Representações sociais de método científico e as implicações do ato de pesquisar na formação inicial de professores

Márcia de Oliveira Lima Fitaroni

Mestra em Ensino (Infes/UFF), especialista em Alfabetização (Fafile/UEMG) e em Planejamento, Implementação e Gestão da EaD (Lante/UFF), graduada em Pedagogia (Fafita)

Marcelo Nocelle de Almeida

Doutor em Ciências (UFRJ), coordenador da Licenciatura em Ciências Naturais e docente do Infes/UFF

Demo (2006) afirmou que pesquisador não é aquele que somente pesquisa, descobre, sistematiza, conhece e depois passa para outro sujeito transpor tal conhecimento para a realidade. Pesquisador é aquele que pesquisa e intervém na realidade. Pesquisar é um ato de busca de informações que pode se tornar científico, uma vez que leva à reflexão e à transformação do conhecimento adquirido como Ciência.

Considerando a importância da pesquisa como ponto de partida para a iniciação científica dos alunos, percebe-se o vasto universo investigativo que nos é oferecido. Eis a grande questão: a realidade é outra. No âmbito educacional tem-se banalizado o tema, fato que pode comprometê-lo talvez, de forma irreversível, para a compreensão dos alunos (Lüdke; André, 1986). A pesquisa, às vezes, se torna mera cópia de dados, esvaziada de reflexão, não passando de uma atividade de consulta, o que gera desestímulo ao espírito investigativo do aluno. Por não ser utilizado em seu verdadeiro sentido, o instrumento deixa de ser fonte de construção de conhecimento.

Segundo Lüdke e André (1986, p. 1-2), “para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”.

Considerando que é no chão da escola que se consagra a essência de onde a educação nasce, afirma-se a necessidade de se pensar o papel do professor numa sociedade desigual, excludente, reprodutora de um sistema que deforma. Reconhecendo os discentes como futuros professores, questionou-se: “Que representações sociais os discentes do curso de Formação de Professores Normal (nível médio) têm sobre o método científico?”.

A proposta contida no desenvolvimento desta pesquisa tem a pretensão de viabilizar uma reflexão sobre a incitação científica na formação de professores ainda na Educação Básicacomo ponto de partida para a resolução de problemas encontrados na esfera acadêmica, propondo como objetivo primeiro investigar a sua percepção acerca do método científico.

Nesse sentido, levando-se em consideração que é na sala de aula que o professor se forma e constrói conhecimento, desenvolvemos uma pesquisa junto a professores em formação (alunos do Curso Normal, 2ª e 3ª séries), utilizando como instrumento a técnica de evocação livre de palavras (ELP), em acordo com Ferreira et al. (2005), Cortes Junior et al. (2009), Magalhães Junior e Tomanik (2012; 2013).

Caracterização da área de estudo

Natividade é um município brasileiro localizado no interior do Estado do Rio de Janeiro, na região Noroeste. Com uma área de 387km2, situa-se a uma altitude de 182 metros. É constituído de três distritos: Natividade (sede), Bom Jesus do Querendo e Ourânia. Segundo dados do último censo, a população é composta por 15.082 habitantes (IBGE, 2010).

A colonização do município de Natividade teve início na primeira metade do século XIX e começou por obra de José Lannes Dantas Brandão, com a economia baseada na cafeicultura e, mais tarde, na pecuária. Houve também diversificação das atividades agrícolas, passando o município a produzir arroz, milho e feijão (Natividade, s/d).

Caracterização da instituição de ensino

O Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende foi criado pela Lei n° 9.595, de 17 de agosto de 1971. Localiza-se na Avenida Mauro Alves Ribeiro Jr., 243, Balneário, Natividade/RJ, um bairro urbano, comercial e residencial, no qual há uma população de aproximadamente 2.000 habitantes. O acesso ao colégio se faz por meio de transportes coletivos fornecidos pelo poder público estadual e municipal.

A área construída é de 2.416m², formada por um prédio de dois pisos, com quadra coberta e galpão de oficinas cedido ao CEJA, todos em boas condições, mas com necessidade de manutenções constantes. A clientela do colégio é constituída de alunos oriundos das classes sociais baixa e média das zonas rural e urbana.

O colégio oferece aos alunos as modalidades Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Curso Normal (Colégio Estadual, 2020).

