Representações sociais de método científico e as implicações do ato de pesquisar na formação inicial de professores
Márcia de Oliveira Lima Fitaroni
Mestra em Ensino (Infes/UFF), especialista em Alfabetização (Fafile/UEMG) e em Planejamento, Implementação e Gestão da EaD (Lante/UFF), graduada em Pedagogia (Fafita)
Marcelo Nocelle de Almeida
Doutor em Ciências (UFRJ), coordenador da Licenciatura em Ciências Naturais e docente do Infes/UFF
Demo (2006) afirmou que pesquisador não é aquele que somente pesquisa, descobre, sistematiza, conhece e depois passa para outro sujeito transpor tal conhecimento para a realidade. Pesquisador é aquele que pesquisa e intervém na realidade. Pesquisar é um ato de busca de informações que pode se tornar científico, uma vez que leva à reflexão e à transformação do conhecimento adquirido como Ciência.
Considerando a importância da pesquisa como ponto de partida para a iniciação científica dos alunos, percebe-se o vasto universo investigativo que nos é oferecido. Eis a grande questão: a realidade é outra. No âmbito educacional tem-se banalizado o tema, fato que pode comprometê-lo talvez, de forma irreversível, para a compreensão dos alunos (Lüdke; André, 1986). A pesquisa, às vezes, se torna mera cópia de dados, esvaziada de reflexão, não passando de uma atividade de consulta, o que gera desestímulo ao espírito investigativo do aluno. Por não ser utilizado em seu verdadeiro sentido, o instrumento deixa de ser fonte de construção de conhecimento.
Segundo Lüdke e André (1986, p. 1-2), “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”.
Considerando que é no chão da escola que se consagra a essência de onde a educação nasce, afirma-se a necessidade de se pensar o papel do professor numa sociedade desigual, excludente, reprodutora de um sistema que deforma. Reconhecendo os discentes como futuros professores, questionou-se: “Que representações sociais os discentes do curso de Formação de Professores Normal (nível médio) têm sobre o método científico?”.
A proposta contida no desenvolvimento desta pesquisa tem a pretensão de viabilizar uma reflexão sobre a incitação científica na formação de professores ainda na Educação Básicacomo ponto de partida para a resolução de problemas encontrados na esfera acadêmica, propondo como objetivo primeiro investigar a sua percepção acerca do método científico.
Nesse sentido, levando-se em consideração que é na sala de aula que o professor se forma e constrói conhecimento, desenvolvemos uma pesquisa junto a professores em formação (alunos do Curso Normal, 2ª e 3ª séries), utilizando como instrumento a técnica de evocação livre de palavras (ELP), em acordo com Ferreira et al. (2005), Cortes Junior et al. (2009), Magalhães Junior e Tomanik (2012; 2013).
Caracterização da área de estudo
Natividade é um município brasileiro localizado no interior do Estado do Rio de Janeiro, na região Noroeste. Com uma área de 387km2, situa-se a uma altitude de 182 metros. É constituído de três distritos: Natividade (sede), Bom Jesus do Querendo e Ourânia. Segundo dados do último censo, a população é composta por 15.082 habitantes (IBGE, 2010).
A colonização do município de Natividade teve início na primeira metade do século XIX e começou por obra de José Lannes Dantas Brandão, com a economia baseada na cafeicultura e, mais tarde, na pecuária. Houve também diversificação das atividades agrícolas, passando o município a produzir arroz, milho e feijão (Natividade, s/d).
Caracterização da instituição de ensino
O Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende foi criado pela Lei n° 9.595, de 17 de agosto de 1971. Localiza-se na Avenida Mauro Alves Ribeiro Jr., 243, Balneário, Natividade/RJ, um bairro urbano, comercial e residencial, no qual há uma população de aproximadamente 2.000 habitantes. O acesso ao colégio se faz por meio de transportes coletivos fornecidos pelo poder público estadual e municipal.
A área construída é de 2.416m², formada por um prédio de dois pisos, com quadra coberta e galpão de oficinas cedido ao CEJA, todos em boas condições, mas com necessidade de manutenções constantes. A clientela do colégio é constituída de alunos oriundos das classes sociais baixa e média das zonas rural e urbana.
O colégio oferece aos alunos as modalidades Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Curso Normal (Colégio Estadual, 2020).
