O universo virtual como conteúdo de trabalho em sala de aula: relatos de experiência

Sergio Vale da Paixão

Doutor em Psicologia (Unesp), mestre em Estudos da Linguagem (UEL), professor do IFPR de Jacarezinho

Nos últimos tempos, o discurso de que a escola precisa se apropriar de tecnologias que venham ao encontro das novas demandas trazidas pelos estudantes é consenso nas reuniões pedagógicas e nos encontros de educadores. Também, o aumento da quantidade de produções acadêmicas voltadas à temática segue essa mesma orientação (Coscarelli, 2007; 2016; Demo, 2007; Lévy, 1997; Prensky, 2001). No entanto, um discurso mais aprofundado sobre o que de fato significa trabalhar com tecnologias em sala de aula ainda carece de aprofundamento, principalmente após um período de mais de 2 anos de isolamento social, entre estudantes, escolas e docentes, devido à pandemia da covid-19.

Apontamos para essa emergência, a partir do recorte histórico dos últimos anos, pois a aproximação de educadores e estudantes aos artefatos tecnológicos para fins de ensino foi significativo nesse tempo e mostrou à comunidade escolar algo que merece ser destacado, ou seja, não somente os meios de comunicação, a informação e o entretenimento devem fazer parte do dia a dia da escola, mas, em extensão, a forma como temos nos posicionado e utilizado os referidos meios, observando-se as suas consequências para a vida social para além do ambiente escolar.

Com a implantação da Base Nacional Comum Curricular, a BNCC (Brasil, 2017), período que antecede o início da pandemia no mundo, somos convidados a promover a Educação Integral das crianças da Educação Infantil ao Ensino Médio. O documento traz, em suas páginas iniciais, uma proposta de pensarmos a cognição e a afetividade aparelhadas nas propostas de ensino no intuito de vivenciar o currículo escolar com suas emergências e novidades.

A BNCC afirma, de maneira explícita, o seu compromisso com a educação integral. Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva (Brasil, 2017, p. 14).

Assim, preocupados com a dimensão afetiva no processo de aprendizagem dos sujeitos na escola, focamos no fato de que é necessário um olhar acentuado aos espaços de aprendizagem e às múltiplas linguagens presentes nesses espaços, utilizados para fins diversos e que podem fazer parte dos currículos escolares como conteúdos que contribuem para um melhor posicionamento social, virtual ou presencial, além do desenvolvimento da criticidade em relação a tudo o que se compartilha, posta ou publica nas redes sociais.

Falamos de afeto no sentido de afetação, na compreensão de que todos os espaços visitados nos convívios sociais, em rede, promovem espaços que afetam a participação do sujeito no mundo e, por isso, deve ser considerado como conteúdo escolar, como proposta curricular (Paixão, 2017). Entendemos que a partir deles, dos afetos, emergem os sentimentos tão importantes e caros ao processo de aprendizagem escolar, reforçando a ideia de que é preciso inserir o conhecimento nos projetos de ensino e nos planos de trabalho em todos os níveis (Moreno; Sastre, 1999).

Consideramos, portanto, que as linguagens, no sentido plural da palavra, devem ser priorizadas como importantes e atuais nas escolas principalmente no pós-pandemia, cujas consequências foram acentuadas para as aprendizagens (defasagem, evasão, inabilidades, esquecimento de conteúdo etc.). Em extensão, defendemos a ideia de que também é importante a presença de artefatos, como as telas de computadores e celulares, máquinas potentes e capazes de aproximar os estudantes dos conteúdos encontrados na web, bem como de facilitar a sua comunicação, a fim de inseri-los em uma cultura virtual letrada. Junto a isso, entendemos a necessidade de ações significativas capazes de contribuir para um repensar das práticas e das posturas que ocorrem nesse universo virtual.

Nesse sentido, procuramos apresentar neste artigo parte de nosso trabalho no IFPR - Câmpus de Jacarezinho, que há algum tempo realiza atividades nessa direção em nossas unidades curriculares (termo como chamamos “disciplina” ou “matéria”, a partir da nova configuração curricular que ocorre no IFPR de Jacarezinho), com o intuito de pensar os espaços virtuais utilizados pelos estudantes e suas inúmeras linguagens como conteúdos de trabalho no cotidiano da escola.

