Educação Matemática de jovens e adultos em tempos de pandemia

Evandro Ribeiro dos Santos

Licenciando em Matemática (IFMG - câmpus São João Evangelista)

Paulo Henrique Anjos de Morais

Licenciando em Matemática (IFMG - câmpus São João Evangelista)

Sandra Regina do Amaral

Doutora em Educação (UFU), professora do IFMG - câmpus São João Evangelista

Como medida de proteção e prevenção ao coronavírus, as escolas foram fechadas em março de 2020, adotando o isolamento físico como forma de conter a disseminação do vírus da covid-19, modificando significativamente as relações humanas e as estratégias de ensino. Se já havia evidências de que os professores que ensinam Matemática precisam repensar suas práticas, sobretudo para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com o Regime Especial de Atividades Não Presenciais (Reanp), implementado e prolongado diante da permanência da pandemia, o desafio se tornou ainda maior.

Entende-se que o agravamento foi norteado por vários motivos, dentre os quais destacamos: a falta de preparo para o uso de diferentes tecnologias da informação e a comunicação no processo de ensino, por causa do acesso desigual aos recursos tecnológicos e das dificuldades no seu uso. Assim, a questão nos incomodou e nos levou à pergunta norteadora desta pesquisa: “como tornar os conceitos de juros simples e compostos mais relevantes para estudantes da EJA em tempos de pandemia?”. Acredita-se que tal cenário vem dificultando o acesso ao material e às práticas educativas, mas, por meio de uma proposta contextualizada e organizada em formato de oficina, podemos favorecer a aquisição dos conceitos matemáticos.

Estabeleceu-se, como objetivo geral da pesquisa, socializar experiências de elaboração e aplicação de oficinas de juros simples e compostos no regime não presencial para a EJA. Para isso, trabalhamos nas seguintes ações:

  1. identificar estratégias de elaboração e implementação do Reanp na EJA;
  2. elaborar uma oficina para o ensino de juros simples e compostos no regime não presencial para a EJA; e
  3. aplicar a proposta para estudantes da EJA de uma escola estadual localizada no município de Peçanha/MG.

Referencial teórico

Em 2020, o mundo foi acometido pela pandemia da covid-19, instaurando-se o home office e o fechamento das escolas, diante da necessidade de distanciamento e isolamento físico. Iniciou-se uma busca por soluções para manter o vínculo acadêmico dos estudantes com suas escolas e, por consequência, segundo Santana (2000), a pedagogia do (im)previsível foi instituída.

Ao pensar na atuação dos professores que desenvolveram suas atividades em home office e buscando estratégias para a efetivação do ensino, principalmente em salas de aulas virtuais, há de se considerar pelo menos 3 pontos principais: o acesso ao dispositivo tecnológico, o acesso a um pacote de dados com boa qualidade de transmissão e a familiaridade com equipamentos e técnicas de gravação e edição de vídeos (Silva; Silva Neto; Santos, 2020).

Quando se pensa na atuação dos estudantes, principalmente na modalidade EJA, trabalhadores, pobres, negros e subempregados, em sua maioria pertencentes às classes populares (Arroyo, 2008), além do dispositivo e da conectividade, a familiaridade com equipamentos perpassa um agravante geracional, de quem acumulou poucas experiências mediadas por dispositivos digitais (Silva; Couto, 2020). A situação se agrava ainda mais quando se fala no ensino da Matemática, apontada em situações de estudos presenciais como um desafio para esses sujeitos (Xavier; Freitas, 2019).

Santos (2020, p. 7), ao pensar em relação às relações impostas pela pandemia, destaca que ela favoreceu “uma consciência de comunhão planetária”, sendo esse um aspecto positivo, mas também reconhece que ela não é “cega”, pois não atinge a todos de forma igualitária, pois tem alvos privilegiados e acaba reforçando a injustiça e a exclusão social. A partir disso, o autor enfatiza a necessidade de uma relação mais humilde e humana com as pessoas e o planeta.