Caracterização do público-alvo
Foram participantes desta pesquisa 34 discentes, sendo 11 do 2° ano e 23 do 3° ano do Curso Normal, nível médio, Formação de Professores. A maioria dos entrevistados foi do sexo feminino (30) e apenas quatro do sexo masculino. As idades variaram entre 16 e 22 anos e um aluno com 29 anos. Todos os alunos residem em Natividade ou em seus distritos.
Análise documental do Curso Normal do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende
De acordo com a perspectiva de levantamento documental de Marconi e Lakatos (2002), na qual são estabelecidas as etapas a serem seguidas, utilizamos no estudo a sistematização das informações por meio da leitura das ementas, direcionando a análise para a matriz curricular. É importante esclarecer que as ementas das disciplinas utilizadas para as 3 séries constam do Currículo Mínimo 2013, Curso Normal - Formação de Professores, conhecimentos didáticos metodológicos, elaborado por equipes disciplinares de professores da rede estadual, a partir de um convênio com a Fundação Cecierj. Esse currículo utilizou como referência para a elaboração do documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (Resolução CNE/CEB nº 2/99), além dos Parâmetros e das Orientações Curriculares Nacionais.
Ao analisar a matriz curricular, encontramos a disciplina Práticas Pedagógicas - Iniciação à Pesquisa – PPIP, Curso Normal, nível médio (1ª, 2ª e 3ª séries). A partir disso, direcionamos a análise para ela, tendo em vista que a disciplina perpassa as três séries do Curso Normal, nível médio, sendo também foco da nossa pesquisa. Ela é oferecida nas três séries do curso, porém cada série possui eixos de discussão e conteúdos diferentes, todos vertendo ao ensino de professores pesquisadores. Ressalta-se também a progressão da quantidade de aulas oferecidas: três aulas na 1ª série, seis aulas na 2ª e oito aulas na 3ª, fato que corrobora a importância da disciplina na formação do futuro professor como pesquisador. A sistematização dos dados informados se deu por meio da sua leitura e análise.
Para finalizar, analisamos também o roteiro de trabalho da 3ª série, cedido pela professora responsável pela disciplina em questão.
Instrumento de coleta de dados
O presente estudo pautou-se na pesquisa-ação, que, segundo Thiollent (1984, p. 23), “trata-se de um método ou de uma estratégia de pesquisa que agrega vários métodos ou técnicas de pesquisa social, com as quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa no nível da captação da informação”.
Com o propósito de investigar as representações sociais dos discentes em relação ao método científico, utilizamos a técnica Evocação Livre de Palavras, de acordo com Ferreira et al. (2005), Cortes Junior et al. (2009) e Magalhães Junior e Tomanik (2012; 2013), para seleção dos dados. O objetivo foi identificar os elementos nucleares e periféricos da representação social compartilhada pelo grupo em estudo. Em um primeiro momento, entregamos aos alunos uma folha de papel e lhes foi solicitado que escrevessem três palavras que viessem à mente acerca do tema indutor: método científico. Posteriormente, solicitamos que as classificassem em ordem numérica crescente, sendo 1 para a palavra considerada com o grau de maior importância, 2 para a segunda mais importante e 3 para a menos importante. Por último, que escrevessem uma frase contendo todas as palavras evocadas anteriormente. Concluindo, que registrassem informações sobre sua idade e série (2ª ou 3ª).
Por meio de intervenção quantitativa, as informações coletadas foram analisadas e dispostas em tabelas e quadros, fornecendo suporte às análises qualitativas.
Vale ressaltar que a entrevista foi realizada na última semana de aula presencial, antes do distanciamento imposto pela pandemia da covid-19, não sendo possível o retorno presencial ao colégio, lócus desta pesquisa.
Análise de dados
A fim de proceder à análise, realizamos o agrupamento das palavras evocadas por grupos semânticos em conformidade com a proximidade dos elementos, o que constitui ferramenta de suma importância para evitar que termos e expressões semelhantes sejam considerados como diferentes (Ferreira et al., 2005). Foram desconsideradas as palavras evocadas apenas uma vez, considerando-se, de acordo com os autores citados, a sua representação social, quando compartilhada por um conjunto de indivíduos inseridos num lugar comum onde saberes são compartilhados.
