E agora, diretor, a quem é que vou culpar?

Máximo Luiz Veríssimo de Melo

Graduado em História (UERN), especialista em História do Brasil República (UERN), mestre em Ciências da Educação (ISEL), doutor em Ciências da Educação (EBWU/EUA), membro da Comissão Estadual Central de Gestão Democrática, servidor da SEEC/RN

O diretor ou gestor escolar de uma unidade pública é um servidor público que assume a frente de uma unidade escolar para gerir seu funcionamento e fazer com que a escola consiga atender seu público da melhor maneira possível e, principalmente, consiga desempenhar sua principal função social, que é o processo de ensino-aprendizagem de seus alunos com qualidade e eficiência, permitindo que eles se tornem cidadãos críticos e conscientes de seus deveres e obrigações como pertencentes a uma sociedade.

A assunção à função de diretor escolar atualmente é um processo que acontece de modo diferente nos entes federativos brasileiros. Na maioria dos municípios e estados, ainda prevalecem as indicações e nomeações políticas, em que o gestor do Poder Executivo municipal ou estadual (prefeito ou governador) nomeia um servidor quase sempre indicado por algum cabo eleitoral. O diretor escolar é um cargo comissionado, devendo seguir ordens e orientações do Executivo.

Em outros municípios e estados (a minoria), a assunção se dá por meio de eleições diretas, regulamentadas por lei, em que o diretor é escolhido democraticamente por toda a comunidade escolar (professores, funcionários, pais e alunos), que, pelo voto, escolhe um servidor que atendeu a certos pré-requisitos estabelecidos e se submeteu ao processo, formando uma chapa e concorrendo ao pleito. Outra maneira de assunção à função de diretor escolar praticada em alguns lugares é por meio de concurso público (a imensa minoria).

Nos dois últimos modos, costumam ser estabelecidos critérios para que o candidato esteja apto a concorrer ao cargo/função de gerir uma unidade escolar, enquanto para o diretor escolhido e indicado politicamente o critério que define a nomeação é basicamente um: o candidato ser eleitor e defensor do gestor do Executivo municipal e/ou estadual.

Com relação ao modo de fazer a administração, o gestor escolhido por meio político está mais associado a uma gestão em que o diretor é que manda em tudo e em todos, gerindo a escola sozinho, como um ditador, sem ouvir a comunidade escolar. Ou seja, está associado a uma forma de gestão que não se pode considerar democrática, além de o gestor ter o rabo preso ao Executivo. O gestor eleito está associado ao que chamamos gestão democrática, em que o diretor escuta os conselhos constituídos na escola (conselho escolar, de classe etc.). Enfim, faz a gestão compartilhando as decisões com toda a comunidade escolar. Nessa forma de escolha, o gestor tem mais autonomia e liberdade em relação ao Executivo, pois não tem rabo preso e não deve favor nenhum a ele.

O tempo de mandato também muda, dependendo do modo de assunção. Na verdade, não há um tempo definido, regulamentado. O diretor pode ficar durante todo o tempo de mandato do gestor do Executivo ou pode ser exonerado a qualquer momento, quando aja em desconformidade com alguma orientação ou ordem do Poder Executivo. Enquanto isso, o mandato do diretor eleito democraticamente tem tempo predeterminado na lei municipal ou estadual que regulamenta a forma de assunção ao cargo. Esse tempo normalmente varia entre dois e três anos, dando direito a uma única reeleição.

Independentemente da maneira de assunção à função de diretor, este, ao assumir a função, assume também seu ônus e seu bônus (quase sempre mais ônus). A função de diretor escolar requer que ele faça a gestão da escola, o que envolve muitos aspectos e dimensões, como o pedagógico, o administrativo e o financeiro. Envolve também questões de gestão de pessoas, de relacionamento e interação escola-comunidade, conflitos de interesses, indisciplinas tanto de alunos quanto de funcionários etc. E muitos acham que a gestão da escola envolve e se resume a isso. Mas não é somente isso.

Engana-se quem pensa que a gestão de uma escola se resume a coisas e situações que estão perfeitamente previstas e contempladas nos documentos, leis e normas que regem a educação e os processos eleitorais, quando é o caso. A gestão envolve muitas outras coisas. Quem assume a gestão de uma unidade escolar descobre isso na prática. O gestor escolar vivencia situações que nunca imaginava viver no “chão de escola” e descobre a quantidade de coisas e problemas de que ele passa a ser o responsável e o único que deve tomar a frente e procurar resolver, encontrar uma solução e, de imediato, para aquele problema.