Caracterização do público-alvo

Foram participantes desta pesquisa 34 discentes, sendo 11 do 2° ano e 23 do 3° ano do Curso Normal, nível médio, Formação de Professores. A maioria dos entrevistados foi do sexo feminino (30) e apenas quatro do sexo masculino. As idades variaram entre 16 e 22 anos e um aluno com 29 anos. Todos os alunos residem em Natividade ou em seus distritos.

Análise documental do Curso Normal do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende

De acordo com a perspectiva de levantamento documental de Marconi e Lakatos (2002), na qual são estabelecidas as etapas a serem seguidas, utilizamos no estudo a sistematização das informações por meio da leitura das ementas, direcionando a análise para a matriz curricular. É importante esclarecer que as ementas das disciplinas utilizadas para as 3 séries constam do Currículo Mínimo 2013, Curso Normal - Formação de Professores, conhecimentos didáticos metodológicos, elaborado por equipes disciplinares de professores da rede estadual, a partir de um convênio com a Fundação Cecierj. Esse currículo utilizou como referência para a elaboração do documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (Resolução CNE/CEB nº 2/99), além dos Parâmetros e das Orientações Curriculares Nacionais.

Ao analisar a matriz curricular, encontramos a disciplina Práticas Pedagógicas - Iniciação à Pesquisa – PPIP, Curso Normal, nível médio (1ª, 2ª e 3ª séries). A partir disso, direcionamos a análise para ela, tendo em vista que a disciplina perpassa as três séries do Curso Normal, nível médio, sendo também foco da nossa pesquisa. Ela é oferecida nas três séries do curso, porém cada série possui eixos de discussão e conteúdos diferentes, todos vertendo ao ensino de professores pesquisadores. Ressalta-se também a progressão da quantidade de aulas oferecidas: três aulas na 1ª série, seis aulas na 2ª e oito aulas na 3ª, fato que corrobora a importância da disciplina na formação do futuro professor como pesquisador. A sistematização dos dados informados se deu por meio da sua leitura e análise.

Para finalizar, analisamos também o roteiro de trabalho da 3ª série, cedido pela professora responsável pela disciplina em questão.

Instrumento de coleta de dados

O presente estudo pautou-se na pesquisa-ação, que, segundo Thiollent (1984, p. 23), “trata-se de um método ou de uma estratégia de pesquisa que agrega vários métodos ou técnicas de pesquisa social, com as quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa no nível da captação da informação”.

Com o propósito de investigar as representações sociais dos discentes em relação ao método científico, utilizamos a técnica Evocação Livre de Palavras, de acordo com Ferreira et al. (2005), Cortes Junior et al. (2009) e Magalhães Junior e Tomanik (2012; 2013), para seleção dos dados. O objetivo foi identificar os elementos nucleares e periféricos da representação social compartilhada pelo grupo em estudo. Em um primeiro momento, entregamos aos alunos uma folha de papel e lhes foi solicitado que escrevessem três palavras que viessem à mente acerca do tema indutor: método científico. Posteriormente, solicitamos que as classificassem em ordem numérica crescente, sendo 1 para a palavra considerada com o grau de maior importância, 2 para a segunda mais importante e 3 para a menos importante. Por último, que escrevessem uma frase contendo todas as palavras evocadas anteriormente. Concluindo, que registrassem informações sobre sua idade e série (2ª ou 3ª).

Por meio de intervenção quantitativa, as informações coletadas foram analisadas e dispostas em tabelas e quadros, fornecendo suporte às análises qualitativas.

Vale ressaltar que a entrevista foi realizada na última semana de aula presencial, antes do distanciamento imposto pela pandemia da covid-19, não sendo possível o retorno presencial ao colégio, lócus desta pesquisa.

Análise de dados

A fim de proceder à análise, realizamos o agrupamento das palavras evocadas por grupos semânticos em conformidade com a proximidade dos elementos, o que constitui ferramenta de suma importância para evitar que termos e expressões semelhantes sejam considerados como diferentes (Ferreira et al., 2005). Foram desconsideradas as palavras evocadas apenas uma vez, considerando-se, de acordo com os autores citados, a sua representação social, quando compartilhada por um conjunto de indivíduos inseridos num lugar comum onde saberes são compartilhados.

