O labor docente e a alienação do trabalho

Thalles Azevedo Ladeira

Mestre em Ensino (PPGEn/UFF), professor de séries iniciais nos municípios de Rio das Ostras/RJ e Casimiro de Abreu/RJ

Segundo a concepção de educação em que acreditamos, o professor é um agente que impulsiona os alunos a pensar criticamente por meio da apropriação de conhecimentos. Isso significa dizer que o ato de ensinar é em si um ato político (Freire, 1972). Portanto, consideramos que ser professor vai muito além de simplesmente transmitir conteúdos. É, antes de qualquer coisa, instrumentalizar os alunos com conhecimentos, visando o desenvolvimento do pensamento crítico e emancipador, possibilitando uma práxis transformadora da sociedade.

Desse modo, precisamos aqui deixar claro que a ação de ensinar não é neutra; assim como não existe neutralidade no mundo, não há neutralidade na ação do professor em transmitir conhecimento. Logo, a Educação nunca deve deixar de ser considerada intrínseca ao viés político e de classe. Sobre esse aspecto, cabe citar Paulo Freire (1996), quando afirma que

é impossível, na verdade, a neutralidade da Educação. E é impossível não porque professoras e professores "baderneiros e subversivos" o determinem. A Educação não vira política por causa da decisão desse ou daquele educador. Ela é política (Freire, 1996, p. 56).

Sobre esse aspecto, Cantarelli, Campos e Facci (2017, p. 41) também destacam que “a prática do professor tem sempre um sentido político em si, independentemente de que esse sentido exista para o professor ou de que se tenha ou não consciência do significado político da ação educativa”. Logo, ao ter a percepção de que a Educação é política e que a ação do professor é em si um ato político, é fundamental reivindicar para todos uma educação problematizadora, libertadora e emancipadora independente da perspectiva pedagógica e ideológica que a escola assuma ou que o professor assuma, sempre estará presente um posicionamento ideológico, pois ele é inerente a todos os âmbitos da vida, inclusive na Educação.

Sobre essa questão, é muito bem-vinda a perspectiva de Marx e Engels (1999), ao afirmarem que “a história de todas as sociedades até nossos dias tem sido a história das lutas de classes” (Marx; Engels, 1999, p. 7). Isso aponta que a escola é um lugar de disputa, e a ação de educar sempre deverá ser uma ação revolucionária, de libertação da condição do não saber ou de estar alheio às articulações sociais capitalistas que produzem a desigualdade e a exploração do trabalho, o que denominamos de alienação.

Em concordância com Paulo Freire (1987), ao apontar que a libertação é um parto doloroso, salientamos que se faz imprescindível ao professor uma consciência de classe que lhe permita exercer sua atuação política pedagógica de modo perseverante, tendo a clareza de que sua atuação, seja na escola, em sala de aula, nos sindicatos ou onde estiver, deve ser sempre acompanhada de um posicionamento político que contribua, ainda que em pequenas proporções, para a emancipação e a justiça social. Destacamos, portanto, que ser professor é ter a possiblidade de despertar a consciência de seus alunos. Nesse sentido, Freire (1987, p. 48) afirma que “ao revolucionário cabe libertar e libertar-se com o povo”. Isso nos leva a acreditar que é na consciência que a transformação individual ocorre e é a partir dela, por meio de ações coletivas, que é possível transformar a realidade.

É importante dizer, contudo, que educar é também em si um ato de resistência, principalmente no que se refere aos ditames ideológicos que a elite dominante tenta incrustar nas escolas diariamente, a fim de promover a uniformização ideológica nos alunos, propagando suas perspectivas de classe para assegurar a sua dominação; é nesse sentido que a consideramos, baseado em Althusser, um aparelho ideológico do Estado, contribuindo para a formação da força de trabalho e para a inculcação da ideologia burguesa.

Sobre a escola como aparelho ideológico do Estado, é importante pensar que sua função vem sendo a reprodução da ideologia do Estado dominante, a fim de garantir a manutenção da exploração entre as classes sociais, conforme apontamos antes. No entanto, para isso é necessário assegurar a inautenticidade reflexiva dos alunos. A esse respeito, Silva e Farias (2011 p. 101) afirmam:

Nesse contexto justifica-se a manutenção do senso acrítico enquanto condição necessária para o emudecimento das consciências e as condiciona a meras imitadoras de uma imagem de existência previamente ditada pelos anseios da elite, que se impõe como uma violência camuflada.