É fundamental entender que a EJA é uma modalidade com muitas especificidades, criada para resguardar jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de concluir a Educação Básica na idade adequada, o direito à educação e à formação devida, tanto para o exercício da cidadania quanto para a sua qualificação ao trabalho (Brasil, 1996). De modo geral, o que se oferece é um sistema de ensino ineficiente, que em sua precariedade reproduz miséria em lugar de desenvolvimento, aumentando a situação de vulnerabilidade socioeconômica dessa população (Haddad, 1992).

Tal cenário nos coloca diante de uma certeza: a Educação Matemática vem sendo conivente para o desenvolvimento de um ensino obsoleto e desinteressante. É urgente o entendimento de que a escola não deve se apresentar apenas como um espaço de instrução, mas de socialização, permitindo que as experiências da vida cotidiana favoreçam um processo de ensino-aprendizagem estimulante e criativo, com novas formas de fazer Matemática.

D’Ambrósio (2018, p. 193-194) sugere, como caminho, a recuperação de valores culturais, que revelam “conhecimentos matemáticos muito relevantes e podem ser um componente importante na redução da ansiedade matemática, um dos responsáveis pelo mau desempenho de alunos nas escolas”.

Cabral e Fonseca (2009) lembram que as dificuldades apresentadas pelos estudantes da EJA são consequências dos discursos proferidos sobre a Matemática nas diferentes instâncias sociais. As autoras evidenciam que, quando retornam à escola, esses estudantes trazem consigo lembranças de vivências anteriores nesse espaço e em suas disciplinas. Assim, diante das dificuldades, rememoram e reproduzem um discurso de fracasso. Percebe-se que tanto as experiências anteriores, como o currículo praticado pelo professor e os discursos produzidos sobre a Matemática na sociedade, impactam no sucesso do aprendizado e na elaboração de novos e libertadores conhecimentos.

Entende-se que o “apego ao tratamento excessivamente formal do conhecimento distância o aluno do objeto e dos modos de conhecer e fazer matemática” (Cabral; Fonseca, 2009, p. 135), faz com que o professor ao expressar-se de forma excessivamente abstrata e formal, acabe dificultando a compreensão dos conceitos, reforçando um discurso ideológico excludente, quando deveria, em sua prática, romper com os estereótipos matemáticos e com o excesso de formalidade (em prol do favorecimento da compreensão dos conteúdos e o receio que esta disciplina provoca em muitos), a fim de desenvolver uma educação matemática crítica e colaborativa entre os jovens e os adultos.

O processo de construção do conhecimento perpassa, segundo Freire (2002), pelo respeito e pela valorização dos saberes socialmente construídos pelos estudantes, principalmente quando pertencentes às classes populares. Isso requer, de educadores e educandos, humildade, persistência, curiosidade, criatividade e criticidade.

É comum observarmos nos discursos dos estudantes uma concepção bancária a respeito da aquisição dos saberes matemáticos, saberes que não cabem na cabeça adulta, já tão ocupada com questões da vida. A persistência em se manter um pensamento reforçado de ensino que priorize o treinamento dos algoritmos e supervalorize exercícios descontextualizados, em quantidade excessiva, dificulta o estabelecimento de relações entre situações da vida cotidiana e as práticas de numeramento. Diante do fracasso, os estudantes são culpabilizados até por eles mesmos (Cabral; Fonseca, 2009).

Ao se colocarem como os responsáveis pelas dificuldades com a disciplina, os estudantes evidenciam “uma concepção do conhecimento matemático como algo dado, pronto e acabado” (Cabral; Fonseca, 2009, p. 130) e se afastam dela por acreditarem ser incapazes de aprender. É preciso cuidar para que a situação de ensino não provoque tal avaliação e, consequentemente, não produza o afastamento dos discentes das atividades escolares, sob o risco de perpetuar o episódio de exclusão e contribuir para uma nova evasão. Faz-se urgente convocar e acolher as imprescindíveis contribuições das experiências desses sujeitos em prol da produção do conhecimento.

Procedimentos metodológicos

O presente estudo é de abordagem qualitativa, preocupando-se com a compreensão dos fenômenos e dos processos, envolvendo o ensino dos conceitos matemáticos na EJA em tempos de pandemia, e não com a sua representatividade numérica (Gerhardt; Silveira, 2009).

