Reflexões acerca da Educação Infantil em relação ao momento da covid-19
Gabriele de Souza Schumacher Gerber
Licenciada em Pedagogia (Uniplac)
Gabrielle Lessa Tristão
Licenciada em Pedagogia (Uniplac)
Jaqueline Varela de Oliveira
Licenciada em Pedagogia (Uniplac)
Matheus Müller Lourenço
Licenciado em Pedagogia (Uniplac)
O trabalho busca aprofundar-se nas reflexões acerca da Educação Infantil em relação ao momento da covid-19. A partir disso, fica a indagação de como ocorreu o processo de ensino-aprendizagem nesse contexto em um centro de Educação Infantil, no município de Lages/SC. A pesquisa tem como fundamento analisar e efetuar reflexões de como a pandemia instaurada em âmbito mundial modificou a rotina de professores, gestores, crianças e famílias. Com o intuito de identificar quais ações foram realizadas, verificar como foram ocorrendo os encaminhamentos e devolutivas de atividades, analisar como se desenvolveu a comunicação da gestão com a família e com os próprios professores, identificar aspectos essenciais da comunidade em que o Centro de Educação Infantil está localizado.
A pesquisa foi realizada de forma exploratória e descritiva, utilizando um CEIM (Centro de Educação Infantil Municipal) em região periférica possuindo todos os níveis da Educação Infantil. Participaram da pesquisa: uma auxiliar de gestão e uma professora de pré-escolar. A coleta de dados foi efetuada por meio de entrevistas semiestruturadas com perguntas abertas, realizadas com ambas as profissionais. Trata-se de uma pesquisa de campo com natureza qualitativa. Estão presentes como base no desenvolvimento da pesquisa autores como Paulo Freire (2017) e José Carlos Libâneo (2003), entre outros referenciais que abordam os aspectos propostos pela pesquisa.
Aspectos significativos sobre o desenvolvimento integral de bebês e crianças
Na Educação Infantil, percebe-se a dificuldade de muitos profissionais da Educação em estabelecer conceitos em relação ao desenvolvimento integral de cada criança. É de fundamental importância que, na construção cognitiva de gestores e educadores de centros de Educação Infantil, aconteça a percepção de aspectos essenciais na trajetória do bebê ou da criança.
A criança se desenvolve integralmente conciliando vários aspectos físicos e psicológicos. Tanto que, no currículo das instituições de Educação Infantil, devem constar “práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos [...], de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” (Brasil, 2010, p. 12).
O fator mais perceptível no ambiente escolar é o de cognição (aquisição de conhecimentos) da criança, pois o educador consegue perceber quando ela não consegue realizar atividades, quando apresenta dificuldades na compreensão dos saberes mediados no ambiente pedagógico e não consegue acompanhar o processo de aquisição de tais conhecimentos planejados pelo(a) professor(a). A partir disso, torna-se necessária a elaboração de novas metodologias, outras formas de mediar os saberes.
Seu desenvolvimento motor também é um aspecto importante e bem perceptível na Educação Infantil, pois as crianças vão passando por estágios de desenvolvimento físico, cada um de sua forma, em seu tempo.
A bagagem cultural que a criança carrega em sua trajetória auxilia em seu desenvolvimento como um todo, pois cada sujeito possui experiências diferentes em relação a cada um, e as interações existentes no ambiente escolar, principalmente na primeira infância, ampliam nas crianças vários saberes oriundos de várias culturas.
No aspecto social e comportamental, cada criança vai aprendendo conforme as práticas cotidianas e interações realizadas com os profissionais da Educação, com as demais crianças e no contexto familiar. A realidade que a criança vive fora do ambiente escolar é levada ingenuamente quando estiver no ambiente pedagógico.
Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p. 23),
educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural.
