Exposição excessiva às telas digitais e suas consequências para o desenvolvimento infantil
Andrey Lopes de Souza
Professor da UFVJM
Maria Sônia Antunes Mascarenhas
Psicóloga, professora especialista
Bianca Roberta Silva Cardoso
Graduada em Pedagogia (Funorte)
Rafaela Santos de Jesus
Graduada em Pedagogia (Funorte)
As gerações que nasceram no século XXI vivem imersas em um mundo digital marcado pelo paradigma técnico-científico informacional que promove comunicação rápida e instantânea. É possível notar que as crianças estão cada vez mais cedo conectadas às telas como meio de entretenimento (e comunicação). Desse modo, o uso exacerbado das tecnologias em especial pelo público infantil levou-nos à análise e à reflexão profunda sobre seus limites, suas possibilidades e possíveis consequências.
A análise da relação entre tecnologia e sociedade não é recente. Manuel Castells (1999), ao analisar a emergência da internet no ano de 1969 nos EUA, a Arpanet, e a sua proliferação no mundo, intitula esse novo contexto de “Sociedade em rede”, um período de troca de informações instantâneas e em tempo real.
As redes não são vistas apenas do ponto de vista negativo, mas como produtoras de cultura, de espaço de sociabilidades, de criatividade e de importantes ações humanas. Por outro lado, críticas são tecidas. Christoph Turcke (2010) intitula a atualidade como “Sociedade excitada” ou “Sociedade da sensação”, destacando, por meio de mecanismos high-tech, que esse tempo tem contribuído para levar as novas formas de intensificação de estímulos ao limite, como verdadeiras drogas. Ele alerta que os super celulares e as ferramentas digitais de enunciação imagética são drogas que levam a vícios de comportamento e desviam a consciência dos sujeitos sociais da vida real.
Assim, visualizamos a urgência de mais pesquisas e divulgações de informações detalhadas e científicas sobre esse hábito, haja vista o número reduzido de estudos sobre o tema no campo da educação que analisam os benefícios e os malefícios da tecnologia às crianças, considerando todas as suas vertentes.
Em relação à infância contemporânea, é possível perceber que as novas tecnologias tomaram conta dos hábitos e das sociabilidades dos indivíduos. Até chegarmos na concepção de infância mais próxima da que temos hoje, a criança da Idade Média era vista sob uma crença “naturalista”, como parte de um ciclo de morte e renascimento, sobretudo como representação dos seus avós, assegurando a continuidade da família. “Cada indivíduo descrevia um arco de vida, mais ou menos longo, segundo a duração de sua existência, saía da terra através de sua concepção e a ela voltava através da morte” (Gélis, 1991, p. 305).
No final do século XIV, uma maior atenção foi dada a crianças que sofriam de enfermidades e precisavam de cuidados e alimentação. Nesse período, percebe-se um estreitamento nas relações afetivas da criança, a fim de preservar-lhe a vida. Gélis (1992) considera que o sentimento de infância sempre existiu, conforme as características, as crenças e as estruturas de pensamento da época. Uma visão detalhada sobre a infância foi surgindo progressivamente e aos poucos a criança foi percebida de forma integral, a partir do seu desenvolvimento social e cognitivo. “Somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós” (Heywood, 2004, p. 10).
Sigmund Freud (1905) faz sua contribuição a respeito do conceito de infância, revelando a importância da estruturação do psiquismo nos primeiros anos de vida para se chegar à fase adulta. Na perspectiva freudiana, Bee e Boyd (2011) salientam que o desenvolvimento é constituído a partir da sexualidade, ou seja, a partir da relação da criança com o seu próprio corpo. Até os três anos, a criança perpassa por duas etapas: a oral e a anal. Na oral, conhece o mundo por meio da boca. Por essa razão, leva tudo o que pega à boca. Nessa fase, algumas percepções são importantes, como a auditiva e a visual. Já na etapa anal, ocorre o desenvolvimento psicomotor que permite o controle das fezes e da urina, tendo o ânus como região de maior satisfação. Inicia-se, então, a noção de higiene e autonomia.