Para a análise das evocações, utilizou-se o cálculo das ordens médias (OME), levando em conta a quantidade de vezes em qual posição determinada a palavra foi citada, possibilitando a classificação dos elementos periféricos e centrais. A fórmula eleita para tal análise foi a citada por Ferreira et al. (2005), explicitada da seguinte forma: OME = [(A X 1) + (B X 2) + (C X 3) + (D X 4) + (E X 5)]/FGS, na qual as letras representam o somatório do número de vezes que determinada palavra é evocada em cada posição e multiplicada pelo seu grau de importância, sendo representada pelos números. Apresenta-se ilustrado no Quadro 1 o exemplo do grupo semântico Ciência, nas duas séries analisadas.

Quadro 1: Cálculo da frequência e da ordem média de evocação do grupo semântico Ciência na 2ª e na 3ª séries do Curso Normal

Grupo semântico Ciência

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 1º lugar: 10

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 2º lugar: 10

Número de vezes que foi evocada e hierarquizada em 3º lugar: 4

Frequência total: 10 + 10 + 4 = 24

Cálculo da OME: [(10 X 1) + (10X 2) + (4 X 3)] /24 = 1,75

Fonte: Adaptado de Ferreira et al., 2005.

Ao analisar a proposta curricular para o Curso Normal, nível médio, modalidade oferecida pela instituição de ensino pesquisada, percebe-se a preocupação em preparar os futuros docentes para o exercício de uma educação inclusiva, comprometida com a construção do conhecimento, uma vez que o presente documento promove o diálogo entre os componentes curriculares, o cotidiano da sala de aula e o perfil do profissional que se quer projetar.

O referido documento pauta-se na expectativa de garantir aos alunos ao final do curso, “constituição de valores, conhecimentos e competências gerais e específicas necessárias ao exercício da atividade docente, sob os princípios éticos, políticos e estéticos previstos à sua formação enquanto cidadão” (Rio de Janeiro, 2013, p. 2).

Dentre as competências estabelecidas para o Curso Normal, destaca-se a preocupação em utilizar os conhecimentos construídos, “a partir das várias áreas de estudo, pautados numa sólida fundamentação teórica, valorizando a compreensão de suas respectivas metodologias, resultando numa satisfatória instrumentalização técnica” (Colégio Estadual, 2020).

Procedendo à análise da matriz curricular do Curso Normal (Quadro 2), observa-se a extensão da carga horária, uma vez que o curso é oferecido em horário integral. Sendo assim, possibilita um vasto repertório de disciplinas oferecidas, favorecendo à formação do futuro professor. As disciplinas são divididas por áreas de conhecimento, dentre elas, as voltadas especificamente para a formação docente. Destacam-se as áreas do conhecimento dedicadas às Linguagens de Inclusão, aos Fundamentos da Educação, à Formação Complementar, Conhecimentos Didáticos Metodológicos e Práticas, além das áreas de Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Matemática e Ensino Religioso.

Ao analisar a disciplina Práticas Pedagógicas – Iniciação à Pesquisa (PPIP) e os conteúdos apresentados, constatou-se que a prática pedagógica é o fio condutor que une os conhecimentos necessários para o desenvolvimento das competências do professor. Essa disciplina instiga o professor a ser pesquisador e a desenvolver um olhar mais atencioso e cuidadoso para além dos muros da escola, interpretando os fatos cotidianos, pautados em sua própria prática. Nas palavras de Chizzotti (1991, p. 11), “cabe à pesquisa investigar o mundo em que o homem vive e o próprio homem”. Segundo Freire (1996, p. 15), “faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. Em sua formação permanente, o professor precisa se perceber e se assumir como pesquisador”.

No final de 2012, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc) elaborou um currículo mínimo específico para o Curso Normal em nível médio, tanto para as disciplinas integrantes da Base Nacional Comum e Parte Diversificada quanto para as disciplinas de Formação Profissional. Esse currículo teve a pretensão de servir como referência, apresentando as habilidades e competências que devem perpassar os planos de aula dos cursos na modalidade Normal (Rio de Janeiro, 2013).