Ou seja, as crianças vão conciliando sua trajetória e suas aprendizagens com as das demais crianças, compreendendo sua realidade e conhecendo o mundo a seu redor. Cabe ao(à) educador(a) ir registrando cada aspecto de desenvolvimento dos bebês e crianças e procurar constantemente estimular esse processo, com o cuidado de perceber os limites e a capacidade de cada criança. Porém, no contexto atual da sociedade, que vive os reflexos de uma pandemia até então inimaginável (covid-19), permanecem interrogações sobre como estão sendo desenvolvidas as ações pedagógicas nos espaços de Educação Infantil, que são debatidas nesta pesquisa.
Conhecendo a comunidade referente ao CEIM da pesquisa
O CEIM utilizado como campo de pesquisa se localiza em uma região periférica do município de Lages/SC e possui grande abrangência de moradores, que foram ocupando terras próximas à estação de trem com moradias simples, em sua predominância de madeira, famílias com grande número de componentes.
A região se expandiu principalmente devido às serrarias e à própria estação ferroviária, que ofereceram grandes demandas de emprego; como as terras eram de vastos campos, propiciou-se aos trabalhadores a oportunidade de morar perto de seu serviço, construindo moradias e famílias ao redor.
O Centro de Educação Infantil Municipal localizado nesse bairro atende toda a comunidade da região ferroviária e algumas proximidades. O CEIM está localizado nas dependências de uma escola municipal de Educação Básica (EMEB), que atende aos anos iniciais do Ensino Fundamental. A escola e o CEIM compartilham representantes no comando administrativo e pedagógico.
Em entrevista com a vice-gestora da instituição, ela detalhou pontos significativos sobre como é a participação da comunidade nas ações pedagógicas do CEIM:
é uma comunidade... mais ou menos participativa... a maioria é bem participativa... os pais são... na Educação Infantil, eles são bem mais participativos do que no Fundamental, né... pelas crianças serem pequenas, depois, conforme vão crescendo, parece que os pais vão... mas na Educação Infantil eles são bem participativos: você chama e eles estão presentes, acho que até pela questão de serem pequenos.
Por se tratar de estar o Ensino Fundamental no mesmo espaço do CEIM, foi possível comparar a participação dos pais nos níveis da Educação Básica. Segundo o relato da vice-gestora, os pais são bem participativos quando solicitados e há boa interação e comunicação entre instituição escolar e famílias. Porém, no contexto em que as ações pedagógicas foram realizadas de forma remota, devido às precauções tomadas contra a disseminação da covid-19, essa comunicação com a comunidade precisou ser mais intensa e recorrente.
Ao ser indagada sobre os objetivos propostos à comunidade e principalmente aos bebês e crianças matriculados na instituição, considerando a realidade de vida contemporânea, a vice-gestora relata que
as professoras tão fazendo atividades com objetivo de que estimule ali a atividade dada com a família, né... que a família faça algumas atividades com eles, que seria desenvolvido no CEIM, mas daí foi adaptado pra ser desenvolvido com a família…
O objetivo proposto é por meio de atividades lúdicas sugeridas pelos professores que as crianças realizassem com auxílio dos pais. Porém, segundo ela própria relatou informalmente, são poucos pais que se dispõem à realização das atividades auxiliando as crianças, seja por falta de tempo, por conta de trabalho ou situações corriqueiras do cotidiano ou falta de estímulo e interesse dos pais, que veem a instituição escolar como única responsável pela construção da aprendizagem de seus filhos.
Ao comentar os aspectos de desenvolvimento das crianças do CEIM, ela entende que “eles não são tão desenvolvidos assim, acho que é um tipo meio a meio de [desenvolvimento integral]”. Percebe-se que a gestão encontra dificuldades ao acompanhar o cotidiano e os registros de desenvolvimento das crianças, mas que elas possuem variações significativas no que diz respeito ao desenvolvimento de uma criança perante a outra.
A pandemia do coronavírus e o contexto escolar da Educação Infantil
O coronavírus acometeu todo o mundo; não havia uma vacina disponível no Brasil até janeiro de 2021, quando os primeiros lotes foram disponibilizados em quatro grupos, seguindo a ordem de prioridades. O contágio aumentou gradativamente; somente a prevenção pode evitar contrair este vírus. Portanto, essa doença ocasionou uma pandemia, provocando uma batalha de todos os cidadãos que lutam para combater essa enfermidade. No Brasil foi confirmado o primeiro caso no dia 26 de fevereiro de 2020, e até janeiro de 2023 contam-se no país 36.794.261 casos confirmados, sendo 696.759 óbitos de acordo com o Portal de Coronavírus do Governo Federal.