Os objetivos e os procedimentos desta pesquisa são descritivos, bibliográficos, documentais e de estudo de campo, já que tomamos como objeto de estudo as produções bibliográficas e os documentos orientadores da EJA e do Reanp, além dos dados construídos a partir do desenvolvimento de uma oficina de juros simples e compostos, com o tema “O dinheiro no tempo”. A oficina foi desenvolvida por meio do aplicativo WhatsApp em setembro de 2021 e contou com a participação de aproximadamente 20 estudantes da EJA, matriculados no Ensino Fundamental II e Ensino Médio em uma escola estadual do município de Peçanha/MG.

A oficina em análise teve carga horária de nove horas e foi desenvolvida durante a atuação no Programa Residência Pedagógica, com validação a priori dos professores orientadores e da preceptora. A primeira hora/aula teve início com a apresentação de uma questão problema, envolvendo uma situação cotidiana e uma discussão oral. Na segunda aula foi disponibilizado um vídeo, seguido também de diálogo. Na terceira aula, promoveu-se uma análise crítica de uma charge. Na quarta, fomentou-se uma reflexão e uma introdução aos conceitos de juros e inflação. Na quinta e na sexta aulas, apresentamos videoaulas demonstrativas, com atividades de juros simples e compostos, respectivamente. Nas três últimas aulas do projeto, organizados em grupos menores, fizemos a simulação de uma ação financeira (compra, venda ou empréstimo), a fim de explorar os conhecimentos em situações do cotidiano e consolidar os conceitos trabalhados.

Apresentação e discussão dos resultados

Com o objetivo de identificar estratégias de elaboração e implementação do Reanp na EJA, adotado pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, para a garantia da educação formal em tempos de pandemia, fizemos estudos de seus documentos orientadores. Sendo possível identificar que o Plano de Estudos Tutorados (PET) foi utilizado como o material didático principal, em paralelo estabelecemos o uso do aplicativo Conexão Escola, que visava à constituição de um espaço de diálogo e interação entre educadores e estudantes via chat, além do programa matinal “Se liga na Educação” (Minas Gerais, 2020), instituindo uma proposta de ensino pautada em tecnologias digitais, orientada à impressão do PET apenas para casos excepcionais.

Em 2020, no que diz respeito aos estudantes da EJA, foi determinado que se utilizasse o mesmo PET do Ensino Regular, cabendo ao professor a sua adaptação. Já em 2021, a orientação se manteve para o uso do primeiro PET, a ser desenvolvido nos primeiros dois meses, com relação aos outros três. Observou-se maior liberdade nessa construção, podendo ou não fazer uso de atividades e questões do PET do ano anterior, desde que garantido o estudo dos conteúdos dos Componentes Curriculares, previstos nas matrizes curriculares da EJA (Minas Gerais, 2021).

Em 2021, lançou-se o Programa EJA Novos Rumos, com o intuito de aprimorar o ensino da modalidade com estudos contextualizados à realidade de jovens, adultos e idosos, oferecendo a oportunidade de conclusão em menor tempo e com maior engajamento, evitando o abandono e a evasão. O documento orientador, organizado em formato de caderno pedagógico, traz discussões que perpassam uma proposta pedagógica renovada, com metodologia adequada à formação de um estudante protagonista de seu futuro, seja para inserção no mercado de trabalho ou para continuidade dos estudos (Minas Gerais, 2021).

Discute-se ainda no documento a questão de somente um currículo não ser o suficiente para a transmissão de conteúdo para o desenvolvimento pleno e integral do estudante da EJA, nem para a sua inserção social ou/e redução das desigualdades. Esse pretende auxiliar o professor no planejamento, inclusive quanto a necessidade de ele avaliar a realidade local e as especificidades de seus estudantes, lembrando das restrições quanto ao material físico e as possibilidades do material virtual (escrito, oral e/ou visual).  Quanto à avaliação, reforça a necessidade de se considerar os contextos e as trajetórias de vida, bem como o percurso escolar vivido, de modo a respeitar e a valorizar seus aspectos culturais, incentivando a autonomia dos educandos (Minas Gerais, 2021).

