Período pandêmico de 2020 e suas consequências em ambientes educacionais

Bruna Raiane Bartoski

Graduanda de Pedagogia (Unicentro)

Luana Isabela Kosouski

Graduanda de Pedagogia (Unicentro)

Rayane Ferreira

(Graduanda de Pedagogia (Unicentro)

Suzete Terezinha Orzechowski

Professora no Departamento de Pedagogia da Unicentro, mestra em Metodologia e Prática do Ensino (Unicamp/Unicentro)

Dificuldades acadêmicas

O ano de 2020 ficou marcado na história mundial pelo surgimento do vírus conhecido como novo coronavírus, que desencadeou a pandemia da covid-19. Ele acarretou uma pandemia globalizada, causando problemas de ordem política, econômica, social, afetiva e tantas outras imensuráveis. Esse vírus caracteriza-se como uma infecção respiratória, altamente transmissível, que pode apresentar sintomas diversos. Para Strabelli e Uip (2020), “o quadro clínico da covid-19 é semelhante ao de outras viroses respiratórias, a saber, febre, tosse geralmente seca, cansaço e, em casos mais graves (5%), dispneia, sangramento pulmonar, linfopenia grave e insuficiência renal”. Por conta do seu alto risco de contaminação, algumas medidas foram adotadas a fim de diminuir sua propagação, tais como, o uso de máscaras e o distanciamento social. Esse último, afetou com mais intensidade a rotina e o psicológico de todos pelo fechamento repentino e por tempo indeterminado de alguns setores:

O isolamento social sob orientação por órgãos públicos de saúde possibilita que os   indivíduos permaneçam em seus domicílios, evadindo-se apenas em casos realmente necessários. Essa medida repercutiu, logo, no fechamento do comércio, indústria, além de interromper atividades de lazer, teatros, shows etc. (Marques; Fraguas, 2020).

De todas as áreas afetadas pela covid-19, damos aqui enfoque à área educacional, pois devido ao distanciamento social, ela precisou adotar o sistema remoto que incidiu em grandes impactos negativos para o rendimento escolar em todas as etapas da educação, desde a Educação Infantil ao Ensino Superior. Segundo o relatório do CNE:

Em março de 2020, sem planejamento prévio, a sociedade brasileira obrigou-se a fechar as portas das escolas para a presença física dos estudantes, buscando desenvolver novas alternativas para a oferta de atividades educacionais não presenciais. A inevitável improvisação da oferta de atividades educacionais remotas, com ou sem suporte de modernas tecnologias de informação e comunicação, corajosamente assumida pelo conjunto dos educadores brasileiros, de todos os níveis e modalidades de educação e ensino, buscou garantir, da melhor forma possível, a manutenção dos melhores níveis possíveis de aprendizagem de seus educandos (Brasil, 2021, p. 5-6).

Os acadêmicos que ingressaram na universidade em 2020 estiveram presentes fisicamente no campus durante apenas duas semanas. Por se tratar de um vírus desconhecido, exigiu-se que todos se mantivessem isolados, em quarentena/lockdown a fim de que se prevenissem da pandemia que se expandia de forma exponencial.

Os professores encontraram dificuldades em lecionar remotamente devido a problemas, tais como, falta de conhecimentos sobre como utilizar os instrumentos tecnológicos, fraca conexão e péssimo acesso à internet, falta de participação e interação dos alunos na modalidade de ensino remoto e a carência de recursos digitais, como computador/celular. Além de muitos apresentaram insensibilidade e incompreensão a respeito do processo que se estava vivendo, exigindo, de forma rigorosa, que os alunos realizassem as atividades, deixando prazos pequenos para a sua entrega, ou para que participassem ativamente das aulas que aconteciam por meios digitais, obrigando que abrissem seus microfones e câmeras. Devido a questões emocionais, pressões psicológicas e a ausência de incentivo governamental, alguns educadores agiram de forma grosseira com os alunos que se recusaram a fazê-lo, faltando até mesmo com a didática e a organização metodológica.

Quando voltamos a nos encontrar presencialmente, percebemos que todos eram excelentes professores, dotados de muita sabedoria, compreensão, conhecimento e eficiência. Sendo possível concluir, que aqueles momentos de desentendimento eram frutos do caos e da hostilidade vividos naquele momento.

