Aplicação de metodologias diferenciadas no ensino de Ciências, Matemática e Química: da Educação Básica ao Ensino Superior
Gabriela Moysés Pereira
Graduada em Química (UFRRJ), com formação pedagógica para docentes em Química (AVM/UCAM), mestra e doutora em Química de Produtos Naturais (UFRJ), professora de Ciências e Química
Alex da Silva Santos
Mestre em Ciências e Tecnologia de Alimentos (UFRRJ), engenheiro de Alimentos (UFRRJ), com formação pedagógica em Matemática (AVM/UCAM), professor de Matemática e alimentos
Maria de Fátima Simão Jucá Cruz
Doutora e mestra em Química de Produtos Naturais (UFRJ), bacharel em Química (UFRRJ), com formação pedagógica em Química (AVM/UCAM), professora de Química na Academia de Bombeiro Militar Dom Pedro II
Metodologias diferenciadas podem ser definidas como um conjunto de metodologias distintas das de uso convencional. Esses métodos contemplam atividades lúdicas de fácil percepção para tornar a aquisição dos conteúdos ministrados em sala mais prazerosos e significativos. Em sua realização, são comuns atividades que envolvem a interação por meio de jogos e brincadeiras associadas aos conteúdos da grade curricular. As metodologias diferenciadas não são obrigatórias, mas são recomendadas, pois agregam valor ao aprendizado, enriquecendo o trabalho dos professores (Lima et al., 2021). O uso de metodologias diferenciadas na escola torna as aulas mais dinâmicas, possibilitando que os alunos compreendam melhor os conteúdos e de forma interativa e dialógica desenvolvam sua criatividade, sua coordenação e suas habilidades.
Nicola e Paniz (2016) afirmam que a inserção de todo e quaisquer recursos ou métodos diferentes dos habituais utilizados pelo professor são de grande valia, servindo como apoios às aulas. Os autores registram que a utilização de jogos, filmes, oficinas orientadas, aulas em laboratório e saídas a campo são alguns recursos que podem ser utilizados para tornar a educação mais significativa.
O ensino de Ciências tem o objetivo de desenvolver competências que permitam ao educando compreender o mundo e atuar como indivíduo e como cidadão, utilizando conhecimentos de natureza científica e tecnológica (PCN, 1998). Contudo, os alunos possuem dificuldades na assimilação dos conteúdos e em perceber que a Ciência está presente no seu cotidiano.
Pereira e Santos (2021), por meio de suas vivências como professores da Educação Básica, descrevem alguns experimentos que fizeram com seus estudantes, usando materiais do cotidiano. Os autores explicam que a ludicidade possibilita uma maior socialização e estimula a imaginação e a criatividade. Citam que a experimentação científica desperta no aluno o espírito investigativo, instigando sua curiosidade e seu interesse pelo ensino.
Santos et al. (2020) realizaram uma pesquisa para avaliar a contribuição de jogos didáticos no ensino da Biologia no Ensino Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), em duas escolas públicas do Estado do Pará. Nesse estudo foram usados três métodos de ensino, o tradicional, fazendo uso apenas da exposição teórica dos conteúdos, o tradicional/lúdico, aliando a aula teórica com a inserção de dinâmicas e jogos em grupos e o lúdico, aplicando somente a prática da dinâmica sem a abordagem teórica precedente sobre a temática. Os resultados demonstraram que a prática didático-pedagógica de dinâmicas em grupos, com jogos educativos, apresenta-se satisfatória para o processo de ensino-aprendizagem quando associada à aula teórica precedente, pois propicia a reflexão sobre as concepções e os aprendizados.
É também registrado na literatura que estudantes da Educação Básica possuem dificuldades na assimilação dos conteúdos de Matemática, principalmente por causa da metodologia tradicional praticada nas escolas no uso de fórmulas e conceitos de uma forma não contextualizada, desvinculada da realidade do aluno, conforme relatado por Marques e Lima (2019). As atividades e os jogos lúdicos matemáticos geram um contexto motivador para o aprendizado, pois promovem a interação, estimulando os estudantes à discussão de estratégias matemáticas uns com os outros e também com o educador (Duckworth, 2009).
Segundo a Avaliação do Fórum Econômico Mundial (2016), a educação em Matemática no Brasil está entre as piores do mundo, ocupando o 133º lugar entre 139 países. Em 2014, menos de 6% dos estudantes brasileiros se encontravam em nível adequado de aprendizado, com parte dos alunos considerados analfabetos funcionais por terem dificuldades na interpretação de dados simples (Dantas Filho, 2017). Em 2019, o país avançou no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em todas as etapas de ensino, mas apenas nos anos iniciais do Ensino Fundamental cumpriu a meta de qualidade nacional estabelecida para 2019.