Essa forma de conceber a realidade mostra como é necessário romper com os processos de domesticação do pensar impostos pelos poderes dominantes nas escolas, com o intuito de produzir indivíduos dóceis que “vêm sendo expulsos da órbita das decisões” (Freire, 1987, p. 53). A ideia é rebaixar os indivíduos a meros espectadores de seu tempo. Isso acontece quando assumem posição individualista em relação ao mundo, orbitando na busca de sua ascensão social e deixando de se enxergar como pertencentes a uma classe. Quando essa consciência de classe é apropriada por eles, geralmente vem acompanhada da necessidade de engajamento para a superação da supremacia burguesa. Nesse ponto, mais uma vez, destacamos o papel político dos professores nesse processo, por contribuir para que seus alunos consigam interpretar a realidade e, mais do que isso, atuar sobre ela, no sentido de sua radical transformação.

A esse respeito, citamos Penna (2017) ao afirmar que “a ação de educar pressupõe um agir carregado de intenção por parte do educador a todo instante, tanto na sua dimensão política como na sua dimensão pedagógica” (Penna, 2017, p. 4).

Cabe considerar também que o professor leva consigo todos os dias a tarefa de humanização dos indivíduos e do enriquecimento humano por meio de uma relação de apropriação e transmissão dos conhecimentos. Nesse sentido, podemos afirmar com segurança que o ato de dar aula e de transmitir o conhecimento deve ser inseparável do ato de produzir nos homens a sua humanidade, uma vez que é por intermédio da assimilação dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade que é possível ao ser humano humanizar-se.

Isso fica claro na fala de Martins (2007, p. 4), ao afirmar que

o produto do trabalho educativo revela-se na promoção da humanização dos homens, na consolidação de condições facilitadoras para que os indivíduos se apropriem do saber historicamente sistematizado pelo gênero humano.

Uma vez ficando claro o caráter subversivo, revolucionário e ao mesmo tempo humanizador que se associa ao trabalho do professor por meio do ato de ensinar, começa a fazer sentido para nós os motivos pelos quais o trabalho docente é tão desvalorizado e reduzido a condições de precarização e aviltamento.

E é justamente por o ofício do professor ser carregado de potência e de força para transformar consciências que é tão importante para a burguesia dominante (aqueles que são detentores dos privilégios sociais e que não estão dispostos a negociar qualquer mudança na sociedade que os deixem órfãos de seus próprios privilégios de classe) que o professor seja um sujeito alienado de sua condição de precarização do trabalho e principalmente do caráter subversivo e transformador que o seu ofício carrega.

Metodologia

O referencial teórico-metodológico utilizado é o do materialismo histórico e dialético, por considerar que se baseia em uma interpretação da realidade que vise à compreensão dos fenômenos sociais, ao levar sempre em conta o sistema capitalista e suas conexões com o mundo do trabalho e dos homens, objetivando não apenas descrever a realidade, mas, de igual modo, possibilitar a sua transformação.

De acordo com Thomas et al. (2007) em uma pesquisa de revisão bibliográfica, o principal objetivo é agrupar ideias provenientes de diversas fontes, tencionando a construção de uma nova ideia e/ou teoria ou nova forma de configuração de um assunto já versado.

Nós nos baseamos também em uma metodologia de caráter exploratório-descritivo por meio de análise de conteúdo (Bardin, 1977), amparada em um estudo de caráter quantitativo e qualitativo de análise dos dados.

Desenvolvimento

Antes de desenvolvermos as análises a respeito das condições de precarização do trabalho docente, consideramos importante apresentar o sentido etimológico da palavra trabalho. Para isso, precisaremos recorrer ao seu contexto histórico. É sabido que trabalho é derivado do latim tripalium, que, por sua vez, era um instrumento romano de tortura com três estacas que prendia pessoas para serem torturadas, em fins do século VI.

