Práticas educativas de leitura na primeira infância sob a ótica das representações sociais

Rita de Cassia Pereira Lima

Doutora em Ciências da Educação (Université René Descartes/Paris), professora no curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Unesa

Geisa Aparecida Martins Bizarria

Mestra em Educação (Unitau), doutoranda em Educação (Unesa), orientadora de ensino da Educação Especial (SEC/SJC)

Volver o olhar para conhecer como se estabelecem os contextos de leitura no cotidiano escolar de bebês e crianças pequenas mostra-se uma oportunidade para investigar as práticas educativas e as representações sociais em leitura na primeira infância. Há uma imensidão de saberes aos docentes que atuam na Educação Infantil. Seu trabalho consiste em acompanhar, incentivar e apoiar bebês e crianças em suas experiências inaugurais de vida. Nesse sentido, os estudos de autores como Moscovici e Vygotsky são pertinentes à análise apresentada.

A proposta deste estudo compreende as crianças desde o nascimento, inseridas num contexto social que lhes permite apreciar, conhecer e apropriar-se do acervo cultural e humano historicamente construído. Hohmann e Weikart (1997) explicam que a ação das crianças se estabelece pela necessidade natural de explorar. Para os autores, as crianças aprendem a brincar pela interação com o ambiente e com os adultos que as apoiam, construindo suas relações. Com base nessas relações, os bebês e as crianças agregam conhecimentos e ampliam suas potencialidades de desenvolvimento.

A qualidade dessas relações consiste em oportunidades para enriquecer o seu repertório de saberes e alicerçar pilares para que os pequenos possam construir novos aprendizados. Sob a ótica de Vygotsky (2000), o modo como um bebê se desenvolve tem estreita relação com o ambiente sociocultural do qual participa e é influenciado pelas experiências estabelecidas com as pessoas e com o meio que o cerca. Vygotsky (1984) elucida que para compreender como uma criança se desenvolve é preciso considerar quais são as suas necessidades e possibilidades, bem como os incentivos e os estímulos que lhe são oferecidos, considerando as repercussões de situações que não disponibilizam aprendizados.

Como não são poucas as descobertas das crianças nesses primeiros anos de vida, o recorte proposto por este estudo investiga as representações sociais de professores sobre a leitura para a primeira infância e analisa o reflexo delas em suas práticas educativas com os bebês e as crianças, matriculadas em uma rede de ensino municipal de Educação Infantil do Vale do Paraíba paulista. Em termos metodológicos, trata-se de um estudo de abordagem qualitativa. As informações apresentadas resultam da análise de nove entrevistas com educadores que atuam no Berçário e no Infantil I. Os dados gerados foram analisados a partir da Análise de Conteúdo, estruturada por Bardin (2010), e os enunciados, por meio de inferências e interpretação dos resultados.

Resultados e discussões

Prezando pela ética, neste estudo, o nome da rede de ensino, da escola e das professoras participantes das entrevistas serão mantidos em sigilo. Os nomes apresentados no artigo são fictícios e escolhidos em homenagem às escritoras brasileiras que se dedicaram à literatura infantil ou infantojuvenil, profª. Ana Maria Machado, profª. Ruth Rocha, profª. Eva Furnari, profª. Cecília Meireles, profª. Raquel de Queiroz, profª. Maria Clara Machado, profª. Lygia Bojunga, profª. Giselda Laporta Nicolelis, profª. Marina Colasanti e profª. Adélia Prado.

As entrevistas foram realizadas em ambiente virtual por meio do serviço de comunicação por vídeo Google Meet e os dados gerados posteriormente foram transcritos. Diante dos dados gerados foram retomados os referenciais teóricos, de modo especial a Teoria das Representações Sociais (TRS) para a análise que buscou perceber as inter-relações entre tal teoria e os questionamentos que motivaram a pesquisa.

Ao contemplar a TRS na análise dos dados gerados, foram considerados os processos de objetivação e ancoragem que possibilitam que o objeto representado pelos sujeitos se torne familiar. Convém elucidar que Moscovici (2003) e Jodelet (2002) compreendem os processos de objetivação e ancoragem como vias de acomodação e compreensão de um objeto incógnito quando os sujeitos o categorizam em imagens materializadas ou ideias já conhecidas.