Tais orientações foram fundamentais para a elaboração e a aplicação da oficina de juros simples e compostos em regime não presencial aos alunos da EJA, bem como para aplicar os princípios estabelecidos por Santana (2000), que nos alerta para algumas questões voltadas à educação em tempos de pandemia. Silva e Couto (2020) evidenciam como isso pode ser complexo, quando se trata de estudantes da EJA. Já Xavier e Freitas (2019) refletem sobre os desafios do ensino da Matemática para esse público específico. D’Ambrósio (2018), Cabral e Fonseca (2009) alertam para a necessidade de uma Educação Matemática menos abstrata e mais próxima da realidade dos educandos.

A oficina teve início com as boas-vindas, as apresentações e o seguinte questionamento: “Se você tivesse R$ 1.000,00 hoje e soubesse que não precisaria desse dinheiro pelos próximos cinco anos, você o emprestaria a alguém para que te devolvesse o mesmo valor ao final do período?”. A maior parte dos respondentes disse que emprestaria, alguns atrelaram o empréstimo ao fato de ser da família e/ou caso de necessidade. Um comentário se destacou, por evidenciar noções da existência dos juros: “Eu não emprestaria. Se eu não fosse usar esse dinheiro, com certeza eu ia investir em algo que me desse algum lucro no final desse período”.

Após discussões, ampliamos o diálogo sobre a desvalorização que pode ocorrer com o dinheiro com o passar do tempo e disponibilizamos o link de um vídeo comemorativo, produzido em 1994, dois meses após a implementação do Plano Real (YouTube, 2018), mostrando ser possível preparar um bolo com o valor de R$ 1,00. Foi imediata a reação de estranhamento dos estudantes que se manifestaram com frases do tipo: “Totalmente diferente”, “Bem diferente”, “Nada a ver”. Isso evidenciou uma relação de distanciamento com a realidade atual e a percepção de que apesar de o valor ser o mesmo, o poder de compra é distinto e a noção a respeito está atrelada ao conceito de inflação.

De modo a promover uma análise crítica da realidade, apresentamos uma charge (Cabalau, 2020) na qual um homem (com um pacote de arroz nas mãos, porém sem suas roupas) chega em casa e é indagado: “O dinheiro deu para comprar o arroz, querido?”. Os estudantes acharam divertido e perceberam rapidamente a moral da história, ou seja, que além do dinheiro a personagem precisou deixar a própria roupa para conseguir adquirir o produto. Contudo, quando propomos um paralelo da charge com a realidade de 1994 apresentada no vídeo, logo trouxeram um olhar mais crítico para a situação. Um dos participantes afirmou: “Nossa…hoje em dia tá tudo muito difícil, para você comer um arroz bom é de R$ 30 para cima, para quem não tem condição boa, passa muita necessidade”.

A tranquilidade e a clareza com a qual os estudantes participaram das discussões iniciais nos remeteram ao que é defendido por Cabral e Fonseca (2009), pois eles entendem o conhecimento matemático proferido pela escola, como algo que causa estranhamento e impacta negativamente no processo de aprendizagem. Romper com o excesso de formalismo e promover atividades contextualizadas, favorecem a participação crítica, porque os estudantes da EJA estabelecem vínculos pelas situações do cotidiano.

Ainda estabelecendo relações entre o vídeo e a charge, que evidenciou a mesma moeda em cenários e tempos históricos diferentes, questionamos: “Caso você emprestasse dinheiro a alguém, o que faria para “corrigir a desvalorização” que ocorreria ao passar do tempo?”. Vários foram os comentários dos participantes, mas de modo geral, todos perceberam que talvez fosse preciso emprestar, cobrando juros, ainda que baixo. Durante a conversa, um dos estudantes afirmou: “Os juros seriam o dobro do dinheiro que eu emprestei”. Aproveitamos para introduzir os conceitos iniciais de juros e esclarecer que o valor pode ou não ser o dobro, pois dependerá da taxa a ser aplicada.