O documento elaborado pautou-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na modalidade Normal (Resolução CNE/CEB nº 2/99), nos Parâmetros e nas Orientações Curriculares Nacionais. Contou também com a valorosa contribuição dos professores da rede, por meio de consultas virtuais e debates presenciais, fornecendo críticas e sugestões. Importante destacar que até a realização desta pesquisa ainda não constavam no projeto político-pedagógico da instituição as adequações relativas à BNCC para o Curso Normal.

De acordo com o documento Currículo Mínimo 2013 – Curso Normal – Formação de Professores,

o fio condutor para todo o curso está pautado na investigação e análise do cotidiano escolar desde a compreensão da sua dinâmica e organização até a apropriação dessa realidade e a atuação nela nos diversos estágios propostos. Tem, ainda, como matriz norteadora o desenvolvimento de competências e habilidades para a produção de relações interdisciplinares entre os diversos componentes curriculares (Rio de Janeiro, 2013, p. 3).

Quadro 2: Matriz curricular do Curso Normal do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, localizado no município de Natividade/RJ

Área de conhecimento

Componente curricular

Carga horária anual

 

Séries

Total

Ciências da Natureza

Biologia

80

80

-

160

Física

80

-

80

160

Química

80

80

-

160

Matemática

Matemática

160

160

160

480

Ciências Humanas

História

80

80

-

160

Geografia

80

80

-

160

Sociologia

80

80

-

160

Filosofia

80

-

-

80

Ensino Religioso

40

40

40

120

Linguagens de Inclusão

Integração das Mídias e novas Tecnologias

80

-

-

80

Tempos para ênfase no PPP/Libras

80

-

-

80

Língua Portuguesa/Literatura

160

160

160

480

Língua Estrangeira Obrigatória

80

80

80

240

Língua Estrangeira optativa

40

40

40

120

Educação Física

80

80

80

240

Arte

80

-

80

160

Fundamentos da Educação

História e Filosofia da Educação

-

80

80

160

Sociologia da Educação

-

-

80

80

Psicologia da Educação

-

80

80

160

Política Educ. e Org. do Sist. de Ensino

-

-

80

80

Formação Complementar

-

Conhecimentos Didáticos Metodológicos

Processos de Alfab. e Letramento

-

80

80

160

CDP Ed. em Educação Infantil

80

80

80

240

CDP Ed. em Ensino Fundamental

-

80

80

160

CDP em Educação Especial no contexto da Ed. Inclusiva

-

80

-

80

CDP em Educação de Jovens e Adultos

-

-

80

80

Práticas

PPIP

120

240

320

680

Brinquedoteca

40

-

-

40

Arte-educação

-

40

-

40

Práticas Psicomotoras

-

40

-

40

Vida e Natureza

-

-

40

40

Atendimento Educ. Especializado

-

-

40

40

Linguagens e Alfabetizações

-

-

40

40

Culturas

-

-

40

40

Carga horária total

1.520

1.760

1.920

5.200

Fonte: Projeto político-pedagógico do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, 2020.

São apresentados, desde a 1ª série do Curso Normal, nível médio, a partir do estudo em eixos, temas como: “o professor pesquisador da prática pedagógica”, “a pesquisa e a prática no cotidiano escolar”; “o registro e análise dos dados da pesquisa”, dentre outros. Os eixos abordam também as habilidades e competências que priorizam o ato de pesquisar, a pesquisa como aquisição de conhecimento, técnicas de estudo/pesquisa e instrumentos de pesquisa, tais como, questionários, entrevistas, elaboração de projeto de pesquisa e análise de dados (utilizando recursos como tabelas, quadros, esquemas, estatísticas, aplicação das normas da ABNT, culminando com a divulgação dos resultados da pesquisa).

Constatou-se também no roteiro de trabalho, elaborado pela professora responsável, a preocupação em formar um professor pesquisador, tendo em vista suas metas para o ano letivo:

  • Reconhecer a importância da prática docente e o compromisso do educador na construção da aprendizagem e no desenvolvimento intelectual do aluno, por meio de projetos e pesquisas;
  • Reconhecer a necessidade de pesquisar temas relevantes para adquirir maior conhecimento científico sobre determinados assuntos.