As transformações na sociedade tiveram grande importância nos avanços acerca do conceito de infância, trazendo assim grandes contribuições para o entendimento dessa fase. Percebe-se que o desenvolvimento infantil é um composto de aprendizados, adquiridos no decorrer da vida que, por sua vez, não se referem apenas ao desenvolvimento físico, mas à atenção, à memória, à capacidade de solucionar problemas e ao raciocínio lógico.
Piaget (1951) defende que bebês, nos primeiros anos de vida, entendem suas ações por meio dos cinco sentidos. Nessa fase, a criança compreende que os sentidos organizados transmitem uma informação, além de descobrirem que um determinado comportamento gera uma consequência. Mais adiante a criança começa a imitar respostas que ela nunca viu, criando representações simples dos eventos. Por volta dos 3 anos, as crianças conseguem perceber a realidade com a manipulação de objetos concretos e, posteriormente, adquirem a linguagem como fruto da maturação orgânica.
Nos estudos piagetianos, o conhecimento não é absoluto, mas algo em constante evolução. A partir de suas interações com o meio, segundo o psicólogo suíço, a criança concebe o conhecimento como o resultado das suas ações e das suas interações com o ambiente em que vive. Lino e Vieira (2007), ao analisarem as contribuições de Piaget para o estudo da infância, destacam o questionamento do autor acerca das correntes geneticistas e sua recusa em aceitar a ideia de que as influências externas (da cultura, do ambiente e da sociedade) determinam o sujeito. Para elas, o sujeito constrói os significados da realidade, transformando-a. Por isso, as ideias de Piaget, segundo as autoras, contribuíram para os estudos sobre a inteligência na infância e o interesse atual da Pedagogia e da Sociologia na infância. Apesar das contribuições citadas, as autoras listam críticas a sua teoria, centrada em subestimar as competências infantis, minimizando fatores sociais.
Esses avanços nos estudos servem de mote para a presente pesquisa que propõe compreender as questões sociais como fatores de grande importância, bem como as competências das crianças na constituição do seu aprendizado.
Todo conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada, desde a infância, seja por meio das interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, seja por meio do mundo cultural. O conhecimento resulta de uma inter-relação do sujeito com objeto a ser conhecido (Moreira, 1999, p. 75). Diversos autores tentaram compreender o desenvolvimento infantil e todos destacaram as questões sociais, culturais, cognitivas, orgânicas e biológicas como significativas. No mundo contemporâneo, com a emergência de novas tecnologias, percebe-se a mudança de hábito dos adultos por estarem expostos às telas digitais. Vale lembrar que a tecnologia é produzida pela sociedade e por ela é alterada, em um processo de reciprocidade. Dadas as transformações provocadas no acesso de crianças a aparelhos eletrônicos, a realidade virtual passa a fazer parte do seu cotidiano.
Briggs e Burke (2006), relatam que esse novo meio de comunicação transformou o mundo. Desde a difusão da rede, mais de 4 bilhões de pessoas usam a Internet, o que representa mais da metade da população mundial. “Para as crianças hoje recém-chegadas ao mundo, que não possuem perspectivas históricas, e que têm acesso fácil ao computador, ele é desde já primordialmente um brinquedo, ou um espaço onde se brinca” (Girardello, 2008, p. 135).
É possível observar a facilidade de crianças menores de três anos em manusear e explorar dispositivos móveis. Devido à expansão das telas digitais, os pais se tornam os primeiros a influenciar seus filhos ao uso delas. Os argumentos mais utilizados baseiam-se na facilidade em manter os filhos ocupados, enquanto fazem suas atividades rotineiras. Em resposta à conduta dos pais, as crianças acabam por ter preferência por esse tipo de “brincadeira”, como afirma Silva e Homrich (2010 apud Machado, 2008, p. 10):
Os brinquedos e jogos, inanimados, podem até atrair a curiosidade da criança caso ela tenha sido estimulada pela família a utilizar e se divertir com tais recursos em sua experiência anterior, mas invariavelmente os jogos, cores, sons, recursos multimídia, o teclado, o mouse, a possibilidade de apertar botões e acionar programas, abrir janelas e variar as brincadeiras irão fazer com que o computador ganhe a disputa.
