Estratégias para divulgação científica em Entomologia: um relato do projeto Meu Amigo Inseto

Héctor Antônio Assunção Romão

Graduando (UFG)

Karoliny Zarreta Santos Freire

Graduanda (UFG)

Cayo Henrique Ferreira de Alcântara

Graduando (UFG)

Juliana Alves Carneiro

Graduanda (UFG)

Renata de Oliveira Dias

Doutora, professora da UFG

Jaqueline Magalhães Pereira

Doutora, professora da UFG

A classe Insecta é um dos grupos mais abundantes e diversificados no nosso planeta, ocupando praticamente todos os ambientes e processos ecossistêmicos (Camargo et al., 2015). Esses animais, além de sua condição de espécies chave em diversos nichos ecológicos, apresentam uma importância que permeia um aspecto social e cultural, pois são participantes de diversas atividades essenciais nesses contextos, seja pela produção de recursos utilizados comercialmente pelos humanos, como mel, seda e corantes, atuação como bioindicadores, organismos modelo em pesquisas biológicas e até mesmo como recurso para produções culturais e midiáticas (Gullan: Cranston 2017).

Entretanto, apesar dessa participação em diversas esferas, os insetos ainda são resumidos como animais sinantrópicos indesejáveis, havendo a construção de perspectivas pejorativas relacionadas aos insetos, que são repassadas de modo a levar a um conhecimento social distorcido.

Desde o início da infância, as crianças têm os primeiros contatos com os insetos, direta ou indiretamente, geralmente pelos familiares. No entanto, se essas informações são apresentadas de forma negativa ou limitada, a criança irá carregar essa conotação negativa, assimilando-a e formando um conceito equivalente dos insetos (Lopes et al., 2013) e assim adquirir medo e "nojo" desse grupo, passando a querer matá-lo quando avistam algum (Sousa et al., 2013).

Nesse contexto dialético entre a informação sistematizada e o conhecimento popular, a divulgação científica possui papel primordial para a democratização do conhecimento sistematizado e aproximação do cidadão a debates e temáticas científicas (Bueno, 2010).

Nessa perspectiva, a elaboração de materiais paradidáticos utilizando o Instagram permite a divulgação de imagens e vídeos em uma linguagem mais clara e de forma lúdica. Além desse cerne visual que a rede social possui, o Instagram apresenta ferramentas como enquetes e perguntas que podem ser exploradas em diferentes contextos, utilizando seus recursos e ferramentas para realizar nova forma de aproximação com uma população não acadêmica.

O presente relato retrata a experiência de divulgação científica e práticas pedagógicas relacionadas ao conhecimento entomológico sistematizado realizado pela utilização de ferramentas paradidáticas. Tais atividades foram estruturadas em uma metodologia organizada em três momentos principais, dos quais dois se manifestam de forma digital, com a elaboração de produções imagéticas e desenvolvimento de jogos virtuais; o outro consiste em ações presenciais, que permitem contato visual e tátil com os insetos.

Dessa forma, com a divulgação de tais produções imagéticas pelas redes sociais, atrelada a ações presenciais em escolas e laboratórios, o presente trabalho teve como objetivo desenvolver metodologias alternativas para o ensino da temática de insetos para estudantes do ensino básico mediante a elaboração de materiais paradidáticos e de divulgação digital acerca da temática de Entomologia, permitindo assim a aproximação dos estudantes com o ramo entomológico.

Fundamentação teórica

A divulgação científica é um campo do conhecimento teórico-prático que busca a veiculação, em linguagem acessível, dos saberes e princípios da ciência (Reis, 1964). Na comunidade acadêmica, a área pode ser chamada de divulgação científica, popularização da ciência, comunicação pública da ciência e apropriação da ciência. Não existe consenso sobre a definição de cada um dos termos; geralmente eles são adotados como sinônimos. A sua utilização depende dos contextos temporais, geográficos e culturais de cada povo (Massarani; Moreira, 2021).

No mundo moderno, consolidou-se a visão do conhecimento científico apartado da população não acadêmica, tornando esse conhecimento exclusivo dos ambientes universitários e dos poucos que conseguem ingressar no Ensino Superior. Essa abordagem contribui para a manutenção de uma visão ingênua, a-histórica, acrítica e despersonalizada da ciência. Nesse sentido, a divulgação científica surge como fenômeno gerado pela consciência das discrepâncias entre a ciência, a tecnologia e a população.

No cenário brasileiro, a divulgação científica era quase inexistente até o século XVIII; o cenário só começou a mudar no século XIX, com a transferência da coroa portuguesa para o país. Nesse período, destacou-se a criação da Imprensa Régia (1810), quando textos de divulgação científica começaram a ser veiculados nos jornais impressos. Além disso, com o objetivo de estimular o conhecimento das ciências naturais, foi criado o Horto Real (1808) e o Museu Real (1818), renomeados mais tarde como Jardim Botânico do Rio de Janeiro e Museu Nacional, respectivamente (Massarani; Moreira, 2021).

