O Dosvox como instrumento de inclusão para alunos cegos
Stephany Fernando de Araujo Flôres Mendonça
Licenciada em Matemática (UFF), especialista em Metodologia de Ensino da Matemática e da Física (Faveni), mestranda em Educação (Universidade de la Empresa)
Jaqueline Flores de Souza Gago
Licenciada em Letras/Literatura (UCB), especialista em Educação Especial com Ênfase em Deficiência Visual, Auditiva e Surdocegueira (Faculdade de Educação São Luiz)
Em tempos remotos, quando uma criança nascia com deficiência, em muitas nações não havia amparo para aqueles que chegavam a ser considerados amaldiçoados, incapazes de viver em sociedade e exercer o seu papel como cidadão na vida adulta. Muitas vezes eram abandonados e excluídos da própria família, alijados do convívio social e sem direito a herança, caso viessem a ser herdeiros (Dicher; Trevisam, 2014).
As leis foram sendo criadas e por meio delas os deficientes foram conquistando seu espaço na sociedade, mesmo em meio ao preconceito e as muitas dificuldades sociais, visivelmente percebidos pelo acesso aos espaços, pois não há uma infraestrutura adequada para fazer valer cada uma dessas leis.
Na área da Educação não é diferente. Muitas são as leis de amparo aos deficientes na educação. Como exemplo, a Lei da Inclusão, de 2015. No entanto, os desafios são grandes para os profissionais da educação na defesa do direito dessas crianças, devido a falta de recursos e, principalmente, de preparo profissional, já que no caso de alunos surdos é necessário o conhecimento da Língua de Sinais, Libras, e no caso dos cegos, o conhecimento do Braille, além de outros conhecimentos fundamentais que alcançam os demais alunos com deficiências diversas.
As tecnologias assistivas vêm ganhando espaço como instrumentos de acesso nos ambientes escolares, proporcionando ao aluno um leque de possibilidades a serem exploradas no processo de ensino-aprendizagem.
Tendo em vista essa realidade, trataremos de como deve ser a inclusão de um aluno cego em uma classe regular e o que pode ser feito para melhor atendê-lo de modo que se sinta inserido e acolhido no contexto da sala de aula.
É fato que muitos docentes se veem perdidos ao receber um aluno especial em sua sala de aula, principalmente quando não têm conhecimentos básicos suficientes para lidar com aquela deficiência. No caso dos alunos cegos, a maior dificuldade está no fato de que não há a visualização, instrumento facilitador fundamental para o desenvolvimento da aprendizagem da maior parte das crianças que aprendem a escrever copiando, desenvolvem a Matemática desde cedo ao conhecer as cores, imitam gestos e atitudes observadas no dia a dia e seguem materiais didáticos altamente imagéticos.
Entretanto, o fato de não conseguirem ver não os impede de alcançar um desenvolvimento cognitivo semelhante e/ou até mais elevado que as demais crianças. Segundo Costa (2006), Vygotsky trata esse assunto como sendo uma nova possibilidade de aprendizagem. Para o estudioso, alguém ter um comprometimento em alguma função do corpo permite que as suas demais funções se desenvolvam ainda melhor, isso porque as demais funções compensarão as que foram comprometidas.
Essa teoria de Vygotsky foi chamada de Lei da Compensação, e ela é bem aceita nas comunidades educacionais de nosso país. Cientificamente é possível comprovar a sua relevância, por ser real. Sendo assim, um aluno cego tende a ter uma audição e um tato mais apurados que o fazem perceber situações à sua volta, como se fosse um instinto (Costa, 2006).
A metodologia de ensino de alunos cegos é baseada no uso do Braille, principal ferramenta de escrita e leitura de pessoas cegas e um grande desafio aos educadores, pois na maioria das vezes eles não têm qualquer noção sobre essa metodologia de escrita. Desse modo, a educação dos cegos continua enfrentando impasses.
Em se tratando de alunos que possuem limitações visuais, temos uma grande barreira a ser transposta, uma vez que os diversos conteúdos abordados no currículo escolar, privilegiam a visualização, sejam por meio de imagens, gráficos, letras ou números. Desta maneira, novas estratégias pedagógicas devem ser criadas ou adaptadas de forma a atender as necessidades destes alunos. O uso de tecnologias assistivas pode ser um excelente método/caminho para se transpor essa barreira. Tecnologia assistiva é um termo ainda novo, utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida independente e inclusão (Jacomino; Zanom, 2015).
Com a Lei da Inclusão, faz-se necessário inovar a metodologia de ensino dos cegos, uma vez que é por meio delas que esses alunos são alocados em classes regulares regidas por docentes que não dominam o Braille.
O principal objetivo das tecnologias assistivas é proporcionar à pessoa com deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação de sua comunicação, mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades de seu aprendizado, trabalho e integração com a família, amigos e sociedade. O uso em sala de aula por parte dos professores ajuda ao aluno cego a se situar em algumas situações de forma mais igualitária (Ataide; Catão, 2016).
Um sistema integrado conhecido como Dosvox foi desenvolvido pela UFRJ e tem trazido bons resultados e qualidade no ensino de alunos com deficiência visual, baixa visão ou cegueira. A partir dele é possível que o aluno escreva e ouça o que foi escrito por ele. É possível ainda que o aluno estude o conteúdo de um livro, escutando o que está escrito.
O Dosvox não é um programa de computador, mas sim um sistema integrado que possui mais de 80 programas, sendo composto por sistema operacional, por sistema de síntese de voz, editor e leitor de textos e de impressão, programas de uso geral, jogos didáticos e lúdicos, ampliador de tela para pessoas com visão reduzida, programas sonoros, entre outros. Possui um ambiente agradável e de fácil interação, com comando por letras e com funções de ajuda. Na síntese de voz é utilizada voz humana, de forma a tornar a utilização mais prazerosa. O sistema Dosvox pode ser adquirido gratuitamente, através de download, direto do site do NCE da UFRJ (Jacomino; Zanom, 2015).
