Formação continuada de professores em perspectiva inclusiva

Edna Regina da Silva Aguiar Arruda

Mestra em Educação, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental no Colégio Universitário Geraldo Achilles Reis

Vanessa Canuto Coelho

Mestra em Educação, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede pública municipal do Rio de Janeiro, mediadora do curso de atualização em Educação Especial Inclusiva

Primeiras palavras

Fomentar a criação e a consolidação de um viés inclusivo na cultura das instituições escolares requer um esforço coletivo, cuja figura indispensável é a do professor. O papel que esse profissional exerce nesta engrenagem é fundamental uma vez que sua atuação pode erguer pontes que levam ao caminho da inclusão. Com esse argumento, não existe a intenção de colocar sob seus ombros uma parcela maior de responsabilidade em relação ao processo da inclusão escolar, tendo em vista que o tema abrange múltiplos fatores, mas chamar atenção para a necessidade de refletirmos sobre o processo de formação desses profissionais.

De acordo com Pletsch (2009), a formação de professores no Brasil segue um modelo tradicional e, portanto, inadequado para suprir as reivindicações sobre a inclusão na educação. Acrescenta a estudiosa que o quadro é de carência, quando a pauta em questão é a oferta de disciplinas que tratam dos conteúdos relativos à Educação Especial e, consequentemente, o debate sobre a inclusão no campo escolar é incipiente. Ela destaca que, de maneira geral, as licenciaturas não estão preparadas para desempenhar satisfatoriamente a sua função de formar professores para lidar com a heterogeneidade.

Organizar a formação docente, inicial ou continuada, com base na perspectiva da inclusão é oferecer aos professores recursos teórico-práticos que provoquem o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre o papel social que eles desempenharão, exigindo um processo formativo alicerçado no contínuo entrelaçamento entre a teoria e a prática, na certeza de que todos os educandos têm condições de aprender e, ainda, no entendimento de que a escolha dos conteúdos a serem ministrados, assim como a seleção dos seus procedimentos metodológicos, constituem-se atos políticos (Zerbato, 2018). 

A partir desse entendimento, elaboramos o presente relato, que se propõe a apresentar uma experiência de formação continuada com foco na Educação Especial.  A referida formação aconteceu remotamente, no ano de 2020, em uma escola de Educação Básica, localizada no município de Niterói/RJ. A proposta foi organizada pela professora de Educação Especial em parceria com os mediadores que atuam na instituição escolar. Importante destacar que o ano de 2020 foi marcado por um contexto bastante adverso, a saber, pela pandemia causada pelo Sars-CoV-2. Nesse contexto, alguns questionamentos mobilizaram todo o corpo docente, a saber, como desenvolver um trabalho pautado em uma concepção ampliada de educação, que inclua qualidade social e considere todos os estudantes em meio à crise do covid-19 e como alcançar os estudantes atendidos pela Educação Especial. Essas indagações e tantas outras estiveram presentes entre o corpo docente e motivaram a organização do curso de formação continuada que será objeto deste relato.

Firmando passos no campo da formação continuada

Ao estabelecer uma relação entre escola e formação docente, Nóvoa (2017) enfatiza a necessidade de conferir aos professores da Educação Básica a possibilidade de ocuparem o lugar de formadores, não destinando esse papel a profissionais externos. Complementa o seu raciocínio, pontuando que as escolas não devem ser um simples “campo de aplicação”. Os profissionais que integram a escola precisam identificar as dificuldades que permeiam o cotidiano escolar e juntos encontrar caminhos possíveis para solucioná-las. Sem dúvida, a contribuição de agentes externos é válida, mas “é no lugar da escola que ela (a formação continuada) se define, enriquece-se e, assim, pode cumprir o seu papel no desenvolvimento profissional dos professores” (Nóvoa, 2019, p. 11).

