“Por que filme sobre o sertão sempre tem que ter sofrimento?”: a construção da narrativa de jovens do Ensino Médio Técnico em um instituto federal no sertão do Rio Grande do Norte
Hugo Carvalho Villa Maior
Professor do IFRN, doutorando em Estudos da Literatura (UFF)
O sertão é dentro da gente
(Guimarães Rosa)
Pensando na epígrafe deste trabalho – "O sertão é dentro da gente", Guimarães Rosa nos fala dessa aridez, dessa solidão que é inerente ao ser humano. Ao mesmo tempo que em quase todas as suas histórias existe uma interlocução, um interlocutor que não vemos mas que sabemos que está ali, o fato de ele não ser visto, de ficar apenas quieto, quase que invisível reforça o fato, a tese de que Riobaldo por exemplo conversa consigo mesmo durante todo Grande Sertão: Veredas, como se esse interlocutor estivesse dentro do próprio Riobaldo e não fosse algo exterior a ele. É como se Riobaldo estivesse conversando com seu próprio sertão, sertão esse que passa a ser a própria vida, incerta, desajeitada, por isso, também, veredas, cujo sentido é caminho,. E um caminho incerto, como todo caminho que se faz também travessia. Em “o sertão é dentro da gente", Riobaldo, assim como o próprio Guimarães, nos faz um convite que, infelizmente, não é para todos, desafiando esse leitor a se deparar com o seu próprio abismo, desafiando esse leitor a se deparar com o seu próprio sertão porque “simboliza a representação do mundo do sertão como universal" (Souza, 2008, p. 9) e aquilo que é, efetivamente, universal como um microcosmo do sertanejo, bem como do próprio sertão. O autor nos lembra, a todo momento, que aquilo que é essencialmente sertanejo é, antes de tudo, fundamentalmente humano.
“É um sertão de antigamente, mas ainda existe…”: O caso de Abril despedaçado
“Professor, a gente não vai ler o Vidas Secas, não?”; logo vi aí uma oportunidade de voltar a pensar na pesquisa depois de um longo recesso. Mas como preparar esse momento? Talvez se ele fosse online fosse mais proveitoso porque eu poderia gravar. Mas, de qualquer forma, eu prometi para a turma que na aula seguinte a gente faria essa atividade. A ideia inicial seria ler o capítulo dedicado à cachorra Baleia e passar justamente a cena do filme relativo a esse capítulo do livro. Já havia feito em outras turmas essa atividade e a história correu e em tese tudo que é feito em uma turma deve ser feito em outra, uma vez que as turmas ficam enciumadas. A ideia é, a partir dessa atividade, estreitar um pouco mais a discussão sobre a relação entre cinema e literatura com os alunos: “Muita zoada”, alguns diziam, alguns levantavam e iam para o fundo da sala, não conseguiam ver de perto a cena do filme em que Fabiano tentava matar a cachorra Baleia. “A imagem é muito mais forte”, me diziam a respeito das possíveis aproximações entre o cinema e a literatura; “nem tanto a imagem, mas o som…”, me dizia o outro. “Talvez se não fosse o som [o filme] não fosse tão forte…”, nesse momento mais uma aluna levantou e foi para o fundo da sala, com os braços esticados e as mãos cerradas, com os punhos cerrados: “como vocês falaram a cor da cachorra se e o filme é preto e branco”?
Frasquet (2007) traz o cinema como possibilidade para desaprender, para desconstruir ou mesmo para aprender, apreender. É preciso desacostumar a certa forma de ver, de olhar. É preciso olhar por outros ângulos, nos entremeios, nas entrelinhas. Para Rubem Alves (2000), o olhar é algo que não é natural, é preciso ser aprendido, pensado, refletido e, por que não dizer, ensinado, tanto na escola quanto fora dela. Nesse sentido, esta investigação se debruça em alguma medida sobre o lugar desse texto imagético na aula de Língua Portuguesa como língua materna. É preciso lembrar também que o campo desta pesquisa é uma cidade do interior do Rio Grande do Norte, a quatro horas da capital, que até pouco tempo atrás não tinha cinema.