Diante desses acontecimentos, os cidadãos sofreram mudanças de hábito; algumas delas são: isolamento social; distanciamento entre pessoas, que se exige manter sempre um metro de distância; evitar contatos físicos, como beijos, abraços e apertos de mão. As principais orientações, caso seja necessário sair de casa, foram e continuam sendo utilizar uma máscara que cubra a boca e o nariz, lavar as mãos frequentemente com água e sabão e, sempre que possível, utilizar álcool em gel 70%.
Nesse sentido, no cenário mundial, para o enfrentamento da pandemia adotou-se como medida não farmacológica o distanciamento e isolamento social, sendo estratégias de controle da disseminação da contaminação na população pelo distanciamento físico e redução da mobilidade (Linhares; Enumo, 2020).
Esse isolamento social impactou vários setores da sociedade, como educação, economia, saúde, entre outros; o próprio governo sofreu diversas alterações em seus ministérios durante esse período.
Quando se imaginava o mundo parar por consequência de um microrganismo que iria afetar a todos? Preocupante, mas foi possível reorganizar aos poucos as situações, tanto na vida pessoal como na estrutura capitalista existente no Brasil. Assim como toda calamidade traz diversas consequências, pode-se ponderar algumas delas. Numa sociedade capitalista, sabemos as divisões de classes que a perpassam; tem aqueles que ganham muito, bem estruturados, com boas condições de vida, e tem aqueles que ganham pouquíssimo ou até não possuem renda, todos tiveram sofrimentos nesse tempo de parada denominada quarentena. Alguns sofrem com a situação financeira que a pandemia acarretou, principalmente aquelas pessoas que vivem com pouco, que por vezes moram em periferia; os recursos públicos são sua única opção. Grande parte da população sofre com o aumento de estresse durante esse período, podendo ocasionar problemas psicológicos graves como ansiedade até mesmo depressão.
A indagação seria: onde esses trabalhadores deixariam seus filhos? Nesse contexto, as redes de educação foram suspensas, sendo readaptadas de algumas formas. Nesse período, as crianças ficaram com seus responsáveis, porém como alguns pais trabalham fora de casa, precisavam recorrer a alternativas para seus filhos não ficarem desassistidos, como comenta a entrevistada, vice-diretora do CEIM:
tem crianças que estão com os avós no sítio, porque a mãe trabalha e não tem quem deixar. porque ficava no CEIM a semana inteira… então estão no sítio… e o que eu sei é de duas ou três crianças que tão no sítio, né, porque os pais trabalham o dia todo, daí não têm com quem ficar… então é bem complicado…
A partir disso, fica evidente que novas rotinas foram estabelecidas pelas famílias. As crianças precisaram ficar sob cuidado de familiares e vizinhos, em casos em que os pais precisam trabalhar, e o envolvimento com os familiares com quem convivem aumentou, mudando toda uma rotina preestabelecida com as instituições de ensino em funcionamento.
As adaptações das instituições foram: entrar em contato com as crianças matriculadas, mas nem sempre têm sucesso nessa comunicação. Os CEIM ofereceram atividades impressas para as crianças, com devolutivas de algumas atividades por meio das redes sociais. A instituição, por meio da Secretaria de Educação, ofertou kits de alimentação equivalentes ao que seria a alimentação naquele mês no CEIM.
Os docentes tiveram que aprender uma nova forma de adaptar tanto as atividades como os planejamentos. Os pais têm dificuldades por não saber que por trás de todo conteúdo existe uma intencionalidade em sala de aula. Segundo o projeto Todos pela Educação traz em sua nota técnica Ensino a distância na Educação Básica frente à pandemia da covid-19,
no atual contexto de fechamento provisório de escolas, em que alunos estão sem aulas presenciais, há grande preocupação sobre uma possível paralisação completa do processo de ensino-aprendizagem e de redução dos estímulos que busquem o desenvolvimento cognitivo e socioemocional dos alunos (2020, p.6).