A educação no Brasil enfrenta muitos percalços e o problema se intensifica quando se trata de escolas públicas. Elas vivem a falta de recursos financeiros, a evasão e o baixo desempenho escolar (Brito; Costa, 2010). Fritsch et al. (2019) acompanharam o percurso escolar de estudantes do Ensino Médio em São Leopoldo/RS ao longo de três anos, e os resultados da pesquisa apontaram para a presença da desigualdade educacional, de situações de vulnerabilidade social e de heterogeneidade de perfis, principalmente em relação àqueles que cursaram o Ensino Médio noturno. Percebemos a urgência em buscar caminhos para solucionar as deficiências apresentadas pelos alunos e melhorar os métodos de ensino. Estratégias de ensino necessitam ser rapidamente executadas para que esse quadro educacional seja mudado.
As dificuldades de aprendizagem não são exclusivas da Educação Básica, pois se prolongam até o Ensino Superior. No curso de Química, por exemplo, educadores vêm reconhecendo as dificuldades dos alunos e buscando estratégias de ensino para auxiliá-los na sua compreensão. Como alternativa, professores adotam o uso de jogos educativos, com o objetivo de elevar o nível de interesse desses alunos, garantindo a sua participação ativa no processo de aprendizagem. Há professores que defendem a implementação de smartphones e aplicativos gratuitos em sala (Silva et al., 2021). De fato, quando as atividades de aprendizagem dos conceitos de Química são combinadas com jogos ou ferramentas pedagógicas de caráter lúdico, resultam em uma maior motivação, tornando-os mais engajados (O’Dwyer et al., 2017; Stringfield et al., 2014). Métodos diferenciados de ensino motivam alunos a explorar e usar conceitos químicos de forma divertida, tornando o estudo uma tarefa mais agradável (Silva et al., 2020; Sousa Lima et al., 2019).
Como forma de contribuir com um ensino mais significativo na Educação Básica e Superior, este trabalho tem por objetivo inserir metodologias diferenciadas no ensino de Ciências, Matemática e Química. Com este trabalho, almeja-se contribuir com estudos que investiguem formas de despertar o interesse do aluno pela aprendizagem, respeitando-o como um indivíduo em formação que precisa de orientação e desafios durante o seu percurso educacional.
Metodologia
Este artigo engloba relatos de experiências de professores sobre pesquisa qualitativa. Como ferramenta de coleta de dados estão os registros de imagens e de observações feitas nas aulas, como discussões dialógicas e problematizadoras.
As atividades desenvolvidas pelos professores de Ciências e Matemática foram realizadas no ano de 2021, durante a pandemia da covid-19. As aulas aconteciam na modalidade de ensino híbrido e o tempo de aula presencial estava reduzido. Com isso, as atividades apresentadas foram pensadas para serem desenvolvidas em um curto espaço de tempo.
A Tabela 1 ilustra o ano escolar, a quantidade de alunos que participou das atividades nas disciplinas de Ciências e Matemática, assim como quais foram as atividades desenvolvidas.
Tabela 1: Ano escolar, quantidade de alunos e atividades desenvolvidas nas aulas de Ciências e Matemática
Disciplina |
Ano escolar |
Quantidade de alunos |
Atividades desenvolvidas |
Ciências |
7º ano |
15 |
Dinâmica da coleta seletiva coletiva |
Fase VII EJA |
8 |
||
8º |
18 |
Dinâmica do bebê-ovo, construção do sistema solar com massinhas de modelar e construção das fases da lua com biscoitos recheados. |
|
Matemática |
7º |
15 |
Plano cartesiano construído com caixa de ovos e jogo da borboleta |
8º |
15 |
Plano cartesiano construído com caixa de ovos e jogo Shisima |
Já as atividades na disciplina de Química foram realizadas em período que antecedeu a pandemia, no ano de 2016, em uma instituição de Ensino Superior em âmbito militar, onde as aulas ocorreram na modalidade presencial. A Tabela 2 ilustra o período do Curso de Formação de Oficiais (CFO), quantidade de turmas, alunos e quais foram as atividades realizadas na disciplina.