É um sistema autoexplicativo que permite ao professor, mesmo com pouco conhecimento de informática, manter seu aluno incluído em tudo que está sendo discutido em aula, permitindo que ele copie o conteúdo, faça as avaliações escritas em português, desenvolva trabalhos de pesquisa e formule suas dissertações e demais textos solicitados.
Para que o aluno copie o que está sendo passado no quadro basta que a professora ao escrever leia, enquanto o aluno digita com a ajuda do Dosvox. Ainda é possível que o professor cole sob as teclas do computador os adesivos em braile que simbolizam cada letra, para que o aluno não dependa apenas da repetição sonora realizada pelo sistema. O Dosvox tem inovado a forma de educar alunos cegos, no entanto é necessário que a escola forneça ao aluno um notebook ou que ele tenha o seu próprio. Quanto à instalação do sistema não existem mistérios, pois é gratuito e pode ser baixado e instalado a qualquer momento.
Faz-se necessário que o professor esteja atualizado, buscando meios para facilitar o processo de inclusão de seus alunos. Por isso, deve-se ter em mente a importância da formação continuada que em muito contribui para uma educação de qualidade.
Um curso de licenciatura dificilmente prepara o professor para lidar com as diversas situações que irá enfrentar e a formação dada é básica, mas não suficiente. Destacamos, então, a importância da formação continuada, organizada pelas próprias instituições formadoras, que poderia acontecer de diversas maneiras: cursos, centros de estudos, encontros mensais de professores para troca de experiências, entre outras alternativas que propiciem ao professor sanar suas dúvidas e desenvolver melhor seu trabalho, pois compreendemos que a formação do professor para incluir alunos com NEE não depende apenas de seus conhecimentos sobre educação especial, mas de sua formação global: teórica, técnica, política, social e emocional (Silva, 2013).
Por mais que o Dosvox seja um programa autoexplicativo, se o docente tiver um primeiro contato anterior com o sistema por meio de cursos de formação continuada, desenvolverá mais ideias, fazendo uso dele, sem temer que ele possa ser um problema mais a frente. É verdade que muitos professores deixam de fazer uso da tecnologia por imaginar que ela possa ser “complicada demais”, mas quando se trata do Dosvox é notado que se trata de um sistema de fácil manipulação e, em comparação com o braile, um caminho mais curto para alcançar o aluno cego.
Portanto, fica evidente que uma formação continuada contribuirá em muito para que o docente consiga desempenhar bem o seu papel junto à inclusão. As tecnologias são uma forte ferramenta a serviço do ensino-aprendizagem e não devem ser deixadas de lado. Por meio delas é possível que o professor (e todo o conteúdo) se torne acessível a um aluno com deficiência. É importante que o professor valorize, ainda, a afetividade, proporcionando ao seu aluno a oportunidade de acessar um ambiente escolar de fato inclusivo.
Conclusão
Em vista do que foi exposto, as tecnologias assistivas, em especial o Dosvox, são ferramentas colaborativas para a educação inclusiva. Intermediado por elas, é possível que o professor consiga trabalhar o desenvolvimento educacional de alunos cegos, mesmo sem possuir qualquer conhecimento do braile. Sendo assim, basta que o professor conheça a respeito dessas ferramentas para que ele possa fazer valer, em suas aulas, a inclusão. A tecnologia é uma realidade que além de fornecer maior dignidade a alunos deficientes, proporciona um processo de ensino-aprendizagem mais inovador, lúdico e rico.
Referências
ATAÍDE, Kátia Fabiana Pereira de; CATÃO, Simone Nóbrega. Os desafios de ensinar para alunos cegos: concepção de um professor de Química do IFPB. 2016. Disponível em: https://editorarealize.com.br/revistas/cintedi/trabalhos/TRABALHO_EV060_MD4_SA16_ID607_24092016203214.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.
CARDOSO, Débora Rossini M.; D’ASCENZI, Iúna Fricke; MONSERRAT NETO, José. Dosvox: a história de uma revolução entre os cegos. Rio de Janeiro: UFRJ, s/d. Disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/dosvox/textos/historia_do_dosvox.pdf. Acesso em: 26 jan. 2019.
COSTA, Dóris Anita Freire. Superando limites: a contribuição de Vygotsky para a Educação Especial. 2006. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862006000300007. Acesso em: 22 nov. 2018.
DICHER, Marilu; TREVISAM, Elisaide. A jornada histórica da pessoa com deficiência: inclusão como exercício do direito à dignidade da pessoa humana. 2014. Disponível em: www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=572f88dee7e2502b#:~:text=RESUMO%3A O presente artigo norteia-se pela abordagem da,sob os princípios da dignidade da pessoa humana. Acesso em: 3 nov. 2022.
JACOMINO, Thiago Marques Zanon; ZANON, Andressa Teixeira Pedrosa. Inclusão escolar para cegos através de ferramentas de acessibilidade. 2015. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/viewFile/8433/7448. Acesso em: 20 jan. 2019.
SILVA, Odete Aparecida da. Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE. 2013. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_uenp_edespecial_artigo_odete_aparecida_da_silva.pdf. Acesso em: 28 jan. 2018.
Publicado em 27 de junho de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
MENDONÇA, Stephany Fernando de Araujo Flôres; GAGO, Jaqueline Flores de Souza. O Dosvox como instrumento de inclusão para alunos cegos. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 24, 27 de junho de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/24/o-dosvox-como-instrumento-de-inclusao-para-alunos-cegos
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