A importância da formação docente para a Educação de Surdos nos ambientes educacionais
Joyce Karolina Ribeiro Baiense
Mestranda em Educação (UFES), pós-graduada em Educação Especial (Fabra), graduada em Pedagogia (Facibra)
Lucyenne Matos da Costa Vieira Machado
Mestra e doutora em Educação (UFES), pós-doutora em Educação e Ensino (UFSC)
Rafael Monteiro da Silva
Mestre em Educação Bilíngue (INES), especialista em Libras (CESV), graduado em Pedagogia (Facibra) e em Tradutor e Intérprete de Libras (UFRJ)
Sabemos que, em geral, as classes de alunos, as popularmente chamadas de sala de aula, contam com um cenário plural, sendo compostas por uma gama diversa de alunos. Cada aluno possui uma realidade diferente do outro, uma cultura e uma visão de mundo que divergem em alguns aspectos; por esse motivo, o professor precisa estar preparado para atuar em uma sala de aula com uma pluralidade enorme, a fim de ofertar um ensino significativo a todos. Dentro dessa demanda de diversidade tem sido cada vez mais visível a demanda dos alunos surdos, que possuem suas influências construídas por meio de suas culturas surdas, suas vivências e, acima de tudo, o fator de aquisição de uma língua de diferente modalidade de seus pares ouvintes em sala de aula, tornando e efetivando a diversidade em sala de aula; sendo assim, tem atualmente o direito a ter em seu processo de educação a inclusão, mais especificamente o modelo de educação inclusiva, que integra os alunos com necessidades especiais em escolas regulares por meio de uma abordagem humanística. Essa visão entende que cada aluno tem suas particularidades e que elas devem ser consideradas como diversidade e não como problema. Portanto, os alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) fazem parte da rotina das escolas. É mesmo considerado crime não os aceitar ou mesmo atendê-los em uma sala de aula ou escola separada. No Plano Nacional de Educação são considerados alunos com NEE aqueles com deficiências visual e auditiva, deficiência intelectual, deficiência física, transtorno global de desenvolvimento (TGD) e altas habilidades.
A Língua Brasileira de Sinais (Libras) possui influência da Língua de Sinais Francesa (LSF) como sua base. No ano de 1857, Don Pedro II convidou o professor de surdos francês Ernest Huet, religioso que trabalhava com a Educação de Surdos na França, para fundar o Instituto Imperial de Surdos-Mudos, atualmente chamado Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES); ali alguns surdos tiveram a oportunidade de aprender aquela língua que se desenvolvia em território nacional, mas que a partir de 1880, com a instrução recebida do Congresso de Milão, iniciaram o ensino com os métodos de leitura labial com forte tendência do oralismo. Muitos anos mais tarde, ainda se diz muito sobre essa escolha pelo mundo de uma adoção em um método mais voltado ao oralismo; sendo assim, depois de muitas brigas e resistência surdas, em 2002 foi promulgada a Lei nº 10.436, que, juntamente com o Decreto nº 5.626/05, reconheceu a Libras como uma língua no país, utilizada, em sua maioria, para comunicação dos surdos, sendo vista como língua materna deles, pertencendo a uma comunidade e possuindo toda a sua complexidade gramatical; é por meio dessa língua que o aluno surdo se desenvolve na sala de aula. Com o reconhecimento da Libras, o aluno surdo foi incluído no sistema de ensino.
As línguas de sinais, a comunidade surda, seus valores e sua cultura passam a receber a atenção de diversos profissionais de diferentes áreas. Surge então uma nova filosofia educacional para surdos, em que o bilinguismo se apresenta como base de ensino e aprendizagem (Goldfeld, 2002, p. 15).
Com o reconhecimento de uma língua para a comunidade surda, a Libras, surge também o método conhecido como bilinguismo, que passou a ser um dos meios mais utilizados no processo de ensino-aprendizagem, pois possibilita aos surdos aprender a Língua Portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais. O termo bilíngue significa que a pessoa sabe português e Libras, que é utilizada por uma parcela de surdos conhecida como surdos sinalizados ou não oralizados. Junto com esses novos processos aparecem também as escolas bilíngues, que colaboram para esse ensino significativo; entretanto, para que o ensino bilíngue possa acontecer, os docentes necessitam de formação específica que os introduza na cultura surda e os tornem proficientes na língua de sinais. Este trabalho traz uma análise acerca da importância do contato com a Libras pelos docentes com o intuito de uma formação adequada dos professores. O trabalho discute o quão valioso é o contato do professor com a Libras para quebrar as barreiras de comunicação entre aluno e professor, incluindo esses alunos nas atividades da sala de aula e proporcionando um ensino significativo e inclusivo e até mesmo promovendo a segurança e a difusão da língua.