Outro dado importante é que o campo desta pesquisa é uma escola, um instituto federal cuja ideia de educação dos professores, coordenadores e alunos é uma ideia cientificista (ainda que a formação humana nos institutos federais também seja muito forte), em que no primeiro dia de aula eu deveria, segundo orientação, apresentar a ementa ao aluno, dizer os dias de prova, os dias em que irá ser ministrado cada conteúdo. Um campo onde tudo parece ser previamente calculado, organizado. Logo, como trabalhar com cinema dentro desse espaço, se o cinema é justamente aquele que desarticula, desorganiza, desorienta?
O cinema para desaprender, segundo Frasquet (2007), possibilita uma outra forma de ver, de olhar, que sem uma certa desorganização talvez não fosse possível. “E a ementa?", me perguntam alunos e professores. E me parece que o bom professor para essa instituição é aquele que segue a ementa, uma vez que em um dos itens de avaliação docente está: “O professor segue a ementa?", desconsiderando o fato de que, muitas vezes, para se trabalhar com o texto imagético na sala de aula, seja a charge, o quadrinho, a propaganda ou até o cinema, talvez tenhamos, a princípio, que rasgar essa ementa, ainda que, pelo menos, em um primeiro momento, fazer uma pausa nos conteúdos escolares em detrimento de um outro modo de ver, de um outro modo de olhar.
Por conta de uma escola no sertão ser o campo desta pesquisa e estar no coração do sertão de RN, me interessava saber se os jovens a partir da relação com o cinema modificam e/ou transformam não só o lugar em que vivem como suas próprias narrativas de vida, por isso o interesse em filmes que têm o sertão como cenário.
Vale lembrar também que, apesar de o cinema ter chegado há pouco tempo na cidade, ela tem um festival de curtas: "Curta Caicó". Na época do festival, profissionais da área costumam correr às escolas da região. Em uma dessas exibições me recordo de um grupo de professores defendendo que a turma só deveria assistir aos filmes no festival se eles estivessem relacionados aos conteúdos ministrados na instituição. E talvez o grande perigo do cinema na escola é que o cinema, dentro do contexto escolar, foge desse controle do professor, segundo o próprio Cezar Migliorin (2010): “Com o cinema na escola, não se ensina mais isso ou aquilo, e sim o abandono” (Migliorin, 2010, p. 109). Mais adiante, o autor fala dessa potência “de não ser mais isso ou aquilo”.
Recordo-me do filme Abril despedaçado, que conta uma história de vingança no sertão e de como foi potente assistir a esse filme com alunas e alunos ouvindo mais uma vez eles me dizerem “é um sertão de antigamente, mas que ainda existe”, “É um sertão de antigamente, mas que existe, existe”.
O filme de Walter Salles, lançado cinco anos depois do aclamado Central do Brasil, conta uma história de vingança. Logo após a exibição, um grupo de alunos me cercou pra dizer: "meu tio está proibido de ir na cidade dele", "meu primo tá jurado", e outras histórias de vingança começaram a aparecer. Logo, me pergunto o que está por trás de todas essas questões. Até que ponto histórias de vingança no sertão apenas reforçam um estereótipo? Até que ponto temos ali algo posto, uma verdade, e até que ponto isso não é também uma construção?
E a pergunta se o sertão que vemos na tela é o mesmo sertão vivido, praticado, como diria Certeau (2001), acaba, de alguma maneira, atravessando toda esta pesquisa. Até que ponto o cinema pode ser uma extensão da realidade? Até que ponto o cinema trata, ou não, de uma realidade que é ampliada, amplificada? Até que ponto o cinema também não é pura invenção? E é necessário falar sobre o cinema não só como um dispositivo, mas como mais um espaço formativo dentro da escola.
É surpreendente assistir a essas mesmas meninas e meninos desvendarem os processos de letramento que o personagem cujo nome é menino, ou pelo menos é conhecido por essa alcunha, passa no filme: “e o menino com livro?”, “ele lia de cabeça pra baixo”, “não sabia ler, mas lia as figuras”, sem se dar conta de que, ao desvelar o processo de letramento do menino-personagem, eles, também meninos, atravessavam o seu próprio processo de letramento, atravessavam também seu próprio sertão, pensando também nesse sertão como metáfora para a própria escrita, que é também algo muito solitário, bem como o próprio ato de ler – “Diadorim é a minha neblina”, dizia Riobaldo.
