Projeto pedagógico da Modernidade na perspectiva kantiana

Marina Lanza Venuto

Mestranda em Educação (UEMG)

Ronaldo Adriano Ribeiro da Silva

Doutor em Ensino de Ciência (Unila)

Ricardo Ferreira Vale

Doutorando em Educação (UFOP)

De acordo com Kant (1999), os seres humanos são os únicos animais que necessitam de cuidados preventivos, cujo objetivo é impedi-los de usar suas forças naturais de forma prejudicial a si próprios. Para tanto, segundo o autor, devemos nos valer da disciplina desde a primeira infância, uma vez que crianças são demasiadamente inclinadas à liberdade. Caso seus instintos não sejam freados prematuramente, essa tarefa se tornará extremamente difícil no futuro.

Kant (1999) atenta para a importância fundamental da educação na formação do homem ao afirmar que somos o seu produto.

É entusiasmante pensar que a natureza humana será sempre melhor desenvolvida e aprimorada pela educação, e que é possível chegar a dar àquela forma, a qual em verdade convém à humanidade. Isso abre a perspectiva para uma futura felicidade da espécie humana (Kant, 1999, p. 17).

A partir dessa premissa, a educação deve ser aperfeiçoada ao longo do tempo com vistas a se tornar cada vez mais adequada aos anseios da humanidade. Aqui, o autor faz uma ressalva importante acerca da arte de educar, no que se refere ao olhar que devemos ter para um futuro mais promissor do que o presente que vivenciamos.

A Pedagogia deve permitir que a humanidade desenvolva suas potencialidades a fim de alcançar a sua plenitude. Dessa forma, a visão kantiana de uma educação de qualidade é aquela capaz de tornar o homem disciplinado, culto, prudente e moral. Entretanto, Kant (1999) afirma que devemos não apenas nos preocupar em treinar as crianças, mas sobretudo em ensiná-las a pensar por si mesmas.

O autor apresenta as diferenças inerentes à educação privada, ou seja, a educação dada pelos progenitores aos seus filhos e a educação pública oriunda das demandas e regras da sociedade. Para Kant (1999, p. 30), “uma educação pública completa é aquela que reúne, ao mesmo tempo, a instrução e a formação moral. Seu fim consiste em promover uma boa educação privada”.

No que se refere ao tempo de duração da educação, Kant (1999) afirma que existem alguns aspectos a serem levados em consideração, tais como a capacidade do indivíduo em gerir a sua própria vida, o seu desenvolvimento sexual e a sua possibilidade de se tornar pai. Assim, ele estabelece a idade aproximada de dezesseis anos para o uso de uma educação regular e formal e determina que, após esse prazo, deve-se recorrer ao uso de especializações culturais ou a uma disciplina especial.

Um dos grandes problemas estabelecidos por Kant (1999) acerca da educação está em habituar o educando a conciliar o exercício de sua liberdade ao constrangimento de se submeter às leis. Sobre esse aspecto, Kant afirma:

É preciso habituar o educando a suportar que a sua liberdade seja submetida ao constrangimento de outrem e que, ao mesmo tempo, dirija corretamente a sua liberdade. Sem essa condição, não haverá nele senão algo mecânico; e o homem, terminada a sua educação, não saberá usar sua liberdade. É necessário que ele sinta logo a inevitável resistência da sociedade, para que aprenda a conhecer o quanto é difícil bastar-se a si mesmo, tolerar as privações e adquirir o que é necessário para tornar-se independente (Kant, 1999, p. 33).

Diante da demanda explicitada, é recomendado que a criança exercite a liberdade de movimentos desde a infância e respeite a liberdade dos outros, tendo ciência de sua capacidade para alcançar seus propósitos sem prejuízo aos anseios alheios, dispondo de conhecimentos de que o constrangimento diante da imposição das leis é fator preponderante para que ela possa trilhar o seu próprio caminho. Nesse aspecto, o autor afirma que a educação pública é mais eficaz no que se refere ao conhecimento a respeito dos direitos do outro, na sociedade, assim como dos seus próprios.

