Resenha do livro "Acessibilidade e Desenho Universal na Aprendizagem”

Jardel Delgado Marques

Licenciado em Pedagogia (UNIRIO), pós-graduado em Temas e Perspectivas Contemporâneas de Educação e Ensino (CEFET/RJ), pós-graduando em Educação Especial e Inovação Tecnológica (UFRRJ), docente no UNIFAA, monitor de Inclusão na rede municipal de Valença/RJ

A inclusão das pessoas com deficiência é uma temática que tem ganhado visibilidade e discussão no atual cenário educacional do Brasil. A luta pelo respeito às diferenças e pela inclusão escolar dos estudantes público-alvo da Educação Especial tem sido importante material para a formulação de políticas públicas desde o final do século XX. Contudo, ainda se observa a presença de alguns defensores de escolas e classes especiais, em detrimento do processo de transformação do meio escolar e das práticas pedagógicas para, de fato, incluir tais estudantes.

Nesse sentido, o livro Acessibilidade e Desenho Universal na Aprendizagem apresenta algumas questões que servirão de ideias a fim de problematizar a educação sob a perspectiva da inclusão e da acessibilidade, deixando claro que o aluno com alguma deficiência deve ser encarado como um estudante capaz de aprender e participar das atividades pedagógicas propostas, desde que sejam pensados os mecanismos que possibilitem tal participação. Daí decorre o sentido de acessibilizar o universo escolar, perpassando o ambiente físico, o currículo, o planejamento das atividades e as atitudes que decorrem dessas relações.

O livro é de leitura rápida, mas muito instigante, trazendo uma riqueza de materiais que aguçam a ideia dos educadores preocupados com essa transformação educacional. A obra está dividida em onze capítulos; cada um explana uma deficiência específica: surdez, cegueira, autismo e surdocegueira, dentre outras.

Os autores, inicialmente, se propõem a explicar as questões que dialogam com uma prática em Educação Especial, de modo a auxiliar o docente nesse trajeto inclusivo, lúdico e significativo, tanto para a/o aluna/aluno com deficiência, como para as/os demais da turma. Muitas das ideias colocadas ao longo do livro podem ser facilmente encontradas na internet ou confeccionadas na própria escola. O mais importante é compreender a deficiência de cada aluno e romper com a ideia de que a deficiência é limitadora de participação plena nas atividades sociais.

Na Apresentação, é explicado que a escrita do livro derivou das considerações e dos estudos realizados pelo Observatório de Educação Especial e Inclusão Educacional (ObEE) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), sob a coordenação da professora Márcia Denise Pletsch, que também organiza a obra. Nessa parte introdutória, é destacado que muitas sugestões visam orientar o processo educacional tanto presencial como remoto dos estudantes com deficiência incluídos no Ensino Superior e na Educação de Jovens e Adultos, porém as estratégias também poderão ser facilmente utilizadas na Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), uma vez que o foco das ideias é promover uma acessibilidade curricular mediante a utilização de suportes e apoios que promovam a plena participação de tais alunas/alunos.

O primeiro capítulo do livro inicia com breve explanação acerca da acessibilidade e do Desenho Universal na Aprendizagem (DUA) como conceito amplo e embasador, que pode ser encontrado dentro de importantes legislações brasileiras, como a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/15), conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. O conceito de acessibilidade abre discussão para o entendimento de que ele não se resume apenas ao ambiente físico, mas a atitudes, procedimentos e métodos que perfazem a prática pedagógica e acolhida da/do estudante com alguma deficiência no meio escolar.

Pletsch et al. (2021, p. 22) destacam que “o DUA observa os aspectos cognitivos e afetivos dos sujeitos. Essa perspectiva não se pauta pela ideia de que existe um estudante padrão ou homogêneo”. Assim, o que se percebe é que a acessibilidade curricular se dá por meio da compreensão de que cada estudante se apropria do conhecimento de uma forma e os mediadores desse saber devem compreender quem são essas/esses estudantes, quais as barreiras que poderão dificultar essa aprendizagem, qual o objetivo de aprendizagem e quais os recursos que podem fazer parte dessa relação de ensino e aprendizagem.

A partir do segundo capítulo são detalhados recursos e orientações para cada tipo de deficiência, numa forma de organizar melhor a obra.

O segundo capítulo trata do Transtorno Espectro Autista (TEA), transtorno do neurodesenvolvimento que afeta a linguagem, a comunicação e a interação social dos sujeitos. É explicado que a/o aluna/aluno com TEA é capaz de aprender, mas é preciso atentar para o ambiente ao redor e focar nas reais habilidades que elas/eles possuem. São trazidas dicas bem simples, como: apresentar a rotina antes de cada aula, usar mapas visuais para exemplificar conteúdos abstratos e relacionar os interesses repetitivos com os conhecimentos a serem trabalhados durante a aula. São oferecidas ainda algumas estratégias tecnológicas que podem facilitar a organização e o planejamento das aulas para as/os estudantes com TEA, tais como: o Livox (aplicativo com imagens que facilitam a comunicação/interação com essas/esses estudantes); PictoTEA (aplicativo gratuito que oferece pictogramas que também visam facilitar a comunicação) e o Autismo Projeto Integrar (ambiente virtual que objetiva facilitar a organização das atividades rotineiras, algo que é muito importante para os sujeitos com TEA). Ao fim do capítulo, também é apresentado um quadro com sites que contêm informações sobre TEA e que servem para nortear a/o professora/professor que, às vezes, pode se sentir insegura/o ao receber uma/um estudante com esse diagnóstico.