Tendo esses questionamentos como ponto de partida, apresenta-se aqui um problema para esta pesquisa: Qual a importância do domínio da Libras por parte do professor na sala de aula para o ensino significativo dos alunos surdos dentro dos ambientes educacionais?
O presente texto possui como objetivo geral apresentar a importância de uma formação específica por parte do docente para garantir uma educação bilíngue significativa aos alunos surdos, tendo como objetivos específicos: a) caracterizar a formação inicial dos professores para o domínio da Libras e expor acerca das escolas bilíngues; b) apresentar novas legislações relacionadas à Educação de Surdos no Brasil; c) tratar da formação continuada para assistência do aluno surdo na escola regular ou bilíngue.
Metodologia para a construção da pesquisa
Durante a nossa pesquisa, utilizamos a pesquisa bibliográfica qualitativa. Esse tipo de pesquisa é muito importante, pois é utilizada como ponto de partida para a construção do trabalho de forma geral; ela se ocupa com o nível de realidade que não pode mensurar em números, ou seja, trabalha com o universo de significados, crenças, motivos, valores, aspirações e subjetividade. A pesquisa qualitativa, para Silva e Menezes (2005), é aquela que
considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa (Silva; Menezes, 2005, p. 20).
É um método de pesquisa que busca investigar um tema por meio de obras já discorridas/dialogadas por outros autores. Esse tipo de pesquisa permite ao investigador entrar em contato com um conjunto de conhecimentos reunidos, ou seja, é uma fonte inesgotável de informações que irão auxiliar o pesquisador a dialogar e investigar todo o seu trabalho científico. A pesquisa busca responder à seguinte pergunta: qual a importância do domínio da Libras por parte do professor na sala de aula para o ensino significativo do aluno surdo?
A pesquisa bibliográfica é habilidade fundamental nos cursos de graduação, uma vez que constitui o primeiro passo para todas as atividades acadêmicas. Uma pesquisa de laboratório ou de campo implica, necessariamente, a pesquisa bibliográfica preliminar. Seminários, painéis, debates, resumos críticos, monográficas não dispensam a pesquisa bibliográfica. Ela é obrigatória nas pesquisas exploratórias, na delimitação do tema de um trabalho ou pesquisa, no desenvolvimento do assunto, nas citações, na apresentação das conclusões. Portanto, se é verdade que nem todos os alunos realizaram pesquisas de laboratório ou de campo, não é menos verdadeiro que todos, sem exceção, para elaborar os diversos trabalhos solicitados, deverão empreender pesquisas bibliográficas (Andrade, 2010, p. 25).
Segundo Andrade, a pesquisa bibliográfica se torna muito importante, pois é o primeiro passo para qualquer desenvolvimento de pesquisa, fornecendo ao pesquisador base teórica para a elaboração do seu artigo científico. O autor salienta ainda a importância dessa pesquisa para a delimitação do tema e o desenvolvimento do trabalho, como também na utilização por todos (sem exceção) que irão fazer um trabalho científico. E ainda: a pesquisa bibliográfica é importante desde o início até o fim do trabalho, colaborando para o levantamento de informações relevantes que contribuam para o desenvolvimento do artigo que está sendo elaborado. Assim, esse tipo de pesquisa possui muitos benefícios, como o baixo custo, o não deslocamento para encontrar pesquisas públicas, pois a internet colabora com a facilidade de fornecimento do conteúdo teórico e o investigador possui maior contato com uma vasta coletânea de obras, conhecendo ainda mais o fenômeno que está estudando. A pesquisa bibliográfica
é uma etapa fundamental em todo trabalho científico que influenciará todas as etapas de uma pesquisa, na medida em que der o embasamento teórico em que se baseará o trabalho. Consiste no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa (Amaral, 2007, p. 1).
De acordo com Amaral, o método de pesquisa bibliográfica influenciará todo o corpo do trabalho, pois irá fornecer o embasamento teórico necessário para o desenvolvimento do trabalho científico. Ainda segundo o autor, esse tipo de pesquisa é o levantamento, o fichamento e a seleção das informações relevantes relacionadas à pesquisa.