Este artigo é um recorte da tese de doutorado que o originou, contemplando a análise das entrevistas realizadas com as professoras participantes. Ao realizar a análise das entrevistas, usando como referência a análise de conteúdo proposta por Bardin (2010), foram inferidos dois temas que estão relacionados: 1) Bebês e crianças bem pequenas em propostas de leitura; e 2) O trabalho do professor (em propostas de leitura com bebês e crianças bem pequenas) e os temas inferidos, a partir da transcrição integral dos relatos das professoras com suas considerações a respeito.

Tema 1: Bebês e crianças bem pequenas e as propostas de leitura

Com base no primeiro tema, foram estabelecidas as categorias: protagonismo e aprendizado. O tema emergiu quando as professoras foram provocadas a compartilhar relatos sobre propostas de leitura do cotidiano da creche. O Quadro 1 apresenta as categorias e as subcategorias, com exemplos de relatos e um número de vezes em que eles ocorreram. Convém esclarecer que a exposição desses números não tem o objetivo de realizar uma análise quantitativa. Eles foram apresentados por sugerirem pistas para a análise da pesquisadora.

Quadro 1: Categorização do Tema 1

Categoria

Subcategoria

Relatos

Protagonismo

Centralidade na criança

Nas aulas tudo precisa ser pensado tendo a criança como foco, tendo a criança como centro (Ruth).

6

Respeito ao modo de expressão da criança

Eu acredito, principalmente quando se trata de bebês, que o respeito ao modo de ser deles, que a sensibilidade para perceber o que eles precisam naquele momento, contribui para que os pequenos avancem nas descobertas e aprendizagens (Maria Clara).

7

Aprendizado

Aproximação cultural

Um livro é uma porta aberta para a cultura e pessoas cultas têm boas chances na vida. Por isso, eu busco fazer essa aproximação cultural com as crianças (Maria Clara).

8

Desenvolvimento infantil

No meu entendimento, eu faço a diferença na vida das crianças, porque o trabalho com a leitura é um caminho para o seu pleno desenvolvimento (Eva).

6

Protagonismo

Na análise da categoria Protagonismo, percebemos que o discurso das professoras revela a busca do favorecimento de práticas educativas que ofereçam às crianças a oportunidade de acesso a contextos de aprendizagem nos quais elas sejam protagonistas. Para isso, de acordo com os relatos delas, existe empenho pedagógico para olhar as crianças como centro do processo educativo, respeitando o modo como se expressam e como aprendem.

O Art. 9º das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (Brasil, 2010) estabelece que, no cotidiano da Educação Infantil, as brincadeiras e as interações são eixos estruturantes das práticas educativas. A Base Nacional Comum Curricular – BNCC (Brasil, 2017, p. 33), apresenta seis direitos de aprendizagem que garantem às crianças a sua participação ativa em situações e contextos desafiantes, que as incitam a construir saberes.

O discurso das professoras sugere que elas buscam entender que as crianças ocupam lugar de centralidade e protagonismo no contexto da Educação Infantil. Contudo, em suas narrativas, também é possível perceber a dificuldade que sentem em conseguir que a efetivação do protagonismo infantil se estabeleça na prática cotidiana. Ao argumentarem, as professoras explicam que buscam se adequar a essa forma de enxergar as crianças, mas para elas a compreensão de que as crianças não precisam estar sentadas e em silêncio para aprender ou ouvir histórias, ainda é um aprendizado a ser construído.

As professoras também esclarecem que se empenham na compreensão de que as crianças aprendem pelas explorações, pelas interações, pelas brincadeiras e se esforçam para elaborar contextos pedagógicos que permitam essa liberdade aos pequenos. Em suas argumentações, demonstram compreender a necessidade de garantir às crianças práticas educativas e propostas de leitura. Diante disso, se esforçam para romper com formatos pedagógicos que conferem às crianças postura de espectadoras das aulas. Para elas, tal ação nem sempre é fácil, porque exige que estejam dispostas a compreender o modo como as crianças fazem suas descobertas e elaboram as suas aprendizagens.

Pelos relatos das professoras, é possível deduzir que elas tentam pensar a ação docente sob a perspectiva do protagonismo infantil, buscando um exercício de percepção de quem são as crianças, o que elas dizem e que saberes já trazem. Embora admitam que esse não seja um exercício fácil, relatam o esforço em realizá-lo.