Cabe sinalizar também que, mesmo antes de ser associado a instrumento de tortura medieval, trabalhar significava na Antiguidade a perda da liberdade em seu sentido literal, ou seja, quem trabalhava na Roma Antiga eram os escravos, enquanto os patrícios, que eram os considerados cidadãos que constituíam a aristocracia romana, se dedicavam ao desenvolvimento das atividades políticas no Senado de Roma.

Com o advento do medievo, o sentido de trabalho alcançou uma conotação semelhante, mas com suas idiossincrasias. A sociedade medieval era dividida entre os bellatores, os oratores e os laboratores.

Os bellatores eram os cavaleiros, responsáveis pela guerra (de bellatores surgiu a palavra bélico, de guerra); os oratores eram aqueles que oravam, que se dedicavam à vida eclesiástica; e os laboratores, por sua vez, trabalhavam. Na prática, essa divisão era social: a nobreza (que depois viria a perder essa característica da guerra), a igreja e os camponeses.

Por essa razão, Antunes (2009) vem apontar que, historicamente, o suplício e a punição estão ligados ao trabalho. Nesse sentido, ele aponta que, “quer como Arbeit, lavoro, travail, trabajo, labour ou work, a sociedade do trabalho chegou à Modernidade, ao mundo da mercadoria” (Antunes, 2009, p. 259). E é neste sentido que nossa discussão se move: apresentar as complexidades do mundo do trabalho na Modernidade, mais especificamente o trabalho docente.

Podemos apontar alguns exemplos para elucidar o panorama de precarização do trabalho docente. No entanto, é importante deixar claro que nossa reflexão aqui está voltada para pensar as condições do trabalho docente dentro da Educação Básica. Um primeiro aspecto a ser considerado, segundo Soares e Martins (2017), é a relação de não equivalência entre salário recebido e trabalho realizado, sendo esse um dos grandes motivos de frustração dentro da categoria docente. Nesse sentido, baseado no conjunto das relações sociais já apontadas ao longo deste trabalho, devemos encarar a desvalorização salarial da categoria como uma articulação política de desvalorização da própria educação e, consequentemente, da profissão docente.

Considera-se também o cenário da crescente violência no ambiente escolar, somado ao desrespeito cotidiano e à falta de interesse dos alunos pelas aulas como fatores de grande precarização do trabalho. Outros fatores como más condições do ambiente laboral; infraestrutura precária; pouco espaço nas salas de aula; quantidade extensa de alunos por turma; falta de material didático necessário para o bom desenvolvimento do trabalho; e até mesmo a competitividade dentro da categoria docente também são constatações importantes dentro da realidade de trabalho docente, que o caracterizam como precarizado e reificado.

Iremos agora pensar em como a prática docente pode estar inter-relacionada a um processo de alienação e como que essa alienação colabora ainda mais para a precarização do trabalhador.  Como essa é uma categoria da maior importância para entendermos o mundo do trabalho no capitalismo, vamos dedicar as próximas linhas a explicar um pouco a respeito do que seja a alienação e sua interlocução com o mundo do trabalho.

Entendemos alienação como o processo em que o sujeito não se reconhece na sua relação com o trabalho, que, por sua vez, torna-se a negação do próprio homem (Vázquez, 2007).

Marx (1967), em seu texto Primeiro manuscrito, traz o conceito de trabalho alienado, segundo as leis da Economia Política. Para ele, a alienação do trabalho constitui-se em:

primeiramente, ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e, por conseguinte, ele não se realizar em seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas, mas fisicamente exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. Seu caráter alienado é claramente atestado pelo fato de, logo que não haja compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele mesmo, mas trabalho para outrem, por no trabalho ele não se pertencer a si mesmo, mas sim a outra pessoa (Marx, 1967, p. 93).

Mészáros (2002) afirma que o conceito de alienação em Marx tem quatro aspectos principais. Iremos explicitá-los brevemente nos próximos parágrafos, pois julgamos importante esse entendimento para uma melhor compreensão da precarização do trabalho de modo geral.

O primeiro expressa a alienação do homem em relação aos produtos do seu trabalho que pertencem a outro. Nesse sentido, o produto se consolida para o trabalhador como algo independente, externo a ele, um objeto que não lhe pertence.