Tabela 2: Disciplina, período do curso de Ensino Superior, quantidade de turmas e alunos, além das atividades desenvolvidas nas aulas
Disciplina |
Período |
Turmas |
Alunos por turma |
Atividades |
Química I |
1º |
2 |
30 |
Música (instrumento pedagógico), questões no quadro, vídeos (mediação pedagógica) e mapa mental |
Atividades desenvolvidas no ensino de Ciências: dinâmica do bebê-ovo
Durante a aula de Ciências sobre gravidez na adolescência, a professora entregou para cada aluno um ovo cru dentro de uma caixa de papel (Figura 1). Foi solicitado que cada aluno ficasse com um ovo durante uma semana, quando teriam a responsabilidade de cuidar dele e levá-lo para todos os lugares aonde fossem. A professora solicitou que nesse período os alunos fizessem um relatório por escrito, uma certidão de nascimento simbólica e registros, por meio de fotos e vídeos, mostrando o cotidiano deles com o bebê-ovo. Após o período de execução da atividade, fez-se uma roda de conversa e os alunos contaram suas experiências e as dificuldades com a proposta.
Figura 1: Bebês-ovos entregues aos alunos
Essa atividade teve como objetivo tratar o tema da gravidez na adolescência, dando aos estudantes a possibilidade de vivenciarem a responsabilidade de cuidar de um bebê. Valeze e Maistro (2010) afirmam que é fundamental que a escola proporcione uma metodologia participativa, estimulando os alunos a pensarem e a dizerem o que pensam sobre os assuntos que envolvem a sexualidade, sem preconceitos ou tabus. Para abordar melhor esse assunto, os educadores devem realizar debates, reflexões e questionamentos saudáveis, claros e objetivos. As aulas sobre sexualidade geralmente são marcantes para os alunos e prazerosas, pois por meio delas os educandos tiram suas dúvidas e obtém informações corretas. Reflexões e diálogos proporcionados dentro da escola são de grande importância para que promovam a saúde e o bem-estar de todos.
A professora de Ciências relata que houve comprometimento dos estudantes com a atividade do bebê-ovo, pois eles fizeram rostos nos bebês-ovos, os cobriram com toalhinhas e deram nomes. Alguns ovos foram quebrados no dia em que foram entregues, outros durante o período em que ficaram com os alunos, no entanto, a maior parte cuidou dos ovos com muito zelo. A professora recebeu vídeos dos bebês-ovos “dançando”, “tomando banho”, “comendo”, “passeando”, entre outras atividades criativas.
Dinâmica da coleta seletiva coletiva
Essa dinâmica foi realizada com o objetivo de apresentar aos estudantes os conceitos de lixo, de coleta seletiva e da importância da reciclagem. Nessa atividade, a professora montou uma minilixeira de coleta seletiva, usando caixa de ovo e tinta guache (Figura 2). Também levou para a sala de aula alguns materiais como plásticos, cascas de frutas, minipotes de vidro, papéis e tampas de metal, com o objetivo de servirem como lixos a serem depositados nas lixeiras.
Figura 2: Lixeira de coleta seletiva e materiais para serem depositados nela
Após a exposição do conteúdo teórico e a apresentação da minilixeira para os educandos, a professora entregou para cada estudante um pouco do material que trouxe para exemplificar o lixo. Em seguida, colocou sobre a sua mesa a minilixeira e pediu que cada aluno viesse e colocasse os lixos que foram entregues no local correto da lixeira.
Vale e Viana (2014) enfatizam que o papel do educador é ser um agente inovador e motivador das comunidades estudantis nas quais estão inseridos, conduzindo os educandos a um pensamento crítico e reflexivo. Os autores salientam que a questão ambiental necessita ser discutida e deve ser objeto de incentivo no que tange à sua preservação/conservação. Destacam ainda a importância do uso de linguagens mais acessíveis com os educandos sobre as questões ambientais, mostrando alternativas à redução da quantidade de lixo produzido pela sociedade, a exemplo da reciclagem e por meio da coleta seletiva, pois podem contribuir para gerar bons hábitos de preservação do meio ambiente.
Na dinâmica de coleta seletiva, os alunos relataram que não tinham o conhecimento da importância de se separar o lixo para reciclagem e nem que cada cor das lixeiras indicava que era para ser despejado um tipo de resíduo diferente (verde para vidro, amarelo para metal, azul para papel, vermelho para plástico e marrom para lixo orgânico). Com isso, essa atividade proporcionou uma reflexão acerca da importância de separar o lixo e um incentivo para que eles executassem tal prática em suas residências. A atividade também foi útil para mostrar aos discentes como eles devem depositar o lixo corretamente nas lixeiras de coleta seletiva expostas em ambientes públicos.