Diante disso, o momento de estimular a criança é necessário, mas por vezes os pais têm muito compromissos; em relatos na entrevista, a vice-diretora e até mesmo a professora comenta essa falta de paciência dos pais para acompanhar seus filhos nas atividades. Pôde ser visto também nesse tempo que alguns pais ainda veem a Educação Infantil como somente o cuidado.
Em relação aos principais obstáculos encontrados pelos profissionais do CEIM em que a pesquisa foi realizada, a professora comenta que
foi bem difícil pra gente no começo porque a gente teve que aprender uma nova forma de estar se aproximando mais das famílias, né, ainda mais da Educação Infantil, porque as minhas turmas são pré, então se a gente não tem uma avaliação por nota, a gente faz uma avaliação descritiva, aí os pais, no início, na primeira semana eu notei que eles vieram mais, eles queriam mais, mas agora eles chegam, já estão mais acomodados já estão mais tranquilos, ainda vêm aqueles bem participativos, né, que vêm buscar as atividades, mas ainda não atingimos nossa meta, e a gente tem bem mais trabalho, porque é uma nova forma de estar trabalhando, até o planejamento tem que ser totalmente diferente, pra gente estar buscando atingir mais as crianças, nesses momentos em que eles estão em casa, porque a criança até entende o que está acontecendo, mas pra eles está muito cômodo, né, porque eles gostam muito de vir pra escola, mas daí acaba que eles acham que já estão de férias, né.
Ou seja, encontram dificuldades para adaptar os conteúdos da Educação Infantil, para encontrar metodologias de ensino que alcancem as crianças mesmo estando longe, para elaborar seus planejamentos e atividades pedagógicas, além da avaliação do desenvolvimento dessas crianças.
Como a Educação Infantil é muito do lúdico no ambiente pedagógico, o(a) educador(a) precisou se reinventar para atender às demandas solicitadas em sua função. Mas a falha na comunicação com os pais ou até mesmo a ausência de pais do CEIM nesse momento são as falas mais presentes nos relatos das entrevistadas como maior dificuldade.
Percebe-se que os pais também encontraram dificuldade para estimular as crianças em casa, que elas não veem a casa como local de aprendizagem, que naturalmente imaginam o CEIM para tal processo, assim como a falta de tempo; pais relataram informalmente que, nas situações do seu cotidiano, não conseguem conciliar um tempo para se dedicar à aprendizagem de seus filhos.
A gestão escolar no contexto da pandemia
A gestão tem grande tarefa em estar presente nas ações pedagógicas de cada educador, acompanhando e orientando-os para uma melhor ação no ambiente pedagógico, visando aumentar a eficiência dos processos de ensino-aprendizagem.
A organização e a gestão constituem o conjunto das condições e dos meios utilizados para assegurar o bom funcionamento da instituição escolar de modo que alcance os objetivos educacionais esperados. Os termos organização e gestão são, frequentemente, associados à ideia de administração, de governo, de provisão de condições de funcionamento de determinada instituição social [...] para a realização de seus objetivos (Libâneo, 2003, p. 293).
No contexto do ensino, a gestão escolar é essencial, uma vez que será responsável por manter padrão e organização a fim de cumprir suas obrigações com a sociedade. Dessa maneira, é possível envolver todos que estão no âmbito escolar, dentre eles crianças, família, docentes e toda a comunidade, sendo um trabalho coletivo e não individualizado. Com isso vale destacar, a fala da vice-diretora entrevistada:
O que a gente está fazendo no acompanhamento é… orientando elas nas atividades, todas as atividades que elas mandam a gente revê e arruma… dá dicas, então é tudo feito… a gente tem um grupo no WhatsApp… então é tudo feito em parcerias e mando pelo email… então todo mundo está se ajudando ali… esse suporte que a gente está dando para elas, de imprimir as atividades, de ajudar, ah… a Educação Infantil, tanto a Infantil como a Fundamental, a gente está fazendo assim, tudo em parceria, né.