Entretanto, os estudantes enfrentaram as mesmas dificuldades de adaptação, como a evasão e o trancamento de matrículas. O fato de o ambiente familiar não ser propício para a qualidade do estudo e para o comprometimento da aprendizagem, devido à metodologia não presencial, houve o aumento de transtornos relacionados à depressão e ansiedade ocasionados pelo isolamento, pela falta de comprometimento com as atividades propostas e pela procrastinação, sintoma recorrente da ansiedade. Esses aspectos e comportamentos, evidenciaram-se entre os acadêmicos. Acrescentando-se a tudo isso, as perdas, o abalo emocional e a distância física do campus, que desestruturou muitos alunos, principalmente os mais sociáveis.

A volta para o presencial foi difícil, pois não houve acolhida nem por parte da universidade nem por parte das escolas da Educação Básica. As instituições de ensino estavam cientes de que voltariam de uma pandemia, mas que não poderiam seguir a mesma rotina anterior à pandemia, como se pudéssemos ignorar o que vivemos. Obviamente, todos voltaram abalados e era previsível que assim fosse. Precisávamos de uma acolhida, precisávamos ter ciência de que a instituição que conhecíamos antes já não era a mesma e que nós não éramos mais os mesmos alunos ou acadêmicos. A história, a partir de agora, seguirá de forma diferente. Precisaremos passar pelo luto de cada uma das situações vividas. A acolhida serviria para refletir, para não ignorar o que vivemos, para pensarmos sobre o que éramos antes da pandemia e sobre o que somos agora.

Muitos ainda sofrem com as sequelas deixadas pela pandemia, os sobreviventes da covid-19 relatam sintomas que ainda predominam em seus corpos, dentre eles a falta de memória, a falta de concentração e a fadiga, sintomas que prejudicam a aprendizagem.

Um estudo realizado nos Estados Unidos entre 177 pessoas afirma que ainda há sintomas persistentes da covid em 26,6% dos indivíduos com idades entre 18 e 39 anos, em 30,1% daqueles entre 40 e 64 anos e em 43,3% daqueles com mais de 65 anos. Entre eles estão ainda a perda do olfato e/ou paladar, além dos já supramencionados (Logue et al., 2021).

As dificuldades, portanto, foram inúmeras e continuam sendo vistas dentro do ambiente universitário. É evidente que a metodologia de ensino utilizada antes da covid-19 não se mostra tão eficiente para ser utilizada no período pós-pandêmico. É preciso reinventar os meios de ensino, adequá-los, levando em consideração todas as mudanças sofridas e sentidas pelos alunos, pelos professores, pelos pedagogos e outros profissionais envolvidos na educação.

Dificuldades das crianças da Educação Básica em escola pública

Os adultos apresentaram dificuldades em estudar de maneira remota, mas para as crianças foi um desafio ainda maior. Os resultados dessa defasagem certamente refletirão nas séries futuras. Não obstante, o empenho dos educadores terá de ser redobrado.

A pandemia prejudicou e afetou diferentes áreas importantes da vida, como a econômica, a política, a social e a emocional. Sobre a emocional, o impacto foi mais fortemente sentido pelos pequenos, pois ainda não aprenderam a lidar com suas emoções. A distância física do ambiente escolar afetou diretamente a socialização, acarretando problemas como ansiedade, hiperatividade, tristeza, angústia, dentre outros, que podem se desdobrar em futuros traumas. Como citam Linhares e Enumo (2020, p. 3):

A saúde mental das crianças no contexto da pandemia com o distanciamento ou isolamento social deve ser um ponto de atenção, considerando-se que as crianças se constituem em uma população vulnerável. O estudo de Wang, Zhang, Zhao, Zhang e Jiang (2020) mostrou que o confinamento em casa de 220 milhões de crianças e adolescentes chineses, incluindo 180 milhões de estudantes de escolas primárias e secundárias e 47 milhões da pré-escola, provocará impactos psicológicos, na medida em que estão sujeitos a estressores, tais como duração prolongada, medo de infecção, frustração e tédio, informações inadequadas, falta de contato pessoal com colegas, amigos e professores, falta de espaço pessoal em casa e a perda financeira da família.

Caso 1

Podemos exemplificar com uma experiência vivida no ambiente escolar por uma das autoras no retorno das aulas pós-pandemia. O aluno 1 apresentava agressividade e angústia familiar percebida pela professora. Em todas as atividades que envolviam a família, o aluno se negava a realizar e afirmava que sua família era “muito chata”. A criança expunha agressividade constante contra seus colegas. Usava ofensas verbais e chorava todos os dias. Devido a esse comportamento, a professora buscou investigar seu histórico familiar e descobriu que o menino presenciou a morte do pai, que apresentava mãe ausente e cuidados básicos negligenciados, estando sob a vigia dos irmãos adolescentes. Observando todos os aspectos, a atitude da escola foi a de encaminhar a criança para uma rede de apoio, com atendimento psicológico. Esse olhar sensível diante do caso só foi possível por conta do contato direto entre o professor e o aluno, que durante o lockdown não se fazia possível.