Construção do sistema solar com massinhas de modelar
A ideia dessa atividade é fazer uma revisão sobre os planetas que compõem o Sistema Solar. Após a exposição do conteúdo, a professora deixou sobre sua mesa massinhas de modelar, tinta guache e lápis de cor. Ofereceu uma folha de papel para cada estudante e os deixou livres para usarem a criatividade e fazerem os planetas. A Figura 3 ilustra um dos trabalhos feitos pelos discentes.
Figura 3: Sistema Solar produzido com massinha de modelar
Os alunos se mostraram muito interessados e participativos, estimulados a saber mais sobre os planetas. Passos e Moura (2017) descrevem que a astronomia possui um caráter motivacional e também possibilita inovações nas práticas de ensino. Essa motivação é importante para criar um ambiente agradável para o desenvolvimento da aprendizagem no ensino de Ciências. A atividade proposta estimulou a criatividade dos alunos, instigou o saber sobre o estudo da astronomia e proporcionou a eles prazer, visto que a maioria relatou gostar de desenhar e de manusear massinha de modelar e tintas.
Construção das fases da lua com biscoitos recheados
Com o intuito de promover uma atividade diferenciada na aula sobre Lua e suas fases foi entregue para cada estudante uma folha de papel e biscoitos recheados. Posteriormente foi pedido que eles usassem a criatividade para construir as quatro principais fases das luas com o auxílio lúdico dos biscoitos. A Figura 4 ilustra um dos trabalhos produzidos pelos discentes.
Figura 4: Fases da Lua com biscoito recheado
A atividade proporcionou grande empolgação. Os estudantes ficaram surpresos com a ideia de usar biscoitos para fazer uma atividade de Ciências. Os discentes se mostraram participativos. Surgiram muitas perguntas sobre a influência das fases da Lua no planeta Terra, mostrando que o objetivo da atividade foi alcançado.
Práticas que usam a ludicidade aproximam o aluno do professor. Os educandos participam muito mais, se sentem mais à vontade para tirar dúvidas e exporem suas opiniões sobre o assunto abordado. Quando é permitido que o estudante tenha a vivência de produzir algo dentro da disciplina, cria-se autonomia para que ele use sua criatividade e a troca de conhecimento é bem maior, pois ele se sente parte daquilo que está sendo feito, não sendo apenas um mero expectador.
O uso de metodologias diferenciadas promove no aluno um desenvolvimento da sua capacidade de absorção dos conteúdos. Ele se torna o protagonista no processo de construção do seu conhecimento (Lima et al., 2021). O professor de Ciências pode contribuir para o aprendizado de seus alunos, oferecendo mecanismos que permitam a eles usarem a sua imaginação, criando e recriando alternativas para fazê-los construir a sua própria identidade educacional (Lima et al., 2021).
Atividades desenvolvidas no ensino de Matemática: plano cartesiano construído com caixa de ovos
A criação do sistema de coordenadas cartesianas é uma ferramenta importante na Matemática, utilizada em diversos níveis de ensino. Muitos estudantes relatam que possuem dificuldades em desenhar e entender o plano cartesiano. Com o intuito de facilitar a aprendizagem dos estudantes dos 7º e 8º anos sobre a temática, realizamos uma atividade de construção e localização de pontos no plano cartesiano, usando materiais recicláveis como caixa de ovos, papéis e tampas de garrafas (Figura 5). O objetivo era inserir o conceito de localização de pares ordenados de forma lúdica. Nessa atividade, os estudantes foram divididos em grupos e com o auxílio de papéis numerados com números inteiros construíram o plano cartesiano. Posteriormente, o professor escreveu algumas coordenadas no quadro e solicitou que os estudantes representassem os pontos das coordenadas no plano cartesiano, usando as tampinhas de garrafas.
Figura 5: Plano cartesiano em caixa de ovos
O professor observou um grande interesse dos alunos com a atividade que promoveu discussões interessantes e relevantes. Os estudantes de um grupo opinavam sobre os estudantes do outro grupo. Essas rodas de conversas proporcionaram uma grande interação, favorecendo a aprendizagem de todos.
Em um estudo similar, Albuquerque (2021) corrobora o que foi observado, mencionando que o uso de materiais presentes no cotidiano do aluno para ensinar Matemática possibilita aos participantes noções concretas a conteúdos matemáticos que são, em geral, apresentados como abstratos.