Para a análise das evocações, utilizou-se o cálculo das ordens médias (OME), levando em conta a quantidade de vezes em qual posição determinada a palavra foi citada, possibilitando a classificação dos elementos periféricos e centrais. A fórmula eleita para tal análise foi a citada por Ferreira et al. (2005), explicitada da seguinte forma: OME = [(A X 1) + (B X 2) + (C X 3) + (D X 4) + (E X 5)]/FGS, na qual as letras representam o somatório do número de vezes que determinada palavra é evocada em cada posição e multiplicada pelo seu grau de importância, sendo representada pelos números. Apresenta-se ilustrado no Quadro 1 o exemplo do grupo semântico Ciência, nas duas séries analisadas.
Quadro 1: Cálculo da frequência e da ordem média de evocação do grupo semântico Ciência na 2ª e na 3ª séries do Curso Normal
Grupo semântico Ciência |
Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 1º lugar: 10 |
Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 2º lugar: 10 |
Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 3º lugar: 4 |
Frequência total: 10 + 10 + 4 = 24 |
Cálculo da OME: [(10 X 1) + (10X 2) + (4 X 3)] /24 = 1,75 |
Fonte: Adaptado de Ferreira et al., 2005.
Ao analisar a proposta curricular para o Curso Normal, nível médio, modalidade oferecida pela instituição de ensino pesquisada, percebe-se a preocupação em preparar os futuros docentes para o exercício de uma educação inclusiva, comprometida com a construção do conhecimento, uma vez que o presente documento promove o diálogo entre os componentes curriculares, o cotidiano da sala de aula e o perfil do profissional que se quer projetar.
O referido documento pauta-se na expectativa de garantir aos alunos ao final do curso, “constituição de valores, conhecimentos e competências gerais e específicas necessárias ao exercício da atividade docente, sob os princípios éticos, políticos e estéticos previstos à sua formação enquanto cidadão” (Rio de Janeiro, 2013, p. 2).
Dentre as competências estabelecidas para o Curso Normal, destaca-se a preocupação em utilizar os conhecimentos construídos, “a partir das várias áreas de estudo, pautados numa sólida fundamentação teórica, valorizando a compreensão de suas respectivas metodologias, resultando numa satisfatória instrumentalização técnica” (Colégio Estadual, 2020).
Procedendo à análise da matriz curricular do Curso Normal (Quadro 2), observa-se a extensão da carga horária, uma vez que o curso é oferecido em horário integral. Sendo assim, possibilita um vasto repertório de disciplinas oferecidas, favorecendo à formação do futuro professor. As disciplinas são divididas por áreas de conhecimento, dentre elas, as voltadas especificamente para a formação docente. Destacam-se as áreas do conhecimento dedicadas às Linguagens de Inclusão, aos Fundamentos da Educação, à Formação Complementar, Conhecimentos Didáticos Metodológicos e Práticas, além das áreas de Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Matemática e Ensino Religioso.
Ao analisar a disciplina Práticas Pedagógicas – Iniciação à Pesquisa (PPIP) e os conteúdos apresentados, constatou-se que a prática pedagógica é o fio condutor que une os conhecimentos necessários para o desenvolvimento das competências do professor. Essa disciplina instiga o professor a ser pesquisador e a desenvolver um olhar mais atencioso e cuidadoso para além dos muros da escola, interpretando os fatos cotidianos, pautados em sua própria prática. Nas palavras de Chizzotti (1991, p. 11), “cabe à pesquisa investigar o mundo em que o homem vive e o próprio homem”. Segundo Freire (1996, p. 15), “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Em sua formação permanente, o professor precisa se perceber e se assumir como pesquisador”.
No final de 2012, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) elaborou um currículo mínimo específico para o Curso Normal em nível médio, tanto para as disciplinas integrantes da Base Nacional Comum e Parte Diversificada quanto para as disciplinas de Formação Profissional. Esse currículo teve a pretensão de servir como referência, apresentando as habilidades e competências que devem perpassar os planos de aula dos cursos na modalidade Normal (Rio de Janeiro, 2013).
O documento elaborado pautou-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (Resolução CNE/CEB nº 2/99), nos Parâmetros e nas Orientações Curriculares Nacionais. Contou também com a valorosa contribuição dos professores da rede, por meio de consultas virtuais e debates presenciais, fornecendo críticas e sugestões. Importante destacar que até a realização desta pesquisa ainda não constavam no projeto político-pedagógico da instituição as adequações relativas à BNCC para o Curso Normal.