Para além da sala de aula, com a unidade curricular, também apresentamos nosso projeto de extensão, REALidade Virtual, cujo objetivo é sair do espaço de nossa instituição, levando a discussão sobre o universo virtual, as suas realidades e consequências, para outras escolas de Ensino Médio a fim de mobilizar debates sobre a temática.

As tecnologias do Ensino Fundamental ao Ensino Médio: pensar a formação de professores

Os estudantes da contemporaneidade são considerados nativos digitais (Prensky, 2018), pois nasceram em uma era de grandes avanços tecnológicos. Seus hábitos são diferentes dos da juventude dos anos 60 e 70. Enquanto essas gerações precisavam ir à biblioteca para pesquisar determinados livros e realizar minuciosas pesquisas, o jovem do século XXI se utiliza de mecanismos rápidos, presentes na palma da sua mão, usando de seu aparelho celular para buscas sobre variados fins. Essa nova configuração de jovens vale-se da internet como ferramenta para alcançar resultados que o auxiliam nas tarefas dadas por seu professor, seja por meio de vídeos, documentos em PDF, artigos, plataformas etc.

Sobre essa questão, Prensky (2001) esclarece que os jovens que cresceram com essa nova tecnologia

passaram a vida inteira cercados e usando computadores, videogames, tocadores de música digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. [...] Os jogos de computadores, e-mail, a internet, os telefones celulares e as mensagens instantâneas são partes integrais de suas vidas.

O Ensino Fundamental e o Médio recebem os estudantes em fases de grandes transformações. Mudanças de escola e alterações em seus modos de lidar com atividades escolares são algumas delas. Essas alterações transformam suas posturas na escola. À medida que expandem suas experiências sociais, educacionais e familiares, amadurecem espontaneamente e isso se dá pela forma como a escola, uma das agências de letramento, propõe suas atividades e ações.

Encerrado o ciclo da Educação Infantil, inicia-se uma nova fase em que o currículo escolar, com seus inúmeros conteúdos, começa a fazer parte do seu dia a dia. Assim, iniciam-se as estratégias de ensino, a partir de metodologias que colaboram para que tais conteúdos possam ser aprendidos com sucesso.

Os laços afetivos e o modo como são afetados pelas interações que ocorrem na escola colaboram de forma significativa para o desenvolvimento cognitivo e afetivo desses sujeitos, agora inseridos em um novo contexto de aprendizagens. De acordo com Mahoney e Almeida (2007, p. 15), no que se refere ao papel da educação na dimensão afetiva, “o afetivo é o investimento que, nesse aspecto, favorece as relações interpessoais e, portanto, o acesso ao conhecimento”.

A escola é, portanto, em seu papel transformador, uma agência de letramento em potência para o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos sujeitos. As mudanças físicas nos estudantes são bastante notáveis na fase escolar do Ensino Fundamental e Médio e parecem emergir da alteração dos seus interesses, pois há uma necessidade de provar-se, o que implica na maneira como interagem com o outro e com o “eu”. Nesse momento, eles buscam realizar suas atividades individuais com autonomia.

Nessa direção, é importante que os pais e os professores, em seu papel educativo, deem a eles oportunidades de se tornarem independentes, pois já não precisam de alguém que esteja o tempo todo vigiando, punindo suas ações, causando-lhes irritação e sentimento de negação. Ao contrário, precisam de orientações adequadas para aprender a ser e a estar no mundo em que vivem. As preocupações não devem se esvair, porém devem mudar de formato, já que enquanto a criança necessita de auxílio para quase tudo, desde pegar um objeto no alto do armário até cuidados com a higiene pessoal, o adolescente necessita de confiança para a construção de sua personalidade e promoção da sua subjetividade, o que mais uma vez aponta para a necessidade de se considerar o papel das relações afetivas no ensino-aprendizagem.