Torna-se relevante apontar as pesquisas neurológicas que revelam que o desenvolvimento humano se constitui em grande parte durante a primeira infância. Sobretudo com a infância, estudiosos e especialistas da área têm demonstrado especial preocupação, como é o caso da pesquisadora Nicolaci-da-Costa (2002, p. 193):
algumas tecnologias também podem alterar radicalmente nossos modos de ser (como pensamos, como percebemos e organizamos o mundo externo e interno, como nos relacionamos com os outros e com nós mesmos, como sentimos, etc.).
Há uma preocupação evidente acerca da apropriação das telas pelos bebês e pelas crianças, como explicitado pela Academia Americana de Pediatria (AAP), que disponibilizou orientações para o tempo de uso das telas nesse grupo, reconhecendo o seu potencial e seu efeito nocivo, recomendando aos pais atividades em família como um estímulo a hábitos saudáveis, evitando deixá-los em frente da TV ou de telas em geral por muitas horas. A AAP ressalta que crianças com menos de dois anos não devem ter qualquer acesso aos eletrônicos. Posteriormente, o tempo de uso deve ser limitado e os conteúdos assistidos devem ser supervisionados pelos pais.
No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou em 2016 um manual de orientação intitulado #MenosTelas #MaisSaúde, em que há informações sobre os benefícios e os prejuízos das tecnologias. Os estudos descrevem formas de utilização das telas digitais pelas crianças, recomendando a atenção dos pais quanto às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo-psicossocial, a fim de não interferir no processo natural do desenvolvimento infantil.
Donna Bryant Goertz, fundadora da Austin Montessori School em Austin, Texas (EUA), dedicou anos de sua vida aos estudos montessorianos. Em um de seus trabalhos, Goertz (2012) aborda a questão de como a televisão pode afetar significativamente o desenvolvimento da criança. A autora salienta que, sem a influência da televisão, a criança poderia explorar o mundo que vive e desenvolver-se criativamente, o que não é possível com a interferência das telas, provocando um desgaste mental e uma lacuna no seu desenvolvimento neurológico.
Fundador do Lar Montessori, uma plataforma sobre Montessori em Língua Portuguesa, Gabriel Salomão, pesquisador e doutor em Mídia Contemporânea, sintetiza a relação entre criança e tecnologia quando afirma, de maneira contundente:
A televisão é de todas a vilã mais representativa. Abundam estudos demonstrando que assistir televisão é nocivo à criança, do ponto de vista neurológico, psicológico e emocional. E é fácil entender: a televisão transmite informação demais. Primeiro, o mundo real é bastante estático. As coisas ficam paradas, e as pessoas se movimentam lentamente. Na televisão tudo se move rápido demais, com cor demais, som demais. Além disso, a luz do mundo real é sempre refletida, as roupas, a pele, os móveis sempre refletem parte da luz das lâmpadas ou do Sol. Na televisão tudo tem luz própria, a luz emana da tela. Isso cansa a visão e cansa o cérebro. Depois de algum tempo diante da TV, o cérebro se estressa ou desliga: a criança chora ou fica inerte, dorme, desliga-se (Salomão, 2013).
A partir dessas constatações, urge refletir sobre a criança na contemporaneidade, como ela aprende, brinca e interage com o mundo. É salutar afirmar que embora o uso das ferramentas tecnológicas facilite e auxilie no seu aprendizado, elas não substituem a real necessidade das relações humanas, dos estímulos externos e, em hipótese alguma, devem ser prioridade, principalmente na primeira infância, quando a exposição às telas digitais ainda pode causar danos e desencadear problemas neurológicos e cognitivos.
Metodologia
O método utilizado para atingir os objetivos deste estudo foi uma pesquisa bibliográfica de campo com uma abordagem qualitativa de recorte transversal. Para analisar e compreender de maneira mais ampla o assunto, selecionamos duas escolas de Educação Infantil da cidade de Janaúba/MG, uma da rede privada e outra da rede pública. Ambas são centrais e atendem à classe socioeconômica média/alta, o que configura uma pesquisa por conveniência, direcionada a sujeitos que possuem condições e acesso às tecnologias digitais. A pesquisa foi desenvolvida no mês de outubro do ano de 2019, a partir de questionários semiestruturados, contendo sete questões sobre as percepções dos pais e dos professores acerca do contato da criança com as telas digitais.