E só quem vive no sertão sabe, de fato, o significado, o sentido de um dia nebuloso, de um dia que amanhece com neblina, e de como isso pode ser motivo de festa, de alegria no sertão. É preciso estar imerso nesse sertão, impregnado, encharcado desse sertão, para compreender o real sentido dessa fala de Riobaldo. E é só a partir dessa fala de Riobaldo que se pode compreender esse sertão cheio de camadas e permeado de sentidos, só a partir dessa fala de Riobaldo é possível compreender esse sertão polissêmico, esse sertão grávido de sentidos.
Pergunto aos jovens sobre a dificuldade de assistir ao filme; digo que notei que muitos manipulavam o celular no início do filme: “É porque é um filme antigo”, me respondem. E talvez, para adolescentes de quinze, dezesseis anos, vinte anos (Abril despedaçado foi lançado em 2002) talvez seja toda uma vida. Mas é preciso se perguntar também se o que torna Abril despedaçado “difícil” é o fato de ser um “filme antigo”, usando as palavras dos próprios jovens, ou é o fato de os recortes, assim como o próprio processo de montagem do filme não serem tão óbvios, tão padronizados, como o recorte hollywoodiano com o qual eles estão mais acostumados.
De repente, alguém grita lá atrás: “É porque é filme brasileiro”, atribuindo a dificuldade de assistir ao filme por ser um filme brasileiro, como se filme brasileiro fosse sempre ruim. “Por que filme sobre o sertão sempre tem que ter sofrimento?”, me questiona alguém. Propus então o seguinte desafio: “E se vocês fossem roteiristas de um filme sobre o sertão? O que apareceria no sertão de vocês?”. Logo notei a dificuldade que eles tiveram em responder a essa questão; alguns propuseram, inclusive, levar o filme para a praia: “Pode ser em João Pessoa?”. Só nesse momento notei a dificuldade que eles mesmos tinham de sair desse binômio que eles mesmos apontaram: sertão e sofrimento.
Era preciso pensar mais sobre essa questão, refletir mais sobre esses processos todos: “Por que filme sobre o sertão sempre tem que ter sofrimento?”; sentia essa pergunta como uma pergunta-gatilho, uma pergunta-convite para refletir sobre toda essa relação da escola com o cinema, do cinema com o campo da pesquisa e de como esse sertão vem sendo representado na tela grande ao longo de sua história, sobretudo esse sertão brasileiro, sobretudo esse sertão brasileiro nas produções nacionais: “é porque é filme brasileiro…”; por que colocar filme brasileiro e filme ruim sempre no mesmo saco, sempre no mesmo pacote?
“Tô com um abuso dessa garota…”: o caso de Que horas ela volta?, de Ana Muylaert
Muito também em função da experiência com o filme Abril despedaçado, resolvi passar para as turmas de Têxtil e Vestuário o filme brasileiro Que horas ela volta?, com Regina Casé, pelo fato desse filme trazer uma experiência completamente urbana para a tela grande e, apesar de não se passar no sertão, ter ali uma representação forte do nordestino, contrariando vários estereótipos, uma vez que é Jéssica, filha da doméstica, que fica com a vaga na universidade, uma vez que ela é “segura de si", segundo o próprio Fabinho, uma vez que é Jéssica quem tem os olhos “parecendo um presidente da República", segundo a própria mãe, ou seriam “os olhos de ressaca de Capitu?".
Era preciso trazer uma experiência mais urbana de cinema. Estava claro nesses dois anos de pesquisa que os jovens não reconheciam o espaço em que viviam como sertão, nem reconheciam a si próprios nem a seus colegas como sertanejos. Talvez o que eles entendiam como sertão e como sertanejo fosse justamente o que aparecia na tela grande, os cenários dos filmes que eram passados nas aulas de Língua Portuguesa como língua materna e seus personagens. E, por conta disso, talvez a grande discussão desta pesquisa seja mesmo a representação. Por que eles não reconheciam a si nem a seus colegas como sertanejos, tampouco o espaço em que viviam como sertão? Para Bagno (2015), toda essa questão é atravessada pela linguagem, há uma certa padronização na linguagem veiculada nos meios de comunicação, tanto na TV quanto nas rádios que, em alguma medida, em nome de uma suposta norma culta, apaga todo traço mais regionalizado tanto na fala quanto no discurso desses estudantes, o que também, de alguma forma, mas aí já um grifo meu, acaba interferindo na relação desses estudantes com o próprio espaço em que vivem, transformando, reorganizando, renegociando não só os espaços e o território como a própria territorialidade, as relações de poder que são atravessadas por esse espaço/território segundo o próprio Milton Santos (2001), espaço esse extremamente fragmentado em função da entrada do capital, o que mais tarde o mesmo autor vai chamar de "globalização perversa". E assim se estabelece um jogo entre espaço/território, territorialidades/relações de poder, assim como nos binômios sertão/cidade, ficção/realidade, uma vez que é preciso considerar o sertão vivido, praticado e o sertão construído na tela grande: “é pior quando a gente pensa que pode ser verdade", diz uma das alunas. E assim vamos, ao mesmo tempo esticando e diminuindo essa corda, esticando e diminuindo essa linha tênue entre realidade e ficção.