Os estudantes dessa fase inserem-se em uma faixa etária que corresponde à transição entre infância e adolescência, marcada por intensas mudanças decorrentes de transformações biológicas, psicológicas, sociais e emocionais. Nesse período de vida, como bem aponta o Parecer CNE/CEB nº 11/2010, ampliam-se os vínculos sociais e os laços afetivos, as possibilidades intelectuais e a capacidade de raciocínios mais abstratos. Os estudantes tornam-se mais capazes de ver e avaliar os fatos pelo ponto de vista do outro, exercendo a capacidade de descentração, “importante na construção da autonomia e na aquisição de valores morais e éticos” (Brasil, 2010. p. 56).

Os professores e a escola são orientadores dos estudantes e se na Educação Infantil o educador deve atentar para que as crianças não coloquem os materiais na boca e não os joguem nos “coleguinhas”, citando apenas um dos exemplos comuns nessa faixa etária, na etapa do Ensino Fundamental, ele deve se preocupar em integrá-los aos grupos sociais, a fim de que se tornem sensíveis às questões humanas. O educador deve ensinar os conteúdos de modo a preparar os estudantes ao exercício da cidadania. Todavia, como mencionado anteriormente, esses estudantes anseiam pela autonomia e a aposta deverá ser em atividades que os incentivem às tecnologias como ferramentas para esse fim, pois elas os auxiliam no processo de ensino-aprendizagem, promovendo um maior interesse nas atividades escolares.

Educação Integral: um caminho produtivo

Nos últimos tempos se tem falado muito sobre a implantação de uma educação “em tempo integral” nas escolas brasileiras (Brasil, 2017). A expressão Educação Integral, em seu conceito básico, não é o mesmo que escola em tempo integral, ou seja, são conceitos diferentes que exigem demandas e iniciativas diferentes, tanto da comunidade escolar como dos demais envolvidos na proposta escolar. A escola em tempo integral é, portanto, uma iniciativa que pode promover a Educação Integral, por conta das inúmeras situações possíveis dentro desse contexto, mas que exige investimentos financeiros e humanos para a sua concretização, uma escola que se preocupa com as disciplinas dispostas no currículo escolar da mesma forma que se preocupa com a formação emocional dos estudantes, promovendo estratégias de trabalho que procuram dar conta de uma formação para além das ciências desvinculadas do mundo real dos sujeitos que aprendem.

É inegável que a escola, como espaço físico, tem se modernizado constantemente, ainda que a passos lentos. Computadores, lousas digitais, laboratórios e salas de vídeo, contribuem para um trabalho diversificado e atraente para os estudantes em linguagens (Demo, 2007), já fazendo parte da organização estrutural das escolas deste século. Porém, o contexto das tecnologias na educação não se restringe apenas à posse e aos usos regulares de material tecnológico. É preciso ter criatividade para introduzi-las na sala de aula de forma que motive os estudantes, fazendo-os ser curiosos para a construção do conhecimento.

É fundamental que as escolas se adequem a essa realidade tecnológica dos estudantes, buscando não somente ferramentas, mas cursos de formação que capacitem os professores não familiarizados com essa modernidade. Sobre o assunto, Paixão (2019, p. 45) afirma que “o reconhecimento de que os estudantes de hoje leem e produzem seus textos dos mais variados gêneros e em diferentes suportes é, senão, o primeiro passo que a escola deve dar para uma necessária e urgente reorganização curricular, estrutural e de práticas educativas”.

Palfrey e Gasser (2011) definem que as pessoas que nasceram antes do advento digital, mas que adotaram o seu uso, são imigrantes digitais, ou seja, estrangeiras no uso das tecnologias. De fato, não é algo natural como parece aos olhos dos nativos digitais e, como todo bom estrangeiro, essas pessoas podem se adaptar e aderir com fluência a essa cultura de modernização. É o que ocorre com alguns professores. Muitos desses profissionais vieram de uma época de pouco acesso à informação digital, por isso habituaram-se a pesquisar exclusivamente nos livros e a realizar cópias à mão. Esse grupo de profissionais da escola, não de forma geral, têm em mente as aulas expositivas que seus professores realizavam como mediadores, sem utilizar tecnologias inovadoras, tendo o livro, o quadro-negro e o giz como as únicas ferramentas tecnológicas que os amparavam.