O aparecimento de escolas bilíngues na Educação de Surdos
Com o surgimento da Libras, o bilinguismo passou a ser um dos meios mais utilizados no processo de ensino-aprendizagem voltados para a Educação de Surdos, pois possibilita aos sujeitos surdos a aprenderem a língua portuguesa e a língua brasileira de sinais. A abordagem educacional por meio do bilinguismo visa capacitar a pessoa com surdez para a utilização de duas línguas: a língua de sinais e a língua da comunidade ouvinte, onde ele está inserido também como parte da sociedade. As propostas educacionais começam a estruturar-se a partir do Decreto nº 5.626/05, que regulamentou a Lei de Libras (Lei nº 10.436). Dessa forma, os surdos passaram a ter direito ao conhecimento a partir dessa língua. O português é utilizado na modalidade escrita, sendo a segunda língua, e a Educação dos Surdos passa a ser bilíngue.
O bilinguismo visa à exposição da criança surda à língua de sinais o mais precocemente possível, pois essa aquisição propiciará ao surdo um desenvolvimento rico e pleno de linguagem e, consequentemente, um desenvolvimento integral (Lacerda; Mantelatto, 2000, p. 21).
Entende-se então, a importância do bilinguismo na vida do aluno surdo. Segundo essa citação, o contato mais rapidamente pelo aluno surdo com a língua de sinais torna a aprendizagem das disciplinas na escola mais significativa, torna o aluno autônomo para a sua comunicação e expressão, com isso contribuindo para seu desenvolvimento integral. A escola bilíngue é uma instituição de ensino regular que tem um programa especial: lecionar as disciplinas em outro idioma. Assim, o aluno tem uma experiência mais intensa de contato com o idioma como ferramenta de aprendizado, desenvolvendo de maneira funcional. No contexto de alunos surdos, essas escolas bilíngues priorizam a língua brasileira de sinais (Libras) como a língua primária e o português escrito como língua secundária para os alunos surdos. Considera-se que escolas bilíngues são capazes de preparar seus estudantes para a vida através do ensino estruturado, baseado na língua de sinais, a partir do uso das atribuições linguísticas das Libras, facilitando o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno surdo em sala de aula. Para que os alunos surdos se desenvolvam efetivamente nas escolas, é necessário entender como eles aprendem, conhecer sua cultura e respeitá-la, apreciar sua língua e tê-la como principal meio de interação e comunicação. O desenvolvimento do aluno surdo se dá nas suas interações com a sua língua materna; por esse motivo é necessária a interação da Libras no contexto educacional desde a infância.
O bilinguismo na área da surdez propõe um espaço efetivo para que a língua de sinais seja utilizada no trabalho educacional, propondo que sejam ensinadas duas línguas à criança surda: a língua de sinais, por ser sua língua natural, e a língua oficial do país (no caso do Brasil, a Libras – língua brasileira de sinais e o português) (Lacerda, 1998, p. 163-184).
O autor reforça a importância da Libras no contexto educacional, pois proporciona ao aluno a aprendizagem de duas línguas, a sua língua materna (Libras, no caso do Brasil) e a língua oficial do país. A aprendizagem dessas duas línguas leva o aluno a se comunicar com sua comunidade surda e com os demais pares da sociedade, com isso circulando de maneira autônoma em todos os espaços. Em 2021 foi sancionada a Lei nº 14.191, que insere a educação bilíngue de surdos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394, de 1996) como modalidade de ensino independente antes incluída como parte da Educação Especial. Entende-se como educação bilíngue aquela que tem a Libras como aprendizado de primeira língua e o português escrito como segunda língua.
Art. 60-A. Entende-se por educação bilíngue de surdos, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida em língua brasileira de sinais (Libras), como primeira língua, e em português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos, surdo-cegos, com deficiência auditiva, sinalizantes, surdos com altas habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas, optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos.
A Educação de Surdos precisa ser ministrada na língua de sinais como primeira língua articulada e em língua portuguesa como segunda língua do surdo. Isso ocorre para privilegiar o sujeito surdo, respeitando suas particularidades e sua cultura. É por meio da língua de sinais que o aluno surdo irá se desenvolver e principalmente aprender nas escolas bilíngues.