O ano de 2020 reservava desafios que ainda não havíamos experimentado e a escola seria literalmente transportada para o ambiente virtual, sendo profundamente atingida pela “cruel pedagogia do vírus” (Santos, 2020). Quando nos deparamos com esse contexto, a primeira reação foi o medo: “Não fui formada para trabalhar neste contexto”, “Como fazer dar certo?”, “Se trabalhar com os estudantes típicos será um desafio, como encaminhar os processos de ensino aprendizagem com os estudantes atendidos pela Educação Especial?”. Tais questionamentos eram as preocupações de todo corpo docente. Passado o primeiro impacto, demos encaminhamento a uma série de ações e, aos poucos, fomos aprendendo a trabalhar de um jeito diferente, por meio das telas, porém sem desconsiderar o fato de que precisávamos alcançar todos os educandos.

Com uma escuta atenta e sensível a professora de Educação Especial, responsável pelo setor de Atendimento Educacional Especializado (AEE), lançou uma proposta à direção da escola. Ressaltou que se havia uma preocupação sobre como trabalhar com estudantes atendidos pela Educação Especial, em meio ao contexto pandêmico, o ideal seria estudarmos a respeito. Propôs, então, a organização de um curso de formação continuada que tratasse de temas específicos: legislações que orientam a inclusão em Educação, estudos sobre as deficiências e a importância do Plano Educacional Individualizado (PEI) como um elemento para orientar e sistematizar práticas pedagógicas.

Cabe mencionar que “a Educação Especial não é mais concebida como um sistema educacional paralelo ou segregado, mas como um conjunto de recursos que a escola regular deverá dispor para atender à diversidade de seus alunos” (Glat e Fernandes, 2005, p. 5). 

A ideia foi apresentada ao corpo docente que rapidamente a aprovou e as providências foram tomadas: datas definidas, dinâmica de organização delineada e convites realizados a profissionais e a pesquisadores externos. Feito isso, o curso começou a ganhar “corpo” e foi organizado em cinco encontros com temáticas específicas: síndrome de Down e deficiência intelectual, osteogênese imperfeita e altas habilidades, transtorno do espectro autista, deficiência visual e transtorno do processamento auditivo e ensino colaborativo. Ficou decidido que os assuntos pertinentes à Educação Especial seriam estudados a partir dos casos presentes em nossa própria escola e que os convidados apresentariam contribuições teóricas, bem como nos auxiliariam nos processos de reflexões. O curso recebeu o título de “Diálogos sobre Inclusão: experiências e saberes nos cotidianos escolares”. Os encontros duravam cerca de duas horas e aconteciam intermediados pela plataforma de videoconferência Google Meet.

Antes de cada encontro um formulário era enviado ao corpo docente apresentando algumas questões específicas, tais como, o nosso conhecimento acerca da temática que seria tratada, as dúvidas relacionadas ao tema, se já havíamos trabalhado com o estudante e, em caso afirmativo, éramos convidadas/os a falar um pouco sobre os estudantes e a narrar algumas atividades realizadas. Em alguns encontros, tivemos a oportunidade de contar as nossas experiências com os estudantes. Esse movimento foi muito importante, porque possibilitou que revisitássemos memórias afetivas e pedagógicas e, sobretudo, intensificou a certeza do quanto a nossa práxis precisa estar centrada nas potencialidades dos estudantes e não naquilo que eles ainda não conseguem fazer.

Importante destacar que uma das ações da professora da Educação Especial foi dar protagonismo aos mediadores que trabalhavam em parceria com os professores regentes. Portanto, eles teriam contribuições valiosíssimas para compartilhar. Assim, as informações que emergiram das respostas aos questionários eram somadas às percepções dos mediadores, organizando o material utilizando a plataforma de design gráfico denominada Canva. Durante os encontros, os mediadores também assumiram a tarefa de apresentar os casos dos estudantes. No final do curso os participantes interessados puderam solicitar o referido material, bem como requerer as gravações dos encontros para rever os diálogos que foram tecidos em relação às temáticas selecionadas para a formação.