Outro fator relevante observado, segundo os apontamentos da professora, para conclusão do ano: “elaborar um projeto de pesquisa coletivamente, a partir de um problema elencado pela turma, utilizando suas etapas constitutivas”, seguindo as normas da ABNT, sem incorrer em plágio e com sua apresentação ao final do processo (trabalho de conclusão de curso – TCC). Essa afirmação corrobora nossos resultados, uma vez que os discentes já possuem alguma familiaridade com a escrita acadêmica, justificando as evocações registradas em nossa pesquisa.

Vale ressaltar que a instituição “segue as orientações da Secretaria de Estado de Educação por meio da participação na elaboração dos currículos essenciais que é um documento que define as competências e habilidades mínimas a serem desenvolvidas pelos alunos da rede estadual” (Colégio Estadual, 2020).

Análise dos dados obtidos com a evocação livre de palavras

Foram registradas 32 evocações na 2ª série e 69 evocações na 3ª série do Curso Normal, a partir do termo indutor “método científico”. Desse total de palavras, 16 evocações da 2ª série e 26 da 3ª foram descartadas por apresentarem frequência unitária.

Dessa forma, restaram para análise 16 palavras na 2ª série e 44 palavras na 3ª, as quais foram categorizadas em nove grupos semânticos (Tabela 1), levando em conta o grau de similaridade entre elas e evitando que termos e expressões semelhantes fossem considerados diferentes (Ferreira et al., 2005).

Tabela 1: Frequência de evocação e ordem média de evocação (OME) dos grupos semânticos de alunos da 2ª e 3ª Séries do Curso Normal, nível médio, do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, em Natividade/RJ

Grupo semântico de palavras

Frequência de evocação

OME

Ciência(s)

Estudo(s)

Experiência

Pesquisa

Inteligência

Cientista

Análise

Solução

Educação

24

11

7

5

4

3

2

2

2

1,75

1,18

3,0

2,2

1,25

2,0

2,0

2,0

1,5

Total

60

16,88

Média

6,7

1,87

Fazendo a análise conjugada dos dados de frequência e ordem média de evocação, tornou-se viável a construção do Quadro 3, que realça a estrutura da representação social acerca do termo indutor “método científico”, que mostra os quatro quadrantes com os respectivos grupos constitutivos da representação social - RS (Quadro 3).

Quadro 3: Estrutura da representação social acerca de “Método Científico” dos alunos da 2ª e 3ª séries do Curso Normal do Colégio Estadual Flávio Ribeiro de Rezende, pela frequência média e ordem média de evocação (OME)

Elementos centrais/1º quadrante

Alta Frequência e baixa Ordem Média de Evocações

f > 6,7 e OME < 1,87

Grupo semântico de palavras Freq. OME

Ciência(s)                              24     1,75

Estudo(s)                               11     1,18

Elementos intermediários/2º quadrante

Alta Frequência e alta Ordem Média de Evocações

f > 6,7 e OME > 1,87

Grupo semântico de palavras Freq. OME

Experiência                               7        3,0

Elementos intermediários/3º quadrante

Baixa Frequência e baixa Ordem Média de Evocações

f < 6,7 e OME < 1,87

Grupo semântico de palavras Freq. OME

Inteligência                               4      1,25

Educação                                 2      1,5

Elementos periféricos/4º quadrante

Baixa Frequência e alta Ordem Média de Evocações

f < 6,7 e OME > 1,87

Grupo semântico de palavras Freq. OME

Pesquisa                                   5        2,2

Cientista                                   3        2

Análise                                     2        2

Solução                                    2        2

Diante da similaridade de palavras evocadas, optou-se por analisar em conjunto o resultado obtido, quando se observa que a proposta curricular utilizada como norteadora perpassa as três séries do Curso Normal, evidenciando a importância da pesquisa como primeiro caminho para incitação científica.

Ainda com base na proposta curricular é possível perceber a preocupação em se formar um professor pesquisador, mas para isso inicia-se o contato com a pesquisa e alguns de seus instrumentos e técnicas para a elaboração e a execução.

Analisando a frequência de evocação, constata-se a predominância da palavra “Ciência(s)” quando o termo indutor “método científico” é citado. No primeiro quadrante do grupo a palavra “Ciência” aparece como a mais evocada, com alta frequência e alta OME, seguida da palavra “estudo”, outra palavra evocada, ocupando o primeiro quadrante como a de alta frequência e baixa OME. A palavra “experiência” figura no segundo quadrante, com baixa frequência e alta OME. Figurando no quadrante intermediário, aparecem evocadas as palavras “inteligência” e “educação”, ambas com baixa frequência e baixa ordem média. São citadas também, como elementos periféricos, palavras comumente utilizadas no vocabulário científico, como: “pesquisa”, “cientista”, “análise” e “solução”.