Jogos de origem africana: Shisima
O Shisima (Figura 6) é um jogo africano originário do Quênia. As peças são chamadas de “pulgas-d’água”, devido à rapidez dos seus movimentos quando jogadas entre as crianças, por isso há uma comparação com os animais pulgas-d’água que se movem muito rápido na água (Geledés, 2013).
O Shisima é um jogo de estratégia que envolve dois jogadores. O objetivo é ser o primeiro a alinhar três peças seguidas sobre um tabuleiro octogonal de forma muito rápida. É um jogo fácil de ser confeccionado e que pode ser construído com materiais recicláveis (Nova Escola, 2000).
Figura 6: Jogo de Shisima
O jogo foi aplicado em turmas de 8º ano com o objetivo de estimular o raciocínio matemático e proporcionar o contato dos estudantes com informações sobre outra cultura. Os estudantes foram convidados pelo professor a montarem os seus próprios tabuleiros, usando materiais, como folhas A4 e tampas de garrafa (Figura 6). Após a montagem dos tabuleiros, os alunos jogavam em duplas. Eles relataram que não conheciam o jogo e se sentiram motivados a participarem da atividade.
Jogo da borboleta
Em Moçambique, esse jogo (figura 7) é chamado Borboleta, provavelmente por causa da forma do tabuleiro. É um jogo de estratégia cujo objetivo é desenvolver o raciocínio lógico. O participante deve pensar em estratégias para efetuar a captura e o bloqueio das peças do adversário, com atenção e concentração (Malfato, 2012).
Figura 7: Borboleta
Para a confecção do tabuleiro foram usadas folhas A4 e, como peças, tampas de garrafas. Nesse jogo, as peças são colocadas nos pontos do tabuleiro deixando vazio somente o ponto central. O jogo é realizado em dupla, onde um jogador de cada time movimenta uma de suas peças em um espaço vazio em linha reta até o ponto vazio adjacente. O jogador também pode saltar por cima e capturar uma peça do adversário se o espaço seguinte, em linha reta, estiver livre. O jogador que capturar todas as peças do adversário é o vencedor (Malfato, 2012).
Ao final da atividade, realiza-se uma roda para os alunos dialogarem sobre suas experiências com o jogo e discutirem sobre as estratégias que usaram para vencer. O professor relata que os alunos mostraram grande interesse, principalmente por tratar-se de um jogo novo para eles, proveniente de outra cultura e por estar sendo feito durante a aula de Matemática, aula tantas vezes vista como tediosa e complicada.
O professor escolheu os jogos de Shisima e Borboleta, pois com eles é possível introduzir e revisar conceitos básicos da Geometria, tais como, retas, pontos e polígonos. Além disso, com os jogos foi possível apresentar uma conexão da Matemática com a diversidade cultural. Muitos estudos citam a inserção de jogos lúdicos nas escolas, porém só alguns apresentam reflexões sobre a educação matemática em contextos de diversidade cultural. Vivemos em uma sociedade formada por várias culturas. Por isso, questões relacionadas à diversidade cultural necessitam ser incorporadas com mais frequência nas discussões escolares (Morais; Velanga, 2017). Unir a ludicidade matemática com jogos multiculturais é uma forma de o aluno conhecer e respeitar as mais diversas culturas.
Atividades desenvolvidas no ensino da Química
Numa instituição de Ensino Superior para o curso de formação de oficiais, foi desenvolvida uma série de metodologias e instrumentos didáticos (Tabela 2). A turma era formada por alunos adultos entre 23 e 30 anos, na qual alguns deles se destacavam por já serem graduados em Engenharia ou/e Física. No entanto, havia cadetes em formação e ainda sem base na área de Química.
Música como recurso pedagógico
Com o objetivo de alcançar a compreensão em massa da turma, o conteúdo ministrado foi Tabela Periódica, implementado com a utilização da música como instrumento didático no processo de ensino-aprendizagem. A metodologia despertou o interesse e a participação dos cadetes. Apesar da heterogeneidade da turma, tanto o educador como os educandos se sentiram satisfeitos com o recurso adotado. Destaca-se, aqui, a educação e o respeito existente em uma turma de Formação de Oficiais, onde a ludicidade foi uma novidade implementada pelo educador no ambiente.
Mediação pedagógica
Segundo Sanceverino (2016), pesquisas vêm destacando propostas baseadas em um processo didático em que atividades compartilhadas são enfatizadas e a avaliação é considerada não como uma constatação e classificação, mas sim como uma possibilidade de redimensionamento de constante aprendizagem e ensino. O papel do docente não se limita a ser a de um repassador de conhecimentos, mas a do mediador, instigador e problematizador.