O terceiro capítulo aborda estratégias para os estudantes com altas habilidades/superdotação (AH/SD). Nele também é ressaltado que é difícil identificar esses alunos, seja na Educação Básica, seja no Ensino Superior, mas, quando identificados, é preciso remodelar a proposta de ensino.

Pletsch et al. (2021) apontam que o desenvolvimento social e acadêmico dessas/desses estudantes AH/SD versa sob duas vertentes:

  • Construir metodologias de ensino que promovam a pesquisa em acervos digitais e a resolução de problemas e desafios relacionados aos conteúdos de forma interdisciplinar;
  • Promover diversas situações nas quais os estudantes possam exercitar competências do pensamento criativo (Pletsch et al., 2021, p. 34).

O quarto capítulo discute estratégias para as pessoas com deficiência intelectual, que, apesar dos muitos estigmas, também podem galgar novos patamares na construção acadêmica e não devem ser vistas como limitadas. Uma estratégia simples e que apresenta bons resultados é “dispor de um tempo de orientação com esses estudantes, voltado para as especificidades do nível educacional” (Pletsch et al., 2021, p. 36). Com base nessa orientação, será possível remodelar a didática e a condução do processo inclusivo sem deixar a pessoa com deficiência intelectual de fora das atividades propostas.

No capítulo cinco a discussão é sobre a inclusão das pessoas com deficiência física, destacando que “é preciso considerar a diversidade de formas como essa deficiência se apresenta. Temos sujeitos com cadeiras de rodas, com muletas e outras” (Pletsch et al., 2021, p. 39). Assim, para a plena participação dessas/desses estudantes, faz-se necessário repensar o ambiente físico que acolherá essas pessoas, bem como os suportes a serem adotados. Ao longo do capítulo são apresentados objetos e recursos que facilitam o dia a dia dessas pessoas; alguns deles podem, inclusive, ser confeccionados artesanalmente nas escolas, como o engrossador de lápis e talheres e a presilha para fixação de material impresso. No fim do capítulo é colocada breve biografia do físico Stephen Hawking, reconhecido mundialmente por encontrar estratégias para vencer sua severa limitação física.

O sexto capítulo trata da deficiência múltipla, que é a associação de duas ou mais deficiências, que trazem mais impactos na vida da pessoa, pois sua limitação é maior. Para essas pessoas, o recomendado é o uso de tecnologia assistiva, que visa promover seu desenvolvimento cognitivo e sua autonomia nas questões de vida diária. A grande questão para a utilização desses recursos e suportes é que a maioria demanda desprendimento financeiro, pois são hardwares e softwares pagos. No capítulo são apresentadas imagens de dispositivos com tela sensível, acionadores que substituem o mouse do computador e órtese que facilita a digitação. Por também apresentarem significativas dificuldades na comunicação, é orientada ainda a utilização de suportes de comunicação alternativa (CA) – recursos tecnológicos ou materiais artesanais feitos na própria unidade escolar, como cartazes com desenhos que fazem alusão a alguma atividade, como comer, ir ao banheiro, sentar, perguntar e responder.

O sétimo capítulo aborda questões pertinentes à surdez e à deficiência auditiva; dois conceitos que, por mais que se pense, não são sinônimos. Surdo refere-se à condição da pessoa que se identifica como não ouvinte e que se utiliza da Língua Brasileira de Sinais (Libras). A pessoa com deficiência auditiva é definida como aquela que perde, parcial ou totalmente, a capacidade de ouvir, mas que utiliza outros recursos para se fazer comunicar, sem ser a Libras. É importante saber essa diferença até mesmo para propor um planejamento que facilite a participação da/do aluna/aluno nas aulas, pois para o estudante surdo a acessibilidade se dará por meio da Libras, ao passo que para o estudante com deficiência auditiva a acessibilidade se dará com a utilização de outros recursos e suportes. Nesse capítulo são apresentados alguns recursos tecnológicos que facilitam a condução da aula, de forma presencial ou remota: Videoant (software que permite fazer anotações e comentários em vídeos do YouTube e, com isso, facilitar a compreensão da pessoa com deficiência auditiva); Volume Master (software que aumenta o volume das guias do Google Chrome); Sound Amplifier (aplicativo gratuito que amplifica os sons nos smartphones e tablets e, assim, facilita a interação da pessoa com deficiência auditiva e o aparelho); Hand Talk (aplicativo gratuito que possui um avatar que faz interpretações em Libras, além de conter alguns vídeos curtos que ensinam sinais muito utilizados no dia a dia) e o Vlibras (tradutor de Português para Libras utilizado de forma online).