Os professores mais convencionais, vindos de outras gerações, enfrentam muitas dificuldades em trabalhar com as tecnologias, alguns sequer aprenderam a instalar o projetor e outros ficam acanhados em trazê-las para a sala de aula. Temem ser ridicularizados pelos estudantes, já que eles possuem um conhecimento pouco proficiente tratando-se do uso das tecnologias. Eis, portanto, a necessidade de um maior espaço para a discussão sobre as tecnologias nas capacitações de professores, em momentos específicos ao longo do ano, quando os educadores discutem as ideias e o planejamento anual.

Algumas escolas, por motivos particulares, ainda não aderiram integralmente ao uso das tecnologias como ferramentas de ensino. É comum que haja um laboratório de informática com acesso à rede por meio do Wi-Fi, mas, em alguns casos, quem faz uso dessas tecnologias é geralmente o professor. Os estudantes não possuem a senha que lhes dá acesso à internet e, raramente, vão até o laboratório de informática para realizar pesquisas para atividades sugeridas. Há profissionais que equivocadamente ainda acreditam que o uso das tecnologias pode desconcentrar o estudante e isso implica no regimento normativo da escola, que proíbe o uso de aparelhos eletrônicos.

De acordo com Paixão (2019, p. 88),

não permitir o uso das tecnologias no ambiente da escola e da sala de aula é, senão, negar a própria cultura dos estudantes, é não reconhecer os espaços de comunicação e interação, bem como os recursos de pesquisa tão importantes e caros à escola e à formação dos estudantes. A proibição do uso dos aparelhos celulares, nos dias de hoje, impossibilita, sobremaneira, que as realidades em que vivem os estudantes possam se aproximar dos conteúdos curriculares ensinados no dia a dia da escola.

Do educador, no contexto das tecnologias, espera-se um posicionamento criativo e provocador a partir das curiosidades dos estudantes, aproximando-se de tecnologias e metodologias que inovem as práticas de ensino. Do estudante, espera-se o papel curioso da descoberta em meio às inúmeras possibilidades que as tecnologias oferecem.

As plataformas digitais e a variedade de aplicativos educativos são muito importantes para o processo de ensino-aprendizagem, como novos meios de ensinar e de aprender. Essas novas formas envolvem estudantes e professores, aproximam ainda mais o ensinar e o aprender que, de uma forma prazerosa e moderna, ressignifica as práticas escolares, dando leveza ao ambiente das aulas e despertando o conhecimento dos estudantes para suas aprendizagens. “Cabe, então, a nós professores, sobretudo das classes populares, criarmos formas de incluir nossos estudantes nessa viagem, e para isso, devemos dar a eles os equipamentos necessários para serem bem-sucedidos nesta empreitada” (Coscarelli, 2007, p. 29).

Diante do exposto, cabe às instituições de ensino, seus dirigentes e educadores, estabelecer parâmetros que dialoguem com os profissionais da comunidade escolar sobre a utilização das tecnologias no cotidiano da escola, promovendo ambientes de construção do conhecimento em que o universo digital e seus artefatos estejam presentes. Negociar as regras quanto ao uso de aparelhos eletrônicos é um bom começo, pois a escola deve estar atrelada à vida social dos estudantes, acostumados a essa realidade. Além do mais, políticas de formação continuada, que colaborem para um repensar constante de práticas pedagógicas mediadas pelas tecnologias, são emergenciais à atualidade, pois acreditamos que as tecnologias não existem unicamente para descontrair e entreter, mas para ensinar.

O contexto escolar deve levá-las em consideração como um novo material de trabalho, como uma ferramenta que auxiliará indubitavelmente na construção de um novo currículo escolar, tornando a aula mais convidativa aos jovens dessa nova geração (Bauman, 2013), com aprendizados significativos.

