Formação continuada para professores de sala de recursos multifuncional: uma contribuição com as novas tecnologias digitais

Andréa Maria Esteves da Costa

Professora da Secretaria Municipal de Educação de Niterói (FME-Niterói), mestre em Novas Tecnologias Digitais na Educação (UniCarioca)

André Cotelli do Espírito Santo

Mestre em Tecnologias e Ciências Nucleares (IEN/CNEN), pesquisador do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação da UniCarioca

Antônio Carlos de Abreu Mol

Cientista do Nosso Estado do Rio de Janeiro (Faperj), PQ 1 C (CNPq); doutor em Engenharia Nuclear (Coppe/UFRJ), pesquisador do Instituto de Engenharia Nuclear (CNEN); coordenador do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação da UniCarioca

Ana Paula Legey de Siqueira

Jovem Cientista do Nosso Estado do Rio de Janeiro (Faperj), PQ 2 (CNPq), doutora em Ciências (IOC/Fiocruz), professora e coordenadora adjunta do Mestrado Profissional em Novas Tecnologias Digitais na Educação da UniCarioca

O foco crescente na formação continuada de professores na Educação Inclusiva vem ganhando importância nos ambientes educacionais, sugerindo a necessidade de desenvolver perspectivas inovadoras que possam levar à ruptura com os modelos conservadores de aprendizagem na Educação Especial.

Outro desafio está nas propostas dos professores para quebrar as percepções negativas sobre o uso da tecnologia digital, beneficiando a aprendizagem das pessoas com deficiência. Tais práticas de ensino têm sido amplamente discutidas, pesquisadas e estudadas nos últimos anos. É urgente reconhecer as suas diferenças por meio de atitudes que valorizem seu potencial e garantam, a todos, oportunidades de tratamento igualitário e respeitoso nas escolas e na sociedade.

Mantoan (2013, p. 144) afirma, com base nos princípios da escola inclusiva, que a formação dos professores só poderá acontecer inscrita no espaço coletivo, possibilitando uma mudança de cultura na escola e criando mecanismos para o desenvolvimento de uma cultura colaboradora, quando a reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico será um dos seus componentes.

Sabe-se que esse não é o único desafio que precisa ser enfrentado. São muitos os fatores que afetam a formação continuada dos professores. Propostas de formação continuada são permeadas por novas tecnologias e podem levar a subsidiar metodologias que abrirão novos caminhos para a renovação educacional, como a seleção e o uso de tecnologias digitais nas intervenções pedagógicas para atendimento em salas de recursos.

O caminho para a construção de escolas democráticas passa pela superação de obstáculos que ainda impedem o desenvolvimento integral de alunos com deficiência e/ou de alunos sem deficiência. A remoção dessas barreiras abrirá caminho para uma nova era na qual todos os alunos serão socialmente bem-vindos.

Há o crescente avanço na receptividade de alunos com deficiência nas escolas regulares. Isso se deve ao aumento considerável das matrículas, pois, de acordo com Baiense (2022, p. 10), alunos com deficiência em salas comuns já somavam mais de 89%, em 2019. A maior proporção de alunos incluídos é observada no Ensino Médio e na Educação Profissional, com inclusão superior a 99%. Os dados da sua pesquisa evidenciam que o Brasil está apresentando uma política pública de inclusão de alunos com deficiência em ascensão, desse modo, o investimento na formação e na capacitação dos profissionais que atuam na Educação Especial na perspectiva da inclusão se tornou urgente.

Pesquisadores têm argumentado que não se pode deixar de lado o investimento no conhecimento teórico e prático dos professores, enfatizando a necessidade de contribuições para a ressignificação dessas práticas pedagógicas, com novas reflexões sobre o trabalho com alunos com deficiência.

O ambiente escolar pode ser o espaço propício para as discussões coletivas, com o propósito de ultrapassar a fragmentação do ensino. Conhecimentos teóricos e práticos orientam o trabalho do professor e o motiva a buscar mais conteúdos e saberes a respeito da aprendizagem dos estudantes com deficiência.