A partir das falas das professoras é possível inferir que elas se empenham para entender os pequenos como sujeitos ativos da sua própria aprendizagem. Ressalta-se ainda, que seu discurso revela um outro esforço, o de abrir-se às possibilidades de aprendizagem que surgem quando os adultos estão motivados a conhecer e a respeitar o modo de ser e de aprender dos bebês e das crianças.

Aprendizado

Em relação à categoria Aprendizado, foi possível perceber que a abordagem trazida pelas professoras se relaciona à aproximação cultural no desenvolvimento infantil. Essa proposta pedagógica, segundo a BNCC (Brasil, 2017, p. 33) e o Currículo da Educação Infantil do Município, tem como pilar favorecer que as crianças participem de situações e contextos de aprendizagem que se estabeleçam por meio da ludicidade, do acolhimento e da aproximação com os saberes culturais.

Trata-se de envolver esses saberes numa esfera que privilegie contextos de brincadeiras, de interações, de explorações e descobertas, de modo que os bebês e as crianças bem pequenas os vivenciem como experiências de aprendizagem significativas e cativantes. Para Barbieri (2012, p. 16) é necessário elencar e organizar contextos de aprendizagens a partir das boas experiências, afinal as crianças merecem viver esses contextos, construindo boas memórias.

A importância de que as aulas e as propostas de leitura também sejam experiências lúdicas e significativas às crianças, dialoga com a afirmação de Vygotsky (1993, p. 134): "o melhor método é aquele em que as crianças não aprendam a ler e a escrever, mas, sim, descubram essa habilidade durante a situação de brinquedo".

Ao analisar as narrativas das professoras, foi possível perceber que elas enfatizam sua busca para promover em suas práticas educativas a aproximação dos pequenos com o universo literário, referindo-se a elas como uma aproximação cultural. Embora o trabalho com a leitura seja uma forma de reconhecer que as crianças são potentes para o aprendizado, aproximando-as do universo cultural, pode-se observar que o conceito de cultura versa sobre acesso e proximidade com o mundo letrado. A professora Adélia mencionou que "os bebês são muito capazes de aprender e aprendem muito rápido, por isso eu considero importante realizar momentos de leitura, para aproximá-los da cultura por meio dos livros e das histórias".

A partir dos relatos das professoras, infere-se que a compreensão de cultura dialoga com a perspectiva histórico-cultural de Vygotsky (1993), estabelecendo-se como um aspecto mais amplo, que se refere ao meio social, aos saberes, aos valores e às tradições transmitidas em sociedade. Ainda foi possível perceber que as professoras correlacionam o desenvolvimento infantil às situações de aprendizagem, envolvendo contextos literários.

É possível sugerir, a partir da análise desses relatos, que há a compreensão da importância de se aproximar bebês e crianças dos saberes culturais por meio da leitura, principal estratégia nesse favorecimento, uma vez que acreditam que o acesso ao mundo literário faz toda a diferença em suas vidas.

Tema 2: O trabalho do professor e os temas inferidos a partir da transcrição integral dos relatos das professoras com suas considerações

Com base no segundo tema, foram estabelecidas as categorias: Prática Pedagógica, Possibilidades e Aulas e Propostas de Leitura. Essa temática se constituiu quando as professoras foram provocadas a compartilhar a respeito do trabalho pedagógico relacionado à leitura para bebês e crianças no cotidiano da creche.

O Quadro 2 apresenta as categorias e subcategorias, além de exemplos de relatos com o número de vezes em que ocorreram.

Quadro 2: Categorização do Tema 2

Categoria

Subcategoria

Relatos

Intencionalidade pedagógica

Ação do professor

Eu acho que o encantamento pela leitura é instigado nas crianças pela ação do professor, o modo como o professor conta a história, a criatividade que ele investe nesse contar faz a diferença (Giselda).

4

Planejamento

O planejamento para mim é como uma bússola, a partir dele eu vou organizando as aulas, as propostas de leitura, a sala, a história do dia (Marina).

8

Escuta ativa

Minha prática me ensinou a ter um novo olhar e uma escuta ativa e sensível às crianças (Maria Clara).

9

Letramento

Trabalho não com alfabetização de bebês, o que seria ilógico, mas com letramento, oportunizando que estejam em sintonia com a linguagem oral e escrita (Cecília).

7

Possibilidades

Professor aprendiz

A gente aprende tantas coisas e o mais interessante é que, ao aprender sobre isso, a gente colabora para que as crianças aprendam também (Marina).