De acordo com o documento Currículo Mínimo 2013 – Curso Normal – Formação de Professores,
o fio condutor para todo o curso está pautado na investigação e análise do cotidiano escolar desde a compreensão da sua dinâmica e organização até a apropriação dessa realidade e a atuação nela nos diversos estágios propostos. Tem, ainda, como matriz norteadora o desenvolvimento de competências e habilidades para a produção de relações interdisciplinares entre os diversos componentes curriculares (Rio de Janeiro, 2013, p. 3).
Quadro 2: Matriz curricular do Curso Normal do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, localizado no município de Natividade/RJ
Área de conhecimento |
Componente curricular |
Carga horária anual |
|||
Séries |
|||||
1ª |
2ª |
3ª |
Total |
||
Ciências da Natureza |
Biologia |
80 |
80 |
- |
160 |
Física |
80 |
- |
80 |
160 |
|
Química |
80 |
80 |
- |
160 |
|
Matemática |
Matemática |
160 |
160 |
160 |
480 |
Ciências Humanas |
História |
80 |
80 |
- |
160 |
Geografia |
80 |
80 |
- |
160 |
|
Sociologia |
80 |
80 |
- |
160 |
|
Filosofia |
80 |
- |
- |
80 |
|
Ensino Religioso |
40 |
40 |
40 |
120 |
|
Linguagens de Inclusão |
Integração das Mídias e novas Tecnologias |
80 |
- |
- |
80 |
Tempos para ênfase no PPP/Libras |
80 |
- |
- |
80 |
|
Língua Portuguesa/Literatura |
160 |
160 |
160 |
480 |
|
Língua Estrangeira Obrigatória |
80 |
80 |
80 |
240 |
|
Língua Estrangeira optativa |
40 |
40 |
40 |
120 |
|
Educação Física |
80 |
80 |
80 |
240 |
|
Arte |
80 |
- |
80 |
160 |
|
Fundamentos da Educação |
História e Filosofia da Educação |
- |
80 |
80 |
160 |
Sociologia da Educação |
- |
- |
80 |
80 |
|
Psicologia da Educação |
- |
80 |
80 |
160 |
|
Política Educ. e Org. do Sist. de Ensino |
- |
- |
80 |
80 |
|
Formação Complementar - Conhecimentos Didáticos Metodológicos |
Processos de Alfab. e Letramento |
- |
80 |
80 |
160 |
CDP Ed. em Educação Infantil |
80 |
80 |
80 |
240 |
|
CDP Ed. em Ensino Fundamental |
- |
80 |
80 |
160 |
|
CDP em Educação Especial no contexto da Ed. Inclusiva |
- |
80 |
- |
80 |
|
CDP em Educação de Jovens e Adultos |
- |
- |
80 |
80 |
|
Práticas |
PPIP |
120 |
240 |
320 |
680 |
Brinquedoteca |
40 |
- |
- |
40 |
|
Arte-educação |
- |
40 |
- |
40 |
|
Práticas Psicomotoras |
- |
40 |
- |
40 |
|
Vida e Natureza |
- |
- |
40 |
40 |
|
Atendimento Educ. Especializado |
- |
- |
40 |
40 |
|
Linguagens e Alfabetizações |
- |
- |
40 |
40 |
|
Culturas |
- |
- |
40 |
40 |
|
Carga horária total |
1.520 |
1.760 |
1.920 |
5.200 |
Fonte: Projeto político-pedagógico do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, 2020.
São apresentados, desde a 1ª série do Curso Normal, nível médio, a partir do estudo em eixos, temas como: “o professor pesquisador da prática pedagógica”, “a pesquisa e a prática no cotidiano escolar”; “o registro e análise dos dados da pesquisa”, dentre outros. Os eixos abordam também as habilidades e competências que priorizam o ato de pesquisar, a pesquisa como aquisição de conhecimento, técnicas de estudo/pesquisa e instrumentos de pesquisa, tais como, questionários, entrevistas, elaboração de projeto de pesquisa e análise de dados (utilizando recursos como tabelas, quadros, esquemas, estatísticas, aplicação das normas da ABNT, culminando com a divulgação dos resultados da pesquisa).