Nessa perspectiva reflexiva e observadora do cotidiano de professores e estudantes com deficiência, surge a necessidade de uma pesquisa de campo, de maneira planejada e científica, a fim de produzir instrumentos capazes de colaborar para a motivação desse professor que atua em Salas de Recursos no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Desse modo, procurou-se desenvolver uma proposta de formação continuada que pudesse, de forma inovadora, utilizar recursos tecnológicos digitais contextualizados e mediados para o atendimento aos alunos com deficiência intelectual (DI).

A pesquisa tem como objetivo geral, propor uma formação continuada com a colaboração das novas tecnologias digitais, utilizando a plataforma WordWall e visando auxiliar professores na escolha de ferramentas de tecnologia digital que os auxiliem na elaboração e na adaptação de atividades ao aprendizado dos alunos com DI, inseridos em classes regulares e atendidos por Salas de Recursos Multifuncionais (SRM).

Referencial teórico

A trajetória da Educação Especial no Brasil teve seu início no século XIX e contou com a contribuição das diferentes organizações mundiais que respaldaram um movimento de reestruturação da história da Educação Inclusiva. Ao longo da história da sociedade, as práticas de atendimento a pessoas com deficiências assumiram um perfil de exclusão e segregação. Somente com a chegada do século XX foi constituído um modelo de inclusão. Segundo Ferreira, a Educação Especial é marcada por três grandes momentos (2018, p. 23):

• De 1854 a 1956 – marcado por iniciativas de caráter privado;
• De 1957 a 1993 – definido por ações oficiais de âmbito nacional;
• De 1993 aos dias atuais – caracterizado pelos movimentos em favor da inclusão escolar.

As perspectivas educacionais, a partir da Constituição Federal, trouxeram importantes garantias na estruturação da Educação Especial. A Educação Inclusiva é uma política pública em vigor em todo o Brasil, desde janeiro de 2008, quando foi instaurada a Política Nacional de Educação Especial, com visão promovida pela Secretaria de Educação Especial e voltada à perspectiva da Educação Inclusiva.

Com base em princípios político-filosóficos e científicos sobre a inclusão educacional, no final da década de 90 a política de Educação Especial começou a se consolidar no município de Niterói, pautada pelas diretrizes legais dos instrumentos internacionais e nacionais, engendrando a criação da coordenação de Educação Especial. No decorrer da década de 2000, ocorreu um avanço nas ações quanto à organização da Educação Especial. De acordo com Pintor (2011), o objetivo era oferecer subsídios, qualificando e desenvolvendo ações junto aos professores e aos estudantes público-alvo dessa política de inclusão.

Essas ações envolviam o planejamento de mecanismos técnicos, administrativos e pedagógicos que favorecessem a implantação do programa permanente de capacitação e atualização dos profissionais da educação. Para garantir o bom atendimento ao público-alvo da Educação Especial, algumas demandas precisaram ser observadas e abordadas, envolvendo a organização dos atendimentos aos alunos nas salas de recursos, assim como seu acompanhamento e a atuação do professor de apoio especializado junto ao grupo de referência.

Com o surgimento do atendimento educacional especializado (AEE), serviço da Educação Especial cujo objetivo é eliminar barreiras que dificultem a participação do estudante na rotina escolar, o AEE vem provocando rupturas no modelo conservador de Educação Especial.

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiências (Brasil, 2015), o AEE se constitui em um serviço que complementa ou suplementa o ensino comum, oferecendo suporte para a aprendizagem do aluno com deficiência. Segundo a LBI, o modelo de AEE deve se realizar no contraturno do horário escolar, em uma interlocução com os professores envolvidos. O espaço onde acontece o AEE foi pensado para observar e acolher as necessidades desses alunos.