Comentamos, então, que a desvalorização da moeda acontecia devido ao fenômeno chamado inflação. Nesse momento, ficou evidente que o termo não era de conhecimento de todos, já que muitos o confundiam com “infração”, mas os próprios colegas sanaram a questão e explicaram que se tratava de inflação, fato relacionado ao aumento do preço das coisas.

Para introduzir o cálculo de juros simples, optou-se por apresentar e demonstrar, por meio de videoaula, a resolução da seguinte questão problema: “Ao emprestar um valor de R$ 1.000,00 a uma pessoa por cinco meses, cobrando taxa de 1% ao mês, quanto eu receberia ao final do período?”. Apresentou-se assim a cobrança de juros no decorrer dos meses, chamando a atenção para a existência de um padrão, de modo que os estudantes pudessem compreender a fórmula de juros simples.

Em seguida propôs-se como atividade: “Ao investir R$ 3.500,00 em uma aplicação bancária sob o regime de juros simples a uma taxa de 15% ao ano, durante seis meses, qual o valor a ser retirado ao fim dessa aplicação?”. Infelizmente nem todos os participantes enviaram a atividade, mas todos que enviaram, calcularam corretamente.

A partir daí, observou-se uma redução na participação dos alunos. Isso nos fez lembrar a defesa de Cabral e Fonseca (2009), de que os estudantes da EJA se afastam por acreditarem ser incapazes de aprender. Dessa forma, buscamos incentivar a participação, nos colocando à disposição para atendimentos individuais, sem muito sucesso. Nesse sentido, acreditamos que em aulas presenciais teríamos mais facilidade de acesso aos estudantes.

Foi também por meio de demonstração das videoaulas que trabalhamos o conteúdo de juros compostos, tendo por questão problema: “Peguei um empréstimo de R $5.000,00 para pagar em cinco anos à taxa de 1% ao ano. Qual o valor pago no final?”. No intuito de mostrar a diferença quando comparado com os juros simples, elaborou-se um quadro comparativo, com o resultado do valor obtido em cada ano, de modo a tornar explícito o padrão. Por fim, apresentou-se a fórmula de juros compostos e o exemplo por meio dela para facilitar a compreensão.

Para complementar e consolidar os conceitos de juros compostos, disponibilizou-se o link de um vídeo no YouTube (2017), sendo proposta a seguinte questão: “Determinado capital aplicado em juros compostos, após doze meses, gerou um montante de R$10.000,00. Sabendo que a taxa de juros é de 3% ao mês, determine o valor desse capital”. Obtivemos o mesmo percentual de respostas e de acertos que na questão anterior.

A fim de consolidar os conceitos trabalhados, solicitamos que os alunos fizessem simulações de ações financeiras, como compra, venda e empréstimos, a fim de explorar os conhecimentos em situações do cotidiano. Até esse momento, todas as discussões e atividades foram desenvolvidas em um único grupo de WhatsApp, mas para essa última questão, reorganizamos quatro subgrupos.

Cada grupo estabeleceu a sua discussão. Em um desses grupos, por exemplo, uma aluna tomou a iniciativa de “vender” uma televisão. Então, os demais participantes do grupo continuaram a negociação, declarando seu interesse e perguntando o valor do objeto. A resposta foi o valor de R$1.000,00. Ajudamos a fomentar a discussão com alguns questionamos, tais como, “Vocês vão parcelar? Qual será a taxa de juros?”. A estudante responsável pela venda disse que podia parcelar em três vezes, outra assumiu o papel de compradora e se disponibilizou a dar uma entrada de R$500,00. Nesse momento, houve uma discussão sobre a entrada, que por ser à vista, não traz juros. Mesmo num grupo menor foi interessante observar que quando havia dúvidas, os participantes mandavam mensagem no privado, manifestando a vontade de se envolver nas "negociações", mas com certa insegurança.