12

Crescimento profissional

É rico poder trabalhar numa rede que te dá a oportunidade de crescimento profissional (Raquel).

6

Aulas e propostas de leitura

Programa Sala de Leitura Interativa

Eu acho, de verdade, que esse projeto valoriza o trabalho que já é realizado nas aulas e dá a oportunidade de ir além (Adélia).

9

Gratidão

Eu acho que gratidão é a palavra que define o que sinto em relação ao meu trabalho (Lygia).

10

Desafio

Eu não sabia contar histórias para bebês, foi um desafio (Eva).

12

Intencionalidade Pedagógica

Ao analisar a categoria Intencionalidade Pedagógica, foi possível perceber que os relatos das professoras versam sobre a ação do professor, seu planejamento e a escuta ativa, revelando o modo como cotidianamente organizam contextos e propostas de leitura aos bebês e às crianças bem pequenas.

De acordo com o Caderno de Formação da Educação Infantil (Brasil, 2016, p. 21), ao planejar e organizar propostas de leitura, "é possível acolher os bebês e lhes contar e ler histórias ao mesmo tempo em que eles brincam, olham, dançam", garantindo que participem desse momento de um modo diferente do qual convencionalmente se espera que façam.

Ao relatarem sobre suas ações pedagógicas, as professoras narram ter percebido que os pequenos não participam do momento da leitura sentados em roda, olhando fixamente para elas para apreciar o livro que está sendo lido. Isso lhes causa incômodo e estranhamento, uma vez que tal percepção exige delas repensar sobre suas ações e práticas para assumir outras posturas nessa mediação.

As professoras, ao se referirem à ação docente, mencionaram seu entendimento sobre a necessidade de familiarizar-se com o universo dos pequenos, para planejar melhores propostas de leitura, acolhendo o modo como os pequenos desejam ouvir a contação de histórias, garantindo que aproveitem ao máximo desse momento brincando, dançando ou descansando. A professora Eva explicou que é necessário o entendimento de que os bebês vão ouvir as histórias andando pela sala, brincando, não sentados, quietinhos e que não há nenhum problema nisso. Segundo a docente, "preciso cuidar do planejamento desses momentos entendendo que os bebês têm um modo próprio de ser e de agir no mundo".

Pelas falas das professoras, é possível perceber a organização de suas práticas de leitura, sala de aula, recursos e materiais, visando à oferta de experiências significativas e ricas aos pequenos. Isso se traduz quando explicam a respeito de como elaboram e estruturam seus planejamentos e de como pensam nas estratégias e mediações com as crianças.

A professora Giselda conta que suas aulas são planejadas e organizadas para cativar a atenção e o interesse de suas crianças: "eu penso na história, no conteúdo, na linguagem e na estratégia que utilizarei para esses momentos com elas".

A professora Eva explica que planejar é fundamental, pois as propostas de leitura são proveitosas aos pequenos e o planejamento garante ao professor a organização de suas ações, pois ajuda no prévio preparo dos recursos a serem utilizados.

Essas considerações sugerem que as professoras sistematizam o planejamento de suas ações de modo organizado, qualificando as propostas que realizam juntos às crianças. Para Corsino (2009, p. 119), planejar é um exercício de reflexão, a partir do qual o professor antecipa seus encaminhamentos e ações, no tempo e no espaço, às crianças no cotidiano da Educação Infantil.

O entendimento das professoras de que é necessário flexibilizar o planejamento para atender às necessidades das crianças e dialogar com os contextos que podem se estabelecer no cotidiano da escola, relaciona-se com as colocações de Ostetto (2000, p. 177), ao elucidar que planejar é uma atitude crítica do professor, por isso seu trabalho é flexível e deve ser sempre pensado e revisado.

Pensar e revisar o planejamento é uma ação que a professora Ruth afirma ser constante em sua prática: "o tempo todo eu fico pensando em como posso deixar a aula de leitura mais bacana. Fico revisando o meu planejamento e vou anotando o que deu certo e o que precisa ser melhorado". Ela explica que estrutura os planejamentos, as ações e as mediações que estabelecerá com os pequenos, pensando que eles precisam brincar e ser felizes nessa brincadeira.