Mostra-se a suma importância de a gestão estar atuando de forma que auxilie tanto os professores como os pais, trabalhando com ações que desenvolvam “parcerias”, como citado, ambos ajudando a efetuar uma educação de qualidade, respeitando as limitações e fazendo o melhor para possuir uma boa comunicação com todos envolvidos.
Nesse contexto de pandemia, devido à covid-19, as rotinas escolares e sociais tiveram mudanças drásticas; com o isolamento social, foi preciso aprender diferentes meios para seguir em frente; na área de Educação a tecnologia tornou-se fator indispensável para esse processo: aulas, atividades, entre outros, passaram de presencial para a modalidade on-line, e com isso vieram grandes dificuldades e obstáculos, pois muitas comunidades não possuem acesso à internet, e com isso ficou a seguinte indagação: como ocorre essa comunicação, entre gestão e comunidades do CEIM?
Segundo a vice-diretora,
a nossa comunidade não tem acesso à internet, então a gente não podia fazer um grupo, né, porque se a gente pudesse fazer um grupo de cada sala, a gente podia mandar vídeos, né... podia mandar áudios e coisas assim… atividades, brincadeiras, jogos… pra eles fazerem em casa, só que, daí, como a gente fez uma pesquisa e a gente viu que a maioria não tem internet, então não tinha como fazer isso, então a gente teve que adaptar as atividades com brincadeiras, com coisas simples, fáceis pra eles, pra ser mandadas pra casa, pra eles poderem estar desenvolvendo com as crianças.
Mostra-se que a comunicação entre gestão e comunidade possui limitações, pois a falta de diálogo, por muitos não possuírem acesso à internet, acaba muitas vezes prejudicando o processo de ensino-aprendizagem das crianças; contudo, percebe-se a intencionalidade de efetuar adaptação nas atividades para que os pais consigam trabalhar em casa com seus filhos, mostrando assim preocupação para que o processo de educação ocorra no âmbito da família também. Segundo a BNCC (2017),
para potencializar as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças, a prática do diálogo e o compartilhamento de responsabilidades entre a instituição de Educação Infantil e a família são essenciais. Além disso, a instituição precisa conhecer e trabalhar com as culturas plurais, dialogando com a riqueza/diversidade cultural das famílias e da comunidade.
Nesse aspecto, a participação da família no acompanhamento do desenvolvimento das crianças é de suma importância, tanto nesse contexto como em outros, pois, com as aulas suspensas, os pais passaram a ter a responsabilidade de se colocar no papel do professor.
Avaliação na Educação Infantil em tempos de pandemia
A avaliação na Educação Infantil mostra-se muito relevante por alguns aspectos, como a questão do educador poder realizar uma pré-avaliação, que seria uma avaliação diagnóstica; é uma das avaliações mais utilizadas na Educação Infantil. É por meio dela que o docente pode conhecer a criança e seus conhecimentos.
Porque, quando a criança chega ao CEI (Centro de Educação Infantil), ela não pode ser considerada uma folha de papel em branco, ela vem com conhecimento adquirido em casa, do senso comum, conhecimento do contexto social em que está inserida. Por isso nesse primeiro contato com a criança é importante que seja utilizada a avaliação diagnóstica, permitindo “determinar a presença ou ausência de conhecimentos e habilidades, inclusive buscando detectar pré-requisitos para novas experiências de aprendizagem” (Sant’Anna, 1995, p. 33).
O educador precisa avaliar constantemente, todos os dias; é preciso prestar atenção até na brincadeira, e aqui falo que é possível avaliar o todo, porque a forma como a criança brinca é fonte de comunicação. As crianças se comunicam pelo brincar, sozinha ou com os colegas. Portanto, avaliar na Educação Infantil é algo do dia a dia; é importante que essa avaliação seja registrada em anotações diárias e com uso de portfólio, e possa ser repassada para o próximo professor.