No início do século XX, as atividades de divulgação da ciência foram impulsionadas pela criação de organizações como a Academia Brasileira de Ciências (1916) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1948). Além disso, mais recentemente, destaca-se a criação de revistas de divulgação científica por fundações estaduais de fomento à pesquisa, como a Fapesp (Estado de São Paulo), Fapemig (Minas Gerais) e Faperj (Rio de Janeiro), entre outras. Nesse sentido, da década de 1980 até os dias atuais, as atividades de divulgação científica estão em crescimento contínuo no Brasil (Massarani; Moreira, 2021).

Não obstante, o uso da internet para a divulgação científica tornou-se frequente, sendo comum a utilização de blogs, vídeos no YouTube e redes sociais como o Instagram e o Twitter (Massarani; Moreira, 2021). Assim, as tecnologias da informação e comunicação (TIC) têm auxiliado no avanço da divulgação da ciência no país, tendo se intensificado com a transição digital acelerada pela crise da covid-19. Entretanto, vale ressaltar que as ações de divulgação da ciência na internet não atingem a todos igualitariamente, visto que, mundialmente, metade da população não tem acesso à internet, principalmente as populações mais vulneráveis e marginalizadas (Deganis; Haghian; Tagashira, 2021). No Brasil, dados da sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros (TIC Domicílios) 2021 mostram que 35,5 milhões de brasileiros não têm acesso à internet.

Dessa forma, embora as ações de divulgação científica na internet tenham crescido, existem desafios a serem superados: a falta de acesso à internet, o acentuado desmonte da ciência e tecnologia, a falta de incentivos nas universidades para as atividades de extensão e a ausência de políticas públicas para o desenvolvimento de ações de divulgação científica no país.

Metodologia da pesquisa

O estudo foi realizado entre 2021 e 2022 com a participação de discentes dos cursos de Agronomia, Ciências Biológicas e Engenharia Florestal da Universidade Federal de Goiás, explorando três momentos comunicativos distintos para aproximação com o público. Inicialmente, foram realizadas, pelos próprios discentes, produções imagéticas produzidas por meio de textos utilizando linguagem não acadêmica atrelados a imagens e vetores de acesso público. Essas produções fazem parte do conteúdo disponibilizado pelo perfil do Instagram @meuamigoinseto e foram categorizadas de acordo com sua temática nos grupos:

Curiosidades gerais, que versavam sobre uma informação entomológica que englobava um fenômeno não específico a determinado inseto;

Curiosidades específicas, que dialogavam acerca de determinado conhecimento de um inseto específico;

Quizzes, postagens mais casuais que traziam dinâmicas interativas com o público; e

Cultura pop, que utilizavam uma referência midiática para trazer uma discussão científica.

Após categorização, foi verificada a influência da temática no engajamento pelo teste qui-quadrado realizado entre Curiosidades gerais x Curiosidades específicas e Quizzes x Cultura pop.

No segundo momento, visando estimular o aprendizado e diferentes habilidades, foram produzidos jogos didáticos através da plataforma Godot. O jogo da memória e o quebra-cabeça carregavam a temática entomológica em seus elementos visuais e textuais, que traziam frases de curiosidade, e ilustrações de insetos como recursos.

O terceiro momento comunicativo se estabeleceu por meio de ações presenciais que aconteciam em escolas públicas e privadas, no laboratório e em eventos da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. Durante esses eventos, eram disponibilizados para contato direto indivíduos de grilos, bichos-do-cesto, tenébrios, bichos-pau, formigas, baratas, joaninhas, bichos-lixeiro e outros. Juntamente com esse momento, acontecia uma breve apresentação ressaltando as características e o papel ecológico desses animais. Para a representação da diversidade, eram utilizadas diversas caixas entomológicas.

Os insetos vivos disponibilizados para contato direto são criados no Laboratório de Entomologia; seus cuidados também são de responsabilidade dos discentes de graduação.

Os resultados de tais ações foram mensurados por meio do engajamento alcançado nas redes sociais e de dados observacionais expressos durante os encontros presenciais.

Resultados e discussão

O teste qui-quadrado aplicado nas categorias temáticas das postagens divulgadas pelo Instagram revelou um valor de p < 0,05, para a análise aplicada tanto entre os grupos de Curiosidades gerais x Curiosidades específicas, quanto entre Quizzes x Cultura pop. Dessa forma, assumimos a hipótese alternativa de que a categoria da postagem era influente em seu engajamento.

Complementando a caracterização analítica das atividades do projeto, o segundo momento comunicativo realizado nas ações presenciais também foi estudado.

As atividades organizadas de forma presencial tiveram seu levantamento de dados realizado de forma qualitativa pelos instrumentos observacionais analisados pelos pesquisadores, relatos dos participantes e registros imagéticos promovidos durante as atividades.

O caráter desses dados se expressava por meio dos comentários realizados durante e após as ações, que descreviam as experiências dos participantes, pela nova prática social verificada pelos visitantes do projeto e pela própria absorção dos conceitos trabalhados durante as atividades presenciais. Soma-se a essa amplitude de dados coletados os registros fotográficos realizados, os quais podem ser encontrados no Instagram @meuamigoinseto.