Constatou-se também no roteiro de trabalho, elaborado pela professora responsável, a preocupação em formar um professor pesquisador, tendo em vista suas metas para o ano letivo:
- Reconhecer a importância da prática docente e o compromisso do educador na construção da aprendizagem e no desenvolvimento intelectual do aluno, por meio de projetos e pesquisas;
- Reconhecer a necessidade de pesquisar temas relevantes para adquirir maior conhecimento científico sobre determinados assuntos.
Outro fator relevante observado, segundo os apontamentos da professora, para conclusão do ano: “elaborar um projeto de pesquisa coletivamente, a partir de um problema elencado pela turma, utilizando suas etapas constitutivas”, seguindo as normas da ABNT, sem incorrer em plágio e com sua apresentação ao final do processo (trabalho de conclusão de curso – TCC). Essa afirmação corrobora nossos resultados, uma vez que os discentes já possuem alguma familiaridade com a escrita acadêmica, justificando as evocações registradas em nossa pesquisa.
Vale ressaltar que a instituição “segue as orientações da Secretaria de Estado de Educação por meio da participação na elaboração dos currículos essenciais que é um documento que define as competências e habilidades mínimas a serem desenvolvidas pelos alunos da rede estadual” (Colégio Estadual, 2020).
Análise dos dados obtidos com a evocação livre de palavras
Foram registradas 32 evocações na 2ª série e 69 evocações na 3ª série do Curso Normal, a partir do termo indutor “método científico”. Desse total de palavras, 16 evocações da 2ª série e 26 da 3ª foram descartadas por apresentarem frequência unitária.
Dessa forma, restaram para análise 16 palavras na 2ª série e 44 palavras na 3ª, as quais foram categorizadas em nove grupos semânticos (Tabela 1), levando em conta o grau de similaridade entre elas e evitando que termos e expressões semelhantes fossem considerados diferentes (Ferreira et al., 2005).
Tabela 1: Frequência de evocação e ordem média de evocação (OME) dos grupos semânticos de alunos da 2ª e 3ª Séries do Curso Normal, nível médio, do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, em Natividade/RJ
Grupo semântico de palavras |
Frequência de evocação |
OME |
Ciência(s) Estudo(s) Experiência Pesquisa Inteligência Cientista Análise Solução Educação |
24 11 7 5 4 3 2 2 2 |
1,75 1,18 3,0 2,2 1,25 2,0 2,0 2,0 1,5 |
Total |
60 |
16,88 |
Média |
6,7 |
1,87 |
Fazendo a análise conjugada dos dados de frequência e ordem média de evocação, tornou-se viável a construção do Quadro 3, que realça a estrutura da representação social acerca do termo indutor “método científico”, que mostra os quatro quadrantes com os respectivos grupos constitutivos da representação social - RS (Quadro 3).
Quadro 3: Estrutura da representação social acerca de “Método Científico” dos alunos da 2ª e 3ª séries do Curso Normal do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, pela frequência média e ordem média de evocação (OME)
Elementos centrais/1º quadrante Alta Frequência e baixa Ordem Média de Evocações f > 6,7 e OME < 1,87 Grupo semântico de palavras Freq. OME Ciência(s) 24 1,75 Estudo(s) 11 1,18 |
Elementos intermediários/2º quadrante Alta Frequência e alta Ordem Média de Evocações f > 6,7 e OME > 1,87 Grupo semântico de palavras Freq. OME Experiência 7 3,0 |
Elementos intermediários/3º quadrante Baixa Frequência e baixa Ordem Média de Evocações f < 6,7 e OME < 1,87 Grupo semântico de palavras Freq. OME Inteligência 4 1,25 Educação 2 1,5 |
Elementos periféricos/4º quadrante Baixa Frequência e alta Ordem Média de Evocações f < 6,7 e OME > 1,87 Grupo semântico de palavras Freq. OME Pesquisa 5 2,2 Cientista 3 2 Análise 2 2 Solução 2 2 |
Diante da similaridade de palavras evocadas, optou-se por analisar em conjunto o resultado obtido, quando se observa que a proposta curricular utilizada como norteadora perpassa as três séries do Curso Normal, evidenciando a importância da pesquisa como primeiro caminho para incitação científica.
Ainda com base na proposta curricular é possível perceber a preocupação em se formar um professor pesquisador, mas para isso inicia-se o contato com a pesquisa e alguns de seus instrumentos e técnicas para a elaboração e a execução.