A oferta de Libras nas licenciaturas e espaços acadêmicos para ensino e aprendizagem
Com o olhar para a Educação Inclusiva, mais precisamente para a Educação de Surdos, o professor possui o papel de oportunizar a socialização e a interação na sala de aula. O docente que não identifica as peculiaridades dos alunos e as potencialidades deles não apresenta um currículo flexível à necessidade dos educandos. Pensando em uma Educação Inclusiva, o professor capacitado atua na diversidade, entende as diferenças e enxerga as potencialidades dos alunos; assim, junto a eles, constrói o conhecimento na sala de aula. Por esse motivo, nota-se a importância do ensino de Libras nas licenciaturas, com o intuito de quebrar os preconceitos, visualizar o aluno surdo como um ser de direito e tornar o professor um profissional que visa à inclusão de todos.
A formação de professores deveria garantir uma sólida cultura que lhes permita atingir uma aguda consciência da realidade em que vão atuar associada a um consistente preparo teórico-científico que os capacite à realização de uma prática pedagógica coerente. [...] Condições adequadas de trabalho que lhes permitam atualização constante, preparação consistente de suas atividades curriculares e atendimento às necessidades pedagógicas dos alunos, revendo e reelaborando os conteúdos e os métodos do ensino ministrado (Saviani, 2010, p. 53).
Para que o professor consiga desenvolver uma prática pedagógica coerente, é importante que exista uma formação sólida, ou seja, que consiga enxergar todos os alunos, atendendo às demandas educacionais dos alunos, pensando métodos para que possa alcançar a todos de maneira democrática e satisfatória. Para que o aluno surdo aprenda, ele precisa ser incluído nas práticas pedagógicas da sala de aula; é por esse motivo que o acesso à cultura da língua de sinais por todos e principalmente pelo professor torna o aprendizado mais democrático e significativo. A língua de sinais possui papel de aproximação entre professor e aluno; é por meio dessa língua que o docente irá trabalhar no pilar da equidade, ou seja, respeitando a individualidade do seu aluno e incluindo-o na sala de aula.
A disciplina de Libras se tornou obrigatória nas licenciaturas por meio do Decreto nº 5.626/05, por seu Art. 3º, §§ 1º e 2º, em todas as instituições de Ensino Superior. Essa ação foi uma grande conquista para a comunidade surda brasileira, que por muito tempo vem lutando para que a Libras seja reconhecida como língua oficial. Por vários anos o aluno surdo foi negligenciado no âmbito educacional e, por meio dessa obrigatoriedade, o atendimento à comunidade surda nas instituições de ensino se torna mais efetivo, pois o contato do professor com a língua irá gerar uma nova visão sobre o aluno surdo nas dependências da escola, facilitando a relação professor-aluno. O sujeito surdo, corriqueiramente tratado com preconceito, a deslegitimação da língua de sinais e a falta de conhecimento sobre a cultura surda fizeram com que a sociedade ouvinte criasse muitas barreiras que atrapalharam os surdos no seu desenvolvimento dentro da sociedade. Para entrar em contato com a cultura surda, romper com os preconceitos e possibilitar um preparo mais adequado para os docentes, foi implementada a disciplina de Libras nas licenciaturas.
Um dos destaques que se pode verificar na legislação de 2005, na esfera educacional, é a consideração de que os surdos vivem em um país cuja maioria linguística é diferente da sua, portanto deveriam ser preparados sob uma perspectiva bilíngue. [...]. Entendemos que em qualquer processo de formação, seja inicial ou continuada, é necessário prover professores e licenciados com conhecimento na área de educação bilíngue para a melhoria dos processos educacionais ministrados a alunos surdos na rede comum de ensino, em escolas comuns para surdos, em turmas em que a Libras é língua de instrução, ou em sala de recursos (Andrade, 2013, p. 42-43).