Segundo Smolka (1991), falar a respeito da mediação e da dialogia é falar da presença do "outro" e da dinamicidade da palavra. A experiência verbal individual aflora e se configura em meio à interação da enunciação dos outros. Dessa forma, a palavra é revelada em toda atividade pedagógica.
Paulo Freire, em Educação como prática da liberdade (1975, p. 150), afirma: "que a palavra seja compreendida pelo homem na sua justa significação: como força de transformação do mundo". De acordo com Freire, os indivíduos são essencialmente comunicativos e se constroem por meio de diálogos. Segundo Gadotti (1989, p. 46), o diálogo é capaz de transformar a realidade e é essencial para o progresso.
Dessa forma, para estabelecer a dialogicidade como fundamento e caminho para a prática pedagógica é fundamental que docentes introduzam uma cultura do diálogo em sala de aula. São as experiências de aprendizagem mediadas pelo diálogo que possibilitam ao alunado a preparação para a captação do mundo, a fim de que compreendam a realidade que os cerca e possam intervir nela, não sendo apenas espectadores.
Na aula de Química, o conteúdo sobre Modelos Atômicos foi introduzido e fixado aos discentes a partir da mediação pedagógica. Inicialmente, o educador pediu que um dos cadetes fosse ao quadro e desenhasse a representação do experimento realizado em 1911 pelo cientista Ernest Rutherford. O experimento foi desenhado pelo aluno e os demais discentes também participavam do raciocínio da questão introduzida, destacando-se o diálogo entre os estudantes.
A partir dos relatos de autores sobre os resultados satisfatórios da mediação pedagógica na vida do alunado, ela foi adotada pelo professor de Química que a partir do experimento do cientista Rutherford, desenhado no quadro, duas situações hipotéticas de problematização foram levantadas sobre o experimento do cientista, estimulando o raciocínio, o pensamento crítico e a participação dos demais colegas sobre as questões, enquanto o professor mediava as questões ali postas.
Tal atividade teve como objetivo a estimulação do raciocínio, do pensamento crítico e a participação da turma sobre as questões. As Figuras 8A e 8B ilustram a atividade desenvolvida pelos cadetes.
Figura 8: Discussão sobre omodelo atômico de Rutherford: (A) Caminho traçado de uma partícula alfa em direção a um núcleo hipotético com carga elétrica negativa; (B) Resultado esperado, caso a maior parte da massa de um átomo fosse atribuída aos seus elétrons
Mapa mental
Um mapa mental consiste na representação do fluxo de pensamentos no surgimento de uma ideia ou no objetivo de absorção quanto ao conteúdo estudado. Ele varia em formas distintas, podendo ser desenhado à mão ou ainda digitalizado. Um modo fácil e prático de inserir ou retirar informações do cérebro é com o uso da ferramenta, uma vez que o registro das ideias é feito de forma mapeada, facilitando a organização do fluxo de pensamentos (Nascimento et al., 2019).
Nos casos de anotações em tempo real, o mapa mental é basicamente uma ramificação de ideias, a partir de um conceito central que mostra, de forma prática, a organização de pensamentos, com o objetivo de esclarecer visualmente todos os fragmentos de informações que são adquiridas de determinado assunto. A ferramenta permite que as ideias e os conceitos sejam ilustrados, recebendo formas e contextos para a memorização (Nascimento et al., 2019).
Quando se depara com pesquisas relacionadas aos mapas mentais, encontra-se em textos a ferramenta “mapas conceituais”. É muito comum generalizar mapas conceituais e mentais como um mesmo método, no entanto ambos possuem objetivos e usos diferentes. Segundo Moreira (2016), os mapas conceituais são diagramas indicando relações de conceito ou palavras para representar conceitos, sendo organizados de forma hierárquica. Os mapas conceituais são diagramas de relações significativas, enquanto os mapas mentais são livres, associacionistas, que não se ocupam de relações entre conceitos e não estão organizados hierarquicamente.
Os mapas mentais possuem o objetivo de auxiliar na memorização e na captação dos conteúdos, trabalhando com a função cognitiva dos hemisférios cerebrais. Dessa forma, o mapa mental é capaz de estimular todas as funções presentes no cérebro, onde todas as habilidades trabalham de forma harmônica, sendo capaz de compreender um objeto de estudo em sua totalidade, tornando-se uma importante ferramenta para o ensino-aprendizagem (Buzan, 2009).
