a adaptação de conteúdo curricular.

Referências

AUSUBEL, D. P. Educational psychology: a cognitive view. Nova York: Holt, Rinehart and Winston, 1968.

______; NOVAK, J. D.; HANESIAN, H. Psicologia educacional. 2ª ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.

BACICH, Lilian; MORAN, José (orgs.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. São Paulo: Penso, 2018.

BERBEL, N. A. N. As metodologias ativas e a promoção da autonomia de estudantes. Semina: Ciências Sociais e Humanas, v. 32, nº 1, p. 25-40, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

______. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 24ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.

KAPP, K. The gamification of learning and instruction: Game-based methods and strategies for training and education. San Francisco: Pfeiffer, 2012.

LEE, Joey; HAMMER, Jessica. Gamification in Education: what, how, why bother? Academic Exchange Quarterly, v. 2, nº 15, p. 1-5, jan. 2011.

LEITE, Bruno Silva. Tecnologias digitais e metodologias ativas no ensino de Química: análise das publicações por meio do corpus latente na internet. Revista Internacional de Pesquisa em Didática das Ciências e Matemática, Itapetininga, v. 1, p. 1-19, jul. 2020.

MORAN, José. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 2ª ed. Campinas: Papirus, 2007.

______. Educação híbrida: um conceito chave para a educação, hoje. In: BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. M. (orgs.). Ensino híbrido: personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015

______. Mudando a educação com metodologias ativas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. v. II. Ponta Grossa: Foca Foto- Proex/UEPG, 2015. p. 15-33. Coleção Mídias Contemporâneas. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4941832/mod_resource/content/1/Artigo-Moran.pdf. Acesso em: 13 ago. 2021.

______. Metodologias ativas e modelos híbridos na educação. In: YAEGASHI, Solange e outros (orgs.). Novas tecnologias digitais: reflexões sobre mediação, aprendizagem e desenvolvimento. Curitiba: CRV, 2017. p. 23-35.

SCHLEMMER, Eliane. Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão. Revista da Faeeba: Educação e Contemporaneidade, v. 23, nº 42, p. 73-89, jul./dez. 2014.

ZICHERMANN, Gabe; CUNNINGHAM, Christopher. Gamification by design. Implementing Game Mechanics in Web and Mobile Apps. Ottawa: O’Reilly Media, 2011.

Publicado em 11 de abril de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Éllen Reis; BIANCO, Gilmene. Utilização da dinâmica de reality show como estratégia de gamificação do ensino remoto de Química. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 13, 11 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/11/utilizacao-da-dinamica-de-reality-show-como-estrategia-de-gamificacao-do-ensino-remoto-de-quimica

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.