Para organizar o planejamento das aulas e as propostas de leitura, as professoras relataram sobre a necessidade de uma escuta para os pequenos. Segundo Cruz (2008, p. 77), os conhecimentos provenientes de várias áreas do conhecimento, enfatizam a concepção de criança como sujeito competente, que tem potencialidade para estabelecer relações, elaborar hipóteses explicativas, estabelecer vínculos interpessoais e construir saberes e culturas. O autor ainda destaca que considerar a criança como cidadã é um modo de reconhecer seus direitos. Esse reconhecimento favorece as condições para uma escuta delas.

A esse respeito, a professora Adélia relata que se empenha no exercício de ouvir a criança, afirmando achar interessante "a tentativa de entender a criança com toda a sua complexidade e potência. Sei que a criança também produz cultura, o que também é retomado na BNCC, e isso me encanta".

A professora Lygia conta que em sua prática cotidiana busca "ter uma ação sensível, uma escuta ativa e um olhar ao interesse das crianças, dando oportunidades para que investiguem, criem, explorem e participem das propostas". A postura de escuta sensível e atenta às necessidades e aos interesses das crianças é prevista pelo Parecer CNE/CEB nº 20/09 (Brasil, 2009, p. 93), ao determinar que "as especificidades e os interesses singulares e coletivos dos bebês e das crianças das demais faixas etárias devem ser considerados" de modo que se compreenda "a criança em cada momento como uma pessoa inteira na qual os aspectos motores, afetivos, cognitivos e linguísticos integram-se, embora em permanente mudança".

Além do exercício da escuta ativa das crianças, verifica-se que a ação das docentes também versa em oferecer condições ao letramento dos pequenos. O contato com os livros, sob a ótica das professoras, contribui também para que as crianças estreitem sua relação com o universo das palavras. Essa é uma oportunidade favorável ao letramento que, segundo Magda Soares (2003, p. 39), é o resultado "da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita".

A professora Cecília explica que ler para os bebês ou ter momentos de brincadeira com os livros, possibilita que as crianças sejam participantes do mundo letrado: "trabalho não com alfabetização de bebês, o que seria ilógico, mas com o letramento, oportunizando que eles possam estar em sintonia com a linguagem oral e escrita". A professora Eva também considera que dar aos pequenos a oportunidade de descobrir e brincar com os livros é uma forma de ampliar seus horizontes.

Ao analisar os relatos das professoras, quando mencionam suas ações pedagógicas e o planejamento que realizam, entendemos que suas posturas demonstram a tentativa em alinhar sua prática às proposições da BNCC (Brasil, 2017, p. 33), que determina o brincar como um direito de aprendizagem, pois seu desenvolvimento deve ser garantido. Possivelmente, essa tentativa está relacionada ao fato de que o Currículo da Educação Infantil da rede municipal se fundamenta nesse documento.

Possibilidades

Em relação à categoria Possibilidades, verifica-se que as narrativas das professoras abordam os contextos do crescimento profissional do professor que está sempre em constante aprendizado. Ao analisar seus relatos, observamos que compreendem as aulas como oportunidades de aprendizado, tanto para seus pequenos quanto para elas mesmas.

A professora Eva explica que aprendeu muito sendo professora de bebês e crianças bem pequenas, porque "aprendi, por exemplo, a ter sensibilidade na escuta, que não tem receita de bolo para se trabalhar com os pequenos. Aprendi ainda que eu preciso sempre estudar e me dedicar a cada dia".

A professora Lygia compartilhou que precisa se reinventar: "tive que buscar novas estratégias para esse momento de leitura com as crianças e me surpreendi por aprender tanto, principalmente sobre ser receptiva aos saberes das crianças. Isso é mágico pra mim e até me emociona".

Essas declarações sugerem que as professoras procuram, no trabalho que realizam, estabelecer uma relação pedagógica com seus pequenos que, nas palavras de Verdum (2013, p. 94-95), "não é assimétrica, no sentido de que ambos os lados: professor e aluno, ensinam e aprendem, construindo e reconstruindo o conhecimento juntos". Essa relação de diálogo e saberes possibilita às professoras que assumam uma postura de pesquisadoras, fazendo descobertas sobre o modo como os bebês e crianças aprendem e se desenvolvem quando participam de situações de leitura. Assim, enquanto os pequenos constroem os seus saberes, as professoras também têm a possibilidade de aprender com a sua observação e prática.