O tratamento desses dados ocorreu via organização, sistematização e aglutinação de perspectivas semelhantes detalhadas pelos visitantes e pelas observações realizadas pelos pesquisadores durante as atividades promovidas.

Considerações finais

O desenvolvimento das atividades do projeto, tanto por meio de uma esfera comunicativa digital como também por uma presencial, permitiu o estabelecimento da divulgação e popularização do conhecimento entomológico sistematizado para uma população não acadêmica.

A execução do projeto revelou que a comunicação científica pode ser realizada de forma efetiva pelas redes sociais, como as atividades promovidas no Instagram.

Os dados do teste qui-quadrado aplicado revelou que as postagens que versavam sobre determinada temática de forma alinhada a uma perspectiva cultural possuíam maior engajamento. Tal evento revela que produções midiáticas podem ser uma ferramenta de subsunção para a aproximação inicial entre o conhecimento popular e o conhecimento sistematizado.

Ademais, com a organização dos eventos realizados de forma presencial, foi possível extrair diversas perspectivas experienciadas. Em um primeiro momento, tais atividades permitiram o desenvolvimento da práxis docente dos membros do projeto, os quais se tornaram aptos a realizar a instrumentalização de novos recursos para promover o ensino.

De modo voltado à análise realizada com o público participante do projeto, a expressão de uma nova prática social pelos visitantes das atividades foi o principal fator de análise de dados coletados. Percebeu-se que, após o momento de instrumentalização realizado pela apresentação da Ecologia e aspectos de determinado inseto disponibilizado, uma nova prática voltada para a aproximação com o visitante era expressa, pois havia maior conforto para a realização de contato e manejo do inseto.

O compartilhamento de experiências prévias dos visitantes com o inseto apresentado também foi coletado como expressão qualitativa dos resultados obtidos pelas ações presenciais. De forma frequente, os visitantes relataram experiências vivenciadas com os insetos, demonstrando certa familiaridade com a morfologia, porém desconhecimento sobre o papel ecológico do inseto. Esse dado revelou como a informação sistematizada se comunica com o conhecimento empiricamente construído, em que a aproximação dessas duas esferas pode ser um fator para a expressão de uma nova leitura da realidade.

Desse modo, o presente trabalho possibilitou a exploração de novos recursos para a popularização do conhecimento entomológico, permitindo a verificação de ferramentas e alternativas paradidáticas para o ensino e a divulgação.

Referências

BUENO, W. C. Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais. Revista Informação & Informação, Londrina, v. 15, nº esp., p. 1-12, 2010.

BUZZI, Z. J. Entomologia didática. 6ª ed. Curitiba: UFPR, 2013.

CAMARGO, A. J. A. et al. Coleções entomológicas: legislação brasileira, coleta, curadoria e taxonomia para as principais ordens. Brasília: Embrapa, 2015.

DEGANIS, I.; HAGHIAN, P. Z.; TAGASHIRA, M. Leveraging digital technologies for social inclusion. UN/DESA Policy Brief #92, 2021. Disponível em: https://www.un.org/development/desa/dpad/wp-content/uploads/sites/45/publication/PB_92.pdf. Acesso em: 13 dez. 2022.

GULLAN, P. S.; CRANSTON, P. S. Insetos: fundamentos da entomologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Roca, 2017.

LOPES, P. P. et al. Insetos na escola: desvendando o mundo dos insetos para as crianças. Revista Ciência em Extensão, v. 9, nº 3, p. 125-134, 2013. Disponível em: https://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/845.  Acesso em: 15 jul. 2022.

MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro. Divulgação científica no Brasil: algumas reflexões sobre a história e desafios atuais. In: MASSARANI, Luisa; MOREIRA, Ildeu de Castro. Pesquisa em divulgação científica: textos escolhidos. Rio de Janeiro: Fiocruz/COC, 2021. p. 15-55. Disponível em: https://www.inct-cpct.ufpa.br/index/2021/04/22/novo-livro-pesquisa-em-divulgacao-cientifica-textos-escolhidos/. Acesso em: 13 dez. 2022.

REIS, José. A divulgação da ciência e o ensino. Ciência & Cultura, São Paulo, v. 16, nº 4, 1964.

SOUSA, R. G.; OLIVEIRA, G. G.; TOSCHI, M. S.; CUNHA, H. F. Meio ambiente e insetos na visão de educandos de 6º e 8º ano de escolas públicas em Anápolis/GO. Ambiente e Educação, v. 18, nº 2, p. 59-81, 2013.

Publicado em 23 de maio de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

ROMÃO, Héctor Antônio Assunção; FREIRE, Karoliny Zarreta Santos; ALCÂNTARA, Cayo Henrique Ferreira de; CARNEIRO, Juliana Alves; DIAS, Renata de Oliveira; PEREIRA, Jaqueline Magalhães. Estratégias para divulgação científica em Entomologia: um relato do projeto Meu Amigo Inseto. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 19, 23 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/19/estrategias-para-divulgacao-cientifica-em-entomologia-um-relato-do-projeto-meu-amigo-inseto

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