Um espaço organizado com materiais didáticos, pedagógicos, equipamentos e profissionais com formação para o atendimento às necessidades educacionais especiais [...]; esse espaço pode ser utilizado para o atendimento das diversas necessidades educacionais especiais e para desenvolvimento das diferentes complementações ou suplementações curriculares (Brasil, 2007, p. 14).

A primeira sala de recursos da rede municipal de Niterói foi implantada no ano de 2000, na Escola Municipal Sebastiana Gonçalves Pinho. Com base nessa primeira experiência, tem início a mediação direta do professor de AEE, oferecendo a possibilidade de o aluno ser atendido no contraturno escolar, colaborando com o professor de apoio especializado e com o professor regente de turma na orientação e na utilização de recursos pedagógicos que favorecessem a sua participação e o seu desenvolvimento em sala.

A opção por esse modelo justifica-se por diferentes razões. Entre elas, destacamos que determinados alunos com deficiência necessitam de suporte individualizado para o avanço de suas ferramentas cognitivas, motoras, afetivas e sociais. Isso permitirá que o estudante tenha participação efetiva na construção de um saber a ser partilhado com o grupo de referência. A partir dessa experiência, o estudante estará apto a tornar-se um agente participativo, contribuindo ativamente para a constituição de um saber compartilhado com seus pares.

Nas distribuições das salas de recursos multifuncionais (SRM) para estados e municípios foi delegado aos gestores dos sistemas de ensino a responsabilidade de fazer a indicação das escolas a serem contempladas, de acordo com a demanda e conforme os critérios estabelecidos pelo programa. O MEC fez a entrega e a instalação dos equipamentos, assim como as orientações a respeito da organização e do funcionamento que foram estabelecidas por meio das legislações: Decreto nº 6.571/08, Resolução nº 4/09, Parecer nº 13/09, Nota Técnica nº11/11, Decreto nº 7.611/11 e de documentos como o Manual de Orientação: Programa de Implantação de Sala de Recursos Multifuncionais (2010) e o Documento Orientador Programa Implantação Salas de Recursos Multifuncionais (2012).

As SRM são identificadas em Tipo I e Tipo II, constituídas por equipamentos, mobiliários e materiais didático-pedagógicos (Tipo I), acrescidas de recursos e outros materiais específicos para a educação de alunos com cegueira e deficiência visual (Tipo II).

Vale ressaltar que tendo em vista as especificações das SRM é necessário que as unidades escolares reservem espaços físicos onde são realizados os atendimentos educacionais especializados (AEE). A matrícula do aluno com deficiência no AEE é condicionada à matrícula no ensino regular. De acordo com a Resolução CNE/CEB nº 4/09, esse atendimento também pode ser oferecido em centros de AEE da rede pública ou de instituição privada, desde que adequados à Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.

Os conselhos de educação têm atuação primordial quando estabelecem exigências e normas quanto ao credenciamento, à autorização de funcionamento e à organização desses centros em consonância com os princípios da Educação Inclusiva e com a legislação brasileira.

O trabalho na Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva implica em uma transformação na formação de professores. De acordo com Mascarenhas (2012, p. 97), no campo das políticas públicas, há a necessidade de um maior intercâmbio entre legisladores, pesquisadores e profissionais da educação, para que as políticas reflitam os conceitos e as práticas para um correto atendimento educacional nas redes públicas de ensino.

São inúmeros os conhecimentos para a realização do atendimento ao estudante com deficiência: a tecnologia assistiva e suas modalidades, com a comunicação aumentativa e alternativa, a informática acessível, os recursos pedagógicos acessíveis, o Sistema Braille, a Língua de Sinais Brasileira (Libras), dentre outros conhecimentos necessários ao AEE. Nesse sentido, o professor precisa formar-se e capacitar-se constantemente, a fim de potencializar os investimentos e as estratégias utilizadas junto aos estudantes. É muito importante que as atividades no AEE sejam de caráter interativo, participativo e interdisciplinar, proporcionando o desenvolvimento da autoestima e do protagonismo do estudante com deficiência.