Entre 2014 e 2017, fui gestor de uma escola, eleito democraticamente em um pleito onde votaram alunos, pais, funcionários e professores da escola. Exercendo a função de diretor dessa escola, pude vivenciar inúmeras situações às vezes até inusitadas e inesperadas. Algumas que não imaginava serem possíveis de acontecer, mas que aconteceram – e acontecem – às vezes até com muita frequência.

Sendo diretor escolar, pude perceber o quão difícil e complexa é a realidade de um “chão de escola”. Como professores, imaginamos que os problemas de uma escola estão relacionados somente aos alunos, como dificuldades de aprendizagem, indisciplina, problemas burocráticos e administrativos da gestão etc. Como diretor, descobri a quantidade de coisas e situações que estão presentes e fazendo parte de todo o processo de ensino-aprendizagem no interior de escolas em minha cidade, e tudo contribui para o processo educativo e de ensino-aprendizagem. E essa realidade é, com certeza, presente em todo o Brasil.

Em 2017, nos últimos dias de mandato, na última ação e último evento da minha gestão na escola, que também foi uma prestação de contas do mandato, uma professora recitou alguns versos autorais que conseguem resumir e expressar de maneira criativa e inteligente um pouco das coisas, problemas e situações que surgem e acontecem numa escola que fogem ao que se encontra escrito nos manuais e até em leis, normas, resoluções etc. Alguns desses versos diziam:

E agora, diretor,

A quem é que vou culpar?

Se o lanche for ruim?

Se a água se acabar?

Se a impressora der o prego?

E se o ônibus não passar?

Me responda, diretor,

A quem é que vou culpar?

Mariana Moura

Como se pode observar, o diretor escolar, ao assumir a gestão, passa a lidar com uma quantidade enorme de situações e problemas; ele passa a ser o responsável único por todo o funcionamento da unidade escolar e culpado por tudo que acontece no “chão da escola”. Por mais que faça uma gestão democrática, compartilhando decisões com a comunidade escolar, sempre haverá inúmeras situações e problemas corriqueiros que surgem do nada, às vezes de modo inesperado, e ele deve agir rapidamente e procurar uma solução muitas vezes botando mesmo a mão na massa, se sujando, se molhando, correndo o risco de choque elétrico, de cair de um muro ou telhado etc.

O diretor escolar, vez ou outra, para não ver os problemas da sua unidade escolar se acumulando, mexe numa tomada ou interruptor de luz, conserta um cano de água que estourou, sobe numa caixa d’água para ver se está vazia, sobe no telhado para trocar uma telha quebrada etc. Assim, o diretor escolar é o culpado de tudo que não funciona bem na unidade escolar.

A gente costuma ouvir dos nossos colegas professores, e até fala também, que hoje o professor, além de ter que ser um bom educador, dominando e sabendo ministrar muito bem sua disciplina, deve ser também psicólogo, terapeuta, médico, pai, mãe etc. Aqui complemento e digo que o professor na função de diretor escolar, além de continuar sendo um bom educador, passa a ser um burocrata administrativo e deve acumular as funções de encanador, pedreiro, pintor, eletricista etc.

Contudo, finalizo dizendo e aconselhando todo professor que procure também ter essa experiência de ser gestor, diretor de unidade escolar. Só assim, poderemos saber, compreender e aprender o quanto o processo de educar é complexo, mas, ao mesmo tempo, a quantidade de experiência que adquirimos é enorme. O conhecimento que essa experiência nos traz é gigantesco. Afinal, para quem defende a gestão escolar democrática, é preciso que mais pessoas, servidores, tenham essa vontade de se disponibilizar e colocar seu nome para concorrer a essa função; afinal, uma unidade escolar não deve ficar sem aquele em quem devemos sempre colocar a culpa.

Publicado em 18 de abril de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MELO, Máximo Luiz Veríssimo de. E agora, diretor, a quem é que vou culpar? Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 14, 18 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/14/e-agora-diretor-a-quem-e-que-vou-culpar

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