Freire (1986, p. 125) entende que a educação dialógica se estabelece quando há uma postura epistemológica do professor. Essa postura não confere ao docente um status de detentor do saber, mas elucida o seu movimento em relação aos alunos e o envolvimento deles em investigações sobre um objeto de conhecimento, a fim de juntos construírem novos saberes.

A professora Cecília conta que sua profissão é uma oportunidade de constante aprendizado, "uma possibilidade de fazer o que eu amo, de aprender a cada dia e de ensinar também".

Para Sacristán e Gómez (1998, p. 379), a ação de experimentação possibilita ao professor fazer intervenções na intenção de refletir sobre ela, ampliando a sua própria compreensão a respeito. É possível atentar para o fato de que os relatos das professoras revelam sua tentativa em refletir sobre o aprimoramento da qualidade do trabalho que realizam junto aos pequenos. A professora Maria Clara afirma que a busca por fazer o melhor para os seus pequenos é "para que eles aprendam e se desenvolvam e, nessa busca, eu também aprendo muito".

Pelos relatos das professoras, pode-se perceber que a postura de se dispor a aprender contribui para que cresçam profissionalmente. Esse crescimento, segundo o que elas relatam, não é entendido como possibilidade de ascensão na carreira, mas como aquisição de novos saberes para qualificar sua atuação com as crianças. 

Em suas considerações, as professoras expressam a consciência da necessidade em construir conhecimentos pedagógicos a partir do diálogo entre saberes teóricos e práticos, favorecendo essa construção. Elas revelam enxergar a importância de ampliar as suas aprendizagens, explicando que o fazem na medida de suas possibilidades, contudo afirmam disposição para esse propósito. Para elas, trabalhar em uma rede, cujo olhar é diferenciado às propostas de leitura na Educação Infantil, é uma oportunidade de crescimento profissional.

Ao relatar sobre seu crescimento profissional, a professora Eva explica que aprendeu com a prática e que isso aconteceu "conversando com as colegas, construindo vínculos com os bebês e procurando materiais na internet, pois não tem um curso específico para isso, [...] estou sempre disposta a aprender".

O discurso das professoras mostra que elas acreditam que os estudos formativos podem contribuir para o seu crescimento profissional, mas revela também que elas têm a consciência de que não há um curso que forneça um esquema prático ou um manual de como realizar propostas de leitura. Outra questão revelada por elas é que o aprendizado pode ser adquirido na prática, no diálogo com as colegas de profissão e na construção de vínculos com as crianças.

Ao analisar as falas das docentes, pode-se inferir que estão construindo a compreensão de que "a formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares" (Pimenta, 1999, p. 29), e que elas percebem que os aprendizados, construídos na prática cotidiana, podem qualificar a sua própria formação.

Pela análise das falas das professoras, é possível perceber que compreendem que o avanço profissional é importante, investindo em estudos que tragam repertórios de possibilidades para aprimorar suas ações e mediações junto às crianças nas aulas de leitura. Contudo, há também o desejo de ter acesso a cursos que tragam a perspectiva humana desses saberes teóricos, que embora preciosos, devem ser enriquecidos pelas relações humanas, os vínculos estabelecidos com as crianças e pares de profissão.

O reconhecimento de que os vínculos construídos com as crianças podem trazer aprendizados e reflexões ao professor, se mostra presente na consideração da professora Ruth, ao explicar que "não adianta só fazer um monte de cursos, para ser um bom professor de leitura, um bom professor de creche. É preciso criar vínculos, perceber o que as crianças podem ensinar e ouvir o que as colegas de profissão trazem ao partilhar seus saberes".

Desse modo, a análise da categoria Possibilidades traz a certeza de que o aprendizado do professor é um o pilar para o seu crescimento profissional, uma vez que crescer profissionalmente representa a ampliação dos saberes pedagógicos. Segundo as professoras, isso só é possível quando há a qualificação profissional. Embora possa acontecer por meio de cursos e formações, a qualificação é mais intensa nos aprendizados cotidianos e nas relações com as crianças e colegas de profissão.

Aulas e propostas de leitura

Ao realizar a análise da categoria Aulas e Propostas de Leitura, verificou-se que as professoras se referem ao programa Sala de Leitura Interativa manifestando gratidão e reconhecendo seus desafios. Em suas narrativas, percebemos que, para elas, atuar como professora numa rede de ensino em que a Literatura na Educação Infantil é um programa diferenciado, ressalta a importância desse trabalho junto às crianças como uma inspiração à ação docente.