Com o intuito de auxiliar a turma na memorização e na aprendizagem do conteúdo de Forças Intermoleculares, o docente de Química implementou em suas aulas o mapa mental (Figura 9). O conteúdo foi dado inicialmente na forma tradicional e o mapa mental, adicionado no final da aula para auxiliar na sua construção e na demonstração sobre o que entenderam sobre o conteúdo ministrado. O mapa mental foi desenhado no quadro e também apresentado em slide compartilhado com a turma. Os alunos conseguiram participar e assimilar melhor a matéria por meio da técnica adotada.
Figura 9: Mapa mental adotado pelo docente como processo de ensino-aprendizagem
Considerações finais
A utilização de metodologias diferenciadas com sentido lúdico estimula o aprendizado e contribui para a construção da autonomia acadêmica dos educandos. Essa metodologia de ensino colabora para que o aluno adquira confiança em seu potencial, tornando-o protagonista do seu aprendizado.
Este trabalho buscou apresentar práticas pedagógicas diferenciadas no ensino de Ciências, Matemática e Química, usando poucos recursos financeiros. Os professores observaram um grande envolvimento dos alunos na execução das discussões dialógicas em rodas de conversa, relatórios e trabalhos escritos sobre as atividades. Os alunos relataram que se sentiram motivados e com mais liberdade para tirarem suas dúvidas. Além de buscar uma maior assimilação dos conteúdos, todas as práticas executadas tiveram por objetivo instigar a criatividade e a autonomia dos estudantes, buscando proporcionar momentos agradáveis em sala de aula durante um período pandêmico tão conturbado.
Cabe destacar a importância da ludicidade no Ensino Superior, não havendo distinção entre a inserção do lúdico no nível do alunado. Por meio das observações em sala de aula, conclui-se que independentemente do ciclo básico ou superior, a ludicidade é extremamente importante no desenvolvimento estudantil e no processo de ensino-aprendizagem.
Referências
ALBUQUERQUE, Isa Silva C. A. de. Extensão universitária: mais uma possibilidade na formação docente. Revista de Extensão da UPE, v. 7, n° 1, p. 12-21, 2022.
BRITO, M. S. T.; COSTA, M. Práticas e percepções docentes e suas relações com o prestígio e clima escolar das escolas públicas do município do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Educação, v. 15, n° 45, p. 500-594, 2010.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ciencias.pdf. Acesso em: 3 fev. 2022.
BUZAN, T. Mapas mentais. Trad. Paulo Polzonoff Jr. Rio de Janeiro: Sextante, 2009.
DANTAS FILHO, J. V. D. Baixo rendimento na disciplina de Matemática. Educa – Revista Multidisciplinar em Educação, Porto Velho, v. 4, n° 9, p. 98-113, 2017.
DUCKWORTH, Eleanor. Aprendizagem e cognição nas áreas do conteúdo. In: SANTROCK, John W. Psicologia Educacional. 3ª ed. São Paulo: McGraw Hill, 2019. p. 364-404.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
FRITSCH, R.; VITELLI, R. F. et al. Percursos escolares de estudantes do ensino médio de escolas públicas do município de São Leopoldo - RS: desempenho escolar, perfil e características. Ensaio Aval. Pol. Públ. Educ., v. 27, n° 104, p. 543-567, 2019.
GADOTTI, Moacir. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 1989.
INSTITUTO DA MULHER NEGRA GELEDÉS. Shisima. In: Jogos africanos de tabuleiro – a Matemática na cultura africana. s/d. Disponível em: https://www.geledes.org.br/jogos-africanos-a-matematica-na-cultura-africana/.
LIMA, R. P. et al. A utilização de metodologias diferenciadas no ensino de Ciências: uma reflexão sobre aprendizagem significativa e ensino de qualidade na escola pública em tempos de pandemia. JNT -Facit Business and Technology Journal, v. 28(1), p. 409-425, 2021.
MALFATO, I. C. Jogos africanos: alternativa metodológica para o desenvolvimento do raciocínio lógico e propagação desta cultura. In: PARANÁ. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense. Curitiba: Secretaria de Educação do Paraná, 2012. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2012/2012_unioeste_mat_pdp_isabel_cristina_malfato.pdf.
MARQUES, M. M. et al. Experimentos de Química para turmas de Ensino Médio[recurso eletrônico]. Ponta Grossa: Atena, 2019.
MORAIS, L. M.; VELANGA, C. T. Diversidade cultural na escola: desafios para a prática docente. Diversidade cultural na escola: desafios para a prática docente. RECH -Revista Ensino de Ciências e Humanidades– Cidadania, Diversidade e Bem-Estar, v. 1(1), p. 299-321, 2017.