Procedimentos metodológicos

Para investigar as dificuldades dos professores em selecionar ferramentas de tecnologia digital que facilitem a adaptação das atividades de forma complementar às Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), recorremos à abordagem qualitativa, considerando o ambiente natural como fonte de dados e o pesquisador como principal instrumento.

Conforme Denzin e Lincoln (2006), a pesquisa qualitativa surge da preocupação do pesquisador em compreender a realidade social e as relações estabelecidas no espaço educacional. A pesquisa qualitativa está associada ao estudo da vida de grupos humanos e foi usada para traçar os contornos do método de estudo de campo.

Para atender aos objetivos desta pesquisa, usamos os meios de investigação de pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, rodas de conversas e aplicação de questionários virtuais. Foi elaborada e avaliada uma formação continuada com a utilização da plataforma WordWall no modelo gratuito.

A pesquisa foi desenvolvida na sala de recursos do Polo 4, situada no bairro de Pendotiba (Niterói/RJ). A sala foi escolhida como um exemplar ativo das unidades de ensino regular do município de Niterói, que realiza AEE ao público-alvo deste trabalho (alunos com DI). Além disso, no polo também é desenvolvido um trabalho na perspectiva da Educação Inclusiva, onde são acolhidos todos os tipos de alunos, a fim de ofertar uma educação de qualidade com respostas educativas compatíveis com as suas habilidades, necessidades e expectativas.

Para atingir o objetivo proposto, selecionamos duas unidades escolares públicas do município de Niterói que fazem parte do Polo 4, tendo como critérios: a sala de recursos como espaço para o AEE, o interesse dos professores em participar da pesquisa e a disponibilidade de tempo para as rodas de conversas virtuais. Participaram da presente pesquisa professores de escola pública que assinaram um Termo de Livre Consentimento para a sua participação. O termo esclarece a respeito da preservação do anonimato dos participantes, assim como expõe, aos respondentes, os seus objetivos.

É importante salientar que existem resoluções e políticas públicas que orientam quanto a formação docente para a atuação na Educação Inclusiva. Araripe e Lins (2020) destacam que a resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE, 2020) trouxe novas instruções e normas para serem implementadas nos cursos, além de instituir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a formação dos professores da Educação Básica.

No contexto específico da pesquisa optou-se pela elaboração e aplicação de um questionário estruturado inicial de abordagem qualitativa, com o intuito de identificar as principais dificuldades docentes no uso da sala de recursos multifuncional (SRM) e das ferramentas de tecnologias digitais. Dessa maneira, no questionário há perguntas a serem respondidas em escala Likert e uma questão aberta, com o intuito de apurar possíveis melhorias nos programas de formação continuada.

O questionário foi elaborado na plataforma Google Forms e distribuído por meio das mídias sociais WhatsApp, Facebook e Instagram.No período que antecedeu a aplicação dos questionários foram realizadas reuniões com os orientadores educacionais com o objetivo de analisar e decidir sobre o teor das questões que comporiam o questionário a ser aplicado aos professores.

Posteriormente foram realizadas rodas de conversa que aconteceram na plataforma Google Meet. O encontro com os profissionais também contemplou a apresentação da pesquisa, quando solicitamos a autorização de todos para que a conversa fosse gravada e filmada, garantindo o sigilo de tudo que seria dito e tranquilizando a todos em relação a utilização desses registros. Em seguida, apresentamos o Termo de Livre Consentimento, prevendo a utilização das imagens para fins acadêmicos.

Nessas rodas de conversa, os professores de AEE contribuíram para a elaboração da proposta de formação continuada aliada a recursos digitais. Foram meses de trabalho contínuo, envolvendo pesquisadores e colaboradores das equipes das salas de recursos. Após a preparação da proposta foi elaborado um questionário para que os docentes participantes pudessem avaliar a proposta.