A professora Giselda menciona que considera o programa um diferencial da rede, uma vez que ele traduz a importância de se garantir propostas de leitura para as crianças desde o Berçário. Ela afirma que é "muito inspirador ver esse trabalho acontecendo bem pertinho de mim e me inspira a pensar em possibilidades para incrementar minhas aulas".

A professora Marina conta que vê o programa como uma partilha de saberes entre as professoras da sala regular e as professoras da sala de leitura. Segundo ela, o programa "é um olhar sensível para a importância do trabalho de leitura com os bebês e com as crianças e permite que sejam feitas trocas entre a gente que está na sala regular e o professor que tem o foco nas aulas de leitura".

Pode-se observar que as professoras valorizam o trabalho realizado nesse programa e afirmam que ele é uma possibilidade de troca de experiências, de aprendizado, que as inspira e motiva a pensar em boas propostas de leitura com as crianças.

O programa Sala de Leitura Interativa é uma particularidade da rede de ensino pesquisada e tem, por princípio, conforme a Orientação 001-DEI (2018), realizar um trabalho pedagógico cuja centralidade é a leitura literária por meio de um ambiente favorecedor da cultura e da criatividade infantil, por meio da construção de relações afetivas e cognitivas. Ainda segundo essa orientação (p. 2), ao escolher atuar nesse trabalho, "é imprescindível que o professor seja um leitor assíduo, tenha gosto pela leitura, principalmente literária".

A professora Adélia conta que escolheu trabalhar na sala de leitura, porque acredita "que só seria possível encantar as crianças com os livros, se esse encantamento estivesse presente em mim. E sou muito convicta ao afirmar que ele está".

Embora a orientação sobre a importância de ser um leitor assíduo seja específica para os professores do programa, as professoras que trabalham como regentes das turmas do Berçário e da Infantil I, também contam que o hábito da leitura é presente em sua rotina. A professora Cecília explica que sempre tem um livro à mão "porque eu considero o livro uma companhia indispensável. Se eu quero que os meus bebês desenvolvam gosto pelos livros é importante que eu também tenha esse apreço, não acha?".

Para a professora Giselda, o hábito da leitura é inerente ao professor, "não dá pra incentivar alguém a ler se você não tem essa ação. Ler é essencial, por isso eu sempre li e leio muito. Leio para aprender, para me divertir, para viajar sem sair de casa. Eu quero muito ajudar as crianças a sentirem a leitura dessa forma".

Ao demonstrar que compreendem a importância de assumir o hábito de leitura para qualificar o seu trabalho junto às crianças, o discurso das professoras relaciona-se com as proposições de Geraldi (1988, p. 80) ao afirmar que as leituras previamente realizadas, revelam-se como condições para que o trabalho com a leitura construa novos leitores.

Segundo a Orientação 001-DEI (2018), o professor do programa Sala de Leitura Interativa tem por atribuição, "manter-se sempre bem informado e atualizado, propondo e executando atividades inovadoras e criativas de incentivo à leitura, à formação do sujeito-leitor na primeira infância". A professora Cecília, em um dos seus relatos, disse que criatividade não lhe falta: "eu uso caixa surpresa, cesto dos tesouros, fantasia, dança e música, muita música. Eu sempre tento planejar algo novo para trazer para eles porque eu acho importante eles estarem envolvidos".

Ao analisar os relatos das professoras, pode-se perceber que reconhecem a importância do trabalho realizado na sala interativa e consideram-na um diferencial profissional por trabalharem em uma rede que qualifica oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento dos pequenos.

A professora Maria Clara contou que trabalhar numa escola que tem o programa influencia a sua ação como professora. Ela se sente feliz com o seu trabalho: "sou grata por trabalhar aqui, também me sinto feliz por poder contribuir com o desenvolvimento dos pequenos e ampliar o meu crescimento profissional. Ser professora dessa REM, para mim, é sim um bom diferencial".

Acreditar que o trabalho realizado junto às crianças pode contribuir para o seu desenvolvimento e que atuar em uma rede que promove ações pedagógicas concretas para o favorecimento da aproximação com o universo da literatura, contribui para que as professoras enxerguem o que Freire (1997, p. 67) chama de boniteza de ser professor. Segundo o autor, tanto o ensino quanto a aprendizagem, não podem se estabelecer longe dessa busca, longe dessa alegria e, consequentemente, longe dessa boniteza.