A unidade curricular

A fim de problematizar os conteúdos que estejam no contexto da informação e da comunicação virtual, há alguns anos criamos possibilidades de trabalhos e atividades que dialogam com os estudantes sobre o letramento digital. Diante disso, no início do ano de 2017, nascia o desejo de iniciar um trabalho com os estudantes do Ensino Médio do Câmpus Jacarezinho do Instituto Federal do Paraná, na cidade de Jacarezinho/PR, onde lecionamos a disciplina de Língua Portuguesa na Área de Códigos e Linguagens.

Na intenção de aproximar os conhecimentos sobre a produção escrita e a prática de leitura dos estudantes, bem como fazê-los familiarizados com as condições de produção dos textos na esfera da internet, iniciamos a organização de uma unidade curricular (U.C) que pudesse dialogar com os estudantes sobre essa temática, atividades e propostas de reflexão que contribuíssem para melhorar a comunicação, os cuidados com suas exposições e suas produções em redes sociais.

Ao verificar a quantidade de produções dos mais variados gêneros e compartilhamentos de conteúdos no ambiente virtual das redes, bem como a frequência e a utilização desses recursos para a comunicação e a interação entre os estudantes da instituição, achamos importante abordar em nossas aulas de Língua Portuguesa, leituras e produções de textos que pudessem problematizar as suas próprias ações. A primeira percepção que tivemos foi a de que muito do que era produzido por eles, de modo autoral, ou mesmo compartilhando textos de outros autores, ia na contramão de uma educação voltada aos valores éticos e cidadãos, conforme previsto em nosso plano de trabalho institucional.

Além da pouca prática de produção de textos escritos e da não habilidade de leitura dos discentes, percebemos o quanto eles não se davam conta da importância dos conteúdos que produziam nessa esfera de comunicação. Muitos não têm consciência das consequências do que produzem no que diz respeito a sua inserção em espaços presenciais ou mesmo no mercado de trabalho.

Diante de tal percepção, durante o primeiro semestre de 2017, iniciamos uma U.C, Curtir e Compartilhar Ideias para Além das Redes Sociais, abordando a temática das produções escritas e das leituras nas redes sociais da internet. Consideramos de extrema importância iniciar um trabalho que pudesse partir deles, da necessidade em melhor lidar com essa esfera tecnológica para podermos, juntos aos conteúdos curriculares previstos nas aulas de Língua Portuguesa, realizar algumas atividades.

O principal objetivo do trabalho foi o de aproximar as discussões sobre leitura e produção de textos, desenvolvendo práticas significativas ensinadas na escola, aos conteúdos produzidos pelos estudantes nos contextos virtuais de comunicação. A expectativa com esse aprendizado foi a de que os discentes pudessem entender as especificidades dos gêneros textuais, considerando os contextos de produção, diferentes estilos, composições temáticas, etc. (Coscarelli; Ribeiro, 2007). Além disso, discutimos a respeito dos aspectos de ordem afetiva, presentes na produção e nos compartilhamentos de conteúdos em redes sociais, ou seja, as manifestações de sentimentos produzidas por eles em seus “posts” e compartilhamentos de conteúdo (Paixão, 2016).

Sendo assim, não apenas a leitura e a produção dos textos escritos foram os focos do trabalho realizado na Unidade Curricular, mas, sobretudo, a problematização do perfil dos autores e interlocutores da produção e da recepção dos textos, físicos ou virtuais. A participação dos estudantes nas atividades propostas foi ativa, contudo alguns necessitaram de um apoio maior. Para atender à demanda foram realizados encontros de “atendimentos” no período contrário ao que o estudante estava matriculado.

Figura 1: Atividade dos estudantes de produção de conteúdo (mundo virtual)

Figura 2: Atividade dos estudantes na produção de conteúdo (mundo virtual)

A avaliação da aprendizagem ocorreu ao longo do processo, enquanto os estudantes estavam envolvidos com as atividades propostas nos encontros e nas atividades encaminhadas. A partir dos primeiros diálogos e aproximações com os grupos de estudantes, tivemos a percepção da situação inicial dos conhecimentos dos alunos sobre o tema. Como dissemos, os estudantes sabiam sobre o assunto que iríamos tratar.