Analisando a frequência de evocação, constata-se a predominância da palavra “Ciência(s)” quando o termo indutor “método científico” é citado. No primeiro quadrante do grupo a palavra “Ciência” aparece como a mais evocada, com alta frequência e alta OME, seguida da palavra “estudo”, outra palavra evocada, ocupando o primeiro quadrante como a de alta frequência e baixa OME. A palavra “experiência” figura no segundo quadrante, com baixa frequência e alta OME. Figurando no quadrante intermediário, aparecem evocadas as palavras “inteligência” e “educação”, ambas com baixa frequência e baixa ordem média. São citadas também, como elementos periféricos, palavras comumente utilizadas no vocabulário científico, como: “pesquisa”, “cientista”, “análise” e “solução”.
Com o intuito de ilustrar o resultado da pesquisa e melhor entender o contexto das palavras evocadas, inserem-se aqui algumas considerações dos discentes, identificados por números:
Com a Ciência, você aprende mais das experiências, na clínica, e assim você pode realizar métodos científicos com esse conhecimento (Aluno 2).
Uma forma de ensino-aprendizagem com experimentos (Aluno 5).
Estudar Ciência é muito importante para pesquisar sobre determinado assunto e concluí-lo para ter um método científico (Aluno 6).
A Ciência resolve o mundo (Aluno 8).
Diante das proposições acima citadas, percebe-se que os respectivos discentes associam o método científico a experimentos ou têm uma visão do caráter empírico sobre ela, baseado apenas em experimentação. O “método científico” se apresenta como um conjunto de etapas a seguir mecanicamente. Em contrapartida, “destaca-se o que se supõe ser um tratamento quantitativo, controle rigoroso recusando tudo o que se refere à criatividade, ao caráter tentativo, à dúvida” (Gil Pérez et al., 2001, p. 130). Firma-se mais uma vez a construção da representação social elaborada historicamente no coletivo, conforme Arruda (2002. p. 128) quando afirma que “os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais, constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural etc., por um lado, e, por outro, como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos”. O conhecimento construído socialmente deixa resquícios de um entendimento de Ciência como resultado de experiências. Em estudos semelhantes, a ocorrência das mesmas evocações é uma constante nas representações, tanto de discentes quanto de docentes. Fato que revela que o professor também traz incutido, desde a sua formação, esses preconceitos e estereótipos em relação à Ciência e ao conhecimento científico, repassando-os aos aprendentes.
Percebe-se a ideia resultante de uma concepção empírico indutivista e ateórica que aponta o papel “neutro” da observação e da experimentação, como condição para a construção do conhecimento científico, não valorizando o papel fundamental das hipóteses como orientadoras da investigação (Gil Pérez et al., 2001). Nesse sentido, Chalmers (1993, p. 27-28) afirma que,
de acordo com o indutivista ingênuo, o corpo do conhecimento científico é construído pela indução a partir da base segura fornecida pela observação. Conforme cresce o número de dados estabelecidos pela observação e pelo experimento, e conforme os fatos se tornam mais refinados e esotéricos devido a aperfeiçoamentos em nossas capacidades de observação e experimentação, cada vez mais leis e teorias de maior generalidade e escopo são construídas por raciocínio indutivo cuidadoso.
Nota-se a visão de Ciência que, por si, resolveria todos os problemas. Constata-se a preocupação em firmar um conceito de Ciência como “dona da verdade, inquestionável e infalível”.
Com a Ciência temos as pesquisas que nos ajudam a nos dar as soluções nos dias de hoje (Aluno 4).
A pesquisa traz para os laboratórios descobertas (Aluno 9).
A Ciência é muito útil nas nossas vidas (Aluno 14).