Inicialmente, os questionários foram entregues fisicamente para cada professor envolvido na pesquisa. Para aumentar as devolutivas, as pesquisadoras voltaram à escola e conversaram individualmente com cada docente para validação da amostra. Com os progenitores houve ajuda do supervisor escolar que, em reunião, sensibilizou-os para a importância da pesquisa. O tempo médio de resposta dos questionários foi de doze minutos.
Na escola da rede pública foram entregues 158 questionários aos pais e retornaram 51 respondidos, correspondendo a 32% da amostra. Aos docentes foram entregues 19 questionários e retornaram dez, representando 53% da amostra. Na escola da rede privada foram entregues 33 questionários para os pais e recebidos 11 (33% da amostra). Aos professores foram entregues sete questionários, com o retorno de cinco, correspondendo a 71% da amostra.
O critério para a participação na entrevista se fundamentou no objetivo principal deste estudo, levantando os prospectos dos pais e dos docentes de crianças de zero a três anos de idade (Berçário, Maternal I e Maternal II). A escolha da faixa etária se justifica por caracterizar o início do processo de desenvolvimento cognitivo infantil.
Resultados e discussões
A pesquisa se revelou comparativa ao trazer uma escola municipal e outra privada, com um público-alvo do Berçário ao Maternal II. Ambas localizadas no perímetro urbano central, com clientela de poder aquisitivo similar e de famílias com acesso à Internet. A escolha das unidades escolares, com as mesmas características socioeconômicas, reitera uma pesquisa de campo em que as questões sociais são semelhantes, portanto, apresentando dados aproximados.
Os resultados obtidos evidenciam informações importantes sobre a rotina de utilização dos eletrônicos realizadas por crianças: 1) primeiro contato, 2) quais aparelhos mais utilizados, 3) tempo de uso, 4) objetivo do uso e conhecimento acerca dos seus efeitos.
Ao perguntar aos pais da escola pública: “Com qual idade seu(sua) filho(a) teve o primeiro contato com aparelhos eletrônicos (televisão, celular, tablet, computador)?” foi possível determinar que o acesso à tecnologia ocorreu ainda no primeiro ano de vida da criança, contrariando as orientações da Academia Americana de Pediatria. Na Figura 1, a pesquisa revela que 45,1% dos filhos tiveram acesso a aparelhos eletrônicos antes de um ano de idade, sendo a televisão o meio mais utilizado, seguido pelo aparelho celular.
Figura 1: Primeiro contato de crianças da escola pública com as telas
A mesma pergunta foi feita aos pais da rede privada, indicando que 54,5% das crianças tiveram acesso com menos de um ano de idade.
Figura 2: Primeiro contato de crianças da escola privada com as telas
Quanto ao tempo de utilização da internet na escola, os professores da rede pública disponibilizam cerca de 1 hora, enquanto os da rede privada entre meia a uma hora por dia. No entanto, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que regulamenta quais são as aprendizagens essenciais a serem trabalhadas nas escolas de Educação Básica públicas e particulares no Brasil, a recomendação de uso dos recursos tecnológicos para auxílio no trabalho pedagógico acontece a partir do Ensino Fundamental, restando à Educação Infantil o desenvolvimento de competências voltadas para: conviver, brincar, participar, explorar, se expressar e conhecer. Podemos verificar que tanto as escolas como os responsáveis pelas crianças, não seguem as orientações da Academia Americana de Pediatria.
Na Figura 3, é possível perceber que, em casa, 21,6% das crianças da rede municipal acessam meia hora por dia e 29,4%, uma hora, enquanto 21,6% utilizam a internet por duas horas e 19,6%, por mais de duas horas ao dia. Apenas 7,8% dos pais informaram que os aparelhos eletrônicos não são disponibilizados aos seus filhos.
Figura 3: Tempo disponibilizado de telas aos filhos na rede pública
Na rede privada, os números indicam um uso ainda mais expressivo. 36,4% utilizam por uma hora, 27,3%, por duas horas e 36,4% manuseiam por mais de duas horas por dia, o que se configura como uso excessivo.
Figura 4: Tempo disponibilizado de telas aos filhos na rede privada
Os tempos discriminados nas figuras não condizem com as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, que informa que crianças até os 2 anos não devem acessar telas digitais. Dos 2 aos 5 anos, a utilização adequada seria limitada a uma hora por dia. Idades entre 6 e 10 anos, deve-se limitar o tempo de tela a duas horas por dia. Já adolescentes com idades entre 11 e 18 anos, até três horas por dia. Portanto, o tempo de uso diário de telas digitais deve ser proporcional às idades e às etapas do desenvolvimento cerebral-mental-cognitivo-psicossocial dos indivíduos.