O projeto de extensão REALidade Virtual

O projeto de extensão REALidade Virtual, desenvolvido sob nossa coordenação no Câmpus do Jacarezinho, é uma proposta na qual procuramos dialogar com estudantes da própria instituição e das escolas estaduais de Ensino Médio, a respeito da temática da vida real e virtual, além dos problemas relacionados às produções nas redes sociais. Um projeto cujo objetivo é promover reflexões sobre a sociedade em que vivemos, a fim de que os jovens se reconheçam como potenciais construtores de sua própria história, rejeitando estímulos externos, em especial os encontrados na internet, que têm se ocupado em dizer o que é belo, como as coisas devem ser, quais são os padrões sociais aceitáveis, sem conhecer a história individual dos sujeitos.

Em extensão, temos como objetivos paralelos ao projeto dialogar acerca das inúmeras possibilidades de percepção do mundo e de suas possibilidades em busca de olhares mais contemplativos sobre os fatos expostos via redes sociais, avaliando o sim e o não com consciência para o controle de nossos impulsos. De acordo com Han (2015, p. 52), “essa vida não é um abrir-se passivo que diz sim a tudo que advém e acontece. Ao contrário, ela oferece resistência aos estímulos opressivos intrusivos”.

Nosso interesse é atingir o maior número de jovens estudantes do Ensino Médio, ajudando-os a serem mais críticos em relação às suas opções de produção escrita e permanência excessiva diante das telas de computadores e celulares. De acordo com pesquisas ligadas à saúde, a tela tem produzido um maior número de doenças, “tais como depressão, burnout, déficit de atenção ou síndrome da hiperatividade, ao contrário, não se vê a influência do processo de repressão e do processo de negação. Remetem, antes, a um excesso de positividade, portanto, não estão referidas à negação, mas antes à incapacidade de dizer não, não ao não ter direito, mas ao poder-tudo (Han, 2015, p. 88).

Nossa opção em escolher estudantes do Médio se justifica por ser esse o público-alvo de nossas atividades docentes no IFPR do Jacarezinho e, também, por entender que é a idade mais presente nas redes sociais, considerados nativos digitais (Prensky, 2001). Jovens estudantes imersos em contextos tecnológicos que os convidam a produzir cada vez mais para serem aceitos em diferentes grupos sociais (Bauman, 2013), se submetem a condições de esgotamento mental e físico para dar conta de convites e possibilidades existentes no universo virtual.

O sujeito do desempenho, esgotado, depressivo está, de certo modo, desgastado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando a auto erosão e ao esvaziamento. Desgasta-se correndo numa roda de hamster que gira cada vez mais rápida ao redor de si mesma. Também os novos meios de comunicação e técnicas de comunicação estão destruindo cada vez mais a relação com o outro. O mundo digital é pobre em alteridade e em sua resistência” (Han, 2017, p. 91).

O trabalho realizado com o projeto de extensão REALidade Virtual, aliado a projetos de pesquisa, realiza levantamento de leituras e pesquisas práticas sobre o que acontece nos meios virtuais, sobretudo nas redes sociais usadas pelos estudantes. Os estudos sobre o meio virtual, mas também sobre o real, fazem parte do dia a dia do currículo escolar nas unidades curriculares, assim como encontros de formação e estudos com os bolsistas e os voluntários envolvidos.

Na sequência, fazendo jus ao termo “extensão”, visitamos escolas públicas e privadas que oferecem Ensino Médio em forma de palestras, oficinas, rodas de conversa ou outro gênero que se encaixe nos dias e horários disponibilizados pelas escolas acolhedoras, para socializar com os jovens estudantes. Coordenação e estudantes envolvidos, bolsistas ou voluntários, fazem contato com escolas para apresentar à equipe gestora o projeto no intuito de agendar o momento da ação de extensão com os estudantes. Além disso, são acolhidas escolas que nos procuram devido ao interesse na ação.