Percebe-se, portanto, que a relação aluno/professor vai muito além do ensino- aprendizagem. Sendo necessário um olhar atento ao aluno, como sujeito além da escola, pois sua relação fora dela reflete diretamente na sua vida escolar e em seu aprendizado.

Caso 2

Uma investigação foi realizada com o aluno 2 para exemplificar sua relação com as aulas remotas. Ao questionar a criança 2 (que passou pelo segundo ano do Ensino Fundamental no período pandêmico quando completou sete anos), buscou-se identificar como foi sua passagem pelos estudos remotos. A criança alegou que a experiência de estudar em casa foi diferenciada. Disse não ser produtiva e considera que presencialmente a escola é melhor, pois consegue aprender mais. Também relatou o processo de intermediação desse estudo, dizendo que as professoras organizaram um cronograma de atividades diário, com atividades impressas ou do livro, e que geralmente havia um vídeo da professora responsável pela matéria, elucidando o conteúdo que iria ser trabalhado. Após a conclusão das atividades, deveria ser mandada uma foto de tudo que foi realizado pelo aluno para o WhatsApp da professora correspondente. Ela corrigia e avaliava, podendo ter noção de quais alunos estavam ou não estavam efetivamente realizando as atividades. De 15 em 15 dias (ou mensalmente), as atividades e os livros eram encaminhados à escola pelos responsáveis. A instituição mandava novas tarefas, de acordo com as demandas de entregas. Dentre os empecilhos relatados pela criança 2, estão as várias distrações em casa e outras coisas “mais interessantes”, que chamam mais a sua atenção do que as atividades escolares. Assim, elas acabavam sendo deixadas de lado ou esquecidas, revelando que a casa não é um ambiente próprio e conveniente para o estudo e o engajamento no aprendizado. Essa criança expõe, inclusive, que ficava chateada, com preguiça e sem vontade de realizar as tarefas. Após muita insistência da responsável, conseguia realizar o trabalho solicitado. Disse ainda que na escola é tudo mais organizado e que, no período que ficou em casa, conseguiu aproveitar pouquíssimas oportunidades.

Esse caso nos faz refletir sobre a cultura da aprendizagem autônoma. No caso do ensino remoto, estabeleceu-se um ensino a distância. Lembramos, então, da primeira fase do EaD no Brasil, com seu modelo de apostilas impressas e o estudo doméstico.

Caso 3

Outro problema observado nas aulas remotas foi o fato de o professor não conhecer o aluno que está por trás da tela. Uma situação observada em uma escola municipal, na qual uma das autoras presenciou durante o período de isolamento, o aluno X entregava todas as atividades e contemplava todos os objetivos propostos. No retorno às aulas presenciais, o aluno apresentou dificuldades motoras, de visão e cognitivas, não sabendo diferenciar letras de números. Rasurava o material com lápis de cor, apresentando desenvolvimento psíquico inferior à sua idade cronológica. Somente nesse retorno presencial, quando ocorreu o contato direto entre o professor e o aluno, observou-se que se tratava de uma criança com deficiência, pois além da baixa visão, apresentava características de outras síndromes, ainda não diagnosticadas. Foi a partir do contato presencial que o professor pode, junto ao pedagogo escolar e à coordenação, encaminhar a criança para diagnósticos mais adequados.

Caso 4

Relato de uma professora de alfabetização sobre o ensino online/remoto. A professora relatou ter enfrentado dificuldades no processo de alfabetização, pois cada criança aprende de forma diferente, sendo impossível contemplar todas as crianças no ensino remoto de uma mesma forma. Segue abaixo o relato da professora, na íntegra:

O processo de alfabetização durante o período remoto foi difícil tanto para a professora quando para os alunos e suas famílias. As tentativas foram por videoaula, chamada de vídeo ou aulas do YouTube, porém nem sempre conseguimos os objetivos propostos, tendo em vista que os alunos aprendem de formas diferentes (particularidades que dessa forma não são contempladas), as famílias também não são preparadas para o processo de ensino-aprendizagem, e algumas também não tem recursos tecnológicos para atender o acesso das crianças às aulas online. Sem contar que a aprendizagem pelas crianças se dá de forma prática e de interação, coisa que não tem condições de acontecer de forma remota (sic).