Chaer, Diniz e Ribeiro (2011) discutem o emprego do questionário como técnica de coleta de dados, frequentemente empregado em pesquisas de natureza qualitativa. Constitui-se, portanto, um instrumento com uma série ordenada de perguntas de natureza diversa. Além de atingir muitas pessoas simultaneamente, sua vantagem é receber respostas mais precisas que não expõem os respondentes à influência do pesquisador.

A técnica do questionário é buscar respostas para diversos aspectos da realidade, tornando-se relevante quando indaga sobre fatos, atitudes, comportamentos, sentimentos, padrões de ação, comportamento do presente ou do passado, dentre outros.  De acordo com Gil (2017), a técnica também proporciona dois grandes benefícios. O primeiro benefício consiste na apreensão de informações de muitos indivíduos, o segundo, na possibilidade de apreender informações dos sujeitos e de sua realidade. Nessa pesquisa, as duas proposições elencadas pelo autor foram observadas.

Apresentação e discussão dos resultados

Para o levantamento inicial da pesquisa foram realizadas perguntas que identificaram a formação dos respondentes. Nesse cenário, verificamos que todos os professores participantes da pesquisa possuem pós-graduação. Ficou evidente que a pós em Educação Especial e em Psicopedagogia vem sendo uma das principais formas de qualificação para atuação em salas de recursos. Pode-se observar que a especialização em deficiência intelectual (DI) está diretamente vinculada ao atendimento de alunos com deficiência.

Entendemos que a participação dos professores que atuam em salas de recursos foi uma importante contribuição para esse momento da pesquisa, pois a não aproximação das tecnologias digitais articulada com o trabalho docente revelou lacunas na prática pedagógica.

Na pesquisa, 100% dos respondentes concordaram em participar, o que evidencia a disponibilidade curiosa à vida e ao desafio docente com a inclusão.

A maior parte dos docentes, 49,2%, revelou atuação na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Gráfico 1). Na amostra, verifica-se uma expressiva sinalização de escolas que ofertam o AEE nas salas de recursos.

Gráfico 1: Localidade em que atua como professor

Constatamos que 50% dos respondentes trabalham como docentes nas salas de recursos entre dois e quatro anos (Gráfico 2). Nesse sentido, observa-se a urgência de planejamento de programas formativos para os professores que atuam no segmento da inclusão escolar.

Gráfico 2: Tempo em que o professor trabalha na sala de recursos

O Gráfico 3 aponta que a maioria dos docentes que participou da pesquisa atua no Ensino Fundamental, em que há atendimento educacional especializado (AEE). Esses professores vivenciam a inclusão rotineiramente, o que requer deles práticas pedagógicas inovadoras na mediação dos alunos com deficiência.

Apenas um pequeno percentual é atuante na Educação Infantil, conforme identificamos no Gráfico 3. É importante destacar que a operacionalização da política de Educação Especial, articulada à educação comum, vem se consolidando em outros segmentos de ensino com a expansão das salas de recursos multifuncionais para a Educação Infantil e a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Gráfico 3: Segmento de ensino em que o professor atua na sala de recursos

Foram feitos questionamentos relativos à parte pedagógica, que envolve o planejamento de estratégias, usando as tecnologias digitais na formação docente. Constatamos que os professores participantes da pesquisa encontram algumas dificuldades para elaborar estratégias pedagógicas usando as tecnologias digitais.

No que concerne ao tempo para refletir e planejar as ações pedagógicas com a utilização das tecnologias digitais, todos os professores concordaram que é relevante a sua organização. Sabemos que essa organização favorece no compartilhamento das boas práticas e até mesmo no questionamento daquelas práticas subjacentes às rotinas de trabalho que criam barreiras à participação e à aprendizagem.

