O uso de tecnologias na escola: por uma formação plena
Matheus Carvalho do Nascimento
Licenciado em Pedagogia (UNIRIO/Cederj), mestre em Ensino (UFF), especialista em Análise e Gestão de Sistemas de Informação (IFF), bacharel em Sistemas de Informação (UCAM), gerente da Tecnologia da Informação na UFF/Infes
A sociedade vive hoje em uma contínua corrida contra o tempo, o relógio parece estar cada dia mais acelerado. Observamos como a sociedade é dinâmica, individualista e altamente competitiva. Lidamos, a cada dia, com maiores quantidades de informações que surgem por meio de diferentes e novos tipos de interações. Dessa forma é importante estabelecer uma associação entre esse atual modelo tradicional e a revolução tecnológica, tendo em vista a popularização das tecnologias, que saíram do contexto industrial para o cotidiano das pessoas. Essa revolução, além de potencializar o alcance das tecnologias, também elevou a um novo patamar os meios de comunicação. Assim, o que se observa é que as informações estão cada dia mais dinâmicas, proporcionando conteúdos transparentes e com acesso cada vez mais descomplicado.
Nesse sentido, a estrutura organizacional da sociedade também foi reajustada, incorporando alguns aspectos desta sociedade moderna. Por mais que o progresso tenha permitido uma aproximação "geográfica" entre as pessoas (com uma internet cada vez mais veloz e abrangente), veio acompanhado de uma ideologia produtivista incapaz de estimular a proximidade entre sujeitos dessemelhantes. Esse espaço acentua as dificuldades e as diferenças entre os sujeitos, principalmente quando se busca a solução de conflitos em ambientes socialmente diversos, inclusive o escolar.
A escola não acompanhou as evoluções que ocorreram na sociedade nas últimas décadas, ao contrário disso, manteve-se sob a mesma estrutura e o tradicionalismo da escola do século passado. Todavia, hoje, há um público novo, com novas perspectivas, características, objetivos e necessidades. O que se observa, então, é a existência de um desequilíbrio entre os conceitos tradicionais dessa escola ultrapassada e as demandas pertinentes da sociedade globalizada. Dessa forma, quando olhamos para a escola vemos um cenário catastrófico, uma zona de conflitos, formando um ambiente fértil para a reprodução e maximização de problemas e diferenças. Naturalmente não é possível estabelecer um consenso e é difícil determinar uma ordem de prioridades para esses problemas. Nessa perspectiva, as adversidades mais comuns, quando diagnosticadas, esbarram na distância entre os sujeitos envolvidos, tornando o diálogo tão custoso quanto uma concordância para idealizar uma resolução de problemas.
A sociedade brasileira está submersa em intensas e inexprimíveis crises e essas crises estão presentes não somente nas escolas, mas em todo o sistema educacional. Como consequência disso, devemos repensar a contribuição que podemos trazer para a escola. Nesse sentido, este trabalho é uma investida, um estreitamento, em que a essência tecnicista que existe no profissional da área da informática dialoga com as questões sociais e humanas da sociedade.
Nessa perspectiva, este texto não irá discutir metodologias de utilização de recursos digitais; ao contrário, iremos por uma nova direção, buscando reflexões, utilizando principalmente o conceito de rizoma, em conjunto ao processo de ensino-aprendizado, criando uma adaptação entre essa concepção e o uso das tecnologias na escola. Para abordar essas questões é importante projetar o impacto que um ensino insuficiente poderá proporcionar a longo prazo nos alunos, refletindo ainda sobre as contribuições que venham favorecer o processo de ensino.
Por um aprendizado não procedural
A educação no Brasil recebe severas críticas pelo seu modelo. Uma delas refere-se ao modelo de ensino centralizado, no qual o professor é considerado proprietário do conhecimento, ignorando as possíveis potencialidades de seus alunos. Freire (1987) identificou-o como educação bancária. O autor utiliza uma analogia, explicando que o professor "deposita" o seu conhecimento no aluno, sujeito passivo do processo. Essa é uma severa crítica ao sistema educacional, pois reconhece a falta de diálogo entre os sujeitos e concorda que os alunos são tratados como fantoches na escola, meros expectadores nas palavras do autor:
em lugar de comunicar-se, o educador faz "comunicados" e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a concepção "bancária" da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fixadores das coisas que arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada concepção "bancária" da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser educadores e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também. Na visão "bancária" da educação, o "saber" é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (Freire, 1987).