O oitavo capítulo trata da acessibilidade para a pessoa com deficiência visual, seja cega ou com baixa visão. Cabe diferenciar que a pessoa cega é aquela que, mesmo com correções e recursos ópticos, permanece sem capacidade visual, ao passo que a pessoa com baixa visão, ao utilizar recursos ópticos, consegue enxergar alguma coisa, ainda que com certa dificuldade. Nesse capítulo são colocadas diversas estratégias que podem ser adotadas no planejamento das aulas, considerando a especificidade da pessoa e sua acuidade visual. O sistema Braille é considerado o principal instrumento para facilitar a plena participação da pessoa com deficiência visual no meio social. São informadas ainda as fontes de letras mais limpas e que melhor facilitam a leitura para uma pessoa com baixa visão, ao se pensar em material impresso. Ao final do capítulo, são explicadas as diferenças nas bengalas utilizadas pelas pessoas que apresentam deficiência visual: a bengala verde é destinada à pessoa com baixa visão; a bengala branca para a pessoa cega e a bengala branca e vermelha para as pessoas surdocegas.

O nono capítulo apresenta estratégias e recursos para acessibilizar o processo escolar para as pessoas surdocegas. Apesar de algumas pessoas acharem que se trata de deficiência múltipla, Pletsch et al. (2021, p. 69) explicam que “se trata de uma modalidade de deficiência com associações estritamente sensoriais”, isto é, a pessoa tem perda da capacidade visual e auditiva e, por esse motivo, a condução do trabalho pedagógico deve ser bem específico e minucioso, necessitando de atividades que explorem variadas formas de estimulação sensorial e de vida prática. Nesse capítulo são apresentadas como estratégias comunicacionais: a Língua de Sinais tátil, que é uma forma de comunicação que utiliza a mão da pessoa surdocega com a mão de outra pessoa, e o Tadoma, um método em que a pessoa com surdocegueira posiciona o dedo polegar sobre os lábios da pessoa que fala e os demais dedos são posicionados sobre a bochecha, o queixo ou a garganta e dessa forma é percebido o que a pessoa está falando. O Braille também pode ser uma poderosa ferramenta de compreensão da pessoa com surdocegueira, de modo que seja adaptado para que essa pessoa o perceba através do tato. É mencionado ainda que “o trabalho do guia intérprete profissional é imprescindível para a acessibilidade do estudante surdocego” (Pletsch et al., 2021, p. 76).

Os dois últimos capítulos do livro mencionam as estratégias simples que dão acesso à utilização dos smartphones, uma vez que, durante a pandemia da covid-19, esses aparelhos se tornaram importantes no processo de ensino-aprendizagem. O capítulo dez menciona as configurações dos sistemas Android e o capítulo onze traz as estratégias para o sistema iOS. Ambos os capítulos exemplificam os ajustes simples a serem feitos nas configurações e na aparência da tela, a fim de tornar o contato com o aparelho mais fácil para o estudante com deficiência.

Pletsch et al. (2021, p. 77) assevera que, “antes de qualquer escolha, é necessário avaliar as condições e necessidades da pessoa” para de fato contribuir “para a superação de limitações e viabilização da participação”, caso contrário, quando o recurso é a peça-chave, o que acontece é o processo excludente, no qual a pessoa com deficiência ainda continuará à margem das relações estabelecidas no processo de ensino-aprendizagem.

Considerações finais

Todas as estratégias apresentadas no livro podem despertar no docente curiosidade para sua utilização em aula, cabendo entender que a/o estudante deve ser o protagonista da aula, e o recurso, tecnológico ou não, serve para apoiar a sua participação nos debates e nas atividades propostas.

O livro apresentou variados exemplos de como se pode pensar na condução de uma aula, dialogando com a ideia de um currículo que seja acessível e não que seja pensado exclusivamente para determinada pessoa. Para a relação escolar ser acessível, é preciso que se parta da limitação para os objetivos a serem alcançados, buscando os recursos que conduzirão a esse feito.

A inclusão escolar das pessoas com deficiência é um direito e, por esse motivo, exige a transformação da noção de escola e da dinâmica que ela possui. Não existe um guia ou um “passo a passo” para que esse processo aconteça; o que deve haver é a busca constante e a preocupação das/dos educadoras/res na orientação desse movimento.

Referência

PLETSCH, Márcia Denise et al. (orgs.). Acessibilidade e Desenho Universal na Aprendizagem. Campos dos Goytacazes: Encontrografia, 2021.

Publicado em 17 de janeiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MARQUES, Jardel Delgado. Resenha do livro "Acessibilidade e Desenho Universal na Aprendizagem”. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 2, 17 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/1/resenha-do-livro-acessibilidade-e-desenho-universal-na-aprendizagemr

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