Os professores também responderam a respeito da composição da sala de recursos e dos equipamentos existentes. O computador foi a ferramenta que apareceu nas respostas em um número mais expressivo. Esse recurso tem sido a principal ferramenta na mediação das atividades. Quanto a outros recursos mencionados pelos docentes, a mesa-alfabeto e a televisão foram destaques. Os professores participantes da pesquisa apontam o impacto positivo que os recursos digitais podem ter no processo de ensino-aprendizagem de estudantes com DI. Importante frisar que ao utilizar o recurso tecnológico, o professor deixa de ser o transmissor de conhecimentos e passa ser o mediador do processo de ensino em diferentes ambientes de aprendizagem.

No entanto, a maioria dos professores respondeu que a falta de equipamentos nas salas de recursos dificulta a ação dos docentes para utilizarem as ferramentas de tecnologias digitais. Além disso, ainda se evidenciou a falta de infraestrutura na escola como uma possível dificuldade encontrada pelos professores.

Em relação à formação continuada em serviço, todos os respondentes apontaram que ela precisa avançar para um conteúdo atualizado, vinculado à linguagem das novas tecnologias digitais. Nessa perspectiva, a maior parte dos participantes concordou totalmente que a formação continuada em serviço, apresenta relevância quando oferece capacitações voltadas à renovação pedagógica na sala de recursos.

Os professores indicaram a importância da incorporação de ações pedagógicas inovadoras e integradas às atividades docentes no que diz respeito ao conteúdo programático dos cursos de formação continuada. Eles também apontaram que as tecnologias digitais têm o potencial de melhorar a interação do professor com o aluno nas salas de recurso. 

O que precisa ser melhorado nos programas de formação continuada?

Após a análise do primeiro questionário, escolhemos 13 professores que foram representados por P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9, P10, P11 e P12. No Quadro 1, estão as respostas dos professores participantes da etapa.

Quadro 1: Respostas dos professores em relação às melhorias necessárias nos programas de formação continuada

Professores

Respostas

Professor 1

"Direcionar para a aquisição de conhecimento aplicável que melhore nosso fazer pedagógico."

Professor 2

"Ter mais oficinas práticas. E certamente mais formações relacionadas às tecnologias digitais na educação."

Professor 3

"Precisa atender as necessidades dos professores e alunos, em suma ser uma formação específica."

Professor 4

"Poder utilizar os conhecimentos das formações e a escola dispor das ferramentas necessárias para o desenvolvimento efetivo e a prática do que foi aprendido em tais formações."

Professor 5

"Conteúdo na formação privilegiando a tecnologia e treinar professores para que usem novas tecnologias e equipar as salas de recursos com computadores com capacidade de rodar programas que auxiliem professores e alunos na aprendizagem."

Professor 6

"Atualmente, com a realidade do ensino remoto, o uso das tecnologias tornou-se uma ferramenta eficaz para aprendizado de nossos alunos. Com isso, intensifica a necessidade de uma formação continuada voltada para o uso de tecnologias que atendam essa demanda e estimulem essa aprendizagem."

Professor 7

"Acredito que um incentivo profissional constante através de conversas durante o processo de aplicação do que é proposto nas formações."

Professor 8

"Os horários flexíveis para que todos participem efetivamente."

Professor 9

"Novas temáticas, com maior dinamismo. Pois, a maioria das professoras já estão na função há anos e as formações apresentam poucas novidades, como por exemplo, o uso das tecnologias que neste momento que estamos vivemos seria de grande valia."

Professor 10

"Maior número de encontros pedagógicos de formação continuada na área digital."

Professor 12

"Que as formações sejam dadas por profissionais qualificados, que realmente acreditem na inclusão e nas práticas pedagógicas de inclusão na escola comum."