Tanto na escola da rede pública (70% das respostas de um total de 19 professores), quanto na escola da rede privada (80% de um total de 5 professores), ficou evidente que todos concordam que a exposição aos aparelhos eletrônicos deve ser feita de forma educativa.
Ao mesmo tempo, as crianças passam a maior parte do dia em creches, escolas ou com suas babás – longe dos olhos e braços dos pais – e estes, por sua vez, parecem viver ocupados, passando a maior parte do dia na correria dos seus trabalhos, chegando as suas casas, na maioria das vezes, cansados e atarefados com as atividades do lar. Assim, um momento que poderia ser consagrado em família é substituído pela companhia e distração das telas coloridas dos tablets, computadores, smartphones e videogames – as novas babás eletrônicas, não apenas das crianças, mas inclusive dos adultos que também fazem uso das mesmas (Santos; Barros, 2017, p. 3).
Ao questionar os professores das duas escolas quanto ao acesso a informações consistentes sobre os efeitos da exposição de crianças na primeira infância em relação aos dispositivos eletrônicos, 90% dos professores da rede municipal e 75% da rede privada têm consciência dos prejuízos que a exposição pode causar. A maior parte dos pais pesquisados, conforme a Figura 5 (56,3%), tem acesso a essas informações e consciência dos prejuízos. Alguns pais de alunos da rede pública acreditam nos benefícios. No entanto, 12% desconhecem qualquer informação a respeito. Na rede privada, conforme a Figura 6, a maioria dos pais (63,6%) relata ter acesso a informações e consciência dos prejuízos. Porém 27,3% afirmam não ter acesso a essas informações e 9,1% não têm qualquer conhecimento a respeito. Os dados obtidos, embora próximos, indicam que os pais da escola pública pesquisada possuem maior conhecimento sobre os prejuízos.
Figura 5: Acesso a informações sobre o tema (pais da escola pública)
Figura 6: Acesso a informações sobre o tema (pais da escola privada)
Embora os resultados revelem que os professores e os pais que têm acesso a informações sobre os danos das telas em relação ao desenvolvimento cerebral da criança sejam os mesmos que não se atentam aos cuidados em relação ao tempo de exposição de suas crianças às telas, entende-se que há informações a respeito do assunto. Entretanto, pais e educadores não buscam soluções práticas e acessíveis para a substituição dessas telas na rotina dos indivíduos.
Faz parte da metodologia dos professores de ambas as escolas o uso da televisão para transmissão de desenhos educativos e músicas infantis. Para o neuropediatra Rodrigo Carneiro Campos, presidente da Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil de Minas Gerais, a criança quando exposta às telas digitais, apresenta um comportamento passivo. Ao contrário do que os pais acreditam, a criança só está recebendo estímulos visuais. Esses estímulos constantes não induzem ao raciocínio ou à reflexão.
No ambiente familiar, o YouTube Kids é a plataforma de uso mais frequente para acesso a desenhos. A maioria dos pais de alunos da rede pública (81,3%) relata estar ciente de que a exposição das crianças aos aparelhos eletrônicos afeta a rotina de seus filhos. É notável a diferença de percepção desses responsáveis quanto ao uso das telas na rotina das crianças, sobretudo, em relação às consequências no seu comportamento. Alguns descreveram o aparecimento do desinteresse por brincadeiras comuns da idade, insatisfação, irritabilidade e até mesmo isolamento.
É importante salientar que no uso dos aparelhos eletrônicos deve se considerar todos os aspectos aqui ressaltados. Não se trata de ser algo bom ou ruim, mas de se pensar sobre a forma como eles são utilizados e na sua apropriação pelas crianças. No caso do uso educacional é necessário identificar a correlação do tempo desse uso com a idade e o objetivo proposto. No entanto, o direcionamento das telas ao público infantil acontece cada vez mais cedo e com mais intensidade. Há uma preocupação em disponibilizar recursos que promovam o desenvolvimento mais rápido das crianças, observando esse acesso às telas como um aliado. Dentro dos estudos neurocientíficos, contudo, esse fenômeno é chamado por especialistas de “Apressamento Cognitivo” e não produz resultados eficazes em idade tenra.