Por fim, optou-se por dividir a outra metade em cinco parcelas e a vendedora queria cobrar 50% de juros ao mês, mas uma colega logo alertou: "Juro muito alto”, fazendo-a baixar para 40%. A colega insistiu que ainda estava muito alto, seguindo com a negociação, até que em um determinado momento concordaram com os juros simples de 8% ao mês. Diante disso, perguntou-se aos participantes do grupo: “Qual valor a vendedora receberá ao final do período?” Por meio dos cálculos enviados individualmente, observou-se que nenhum dos participantes utilizou a fórmula. Todos foram somando o valor da entrada, com cada parcela e cada juro mensal, chegando corretamente ao valor de R$1.040,00. Parabenizamos o cálculo e o resultado, mas aproveitamos para alertar que quando o número de parcelas é muito alto fica mais complicado sem o uso da fórmula.

Diante da experiência, solicitou-se à preceptora uma avaliação da oficina. Ela afirmou: "Favoreceu a aprendizagem dos conteúdos relacionados à Matemática Financeira, mas não somente, pois foram trabalhados os conceitos de soma, multiplicação, função do primeiro grau, juros simples e juros compostos”. Alegou ainda que, de modo geral, o grupo da EJA é muito participativo, mas que as aulas online são mais desafiadoras para eles. Mesmo assim, ela disse: “Foi lindo ver o envolvimento e a participação. Eles estavam o tempo todo perguntando, pedindo ajuda dos residentes. A gente via neles a vontade de aprender”. Para ela, a proximidade do conteúdo com o dia a dia e a forma como os residentes conseguiram se fazer presente, mesmo pelo WhatsApp, podem ser apontados como elementos motivadores.

Considerações finais

A situação de pandemia fez com que as escolas repensassem a forma de fazer educação. Observou-se uma tentativa de adaptação das atividades presenciais em atividades mediadas por ferramentas tecnológicas. Aos estudantes da EJA não foi diferente. Assim como para o Ensino Regular foram preparados e adaptados os PET à EJA, deixando a cargo da sensibilidade dos professores a garantia de um trabalho contextualizado, em acordo com os anseios do público da modalidade.

Nesse contexto, considerou-se um avanço o lançamento do Programa EJA Novos Rumos, em 2021, não por acreditarmos que o documento garanta efetivas mudanças na prática educativa, mas por entendermos que ele abre possibilidades para uma forma de trabalho diferente, pois esses sujeitos já chegam à escola com uma vasta experiência de vida. Entende-se assim que as transformações necessárias perpassam pela formação continuada, pelo diálogo e por reflexões sobre as especificidades do grupo.

Diante da pergunta “Como tornar os conceitos de juros simples e compostos mais relevantes para estudantes da EJA em tempos de pandemia?”, estabeleceu-se como hipótese o cenário pandêmico, instrumento que dificultaria o aprendizado, mas que, por meio de uma proposta contextualizada, favoreceu a sua compreensão (pensamento que permeou toda a elaboração e implementação da oficina).

Entende-se então que a hipótese foi parcialmente confirmada, já que as atividades estavam relacionadas ao contexto dos alunos e, inicialmente, mostrou-se atrativa, tendo a participação efetiva do grupo. Por outro lado, na formalização dos conteúdos matemáticos, com as atividades relacionadas ao cotidiano, observou-se o afastamento de parte do grupo, talvez pelas lembranças de dificuldades anteriores ou pelas dificuldades com o acesso à internet e seus dispositivos. Foi perceptível que nem todos conseguiram dar continuidade. Tais resultados não diminuem em nada o valor da experiência aqui socializada.

Fica o aprendizado do quanto é necessária uma Educação Matemática que venha colaborar para a participação crítica de jovens e adultos na sociedade, resgatando as imprescindíveis contribuições das suas experiências anteriores para a produção do conhecimento. Nessa perspectiva, não cabe aos educadores apenas o ensino de conceitos matemáticos, mas ajudar os estudantes da EJA a reconhecerem o valor de seus saberes e acreditarem em suas capacidades, reduzindo as sequelas de experiências anteriores frustradas para contribuir para o sucesso do seu aprendizado.

Referências

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Publicado em 09 de maio de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SANTOS, Evandro Ribeiro dos; MORAIS, Paulo Henrique Anjos de; AMARAL, Sandra Regina do. Educação Matemática de jovens e adultos em tempos de pandemia. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 17, 9 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/17/educacao-matematica-de-jovens-e-adultos-em-tempos-de-pandemia

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