Com o intuito de ilustrar o resultado da pesquisa e melhor entender o contexto das palavras evocadas, inserem-se aqui algumas considerações dos discentes, identificados por números:

Com a Ciência, você aprende mais das experiências, na clínica, e assim você pode realizar métodos científicos com esse conhecimento (Aluno 2).

Uma forma de ensino-aprendizagem com experimentos (Aluno 5).

Estudar Ciência é muito importante para pesquisar sobre determinado assunto e concluí-lo para ter um método científico (Aluno 6).

A Ciência resolve o mundo (Aluno 8).

Diante das proposições acima citadas, percebe-se que os respectivos discentes associam o método científico a experimentos ou têm uma visão do caráter empírico sobre ela, baseado apenas em experimentação. O “método científico” se apresenta como um conjunto de etapas a seguir mecanicamente. Em contrapartida, “destaca-se o que se supõe ser um tratamento quantitativo, controle rigoroso recusando tudo o que se refere à criatividade, ao caráter tentativo, à dúvida” (Gil Pérez et al., 2001, p. 130). Firma-se mais uma vez a construção da representação social elaborada historicamente no coletivo, conforme Arruda (2002. p. 128) quando afirma que “os indivíduos, os grupos, os sujeitos sociais, constroem seu conhecimento a partir da sua inscrição social, cultural etc., por um lado, e, por outro, como a sociedade se dá a conhecer e constrói esse conhecimento com os indivíduos”. O conhecimento construído socialmente deixa resquícios de um entendimento de Ciência como resultado de experiências. Em estudos semelhantes, a ocorrência das mesmas evocações é uma constante nas representações, tanto de discentes quanto de docentes. Fato que revela que o professor também traz incutido, desde a sua formação, esses preconceitos e estereótipos em relação à Ciência e ao conhecimento científico, repassando-os aos aprendentes.

Percebe-se a ideia resultante de uma concepção empírico indutivista e ateórica que aponta o papel “neutro” da observação e da experimentação, como condição para a construção do conhecimento científico, não valorizando o papel fundamental das hipóteses como orientadoras da investigação (Gil Pérez et al., 2001). Nesse sentido, Chalmers (1993, p. 27-28) afirma que,

de acordo com o indutivista ingênuo, o corpo do conhecimento científico é construído pela indução a partir da base segura fornecida pela observação. Conforme cresce o número de dados estabelecidos pela observação e pelo experimento, e conforme os fatos se tornam mais refinados e esotéricos devido a aperfeiçoamentos em nossas capacidades de observação e experimentação, cada vez mais leis e teorias de maior generalidade e escopo são construídas por raciocínio indutivo cuidadoso.

Nota-se a visão de Ciência que, por si, resolveria todos os problemas. Constata-se a preocupação em firmar um conceito de Ciência como “dona da verdade, inquestionável e infalível”.

Com a Ciência temos as pesquisas que nos ajudam a nos dar as soluções nos dias de hoje (Aluno 4).

A pesquisa traz para os laboratórios descobertas (Aluno 9).

A Ciência é muito útil nas nossas vidas (Aluno 14).

O sentido dessas proposições remete “à ideia de que a Ciência tem como papel primordial o bem-estar da sociedade, por meio das descobertas que os cientistas fazem no decorrer de suas pesquisas (Colagrande; Arroio, 2018, p. 31). É pertinente considerar que a Ciência e seus estudos interferem na sociedade, porém não se deve ignorar o seu papel na explicação de fenômenos que ocorrem na humanidade (Colagrande; Arroio, 2018). Constata-se também que a palavra “pesquisa” vem associada à palavra “descoberta”, o que já foi constatado em outros estudos semelhantes (Sobrinho, 2010; Colagrande; Arroio, 2018; Menezes; Figueiredo, 2020), fato que corrobora a ideia de que essa visão está intimamente relacionada às representações que foram construídas pelos indivíduos, tanto no âmbito escolar como fora dele, não importando o lugar ou a época, as representações se repetem, ou seja, foram legitimadas. Bourdieu ajuda a entender como esse fenômeno ocorre:

Um dos mais seguros testemunhos de reconhecimento de legitimidade reside na propensão dos mais desprovidos em dissimular sua ignorância ou indiferença e em prestar homenagem à legitimidade cultural – cujo depositário em seu entender é o pesquisador – ao escolher no patrimônio deles o que parece ser mais ajustado à definição legítima (Bourdieu, 2007, p. 298).