O segundo, por sua vez, caracteriza-se por a alienação do homem frente à sua própria atividade ser uma atividade alheia a ele, isto é, o homem passa a se tornar “estranhado” na sua relação com o seu trabalho. Tal atividade, que se torna alheia a ele, não oferece ao indivíduo nenhuma satisfação em si e por si mesma, justificando-se puramente pela necessidade do indivíduo em relação ao capital, para a sobrevivência. Sobre isso que acabamos de evidenciar, cabe apontar que Marx chama a primeira característica de “estranhamento da coisa” e a segunda de “autoestranhamento” (Marx, 2004, p. 83).

Segundo Marx (2004), o estranhamento se dá no que se refere à relação do homem com o objeto que ele produz, na medida em que quanto mais objetos são gerados pelo trabalhador menos ele pode possuir e mais ele é subsumido ao domínio do seu produto, isto é, do capital, tornando-se, portanto, um servo de seu objeto (Marx, 2004, p. 81).

No que se refere à sua relação com o trabalho, o processo de estranhamento ocorre ao passo que quanto mais o trabalhador se desgasta trabalhando menos pertence a si mesmo e mais ao processo laboral no qual ele está inserido (Marx, 2004, p. 81).

Nesse sentido, o autor destaca que o trabalho estranhado inverte a relação do homem com o trabalho de tal maneira que o homem faz dessa atividade, vital e essencial para a realização de sua própria existência e emancipação, apenas um meio para a sua existência (Marx, 2004, p. 85).

O terceiro aspecto é a alienação do homem com relação ao seu ser genérico, ou seja, no que diz respeito “a sua própria natureza, tal como em relação a sua essência espiritual, a sua essência humana” (Marx, 2004, p. 85). Isso faz com que o homem se torne um ser estranhado a ele mesmo, em sua própria existência individual e, portanto, se distancie de sua humanidade como “condição humana” em seu processo de objetificação de si mesmo por meio dos processos capitalistas de trabalho (Marx, 2004, p. 85).

O quarto aspecto da alienação considera a relação do homem com os outros homens. Essa ideia, nas palavras de Marx, ganha uma clareza sem precedentes, ao ponto de eu preferir substituir as minhas palavras pelas dele:

uma consequência imediata disto, de o homem estar estranhado do produto do seu trabalho, da sua atividade vital e de seu ser genérico, é o estranhamento do homem pelo [próprio] homem. Quando o homem está frente a si mesmo, defronta-se com ele o outro homem. O que é produto da relação do homem com o seu trabalho, produto de seu trabalho e consigo mesmo, vale como relação do homem com outro homem, como o trabalho e o objeto do trabalho de outro homem (Marx, 2004, p. 85-86).

Diante dessa breve explicação sobre o que vem a ser a categoria alienação, em Marx, cabe apontar agora de modo mais específico os sentidos do trabalho alienado na prática docente. No trabalho docente, discorrer sobre a alienação é antes de tudo necessariamente partir do pressuposto de que, dentro do sistema capitalista, o professor que se põe a ser um intelectual crítico, aberto a refletir dialeticamente sobre os fenômenos sociais que se apresentam, tende a incomodar aqueles que estão sendo favorecidos com as desigualdades sociais – o que nós denominamos elite ou burguesia dominante.

Isso nos leva a pensar que, a partir da inserção dos filhos das camadas populares nas escolas, ela passou a se constituir como espaço de ocupação e de enfrentamento das desigualdades sociais, pois, sendo ela o espaço por excelência do acesso ao saber crítico, a apropriação de tal conhecimento por parte do proletariado tornar-se-ia um risco a burguesia. É por isso que a classe dominante, sempre que pode, procura manter esses conhecimentos distantes dos menos favorecidos socialmente, a fim de evitar o fim da alienação que certamente iria configurar-se como o início de mudanças sociais profundas (Kuenzer, 2005).

Ainda de acordo com Kuenzer (2005, p. 14), há uma estratégia de inclusão da camada popular nas escolas públicas por parte da burguesia que constitui as instâncias de poder; todavia, essa inclusão possui como interesse majoritário preparar uma camada de trabalhadores capazes de melhor responder às demandas do capitalismo.