Enquanto as meninas de Vestuário adoraram o filme, rindo e se identificando com várias cenas, inclusive com cena em que o patrão dá em cima de Jéssica, a filha da empregada, uma das alunas se levanta rebobina a cena para ver de novo, a turma de Têxtil parecia apática, “a maioria estava dormindo", segundo uma das alunas.
Enquanto em uma turma o sinal tocou e eles levantaram correndo, em outra o sinal tocou e boa parte dela continuou sentada, mesmo correndo o risco de perder parte do recreio, o que evidencia que, no trabalho com cinema na sala de aula, não há receita; o que dá certo em uma turma não dá certo em outra e nada é garantido. A princípio, a ideia de trazer o filme era porque estávamos trabalhando determinado tema de produção de texto: universidade, permanência e acesso, e o filme de Ana Muylaert, em alguma medida, dialogava com esse tema.
Então, a ideia de trazer o filme pareceu natural, uma vez que dialogava com a atividade. Mas é preciso lembrar que me incomoda muito ter que associar sempre o filme a uma atividade, como se assistir ao filme não pudesse ser a própria atividade ou um debate sobre ele não fosse o suficiente. Por que não seria suficiente? Porque na escola há o escrito em detrimento da oralidade. Há muito pouco tempo a escola vem se preocupando com a produção oral. Talvez a apatia de uma turma diante de um filme como Que horas ela volta? diga muito mais da escola do que da turma.
E, por falar em oralidade, é importante salientar que o IFRN - câmpus Caicó possui uma rádio que toca músicas na hora do recreio: a rádio Desopila, o que talvez merecesse também um capítulo nesta pesquisa, mas isso já é outra história. "E não foi ela que criou ele", diz uma das meninas a respeito da cena em que a mãe, patroa de Val, pede uma atenção do filho depois de sofrer um acidente, como se o filme, o cinema fosse um teatro, sem a presença da quarta parede.
A relação da menina Jéssica e o pai da família também chamou a atenção de alunas e alunos, sobretudo a atenção das meninas da turma de Vestuário 2º ano: “ele tinha que ser preso", diz uma das alunas. O personagem do ator/escritor Lourenzo Mutarelli se envolve, em alguma medida, com a personagem Jéssica. As alunas enfatizaram bastante a diferença de idade dos dois, colocando-o no lugar de um aliciador de menor, de um abusador.
Tentei, em vão, iniciar um debate sobre o tema, a fim de analisar a complexidade da situação. Mas as alunas se mostraram bastante resistentes a esse debate. Em alguma medida, eu também precisei recuar, dada a delicadeza da situação. Eu, professor, homem, gay e, nesse caso, também um estrangeiro, uma vez que eu não era dali, vinha de fora, era o professor carioca. Logo percebi que "defender" o personagem que as alunas identificavam como "abusador" não seria adequado naquele momento. Então resolvi esperar uma próxima oportunidade para debater a questão. Ainda no momento que tentei iniciar o debate, umas das alunas deu um depoimento dizendo já ter sido assediada sexualmente.
Apesar de não ser um filme que tenha o sertão como cenário, o que foge um pouco do meu objeto, do recorte que estabeleci para esta pesquisa, Que horas ela volta? é um filme que tem uma representatividade forte do nordestino, não só por parte da personagem de Regina Casé, a Val, mas principalmente por Jéssica, sua filha. Em nenhum momento do filme Jéssica se coloca no lugar da filha da empregada da casa. Não; durante todo filme ela se porta como uma jovem que está tentando o vestibular como qualquer outro jovem, e é justamente isso que começa a causar transtornos na "Casa Grande", bem como na relação patrão-empregado.