Infelizmente o modelo tradicional de ensino, mecanizado, elimina a grande magia do saber, a curiosidade e a criatividade. A curiosidade faz parte da essência humana, uma característica inata. Quando se impõe a um aluno a situação de subordinação, consequentemente sua voz e suas razões são oprimidas. Além disso, a criatividade não acompanha uma fórmula exata e se torna inviável quando as metas são fixas e o planejamento pré-estabelecido, tendo de ser obrigatoriamente seguido. Nessa linha de pensamento, os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem não devem ser domesticados, pois sua independência é fundamental para o desenvolvimento dos seus saberes.
Ao nos depararmos com as premissas citadas, podemos idealizar um processo de ensino-aprendizagem complexo e abstrato, assim como a mente humana, que não se molda. Assim, podemos devanear sobre um conhecimento múltiplo e rico, sobre o qual diversas leituras de mundo, experiências, sentidos e formas de aprender não necessitam entrar em conflito para serem reconhecidos como corretos ou válidos. Pelo contrário; unem-se, formando vínculos espontaneamente, se conectam sem receio, pois não têm a obrigação de seguir padrões ou uma só direção.
Encontramos na literatura uma analogia que se refere à situação: o conceito de rizoma. Santos Costa (2014) atribui ao rizoma um modelo de aprendizagem no qual se torna possível estabelecer um início para a aprendizagem, sendo irreal identificar onde irá terminar. O autor ainda agrega a ele as características de interconexão de ideias, exploração ilimitada dos diversos modelos educacionais e tecnológicos, coincidindo em uma mistura de aprendizagens.
Figura 1: O rizoma
Fonte: http://albiofabian.blogspot.com.br/2014/03/rizoma.html
A Figura 1 representa a estrutura rizomática. Deleuze (2000) listou quatro princípios fundamentais para que a analogia fosse aplicada no processo educacional de maneira benéfica. De forma resumida temos:
1º e 2º: Princípios de conexão e de heterogeneidade: o rizoma é composto de diversos pontos, qualquer um desses pontos pode e deve ser conectado a qualquer outro;
3º: Princípio de multiplicidade: no rizoma não existe unidade e ele não pode ser reduzido a uma. Ele sempre é múltiplo, representa uma grandeza;
4º: Princípio de ruptura assignificante: o rizoma é uma estrutura anarquista, contra cortes significantes, quando sua estrutura é separada tende a uma reconstrução.
A cartografia (o rizoma pode ser cartografado – princípio da cartografia) mostra que o rizoma possui múltiplas entradas, ou seja, ele pode ser acessado a partir de inúmeros pontos, podendo remeter a quaisquer outros em seu território (Brito; Dandolini, 2005).
É com base nesses conceitos que se deve buscar uma nova concepção na relação informática e educação. As tecnologias não podem ser negligenciadas no processo de ensino-aprendizagem, pois são ferramentas presentes no cotidiano dos alunos. Atualmente, os principais meios utilizados para acessar as informações envolvem o uso das tecnologias. As interações que ocorrem entre homem e máquinas têm características individuais, podendo acontecer de maneiras incomuns ou até mesmo inusitadas. Aceitar as tecnologias como ferramentas que agregam valor e possibilitam o desenvolvimento do saber é também uma forma de viver o processo de ensino rizomático.
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo "ser", mas o rizoma tem como tecido a conjunção "e... e... e..." Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser (Deleuze, 2000).
As tecnologias permitem que um mesmo conteúdo seja apresentado de múltiplas maneiras. Um vídeo, um som ou um software podem permitir ao aluno a abstração de conceitos que não foram absorvidos por meio de um texto, gerando contextos próprios e personalizados. Esses novos recursos possuem capacidades incontáveis. Santos Costa (2014) sinaliza, ainda, que as potencialidades dos recursos tecnológicos criam uma aproximação entre as aprendizagens formais, não formais e informais, permitindo que ocorra aprendizado em diversos modelos e lugares.
Hoje, a utilização de computadores na educação é muito mais diversificada, interessante e desafiadora, do que simplesmente a de transmitir informação ao aprendiz. O computador pode ser também utilizado para enriquecer ambientes de aprendizagem e auxiliar o aprendiz no processo de construção do seu conhecimento (Valente,1999).
Valente considera que o computador pode contribuir de maneira positiva para o ambiente escolar, permitindo que importantes mudanças aconteçam nesse meio.