Figura 3: Palestra na Escola Estadual Quatiguá/PR

Figura 4: Palestra na Escola Estadual Joaquim Távora/PR

O projeto teve início no ano de 2021 ainda na pandemia da covid-19 e tivemos a oportunidade de realizar algumas intervenções externas nas escolas na cidade de Quatiguá/PR e Joaquim Távora/PR. Procuramos as escolas para oferecer o trabalho e fomos muito bem acolhidos. Tivemos aproximadamente 500 estudantes do Ensino Médio envolvidos na proposta. No ano de 2022, iniciamos os agendamentos nas escolas que nos procuraram e tivemos a oportunidade de realizar uma intervenção interna nas dependências do IFPR de Jacarezinho, por meio de uma palestra que aconteceu na IV Semana de Educação Física. Então, tratamos do assunto central do projeto de extensão, quando dialogamos com grande parte dos estudantes do Ensino Médio.

Figura 5: Palestra no IFPR - Câmpus Jacarezinho

Considerações finais

A partir dos dois relatos, a respeito da oferta da unidade curricular Curtir e Compartilhar Ideias para Além das Redes Sociais ou do projeto de extensão REALidade Virtual, procuramos apresentar um pouco do que temos pensado e feito a respeito do ensino das tecnologias na escola, para além dos usos de instrumentos de trabalho, tais como celulares, tablets e computadores, o que naturalmente já acontece nas escolas regulares.

Motivados pelas teorias que fundamentam a Educação Integral, acreditamos que tanto o papel das tecnologias como as posturas dos sujeitos diante das telas, são fundamentais para a promoção de uma educação que atenda à atual demanda do ensino brasileiro, marcada por novos interesses.

Além disso, narrativas em forma de relatos de experiências, tais como as que procuramos apresentar neste artigo, podem promover um repensar sobre as práticas escolares inovadoras, comprometidas com o currículo escolar e com a felicidade dos sujeitos que aprendem. Dessa forma, acreditamos ser urgente o uso de estratégias inovadoras e criativas que atendam a essa nova configuração de estudante que temos recebidos nas salas de aula no intuito de ressignificar o papel da escola, facilitando as aprendizagens a partir dos espaços de interação e de comunicação encontrados nas tecnologias atuais.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 8 maio 2017.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

COSCARELLI, Carla Viana. Alfabetização e letramento digital. In: COSCARELLI, Carla Viana; RIBEIRO, Ana Elisa (org.). Letramento Digital – aspectos sociais e possibilidades pedagógicas. 2ª ed. Belo Horizonte: Ceale/Autêntica, 2007.

DEMO, Pedro. O porvir: desafios das linguagens do século XXI. Curitiba:  Ibpex, 2007.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Vozes, 2015.

MORENO, Montserrat; SASTRE, Genoveva; LEAL, Aurora et al. Falemos de sentimentos: a afetividade como tema transversal. São Paulo: Moderna, 1999.

PAIXÃO, Sergio Vale da. Sentimentos na rede e educação: um estudo sobre a produção de jovens nas redes sociais. Curitiba: CRV, 2017.

PAIXÃO, Sergio Vale da. De professor para professor: conversas de sala de aula. Londrina: Madrepérola, 2019.

PALFREY, J.; GASSER, U. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração dos nativos digitais. Trad. M. F. Lopes. Porto Alegre: Artmed, 2011 (2008).

PRENSKY, Marc. Digital natives, digital immigrants. Disponível em: https://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf. Acesso em: 10 maio 2018.

SASTRE, Genoveva; MORENO; Montserrat. O significado afetivo e cognitivo das ações. In: ARANTES, Valéria Amorin. Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 2003.

Publicado em 16 de maio de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

PAIXÃO, Sergio Vale da. O universo virtual como conteúdo de trabalho em sala de aula: relatos de experiência. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 18, 16 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/15/o-universo-virtual-como-conteudo-de-trabalho-em-sala-de-aula-relatos-de-experiencia

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