Jéssica não dormia no quarto de empregada com a mãe, e sim no quarto de hóspedes; por sua vez, quem dormia no quarto de empregada com Val era Fabinho, que identificava em Val a figura materna que ele não identificava na própria mãe. Todo esse cenário é bastante curioso, sobretudo, se levarmos em conta o discurso dos jovens a respeito de Jéssica: "menina abusada", "nem ajuda a mãe", "tô com um abuso dessa garota…". É curioso analisar a narrativa/discurso desses jovens e pensar em como ela, a personagem, vai se construindo como vilã, pelo olhar desses jovens, na medida em que ela vai pleiteando para si o lugar de estudante, assim como esses mesmos jovens, e rejeitando o lugar de "filha da empregada".
É interessante refletir também em que momento esse jogo vai virar, porque tanto o filme quanto a personagem acabam sendo aplaudidos de pé por todas as turmas. E talvez a personagem Jéssica passe de vilã a mocinha, sob os olhos dessas jovens, justamente quando elas identificam uma relação de assédio entre ela e o patriarca da família, "ele tinha que ser preso", sem entender que há ali uma relação muito mais complexa do que se imagina. Talvez seja mesmo próprio da adolescência esse discurso extremista de amor ou ódio, ou se pode ser vilão ou se pode ser mocinho.
O fato é que realmente a relação do patrão com a filha da empregada estava ali, colocada no limite entre o assédio e o não assédio, e talvez essa seja toda a graça do filme. Afinal, o que seria de D. Casmurro se tivéssemos a certeza, de fato, de que Capitu traiu Bentinho? É preciso refletir sobre o conceito de narrativa, que é diferente do conceito de discurso, nesta pesquisa, na medida em que nos propomos a analisar o discurso/narrativa de jovens do sertão a partir do contato com o cinema e, sobretudo, com filmes que têm o sertão como cenário, e pensar em como esse conceito de narrativa/discurso toca e atravessa esta pesquisa.
Para Fernandes (2010), narrativa é toda uma história com início, meio e fim e que marca o sujeito ao contar e ao narrar. Mais adiante, Fernandes (2010) fala que toda narrativa, na verdade, é um "contar de si", e partir daí talvez dê para entender melhor por que essa relação de Jéssica com o patriarca da família de Que horas ela volta? tem marcado tanto essa turma de 2º ano de Vestuário, composta majoritariamente por meninas.
Outro fato que torna essa questão mais interessante ainda é o fato de essa relação entre o patrão e Jéssica não estar na discussão central do filme de Ana Muylaert; é algo que corre em paralelo à trama central, o que me recorda um texto clássico de Cezar Migliorin (2010) em que ele diz que o perigo do cinema na sala de aula é que o cinema não é uma secretária eletrônica em que se recebem e se enviam mensagens, ainda que não lembre se a metáfora era exatamente essa. Com relação ao cinema na sala de aula, por mais que o professor seja super bem-intencionado, a gente nunca sabe onde aquele filme pode tocar no aluno e que gaveta ele pode abrir.
Referências
ALVES, Rubem. Por uma educação romântica. 5ª ed. Campinas: Papirus, 2002.
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2011.
FERNANDES, Adriana Hoffmann. Infância e cultura: o que narram as crianças na contemporaneidade? Tese (Doutorado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
FRESQUET, Adriana. M. (org.). Imagens do desaprender: uma experiência de aprender com o cinema. Rio de Janeiro: Booklink; Cinead-LiSE-FE/UFRJ, 2007. (Coleção Cinema e Educação).
MIGLIORIN, Cezar. Cinema e escola, sob o risco da democracia. Revista Contemporânea de Educação, v. 5, nº 9, 2010. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/1604/1452. Acesso em: 15 set. 2019.
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2001.
SOUZA, Ronaldes de Melo e. A saga rosiana do sertão. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008.
Publicado em 18 de abril de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
VILLA MAIOR, Hugo Carvalho. “Por que filme sobre o sertão sempre tem que ter sofrimento?”: a construção da narrativa de jovens do Ensino Médio Técnico em um instituto federal no sertão do Rio Grande do Norte. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 14, 18 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/14/rpor-que-filme-sobre-o-sertao-sempre-tem-que-ter-sofrimentor-a-construcao-da-narrativa-de-jovens-do-ensino-medio-tecnico-em-um-instituto-federal-no-sertao-do-rio-grande-do-norte
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