Observa-se que o aluno surdo precisa se desenvolver em uma perspectiva bilíngue, ou seja, articulando a língua de sinais com a língua portuguesa pois deve ser considerada a particularidade desse aluno. É importante haver professores com conhecimentos na área de educação bilíngue para facilitar os processos de ensino-aprendizagem nas escolas. É de extrema importância que os alunos de licenciatura tenham contato com a cultura surda, que tem sentido próximo à identidade surda: é o modo de vida do surdo, é como o surdo vive na sociedade e como ele se percebe dentro dessa sociedade. Toda essa cultura é o que marca esse sujeito dentro da comunidade, ou seja, tudo que acontece ou é feito por ele está marcado pelas experiências visuais e sensoriais. Assim, os direitos estabelecidos pelo Decreto nº 5.626/05 favorecem o atendimento de qualidade para todos os alunos, principalmente ao surdo. Com isso, as escolas passaram a ter a presença de tradutores/intérpretes nas salas de aula, porém em muitos espaços educacionais isso não acontece; por esse motivo, percebe-se a importância da oferta de Libras nas licenciaturas, com o intuito de formar professores capazes de desenvolver a língua de sinais e com isso facilitar a interação e a comunicação nas salas de aulas onde não existe o tradutor/intérprete.
Dessa forma, o professor possui papel de extrema importância na sala de aula, pois auxilia na aprendizagem e no desenvolvimento cognitivo dos alunos; é ele que vai mediar o conhecimento para o aluno e, juntamente com o aluno, construir o conhecimento na sala de aula. Para isso, é importante que o aluno e o professor dominem a língua de sinais, pois nessa interação com o auxílio da Libras o professor irá desempenhar seu papel de mediador, seja do conhecimento social, acadêmico ou emocional.
Na perspectiva da educação de alunos surdos em escolas bilíngues, a formação inicial, essa ofertada nas licenciaturas com carga de 80 horas, se torna inviável, pois o tempo e o contato com a língua de sinais são muito pequenos; por esse motivo e com o objetivo de construir um ensino bilíngue e significativo é que a formação específica, aquela que busca realmente formar o professor para o ensino dos componentes curriculares por meio da língua de sinais, se faz necessária na formação dos docentes.
A importância da formação específica/continuada para docentes em diversos âmbitos da educação
No contexto de uma educação bilíngue, a formação dos professores precisa superar a formação inicial de 80 horas dada nas licenciaturas. Esse tempo é muito pouco para aprender uma língua e toda sua complexidade. Por esse motivo, uma formação específica dos docentes seria a melhor opção, pois o contato professor-aluno seria excelente e o conceito de escola bilíngue seria efetivo. Pensar em ensino bilíngue significa pensar na fluência/proficiência de comunicação entre o professor ouvinte bilíngue e seus discentes surdos, em como utilizar recursos como a literatura surda no ensino escolar. Dentro desse espectro temos os intérpretes que servem como ponte entre o aluno surdo e o professor ouvinte.
O intérprete precisa poder negociar conteúdos com o professor, revelar suas dúvidas, as questões do aprendiz e por vezes mediar a relação com o aluno, para que o conhecimento que se almeja seja construído. O incômodo do professor frente à presença do intérprete pode levá-lo a ignorar o aluno surdo, atribuindo ao intérprete o sucesso ou insucesso desse aluno (Lacerda, 2002, p. 123).
Um agente mediador e de extrema importância que irá, junto com o professor, pensar nas melhores estratégias que possam alcançar o aluno surdo, porém a responsabilidade principal pelo aluno surdo não é do intérprete e sim do professor regente. Dentro de toda a complexidade que é a língua brasileira de sinais (Libras), entende-se a importância da responsabilidade do professor regente da sala de aula em desenvolver um trabalho efetivo com o aluno surdo; para isso ele precisa se capacitar e se qualificar com o objetivo de se tornar um profissional atualizado. Partindo desse pensamento, a formação do professor é a chave para essa qualificação. Com o intuito de quebrar essa negligência e fornecer uma boa relação professor-aluno, é necessário estabelecer nas escolas bilíngues professores bilíngues. Esses profissionais são fluentes em suas línguas maternas, mas também em Libras; por isso se mostram como os melhores para atuar nas escolas bilíngues com surdos, pois podem ministrar as aulas em Libras e se comunicar de maneira clara com os alunos surdos. Para buscar essa fluência na língua de sinais, os docentes precisam de uma formação específica que os capacite na língua de sinais. Para isso existem vários caminhos, como formação continuada ou graduações em Letras com habilitação em Libras e Português.