O convite para participar do curso de formação foi estendido a professores, funcionários da escola, bolsistas e estagiários. A formação era dividida em dois momentos: o primeiro apresentava os casos dos estudantes e, em seguida, o profissional ou pesquisador convidado fazia uma breve explanação sobre o tema definido. Posteriormente, abria-se espaço para que os participantes pudessem compartilhar as suas dúvidas, expectativas e, também, durante diálogo coletivo, vislumbrar novas possibilidades de ação.

Importante frisar que um dos pontos destacados pelos participantes do curso foi a dificuldade de trabalhar remotamente tanto com os estudantes considerados típicos, como com os estudantes atendidos pela Educação Especial. Os estudantes pertencentes a esse grupo específico apresentavam dificuldades mais acentuadas para se manterem diante da tela por um tempo mais prolongado. Os professores e mediadores também relataram que a distância física era um entrave importante para mediar o ensino e destacaram que, durante a pandemia, o ambiente virtual foi importante para manter o vínculo com os estudantes. Contudo, o tempo/espaço comprometeu a dimensão da inclusão.

Ao final do curso percebemos o quanto foi importante pensar questões inerentes ao campo da Educação Especial, por meio da perspectiva da educação inclusiva. A partir dos casos presentes em nossa própria escola, tivemos a experiência de conhecer melhor estudantes que não estudam no segmento em que atuamos. Essa oportunidade reforçou o entendimento que tais educandos fazem parte da escola e não são responsabilidade apenas de um professor específico ou do mediador. Todos que compõem o cenário escolar estão aptos a trabalhar em prol de uma escola inclusiva.  

Novas possibilidades

Neste texto apresentamos o processo de elaboração e de desenvolvimento de um curso de formação continuada que se propôs a pensar questões relacionadas ao campo da inclusão, com o seu foco na Educação Especial. Para isso, a história dos estudantes atendidos pela Educação Especial foi o eixo central da proposta. Uma ação extremamente necessária diante do contexto que acompanhou o ano de 2020, um contexto de dúvidas, de incertezas e de medo, mas também de vontade de seguir adiante reinventando as práticas pedagógicas.

Rememorar, nos encontros propostos, a trajetória de cada estudante, as suas potencialidades, os desafios superados e os que ainda estão no horizonte, reforçou o entendimento de que o nosso fazer pedagógico deve ser pautado no reconhecimento das diferenças presentes no cenário escolar e, sobretudo, que, a escola ofereça as condições necessárias a todos os estudantes de obter êxito no processo de aprendizagem. Sem dúvida, a experiência vivenciada nessa formação, suscitou reflexões sobre a nossa própria prática e inaugurou uma nova maneira de organizar as formações continuadas da instituição escolar, citada neste relato.

Diante do exposto é possível afirmar que olhar com atenção para a realidade que pulsa no interior da escola é um dos caminhos possíveis para promover a inclusão no campo educacional.

Referências

GLAT, Rosana; FERNANDES, Edicléa Mascarenhas.  Da educação segregada à Educação Inclusiva: uma breve reflexão sobre os paradigmas educacionais no contexto da Educação Especial Brasileira. Revista Inclusão, n° 1, p. 35-39, out. 2005.

NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n° 166, out./dez. 2017.

______. Os professores e a sua formação num tempo de metamorfose da escola. Educação & Realidade, v. 44, n° 3, 2019.

PLETSCH, M. D. A formação de professores para a Educação Inclusiva: legislação, diretrizes políticas e resultados de pesquisas. Educar em revista, n° 33, p. 143-156, 2009.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020.

ZERBATO, A. P. Desenho universal para aprendizagem na perspectiva da inclusão escolar: potencialidades e limites de uma formação colaborativa. 2018. 298 f. Tese (Doutorado em Educação Especial) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2018.

Publicado em 17 de janeiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

ARRUDA, Edna Regina da Silva Aguiar; COELHO, Vanessa Canuto. Formação continuada de professores em perspectiva inclusiva. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 2, 17 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/2/formacao-continuada-de-professores-em-perspectiva-inclusiva

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.