A educação para a obtenção de resultados, desde muito cedo, é uma antecipação da dotação de ferramentas necessárias para que as crianças, futuramente, tenham êxito no mundo competitivo. Hoje, as práticas sociais cotidianas são implicadas em conceitos de eficácia, eficiência, foco e sucesso, e o que vemos é a infância transformada em uma corrida rumo à perfeição (Assemany, 2016, p. 238).
A Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Brasileira de Pediatria já concluíram que é possível uma modificação no ritmo da aprendizagem quando se promove um estímulo excessivo por meio das telas, quando na verdade a criança se desenvolve por meio de atividades concretas.
Considerações finais
É preciso reconhecer a importância das tecnologias como aliadas nos processos educativos e no desenvolvimento infantil. Torna-se necessário reconhecer também, que em excesso podem causar prejuízos. O que determinará seus efeitos será a forma de utilização, seus objetivos e a proporção por faixa etária.
Após análise da pesquisa realizada, constatou-se que tanto pais como professores não fazem o uso das tecnologias de acordo com o que é adequado, considerando as orientações dos órgãos competentes. Foi possível perceber que as crianças têm contato com telas e internet antes do tempo recomendado pelos especialistas.
Constatou-se ainda que alguns pais já conseguem perceber as consequências do uso inadequado. Esses efeitos são facilmente percebidos quando as telas fazem parte da rotina das crianças.
Quando a criança brinca ativamente, adquire compreensão maior do mundo, fazendo conexões que a tela não permite. A criança não tem um entendimento holístico do seu próprio processo de desenvolvimento. É crucial, portanto, que seja estimulada de modo correto, a fim de não ter prejuízos em seus aprendizados.
Diante desse cenário, pais e educadores devem ser orientados e informados sobre a relevância dos aspectos fundamentais para se ter uma infância saudável, uma vez que a primeira infância é a base da vida adulta.
Embora a proposta dos aparelhos tecnológicos seja facilitar e auxiliar no cotidiano dos pequenos, nada substitui a real necessidade das relações humanas e dos estímulos externos. Desse modo, as telas não podem ser prioridades na primeira infância, quando essa exposição pode desencadear diversos problemas relacionados ao desenvolvimento cognitivo do indivíduo.
Isso posto, os pais devem estimular seus filhos a brincar, inclusive ao ar livre, oferecendo alternativas divertidas que promovam o seu aprendizado. Correr, pular, dançar e realizar brincadeiras que envolvam o próprio corpo, como pintar, desenhar e montar quebra-cabeças, possibilidades concretas e fáceis para a estimulação infantil.
Quanto às práticas docentes, o ideal é fazer com que as crianças tenham contato umas com as outras, trabalhando atividades de socialização, contação de histórias com recursos lúdicos, rodas de músicas e brinquedos pedagógicos que permitam desenvolver a atenção e a inteligência no seu ritmo.
É importante, entretanto, que a introdução do contato das crianças com as telas aconteça em algum momento de sua vida. Por isso, de acordo com os especialistas, a partir dos três anos a criança já pode ter acesso às mídias digitais acompanhadas por responsáveis e seguindo as orientações do tempo de tela em uma hora por dia.
Para isso, considera-se importante que os profissionais da educação tenham qualificação e domínio dos processos de ensino-aprendizagem para levarem o tema adiante e buscarem estratégias para o desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos: cognitivos, emocionais e físicos. O pedagogo é o profissional adequado para realizar esse debate, pois está sempre mediando as relações entre a escola e a família. Desse modo, espera-se que os resultados desta pesquisa fomentem discussões na esfera pedagógica, visando atingir todas as pessoas envolvidas no processo do desenvolvimento infantil.
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Publicado em 18 de abril de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
SOUZA, Andrey Lopes de; MASCARENHAS, Maria Sônia Antunes; CARDOSO, Bianca Roberta Silva; JESUS, Rafaela Santos de. Exposição excessiva às telas digitais e suas consequências para o desenvolvimento infantil. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 14, 18 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/14/exposicao-excessiva-as-telas-digitais-e-suas-consequencias-para-o-desenvolvimento-infantil
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