Essa interação com o computador propicia um ambiente riquíssimo e bastante efetivo do ponto de vista de construção do conhecimento, o computador deve ser utilizado como um catalisador de uma mudança do paradigma educacional. Um novo paradigma que promove a aprendizagem ao invés do ensino, que coloca o controle do processo de aprendizagem nas mãos do aprendiz, e que auxilia o professor a entender que a educação não é somente a transferência de conhecimento, mas um processo de construção do conhecimento pelo aluno, como produto do seu próprio engajamento intelectual (Valente, 1993).
Nem os computadores e nenhuma outra ferramenta irá elevar a qualidade do ensino de maneira individual. Valente (1993), em sua reflexão sobre a educação, diz que os instrumentos educacionais não devem se guiar pelo ensino, mas permitir as condições necessárias para a aprendizagem. Dessa maneira, podemos considerar que para tornar o aluno sujeito central no seu processo de aprendizagem é necessário que ele tenha autonomia e os recursos necessários. Ou seja, um ambiente diverso em conteúdos, interações e possibilidades.
Quando o próprio aluno cria, faz, age sobre o software, decidindo o que melhor solucionaria seu problema, torna-se um sujeito ativo de sua aprendizagem O computador ao ser manipulado pelo indivíduo permite a construção e reconstrução do conhecimento, tornando a aprendizagem uma descoberta [...] quando a informática é utilizada a serviço da educação emancipadora, o aluno ganha em qualidade de ensino e aprendizagem (Rocha, 2008).
Conclusão
Os profissionais da computação tendem a observar as tecnologias com exatidão, de forma linear, como instrumentos. Esses profissionais vivem essa realidade e dificilmente são desafiados para exercitarem uma ótica menos mecânica. Foram assim ensinados por formação. Essa concepção se reflete na utilização das tecnologias em sala de aula, pois ela é semelhante ao modelo mecânico que encontramos na escola. Por isso, podemos afirmar que utilizar e manter metodologias carentes em salas de aula significa comprometer o desenvolvimento pleno do cidadão.
Quando a escola forma um aluno nessas condições, ele iniciará sua jornada com problemas crônicos. Essas questões o seguirão, impactando em sua vida, pois refletirão suas interações sociais, culturais, acadêmicas e profissionais. Certamente, quando um profissional da educação se omite na atribuição de suas funções, é por não ter essa concepção em mente.
A utilização das tecnologias como proposta de um ensino rizomático é uma pequena contribuição, pois, um profissional da informática ou de qualquer outra área pode buscar alternativas para enriquecer o ambiente escolar. A informática está em grande evidência, mas isso não significa que ela deve assumir o lugar dos livros. Devemos respeitar o valor de cada recurso didático, compreendendo suas limitações, utilizando quaisquer ferramentas que possam agregar qualidade ao ensino para abrir novos caminhos ao conhecimento.
Para que a escola possa ser esse ambiente é necessário buscar uma unidade na escola. Não somente entre professores e gestores, o estreitamento deve ocorrer em todo o segmento. Preencher essas lacunas é uma grande responsabilidade que deve ser assumida. Vivenciar a escola pode parecer simples, porém praticá-la significa realizar um trabalhoso processo, quando os objetivos individuais e a prepotência devem ser deixados em segundo plano, a fim de que seja possível compensar as ausências causadas pelo modelo vigente.
Referências
BRITO, E. P. P; DANDOLINI, G. A. A metáfora do rizoma: contribuições para uma educação apoiada em comunicações e informática. Renote, v. 3, n° 2, 2005.
DELEUZE, G.; GUATARRI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
ROCHA, S. S. D. O uso do computador na Educação: a informática educativa. Revista Espaço Acadêmico, v. 85, 2008.
SANTOS COSTA, G.; XAVIER, A. C. Aprendizagem formal, não formal e informal com a tecnologia móvel: um processo rizomático. III CONGRESSO INTERNACIONAL TIC E EDUCAÇÃO. 2014.
VALENTE, J. A. Por que o computador na educação. In: VALENTE, J. A. (org.). Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas: Ed. Unicamp, 2015. p. 24-44.
VALENTE, J. A. et al. O computador na sociedade do conhecimento. Campinas: Ed. Unicamp/NIED, 1999. p. 11-18.
Publicado em 23 de maio de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
NASCIMENTO, Matheus Carvalho do. O uso de tecnologias na escola: por uma formação plena. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 19, 23 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/19/o-uso-de-tecnologias-na-escola-por-uma-formacao-plena
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