É visto, portanto, que manter a desqualificação escolar para a classe mais pobre é um forte mecanismo de dominação social, devendo ser levado em conta que, se nas escolas dos filhos do proletariado há qualidade no ensino, essa qualificação, conforme mencionado por Frigotto em referência a Adam Smith, é ofertada em doses homeopáticas (Frigotto, 2001).

Partindo desse indicativo, apontamos que um professor adequado à lógica do sistema é aquele que se coloca a preparar os seus alunos para melhor atuarem na produção, com disciplinamentos que começam nos “anos iniciais da vida para suportar o uso do seu corpo e sua mente para outrem, praticar a obediência e desenvolver um repertório comportamental compatível com as necessidades do mundo do trabalho” (Rosa, 1998,apud Costa, 2009, p. 69).

Desse modo, é possível entender a alienação como processo vinculado a um trabalho precarizado que subordina o professor a um estado de mero repetidor dos conteúdos do livro didático, de modo a não atuar autônoma, crítica e politicamente na sua prática, executando-a de forma automática, ao passo em que o trabalhador não identifica os próprios processos de precarização presentes em seu trabalho docente.

Cortesão (2002) também traz contribuições ao tema ao destacar que o trabalho alienado é a concepção de estar ali apenas para fazer o seu trabalho, sem precisar estar envolvido no processo. A alienação se configura então, na medida em que o professor desconsidera o potencial político da sua prática e de toda a capacidade revolucionária que o conhecimento humano possui e se torna um reprodutor de informações, quase como um robô.

Por fim, como afirma Cortesão (2002), é necessário que a profissão docente transforme-se em uma docência não daltônica, possuindo a capacidade de se reconhecer no processo de alienação e mesmo assim ter clareza de que sua atuação pode ser um instrumento de transformação da realidade social (Carissimi; Lima; Martini, 2008, p. 30).

É importante deixar claro aqui que todo movimento de culpabilização ou autoculpabilização do professor por não desenvolver seu trabalho de forma crítica, emancipadora e autônoma, da forma que gostaria deve ser encarado com cuidado, pois, considerando os limites que se impõem de formação precária (tanto inicial quanto continuada), aos quais a maioria dos professores tem acesso, e levando em conta a realidade de precarização do próprio trabalho docente no qual o professor está inserido, ele deve ser encarado como vítima e não como algoz das impossibilidades de seu trabalho.

Nesse sentido, ainda que consideremos que o trabalho alienado exista e faz parte da realidade do trabalho docente em maior ou menor escala, devemos ter a clareza de que a culpa nunca deve ser transferida para o professor e sim para o sistema que produz essa alienação. Aliás, devemos reconhecer que não são apenas professores ou alunos que vivem em constante processo de alienar-se e desalienar-se.

Sobre essa questão, acreditamos que até mesmo os maiores intelectuais de esquerda vivem sob processos de alienação. É uma luta constante de sua desconstrução. O que podemos fazer quanto a isso é primeiramente buscar entender nosso estado de alienação e procurar superá-lo, mas sempre com a clareza de que sua superação por completo não é possível enquanto estivermos condicionados ao sistema capitalista.

Considerações finais

A partir de toda a reflexão aqui proposta, a pergunta que devemos fazer é: seria possível ao trabalhador superar a alienação no trabalho? Partindo da premissa do poeta alemão Brecht, de que nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar, consideramos que sim.

No entanto, a História vem nos ensinando, com o passar do tempo, que mudanças sociais são feitas a muitas mãos. Daí a importância de valorizar a figura da luta coletiva, o papel dos sindicatos de trabalhadores, das manifestações sociais, dos movimentos de resistência que ainda vivem. Esse é um forte indicativo de um bom caminho a seguir para superar a alienação em qualquer esfera em que ela se imponha, pois acreditamos que as transformações se produzem na coletividade.

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Publicado em 25 de abril de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

LADEIRA, Thalles Azevedo. O labor docente e a alienação do trabalho. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 15, 25 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/15/o-labor-docente-e-a-alienacao-do-trabalho

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