Professor 13

"Foco e exatidão no público-alvo! Proporcionar ao grupo uma formação que some às expectativas e que esteja de acordo com as reais necessidades previamente discutidas! Um bom formador precisa estar atento às demandas do grupo e ao conhecimento prévio a ser compartilhado"

As respostas indicam que é imprescindível uma reformulação dos programas de formação continuada para os docentes que atuam em salas de recursos. Essas formações devem se articular ao uso das novas tecnologias digitais. As respostas dos professores relatam o desejo de transformação de uma prática pedagógica tradicional. Essas falas confirmam a importância da apropriação tecnológica para que o trabalho docente oferte novas estratégias de ensino, favorecendo assim o processo de construção e adaptação de atividades aos alunos com deficiência.

Implementação da formação continuada

Elaborar a formação continuada foi o resultado de um projeto de trabalho desenvolvido em meio ao campo de investigação. As observações em campo contribuíram para delinear a importância do processo inclusivo e das novas tecnologias digitais nas práticas pedagógicas dos professores de salas de recursos.

Vamos percorrer esse caminho por meio da análise e da discussão dos dados obtidos nesta pesquisa, de acordo com as percepções dos docentes participantes, em um processo dialético, que a roda de conversa proporciona, convertendo-se em um espaço de discussões coletivas.

Foi em uma roda de conversa virtual, pela ferramenta de videoconferência Google Meet, que a proposta de formação continuada para o atendimento educacional especializado Nas Trilhas da Formação, apoiada por recursos digitais, foi apresentada a dez professores avaliadores que demonstraram disponibilidade e interesse na discussão. Toda a proposta de formação foi apresentada aos docentes por meio da ferramenta PowerPoint.

No processo formativo, o ser humano se torna aprendente quando por meio de diversas formas, técnicas, procedimentos, estratégias, trilhas, métodos, práticas e experiências, possibilita a si mesmo a flexibilidade cognitiva que se refere à capacidade de superar a fragmentação da formação inicial. A formação docente deve promover enfrentamento com os desafios no contexto educacional.

Nesse contexto, a proposta de formação continuada com recursos digitais para o AEE foi apresentada a dez professores avaliadores e elaborada para ser dinamizada de forma híbrida e semipresencial, dividida em diferentes oficinas ministradas tanto por ferramentas de videoconferência (Google Meet, Teams, Zoom) como por oficinas presenciais na própria unidade escolar, durante o horário de planejamento, quando utilizamos computadores e celulares no gerenciamento da construção dos jogos interativos na plataforma WordWall.

Com essa estruturação, buscou-se oferecer maior dinamicidade, fluidez, interação e comunicação, além da proximidade afetiva e relacional, demonstrando que é possível com os recursos tecnológicos oferecer uma proposta didático-formativa-tecnológica de qualidade. Os jogos digitais incorporados ao planejamento didático proporcionam uma aprendizagem muito mais atrativa.

Durante a roda de conversa, os professores avaliadores compartilharam suas experiências em relação à tecnologia e à dinâmica de uso na sala de recursos. A maioria dos participantes comentou que ainda utilizam o modelo tradicional para planejar suas atividades. A utilização das tecnologias representa uma novidade, um desafio. Surgiu na fala dos docentes uma satisfação de ter tido acesso à proposta de formação com recursos digitais. Eles reconhecem a proposta como sendo uma oportunidade de aprendizagem e modificação das estratégias de ensino para os alunos, público-alvo da Educação Inclusiva.

Avaliação da formação continuada

Foi disponibilizado aos professores um questionário final na ferramenta Google Forms para avaliar a proposta de formação continuada Trilhas da Adaptação. O objetivo era verificar se a formação apresentada foi capaz de potencializar a escolha de ferramentas digitais que auxiliassem na elaboração e na adaptação das atividades no AEE.

Sobre a formação, os professores sinalizaram a importância da troca de experiências na utilização da tecnologia digital e a dinamização com o desenvolvimento de atividades do cotidiano no AEE. Quanto ao formato do desenvolvimento do curso, os módulos foram considerados simples, de fácil compreensão e execução, com uma carga horária satisfatória. 