O projeto pedagógico kantiano também apresenta normas e regras concernentes ao desenvolvimento da Educação Física definida como os cuidados relativos ao desenvolvimento corporal das crianças. A respeito dessa questão são apresentados tópicos acerca da amamentação, da administração de uma alimentação adequada para o desmame, da melhor postura dos pais diante do choro infantil, bem como da utilização de meios naturais para outros aspectos educacionais. Kant (1999, p. 48) explicita que “tudo aquilo que a educação deve fazer é impedir que as crianças cresçam muito delicadas. A fortaleza é o oposto da moleza. Pretende-se demais ao querer habituar as crianças a tudo”.

É importante entender que o excesso de costumes pode representar um empecilho para a liberdade e para a independência humanas, pois assim como os animais, o ser humano normalmente está inclinado a se acostumar com os seus primeiros hábitos. Dessa forma, Kant (1999) recomenda aos pais que não permitam às crianças a manutenção de certos hábitos para que isso não se perpetue no comportamento humano.

A respeito da índole, é imprescindível aos pais o cuidado para não escravizarem seus filhos, tolhendo-lhes a liberdade e impondo-lhes uma educação rígida e servil. O fundamental é tratá-los com franqueza, sinceridade e cordialidade. Na perspectiva kantiana,

a criança não possui ainda nenhuma ideia de vergonha e de conveniência; não tem nem deve ter vergonha. Isso a tornará tímida. Ficará embaraçada diante dos outros e de boa vontade fugirá da sua presença. Assim, nascem nela uma reserva e uma dissimulação nefasta. Não ousa perguntar mais nada, ao passo que deveria poder perguntar tudo; esconde os sentimentos e parece ser sempre diferente do que é, quando deveria poder dizer tudo francamente (Kant, 1999, p. 51).

Articulados à Educação Física estão os jogos infantis e, de acordo com Kant, os melhores são aqueles capazes de promover o desenvolvimento das habilidades, dos sentidos, das noções de proporção e da competência abstrata das crianças. De modo geral, as brincadeiras infantis são praticamente universais e primam não apenas por serem divertimentos, mas por serem dotadas de objetivos e finalidades. Do ponto de vista prático, o autor destaca que de um garoto esperto, teremos futuramente um homem de bem. Entende-se como homem de bem, na perspectiva kantiana, o indivíduo que percebe seus defeitos, não se deixa levar por ímpetos de superioridade e autoridade e reconhece seus anseios, seus direitos e as necessidades dos outros.

A educação ministrada nas escolas às crianças deve também estar articulada ao anseio de ensiná-las a valorizarem o trabalho. O autor parte do seguinte pressuposto:

O homem deve permanecer ocupado, de tal forma que, tendo em vista o fim que almeja, se realize sem sentir-se a si mesmo, e que o seu melhor repouso seja aquele que sucede ao trabalho. Que a criança, portanto, seja habituada ao trabalho. E onde a tendência ao trabalho pode ser mais bem cultivada que na escola? Prejudica-se à criança, se se a acostuma a considerar tudo um divertimento (Kant, 1999, p. 62).

Ao refletir acerca dessa afirmativa, percebe-se que, em seus estudos sobre a arte de ensinar, o autor atenta para a questão do estabelecimento não apenas de regras educacionais voltadas ao mundo do trabalho, mas também para a determinação de prazos preestabelecidos no desenvolvimento de atividades diversas dentro do ambiente escolar.

Outro aspecto salutar na Educação Infantil está relacionado ao cultivo da memória como fator preponderante para o desenvolvimento da inteligência. São sugeridos, pelo referido autor, o uso de diversas técnicas de memorização em várias disciplinas, como nas artes das linguagens, na Geografia e na História. Explicita-se também o fortalecimento da atenção, uma vez que as distrações são extremamente prejudiciais à assimilação de conhecimentos.

Dessa forma, conclui-se que o projeto pedagógico da modernidade, segundo a perspectiva kantiana, propõe a construção de uma estrutura educacional na qual todas as potencialidades do indivíduo sejam trabalhadas de modo a torná-lo um colaborador efetivo no estabelecimento de uma sociedade cada vez mais justa e harmônica.

Referência

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 2ª ed. Piracicaba: Editora Unimep, 1999.

Publicado em 25 de abril de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

VENUTO, Marina Lanza; SILVA, Ronaldo Adriano Ribeiro da; VALE, Ricardo Ferreira. Projeto pedagógico da Modernidade na perspectiva kantiana. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 15, 25 de abril de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/12/projeto-pedagogico-da-modernidade-na-perspectiva-kantiana

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