No dizer de Freire (1996, p. 29), “pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade”.

Nos fragmentos a seguir, observa-se o termo ‘Ciências’ com status de disciplina escolar, pois essa é a percepção que se tem dela, trazendo, ainda que sutilmente, a necessidade de traçar um método para aprendê-la. Verifica-se também que o termo “estudo” aparece atrelado à Ciência, reforçando o caráter de disciplina que figura nos currículos escolares. Conforme Freire explica (1996, p. 123-124), “uma das tarefas essenciais da escola, como centro de produção sistemática de conhecimento, é trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade”. No entanto, cabe ao educando se assumir como sujeito da produção de sua inteligência do mundo. Constata-se, assim, que o conhecimento científico construído pelos discentes pode ser o resultado das concepções difundidas pelos professores (Freire, 1996).

Estudo de Ciências e análises (Aluno 7).

Uma pessoa começou a estudar Ciências e teve que fazer algumas anotações (Aluno 10).

Eu estudo Ciências e ela tem todo um trajeto para aprendê-la (Aluno 11).

O estudo da Ciência é feito pelos cientistas (Aluno 12).

Sem a pesquisa não há estudo. O estudo é muito importante para nós (Aluno 13).

Nas afirmações, nota-se a importância dada ao ato de pesquisar como requisito para se constituir o conhecimento, o que se justifica por ser a pesquisa o objeto de estudo da disciplina que perpassa o Curso Normal em suas três séries. Já o termo ‘estudo’, se reporta como reprodução das práticas da Educação Básica e o termo ‘pesquisa’, se impõe por sua legitimidade circulante (Sobrinho, 2010).

O conhecimento é constituído pelo estudo e pesquisa do mundo (Aluno 3).

Para uma solução, você precisa de buscas, mas para realizá-las você precisa pesquisar (Aluno 1).

Nas proposições dos alunos, percebe-se a representação de Ciência que lhes constitui. Ainda se tem uma visão de Ciência moderna, construída contra o senso comum, considerado como superficial, ilusório e falso. Ainda não foi percebida a dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada por meio do diálogo com o conhecimento científico (Santos, 2008).

É importante ressaltar que não existe uma visão única sobre o que é Ciência, mas uma diversidade epistemológica, possibilitada a partir de várias formas de entendimento do assunto.

A natureza teórica do conhecimento científico decorre dos pressupostos epistemológicos e das regras metodológicas já referidas. É um conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas, com vista a prever o comportamento futuro dos fenómenos (Santos, 2008, p. 29).

Considerações finais

Foi possível verificar, com base na análise dos dados dos discentes do 2° e 3° anos do Curso Normal, que as representações sociais, evocadas acerca de método científico, apontam para uma perspectiva que remete à cientificidade, dada a quantidade de vezes que a palavra “Ciência” foi evocada, entendendo representações sociais como formas de conhecimento construído no coletivo, “socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (Jodelet, 2001).

Analisar as representações sociais dos discentes acerca do método científico e conhecer suas concepções nos apontam caminhos para dar continuidade ao seu processo de reflexão e formação. Destaca-se a necessidade de se repensar o papel da Ciência de modo a destituí-la de sua herança positivista, no que diz respeito a valorização do domínio de técnicas e procedimentos esvaziados de sentido, sendo necessária a desmistificação do seu papel de infalibilidade, primando por sua inserção no mundo social.

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Publicado em 09 de maio de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

FITARONI, Márcia de Oliveira Lima; ALMEIDA, Marcelo Nocelle. Representações sociais de método científico e as implicações do ato de pesquisar na formação inicial de professores. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 17, 9 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/17/representacoes-sociais-de-metodo-cientifico-e-as-implicacoes-do-ato-de-pesquisar-na-formacao-inicial-de-professores

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