A formação de professores de Libras, de Língua Portuguesa como L2, de tradutores e intérpretes é fundamental para formar profissionais para atuarem na Educação Básica. Essas formações devem ser garantidas em nível superior (licenciatura e bacharelado) e enquanto formação continuada para os professores que já estejam atuando na Educação Básica e Superior. Os cursos de graduação envolvem a Pedagogia Bilíngue (que forma o professor bilíngue para atuar na Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental), os cursos de licenciatura em Letras - Libras (que forma professores de Libras para atuar no ensino da Libras na Educação Básica e nível médio) e bacharelado (que forma tradutores e intérpretes de Libras e Língua Portuguesa). O curso de Língua Portuguesa como L2 deve ser oferecido para formar os professores que atuarão, tanto na Educação Básica como no nível superior (Brasil, 2014, p. 18-19).
Existem várias maneiras de o professor se capacitar na língua de sinais. Seja em uma formação de nível superior em Letras - Libras, Letras – Libras/Português ou na formação continuada para professores já atuantes, como cursos técnicos, cursos básicos, intermediários e avançados e cursos on-line. São inúmeros os caminhos para alcançar uma qualificação adequada, porém o mais importante é o contato efetivo com a língua e toda a sua cultura. Para ocorrer esse contato, o professor precisará fazer cursos de extensão, formações continuadas, participar de palestras, rodas de conversas, ter contato com pessoas e professores surdos e muitos outros momentos. E é claro que tudo isso irá colaborar para o crescimento profissional do professor, e o contato direto é o primeiro passo para a aquisição do conhecimento dessa língua.
Línguas não se aprendem em cursos de curta duração, mas em anos de trabalho e contato com a segunda língua. A língua de sinais é, de fato, a segunda língua para esses professores e intérpretes e as consequências desse processo – satisfatórias ou não – de contato com a língua aprendida artificialmente encontram-se refletidas diretamente no desenvolvimento dos alunos surdos na escola (Quadros et al., 2006, p. 150).
A Libras passa a ser a segunda língua para o professor ouvinte e por esse motivo ele precisará de tempo e contato efetivo para aprender a língua de sinais. O contato com a língua é de extrema importância para a prática docente e para a busca de um bom resultado, pois o desenvolvimento do aluno é um reflexo do quanto o professor se propõe a aprender de fato a língua de sinais. Esse compromisso começa desde o momento em que o professor regente dialoga com o intérprete no intuito de aprender comunicações básicas para conseguir alcançar o aluno surdo até suas formações continuadas. Vale ressaltar que uma oportunidade em que o professor poderá desenvolver a língua de sinais é por meio de palestras que difundem a língua de sinais. Nessas palestras organizadas por instituições e/ou ONGs os ouvintes podem aprender mais da comunidade surda; sendo assim, as palestras possuem o objetivo de compartilhar conhecimento e aprendizagem a respeito da Libras, com vários temas que contemplam a sociedade entre surdos e ouvintes.
Outro caminho para a aquisição de conhecimentos da língua de sinais são os cursos de Libras oferecidos à parte. Esses cursos podem ser de nível básico, intermediário ou avançado, com cargas horárias diferentes. Nesses cursos, os alunos aprendem a história da Libras, praticam a língua dentro e fora da sala de aula e entendem a importância da Libras na vida do aluno surdo. Esses cursos possuem o objetivo de capacitar o estudante a se comunicar por meio da língua de sinais e conhecer toda a cultura surda. É de extrema importância que o professor procure esses ou outros caminhos de formação, pois, dentro do âmbito da Educação Especial e mais precisamente da Educação de Surdos, a formação continuada torna-se uma aliada no progresso do professor, com isso melhorando o seu trabalho docente. Isso
evidencia a necessidade de que o futuro professor experiencie, como aluno, durante todo o processo de formação, as atitudes, modelos didáticos, capacidades e modos de organização que se pretende venham a ser concretizados nas suas práticas pedagógicas (Brasil, 2001, p. 30-31).
A Libras, como qualquer outro idioma, apresenta estrutura própria e amplo vocabulário, o que demanda contato permanente para aprendizagem e fluência na comunicação, ou seja, é necessária imersão linguística; o contato com os usuários da língua deve acontecer em momentos extrassala de aula.
A educação bilíngue depende de professores bilíngues. Assim, pensar em ensinar uma segunda língua pressupõe a existência de uma primeira língua, o professor que assume essa tarefa necessita aprender a língua de sinais brasileira (Quadros et al., 2006, p. 19).