Nesse sentido, concordamos com Fettermann et al. (2020) que, em seus estudos sobre as contribuições das tecnologias digitais no curso de formação docente, concluíram que o processo formativo colabora na capacitação e na prática profissional, buscando qualificá-los para o trabalho, mantendo-os atualizados e preparados a lidar com situações que envolvem a abordagem do tema.

Quanto ao aspecto negativo da formação, os docentes mencionaram a fragilidade docente para lidar com as ferramentas digitais, que frequentemente os desmotiva e os faz inseguros no uso da plataforma no dia a dia. A ampliação da quantidade de vagas também foi apontada como um impeditivo, tendo em vista a falta de vagas nos cursos contemplando todos os professores.

Considerações finais

Os encontros e vivências nas rodas de conversa virtuais, direcionaram a construção da formação continuada com recursos digitais para o atendimento educacional especializado. Ressaltamos a dedicação dos professores que delas participaram, onde puderam compartilhar suas experiências com os alunos com deficiência e emitiram opiniões relevantes que contribuíram para a construção da formação Trilhas da Adaptação.

A pesquisa ainda ratificou que a formação de professores para o processo de inclusão de alunos com deficiência ainda é um desafio. Nas falas dos docentes, observamos que as redes de ensino ainda carecem de diretrizes mais precisas para a efetivação de uma formação continuada que inclua as novas tecnologias digitais e que esteja alinhada às transformações do nosso tempo.

Segundo Freire (2021), a formação nunca se dá por mera acumulação, ela é uma conquista efetivada com muitas ajudas: dos mestres, dos livros e dos computadores, mas depende de um trabalho pessoal e ao mesmo tempo de ponderações entre pares, conforme percebemos nas palavras de João Cabral de Melo Neto (1994) em seu poema Tecendo a manhã:

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

Finalizamos este trabalho com a esperança de que o estudo aqui realizado se transforme em semente para gerar outras pesquisas, novos tempos, novas práticas e novos olhares para a formação continuada de professores que atuam em salas de recursos multifuncionais.

Referências

BAIENSE, A. E. dos S. Percentage of students enrolled with disabilities in common or special classes exclusively in Brazil, 2015 to 2019. Research, Society and Development, v. 11, n° 1, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i1.24763. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/24763. Acesso em: 30 abr. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Direito à educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais – orientações gerais e marcos legais. Brasília: MEC/Seesp, 2007.

CHAER, G.; DINIZ, R.; RIBEIRO, E. A. A técnica do questionário na pesquisa educacional. Revista Evidência, Araxá, v. 7, n° 7, 2011. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/maio2013/sociologia_artigos/pesqusia_social.pdf. Acesso em: 8 jan. 2022.

DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Trad. Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FERNANDES, Edicléia Mascarenhas; ORRICO, Hélio Ferreira. Acessibilidade e inclusão social. 2ª ed. Rio de Janeiro: Deescubra, 2012.

FETTERMANN, Fernanda Almeida et al. Contribuições das tecnologias digitais no curso de formação docente sobre Saúde. Research, Society and Development, v. 9, n° 8, 2020.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários a prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2017. 

MANTOAN, M. T. E. (org.). O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis: Vozes, 2013.

PINTOR, N. A. M. Uma Análise do projeto espaço integrado de desenvolvimento e estimulação (EIDE) na rede municipal de ensino de Niterói/RJ, 2008-2009. Tese (Doutorado em Saúde da Criança e da Mulher), Instituto Fernandes Figueira, Rio de Janeiro, 2011.

Publicado em 02 de maio de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA, Andréa Maria Esteves da; ESPÍRITO SANTO, André Cotelli do; MOL, Antônio Carlos de Abreu; SIQUEIRA, Ana Paula Legey de. Formação continuada para professores de sala de recursos multifuncional: uma contribuição com as novas tecnologias digitais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 16, 2 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/13/formacao-continuada-para-professores-de-sala-de-recursos-multifuncional-uma-contribuicao-com-as-novas-tecnologias-digitais

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