Com a pandemia, vivem-se momentos de incertezas. Com o afastamento social, o contato do docente com a criança da Educação Infantil esteve afetado, e o processo de avaliação teve grandes dificuldades. Segundo a fala da vice-diretora da instituição, é
complicado, mas… na Educação Infantil acho que é mais complicado de ver ali, de avaliar o que elas estão fazendo... Cada professora tá vendo como que tá desenvolvendo ali (as sugestões de atividades)… Então dá pra fazer uma avaliação pelo que está sendo retornado, né…
A gestão, principalmente, precisa ter esse olhar com atenção para acompanhar as aprendizagens, as dificuldades e os conhecimentos que estão sendo construídos por cada criança, assim como os registros de avaliação que os professores anotam acerca dessa evolução nas aprendizagens.
O único meio de obter retorno das crianças foram as atividades que cada professora esteve sugerindo às famílias, segundo a vice-gestora relata em sua fala. Foram encaminhadas atividades, sugestões de brincadeiras e um material preparado pelo(a) docente para auxiliar cada criança.
Em relação às devoluções das atividades sugeridas nesse período, a professora entrevistada relata que
os pais até colocam, não sei se porque eles têm outros afazeres também, né, alguns pais estão parados, outros não, eles acham difícil, certa dificuldade em... até um pai que é bem assíduo, vem toda semana, e diz pra mim: “professora, como você tem paciência, porque, olha, não tá fácil ficar em casa, eu não consigo, quando eu penso que ele vai fazer, ele não quer mais fazer".
Para poder ter uma noção parcial do desenvolvimento da criança, o(a) educador(a) precisou obter respostas aos estímulos sugeridos por meio das atividades pedagógicas enviadas para casa. A partir das atividades feitas, pôde-se perceber que a criança estava tendo ao menos contato com o material pedagógico oferecido.
Entretanto, a própria professora entende que não seria possível nesse momento realizar uma avaliação em relação aos saberes e aprendizados das crianças:
É bem difícil... porque até quando a gente... em momentos normais... quando você realiza atividade para casa... você já têm que ter um olhar diferente... porque pode ser que o aluno faça sozinho... ele vai receber ajuda ou... pode até ser que façam para ele, entendeu... então não tem como você fazer uma avaliação... principalmente no pré... a gente manda mais sugestões e atividades pra ele estar brincando... tentando aprender, né... mas é bem difícil.
O processo avaliativo é algo do dia a dia, é o contato diário entre o educador e a criança que vai propiciando um sentido ao processo de aprendizagem, em que o educador vai conhecendo as capacidades a serem alcançadas pela criança e assim as maneiras como ela pode se desenvolver.
É necessário acima de tudo desconstruir os conceitos de que a avaliação é algo ruim e dispensável do processo pedagógico, pois, segundo Freire (2017, p. 113-114),
a questão que se coloca a nós, enquanto professores e alunos críticos e amorosos da liberdade, não é, naturalmente, ficar contra a avaliação, de resto necessária, mas resistir aos métodos silenciadores com que ela vem sendo às vezes realizada. A questão que se coloca a nós é lutar em favor da compreensão e da prática da avaliação enquanto instrumento [...] da libertação e não da domesticação.
Assim como a Educação Infantil é o primeiro passo de escolarização da criança, a avaliação de suas primeiras evoluções deve constar no sentido de permitir que possa se desenvolver de forma autônoma. Que desde já as crianças se sintam confortáveis em arriscar, em se sentir livres e não presas a uma forma de ensino que as avalie de maneira classificatória.
O professor deve desenvolver ações pedagógicas eficazes, em que os conhecimentos a serem construídos no ambiente pedagógico devem estar interligados com as características das crianças, não deixando de lado a questão de que a criança é um ser com história, que possui conhecimentos prévios, uma cultura. É fundamental articular esses conhecimentos com o contexto de cada criança para um desenvolvimento cognitivo, emocional e social, saudável e eficaz, sem deixar traumas e repressões nas vidas dela.