MOREIRA, M. A. Mapas conceituais e aprendizagem significativa. Curitiba: FAE Centro Universitário, 2016.
NICOLA, J. A.; PANIZ, C. M. A importância da utilização de diferentes recursos didáticos no ensino de Biologia. Rev. NEaD-Unesp, v. 2(1), p. 355-381, 2016.
NASCIMENTO, A. L. G. P. et al. Mapas mentais como ferramenta de ensino/aprendizagem para universitários com TDAH no curso de Letras da FAE - Centro Universitário. Memorial TCC – Caderno da Graduação, p. 403-436, 2019.
NOVA ESCOLA. Sugestão de atividade: faça os alunos confeccionarem um jogo em casa. Disponível em: https://box.novaescola.org.br/etapa/2/educacao-fundamental-1/caixa/136/trabalho-com-jogos-como-aproveitar-o-interesse-dos-alunos/conteudo/19359. Acesso em: 14 set. 2022.
O’DWYER, A.; CHILDS, P. E. Who says organic chemistry is difficult? Exploring perspectives and perceptions. Sci. Technol. Educ., v. 13(7), p. 3.599–3.620, 2017.
PASSOS, R. V. dos; MOURA, R. T. A. de. Ensino da Astronomia para crianças e adolescentes de escolas públicas das áreas urbanas e rurais no município de Tavares-PB. II Conape, SC, Anais... 2017. Disponível em: https://www.editorarealize.com.br/editora/anais/conapesc/2018/TRABALHO_EV107_MD4_SA24_ID783_28052018100044.pdf. Acesso em: 14 jan. 2022.
PEREIRA, G. M.; SANTOS, A. S. Atividades lúdicas e experimentais como ferramentas didáticas no ensino de Matemática e Ciências. In: SANCHEZ JÚNIOR, Sidney Lopes; SOUZA, Patricia Ferreira Concato de; MIKUSKA, Márcia Inês Schabarum. O ensino de Ciências e Matemática: perspectivas e olhares multidisciplinares. São Paulo: Arco, 2021.
SANCEVERINO, A. R. Mediação pedagógica na Educação de Jovens e Adultos: exigência existencial e política do diálogo como fundamento da prática. Rev. Bras. Educ., v. 21(65), p. 455-475, 2016.
SANTOS, S. B.; AZEVEDO, M. M. R. et al. Jogos didáticos no ensino de Biologia na EJA em escolas públicas de Santarém-PA. Experiências em Ensino de Ciências, v. 15(3), p. 231-246, 2020.
SILVA, J. N. da; LIMA, P. R. S. da et al. Time bomb game: design, implementation, and evaluation of a fun and challenging game reviewing the structural theory of organic compounds. J. Chem. Educ., v. 97(2), p. 565–570, 2020.
______; LIMA, M. A. et al. Design, implementation, and evaluation of a game-based application for aiding Chemical Engineering and Chemistry students to review organic reactions. Education for Chemical Engineers, v. 34, p. 106-114, 2021.
SMOLKA, A. L. B. Múltiplas vozes em sala de aula: aspecto da construção coletiva do conhecimento na escola. Revista de Trabalhos de Linguística Aplicada, Campinas, n° 18, p. 15-28, 1991.
SOUSA LIMA, M. A. et al. Game-based application for helping students review chemical nomenclature in a fun way. J. Chem. Educ., v. 96(4), p. 801–805, 2019.
STRINGFIELD, T. W. et al. Benefits of a game-based review module in chemistry courses for nonmajors. J. Chem. Educ., v. 91(1), p. 56–58, 2014.
VALE, W. M.; VIANA, B. A. V. Projeto Coleta Seletiva, um desafio escolar. Revista do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, Teresina, v. 2(2), p. 100-114, 2014.
VALEZE, R. M. C. et al. Diálogos e reflexões sobre sexualidade nos espaços escolares. In: PARANÁ. O professor e os desafios das escolas públicas paranaenses. Curitiba: Secretária de Educação do Paraná, 2010. p. 1-27.
Publicado em 25 de abril de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
PEREIRA, Gabriela Moysés; SANTOS, Alex da Silva; CRUZ, Maria de Fátima Simão Jucá. Aplicação de metodologias diferenciadas no ensino de Ciências, Matemática e Química: da Educação Básica ao Ensino Superior. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 15, 25 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/15/aplicacao-de-metodologias-diferenciadas-no-ensino-de-ciencias-matematica-e-quimica-da-educacao-basica-ao-ensino-superior
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.