É necessário que o professor aprenda a língua de sinais, pois é a partir dessa língua que o surdo vai aprender dentro do contexto educacional. O docente precisa ser inserido na comunidade surda, pois uma educação bilíngue depende de professores bilíngues, ou seja, proficientes. É visível que, na perspectiva da oferta de um ensino bilíngue, a formação específica por parte dos docentes é necessária. Libras é uma língua da comunidade surda e por isso o aluno surdo deverá aprender por meio dessa língua; para que o trabalho docente possa ser significativo, o professor precisa se engajar na língua de sinais.
No cenário das escolas bilíngues, o processo é diferente. Dentro das instituições de ensino destinadas à educação bilíngue de alunos surdos toda a formação docente é diferenciada, visto que nesses ambientes o ensino precisa ser ministrado na língua materna do surdo, ou seja, em Libras. O professor regente de cada disciplina precisa ter o domínio efetivo da Libras, pois é por meio dessa língua que o professor irá ministrar suas aulas e dialogar com os estudantes. Esse domínio ultrapassa a habilidade apenas de cumprimentar e conversar, precisa ser específico, pois as disciplinas são diferentes e específicas. A formação do docente para atuar em instituições de ensino bilíngue precisa ser dentro da área, ou seja, licenciatura plena na área em que for atuar (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Arte, Educação Física etc.) e acrescida a essa formação inicial uma formação específica que podemos chamar de continuada. Para esses profissionais, a formação continuada/específica é no curso de Letras – Libras; para os profissionais vinculados a essas instituições, a segunda formação possui caráter obrigatório. Para que o profissional, dentro das escolas bilíngues, continue tendo o compromisso de ser um docente responsável com a educação, ele ainda precisa continuar tendo contato com cultura surda por meio de cursos e palestras, visto que o conhecimento não se esgota.
A formação continuada de professores tem sido entendida como um processo permanente de aperfeiçoamento dos saberes necessários à atividade profissional, realizado após a formação inicial, com o objetivo de assegurar um ensino de melhor qualidade dos educandos (Chimentão, 2009).
Percebe-se então a importância da formação continuada para o trabalho do professor com os alunos surdos. É por meio da busca do conhecimento que os profissionais irão conseguir aprender mais da cultura surda e, consequentemente, trabalhar para um ensino significativo aos alunos surdos. Formação continuada é o aperfeiçoamento dos saberes para a atividade profissional, com o objetivo de acrescentar para a formação inicial. Por esse motivo, dentro das escolas regulares e das instituições de ensino bilíngue é importante que os docentes busquem conhecimento.
Conclusões
A formação do professor precisa contribuir para a formação de um profissional ético, responsável e consciente do seu papel enquanto educador. Em nosso trabalho, os resultados foram satisfatórios e, com isso, percebemos o quão necessário é o contato do professor com a língua de sinais para seu trabalho docente nas escolas bilíngues.
Pautamos o artigo em algumas legislações que amparam o sujeito surdo e em pesquisas que buscam entender a necessidade de uma formação específica dos docentes para a atuação nas escolas bilíngues. Portanto, a pesquisa bibliográfica realizada neste trabalho foi de extrema importância, pois ela respondeu nossa pergunta problema e estruturou os objetivos traçados para o artigo. Desse modo, pensar em escolas bilíngues para surdos é entender que o aluno surdo é um aluno de direitos e que precisa ser ensinado por meio da sua língua materna, ou seja, os conhecimentos devem ser trabalhados a partir da língua de sinais e a língua portuguesa assume papel de segunda língua, auxiliando o indivíduo surdo na sua formação integral.
Assim, entendemos que o professor necessita estar sempre disposto a uma formação continuada para que sua prática pedagógica esteja sempre atualizada e dentro dos contextos legais e didáticos para alcançar o objetivo final que é o ensino aprendizagem para o público-alvo do sujeito surdo. Dessa maneira a formação do professor interfere diretamente na sua atuação nas escolas regulares ou bilíngues, pois em todas as categorias a intenção real é que os alunos compreendam os conteúdos de forma clara através da sua língua de instrução.
Referências
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SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 4ª ed. rev. atual. Florianópolis: Ed. UFSC, 2005.
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 1999.
Publicado em 30 de maio de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
BAIENSE, Joyce Karolina Ribeiro; MACHADO, Lucyenne Matos da Costa Vieira; SILVA, Rafael Monteiro da. A importância da formação docente para a Educação de Surdos nos ambientes educacionais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 20, 30 de maio de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/20/a-importancia-da-formacao-docente-para-a-educacao-de-surdos-nos-ambientes-educacionais
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