O professor é uma metamorfose ambulante, porque está em constante mudança, sempre evoluindo em suas metodologias e formas de avaliar de forma produtiva o desenvolvimento de cada criança.
Fatores de impacto no retorno escolar
Aos poucos, gradativamente, o retorno presencial foi acontecendo tanto nas unidades de ensino da esfera pública, como da privada, sendo mantidos todos os cuidados e proteções necessários; educadores e profissionais da Educação precisaram tomar as doses da vacina, que foram sendo disponibilizados também gradativamente.
Nas escolas da rede pública do município de Lages/SC, durante o ano de 2021, os familiares puderam optar se seus filhos continuariam na modalidade não presencial, efetuando as atividades em casa, ou retornariam ao sistema híbrido, que estava sendo realizado nas unidades de ensino.
O retorno às aulas presenciais durante a pandemia da covid-19 é um direito de todas as crianças/estudantes. É preciso respeitar as especificidades de cada etapa e das modalidades, seja Educação Especial e/ou Educação do Campo, propondo, sempre que necessário, adequações no espaço da unidade de ensino ou nos acompanhamentos pedagógicos (Lages, 2021, p. 4).
A partir desse momento, os estudantes foram voltando a ter contato com o ambiente escolar, com os outros colegas e professores, tendo como principal missão o cuidado e a prevenção de contágio e disseminação da covid-19. No que se refere a bebês e crianças pequenas, esse cuidado se tornaria mais difícil, pela espontaneidade e inocência deles.
No que se refere à esfera privada, o contexto que envolveu o retorno escolar foi marcado por confiança, responsabilidade e diálogo constante entre pais e professores, sendo realmente uma via de mão dupla.
Uma das autoras deste artigo vivenciou esse momento e registrou, em seus relatos, a extrema dificuldade nesse retorno das crianças ao modo presencial, pois, sem uma rotina preestabelecida e sem o contato com outras crianças, elas se sentiram, de certa forma, se inserindo em um mundo novo e em uma realidade paralela, em que foi necessário construir toda uma estratégia de aprendizagem, de grão em grão.
As crianças tiveram maior dificuldade em manter o foco, em compreender normas e seu motivo real de se estar no ambiente escolar. Foi necessário estabelecer prazos maiores em relação ao seu desenvolvimento, mas sem deixar de seguir a metodologia e as abrangências do currículo necessárias para a faixa etária indicada.
O atraso ou déficit ocasionado pela pandemia prejudicou o desenvolvimento escolar na primeira infância dessas crianças, que precisaram e ainda precisam correr contra o tempo para se adequar à nova realidade escolar.
Levando em consideração que a humanidade passou por um dos momentos mais preocupantes em sua história, a educação precisou se reinventar para conseguir manter a relação de aprendizagem à qual a criança tem direito. Pode-se afirmar que foi um período de aprendizagens para todos os sujeitos envolvidos.
Os professores precisaram apreender a reformular suas metodologias e planejamentos, além de compreender saberes da informática, buscando formas de alcançar o desenvolvimento e conhecimento das crianças.
Os gestores precisaram replanejar toda sua atuação e a orientação aos profissionais de suas respectivas unidades de ensino, assumindo o papel de liderança e guia dos docentes.
Pais, estudantes, crianças e comunidade precisaram se adaptar às novas rotinas estabelecidas e compreender fatores pelos quais os docentes passam, assumindo grande responsabilidade no desenvolvimento cognitivo das crianças.
Mas, no todo, tornou-se prioritário e mais necessário o respeito, o bom senso, o diálogo e boa comunicação entre todas as partes envolvidas, ressignificando valores até então despercebidos no dia a dia.
Considerações finais
Os dados da pesquisa apontam que há muitos aspectos a serem discutidos sobre como foi tratada a Educação Infantil no contexto da pandemia de covid-19. Constata-se que houve muitas incertezas e dificuldades na realização das ações pedagógicas no período, em que gestores e professores precisaram se reinventar para atender às demandas que envolvem o processo de ensino-aprendizagem com as crianças.