Existe uma suposição de que todos têm acesso às tecnologias; esse fato é falso, pois as desigualdades sociais não permitem que a maioria acesse esses recursos, por mais que estejamos, como sociedade, inseridos na era tecnológica. A professora, em questão, evidenciou o problema. Durante a pandemia, a educação foi excludente, pois nem todos os alunos possuíam recursos tecnológicos para acompanhar as aulas. São os alunos da periferia os mais carentes e os que mais sofreram com a negligência do capitalismo. As crianças que tiveram acesso ao conhecimento dispunham de recursos tecnológicos e às demais sobrou o descaso político. A pandemia evidenciou que a educação no Brasil, faz-se apenas para quem possui algum poder aquisitivo.

Outro aspecto significativo no depoimento da professora diz respeito à interação entre as crianças, visto que o ser humano é um ser social. A aprendizagem remota jamais será igualada ao compartilhamento de saberes e de experiências que uma sala de aula proporciona, pressupondo convivência e trabalho em grupo, além de enriquecimento do processo cognitivo infantil.

Considerações finais

A partir de todos os relatos reunidos, concluímos que boa parcela de alunos acabou sendo excluída do estudo e da aprendizagem na fase remota. Seja porque não enviavam as atividades para as professoras, seja porque não podiam acessar recursos tecnológicos ou pelo fato de muitos responsáveis não contribuírem com a criança em suas tarefas. Pais sem tempo, cansados, frustrados, sem dinheiro, com falta de paciência ou defasados em termos de conteúdo e conhecimentos caracterizaram uma parcela das estruturas familiares dos alunos na pandemia.

Observamos, também, que o contato entre docente e discente é primordial não apenas para o ensino-aprendizagem, mas para observar o aluno como sujeito fora dos muros escolares, além da socialização entre os pares, pois relações de amizade no ambiente de ensino proporcionam à criança amadurecimento social e emocional.

Com certeza, a pandemia deixou sequelas de todas as ordens na sociedade. Contudo, diante das desgraças, podemos ver que frutos nasceram para o bem. A redução de papel impresso, dentro do âmbito de ensino, foi um deles, pois nas aulas presenciais, depois da pandemia, pouco se usou impressões. Passamos a utilizar a forma digital para consultar conteúdos e textos, bem como para realizar a entrega de atividades avaliativas. Em sua maior parte, são atividades realizadas online, uma grande vitória para o meio ambiente. O uso mais frequente e rigoroso da higiene pessoal também pode ser citado como algo positivo, aprendido no período pandêmico, assim como a valorização da Ciência, dos profissionais da Educação, do espaço escolar e da saúde mental.

Referências

BRASIL. Diretrizes gerais sobre aprendizagem híbrida. Brasília: MEC/CNE, 2021. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=227271-texto-referencia-educacao-hibrida&category_slug=novembro-2021-pdf&Itemid=30192.

LINHARES, M. B. M.; ENUMO, S. R. F. Reflexões baseadas na Psicologia sobre efeitos da pandemia da covid-19 no desenvolvimento infantil. Estudos de Psicologia, Campinas, n° 37, e200089, p.1-14, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200089.

LOGUE, J. K.; FRANKO, N. M.; MCCULLOCH, D. J.; McDONALD, D.; MAGEDSON, A.; WOLF, C. R.; CHU, H. Y. Sequelae in adults at 6 months after covid 19 infection. JAMA Network Open, v. 4(2), e210830, 2021.

MARQUES, Ronualdo; FRAGUAS, Talita. A ressignificação da Educação: virtualização de emergência no contexto de pandemia da covid-19. Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n° 11, p. 86.159-86.174, nov. 2020. Disponível em: https://brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/19557/15671

STRABELLI, Tânia M. V.; UIP, David E. Covid-19 e o coração. Arq. Bras. Cardiol., v. 114(4), p. 598-600, abr. 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/abc/a/NWKkJDxLthWSb53XFV9Nhvn/?format=pdf&lang=pt.

Publicado em 20 de junho de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

BARTOSKI, Bruna Raiane; KOSOUSKI, Luana Isabela; FERREIRA, Rayane; ORZECHOWSKI, Suzete Terezinha. Período pandêmico de 2020 e suas consequências em ambientes educacionais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 23, 20 de junho de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/22/periodo-pandemico-de-2020-e-suas-consequencias-em-ambientes-educacionais

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.