O sentido dessas proposições remete “à ideia de que a Ciência tem como papel primordial o bem-estar da sociedade, por meio das descobertas que os cientistas fazem no decorrer de suas pesquisas (Colagrande; Arroio, 2018, p. 31). É pertinente considerar que a Ciência e seus estudos interferem na sociedade, porém não se deve ignorar o seu papel na explicação de fenômenos que ocorrem na humanidade (Colagrande; Arroio, 2018). Constata-se também que a palavra “pesquisa” vem associada à palavra “descoberta”, o que já foi constatado em outros estudos semelhantes (Sobrinho, 2010; Colagrande; Arroio, 2018; Menezes; Figueiredo, 2020), fato que corrobora a ideia de que essa visão está intimamente relacionada às representações que foram construídas pelos indivíduos, tanto no âmbito escolar como fora dele, não importando o lugar ou a época, as representações se repetem, ou seja, foram legitimadas. Bourdieu ajuda a entender como esse fenômeno ocorre:
Um dos mais seguros testemunhos de reconhecimento de legitimidade reside na propensão dos mais desprovidos em dissimular sua ignorância ou indiferença e em prestar homenagem à legitimidade cultural – cujo depositário em seu entender é o pesquisador – ao escolher no patrimônio deles o que parece ser mais ajustado à definição legítima (Bourdieu, 2007, p. 298).
No dizer de Freire (1996, p. 29), “pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”.
Nos fragmentos a seguir, observa-se o termo ‘Ciências’ com status de disciplina escolar, pois essa é a percepção que se tem dela, trazendo, ainda que sutilmente, a necessidade de traçar um método para aprendê-la. Verifica-se também que o termo “estudo” aparece atrelado à Ciência, reforçando o caráter de disciplina que figura nos currículos escolares. Conforme Freire explica (1996, p. 123-124), “uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade”. No entanto, cabe ao educando se assumir como sujeito da produção de sua inteligência do mundo. Constata-se, assim, que o conhecimento científico construído pelos discentes pode ser o resultado das concepções difundidas pelos professores (Freire, 1996).
Estudo de Ciências e análises (Aluno 7).
Uma pessoa começou a estudar Ciências e teve que fazer algumas anotações (Aluno 10).
Eu estudo Ciências e ela tem todo um trajeto para aprendê-la (Aluno 11).
O estudo da Ciência é feito pelos cientistas (Aluno 12).
Sem a pesquisa não há estudo. O estudo é muito importante para nós (Aluno 13).
Nas afirmações, nota-se a importância dada ao ato de pesquisar como requisito para se constituir o conhecimento, o que se justifica por ser a pesquisa o objeto de estudo da disciplina que perpassa o Curso Normal em suas três séries. Já o termo ‘estudo’, se reporta como reprodução das práticas da Educação Básica e o termo ‘pesquisa’, se impõe por sua legitimidade circulante (Sobrinho, 2010).
O conhecimento é constituído pelo estudo e pesquisa do mundo (Aluno 3).
Para uma solução, você precisa de buscas, mas para realizá-las você precisa pesquisar (Aluno 1).
Nas proposições dos alunos, percebe-se a representação de Ciência que lhes constitui. Ainda se tem uma visão de Ciência moderna, construída contra o senso comum, considerado como superficial, ilusório e falso. Ainda não foi percebida a dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada por meio do diálogo com o conhecimento científico (Santos, 2008).
É importante ressaltar que não existe uma visão única sobre o que é Ciência, mas uma diversidade epistemológica, possibilitada a partir de várias formas de entendimento do assunto.
A natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas já referidas. É um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenómenos (Santos, 2008, p. 29).
Considerações finais
Foi possível verificar, com base na análise dos dados dos discentes do 2° e 3° anos do Curso Normal, que as representações sociais, evocadas acerca de método científico, apontam para uma perspectiva que remete à cientificidade, dada a quantidade de vezes que a palavra “Ciência” foi evocada, entendendo representações sociais como formas de conhecimento construído no coletivo, “socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 2001).
Analisar as representações sociais dos discentes acerca do método científico e conhecer suas concepções nos apontam caminhos para dar continuidade ao seu processo de reflexão e formação. Destaca-se a necessidade de se repensar o papel da Ciência de modo a destituí-la de sua herança positivista, no que diz respeito a valorização do domínio de técnicas e procedimentos esvaziados de sentido, sendo necessária a desmistificação do seu papel de infalibilidade, primando por sua inserção no mundo social.
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Publicado em 09 de maio de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
FITARONI, Márcia de Oliveira Lima; ALMEIDA, Marcelo Nocelle. Representações sociais de método científico e as implicações do ato de pesquisar na formação inicial de professores. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 17, 9 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/17/representacoes-sociais-de-metodo-cientifico-e-as-implicacoes-do-ato-de-pesquisar-na-formacao-inicial-de-professores
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