A comunidade em que o CEIM está localizado é participativa, mas não eram todos os familiares e crianças que possuíam comunicação com o Centro no período. Trata-se de uma comunidade carente; uma parcela sem acesso à internet e com predominância de famílias com grande número de componentes.
A pandemia de covid-19 modificou os hábitos e a rotina de todos os seres humanos em questão de prevenção e higiene para evitar o contágio, que ocorre de forma rápida e simultânea. O isolamento social afetou vários setores da sociedade e a educação, por se tratar de uma área que permite o contato e interações entre sujeitos, foi uma das mais afetadas. Crianças, pais, professores e gestores precisaram mudar suas rotinas e formas de propiciar o processo de ensino-aprendizagem, principalmente utilizando tecnologias para se comunicar e interagir, acarretando dificuldades e desafios para todos que fazem parte desse processo.
A gestão escolar assumiu papel fundamental no que diz respeito ao acompanhamento e às orientações para as ações pedagógicas nesse contexto, precisando estar em comunicação direta com professores e familiares para estimular e organizar como ficam tais ações. Tornou-se fundamental a parceria entre todos os sujeitos que envolvem a educação das crianças.
As atividades foram sendo encaminhadas com sugestões de brincadeiras e material elaborado por cada professor(a). O obstáculo encontrado nessa ocasião é que nem todos conseguiam pegar o material ou fazer a devolutiva das atividades, por causa de tempo ou situações do próprio cotidiano.
Sem o retorno das atividades e materiais sugeridos para as crianças, não era possível realizar qualquer etapa de avaliação ou ter noção da aprendizagem das crianças nesse período. Considerando a importância da avaliação na Educação Infantil, esse processo também ficou prejudicado, cabendo ao(à) educador(a) provocar, estimular de várias formas o acesso das crianças ao material elaborado para sua aprendizagem.
Com o retorno pós-pandêmico, foi possível observar a defasagem e as dificuldades acarretadas pelo período em que as crianças estiveram fora do ambiente escolar, sem estabelecer e criar vínculos fora o familiar e a concretização de uma rotina específica. Foi necessário refazer os passos e as metodologias básicas do que seria trabalhado em anos anteriores. As consequências do período de pandemia se refletem até os dias atuais na aprendizagem e no desenvolvimento integral das crianças.
Referências
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEB, 2017.
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2010.
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CORONAVÍRUS: OMS vê estabilização de contágios no Brasil, mas pede cautela. UOL, 17 de junho de 2020. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2020/06/17/oms ve-estabilizacao-em-curva-de-contagios-no-brasil-mas-pede-cautela.htm. Acesso em 21 jun. 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 55ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.
LAGES (Prefeitura). Guia de orientações para retorno às atividades pedagógicas presenciais. Lages, 2021. Disponível em: https://www.educacaolages.sc.gov.br/assets/documentos/8e037f2b3488e7ab43240ebf81bbbbfd.pdf. Acesso em: 03 mar. 2023.
LIBÂNEO, José Carlos. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003.
LINHARES, Maria Beatriz Martins; ENUMO, Sônia Regina Fiorim. Reflexões baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia da covid-19 no desenvolvimento infantil. SciELO. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-166X2020000100510#B17. Acesso em: 21 jun. 2020.
SANT’ANNA, Ilza Martins. Por que avaliar? como avaliar? Critérios e instrumentos. Petrópolis: Vozes, 1995.
TODOS PELA EDUCAÇÃO. Ensino a distância na Educação Básica frente à pandemia da covid-19. Nota técnica, 2020. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/_uploads/_posts/425.pdf. Acesso em 21 jun. 2020.
Publicado em 16 de maio de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
GERBER, Gabriele de Souza Schumacher; TRISTÃO, Gabrielle Lessa; OLIVEIRA, Jaqueline Varela de; LOURENÇO, Matheus Müller. Reflexões acerca da Educação Infantil em relação ao momento da covid-19. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 18, 16 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/18/reflexoes-acerca-da-educacao-infantil-em-relacao-ao-momento-da-covid-19
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