Além da gratidão, outro aspecto que se mostra presente no discurso das professoras é o desafio. Em suas falas relatam que consideram importante se empenhar para superar os desafios cotidianos, assumindo uma postura de professor que conduza a sua prática para contribuir com o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças, "um ator social com uma função socialmente determinada e, portanto, diretamente responsável pelos processos educativos institucionais" (Vilela, 2000, p. 2).

A professora Raquel explica que "os desafios de ser professora de creche é a dificuldade de conviver com os comportamentos de algumas pessoas que trabalham na educação, mas não tratam as crianças com amor, não constroem vínculos com elas". A ação é necessária, "principalmente em creches, onde as crianças são tão carentes de afeto e passam o dia todo. Eu me esforço para ser uma professora comprometida com a educação e com os cuidados das crianças".

A professora Maria Clara conta que, para ser professora de creche, "encontrei vários desafios e também aprendi a colocar em prática meus conhecimentos teóricos alinhados com algumas vivências e parcerias".

A análise dessa categoria permite a compreensão de que professoras, embora reconheçam que seja desafiante e haja percalços no ensino dos pequenos, se sentem agradecidas por trabalhar numa rede de ensino que tem um programa específico de leitura para essa faixa, porque acreditam que essa seja uma oportunidade de crescimento profissional. Esse crescimento, na perspectiva delas, se refere à ampliação de seus próprios conhecimentos para qualificar a prática pedagógica.

Considerações finais

De maneira ampla, a pesquisa apontou que as professoras participantes das entrevistas expressam suas representações acerca da leitura na primeira infância. A análise mostrou que as imagens citadas pelas professoras sugerem a leitura na primeira infância como um percurso de aprendizagem que se estabelece por meio das brincadeiras, das aulas e dos livros.

Foi possível perceber que as professoras afirmam a importância da leitura na primeira infância e acreditam que planejar e realizar propostas ou aulas de leitura são possibilidades de conduzir a formação intelectual dos pequenos. Para elas, investir em propostas de leituras, oferecem oportunidades a contextos nos quais os bebês e crianças avançam em suas descobertas culturais. Assim, a leitura mostra-se como uma porta de acesso ao conhecimento.

Ao desenvolverem práticas educativas, as professoras buscam alinhar seu planejamento e ação pedagógica às orientações apresentadas nos documentos curriculares da rede de ensino em que atuam. Tanto as propostas quanto as aulas de leitura são estruturadas em planejamentos que contemplem a organização dos espaços, tempos e materiais, bem como a ação docente e a escuta ativa dos bebês e crianças.

Os planejamentos são elaborados pelas professoras regentes em parceria com a orientadora pedagógica da escola, como propostas diárias de leitura e/ou contação de histórias de apreciação literária. Nos momentos de apreciação, as crianças e os bebês são convidados a explorar e a manusear os livros, assim como os recursos usados nas histórias. O uso de recursos e estratégias como fantasias, caixas, adereços e músicas é frequente a fim de motivar a atenção e a participação dos bebês e das crianças.

Mediante o estudo realizado é possível correlacionar a observação das práticas das professoras com a análise de suas narrações, pois acreditam que o acesso ao mundo letrado é uma forma de contribuir com a aprendizagem e o desenvolvimento do grupo. Outro aspecto relevante a ser considerado são as questões referentes às práticas educativas que se estabelecem em relação à leitura para a primeira infância e a hipótese de que essas estejam permeadas de ações que revelam a crença das professoras de que a leitura é uma oportunidade de conduzir a aprendizagem e contribuir para que as crianças avancem em seus saberes culturais, tendo como base as representações que as professoras têm a respeito das práticas realizadas na escola e o seu papel na sua construção.

Referências

BARBIERE, Stela. Interações: onde está a arte na infância? São Paulo: Blucher, 2012.

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Publicado em 23 de maio de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

LIMA, Rita de Cassia Pereira; BIZARRIA, Geisa Aparecida Martins. Práticas educativas de leitura na primeira infância sob a ótica das representações sociais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 19, 23 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/19/praticas-educativas-de-leitura-na-primeira-infancia-sob-a-otica-das-representacoes-sociais

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