O lúdico e o formal numa escola pública de São Lourenço/MG

Marco Aurélio Rodrigues Dias

Licenciando em Pedagogia (Universidade Vale do Ribeira)

Sou aluno de licenciatura em Pedagogia pela Universidade Vale do Ribeira, Polo São Lourenço, do 7º período, por módulos em EaD. Estou fazendo estágio no Ensino Fundamental I, anos iniciais, na Escola Municipal Melo Viana, em São Lourenço, Minas Gerais. A proposta deste trabalho é descrever minha observação durante o estágio em prol da motivação dos alunos pelos conteúdos construídos no plano de aula.

Para iniciar meus argumentos e justificar minhas observações, menciono que o processo ensino-aprendizagem tem por objetivo, também, o desenvolvimento cognitivo do estudante. Piaget (1975) entendeu que o desenvolvimento cognitivo é um processo de construção do conhecimento que ocorre a partir da interação entre sujeito e objeto. No caso deste estudo das variáveis da atenção/desatenção no processo ensino-aprendizagem, identifico que o “sujeito” é o aluno e o “objeto” é o conteúdo escolar. Piaget ainda concluiu que o conhecimento é construído por meio da assimilação de um saber que vai servir de base para um outro saber (as “acomodações”), por isso Paulo Freire (1974), em sua obra Pedagogia do Oprimido, com forte influência das conclusões de Piaget sobre como a criança constrói o conhecimento, criticou o que chamou de “educação bancária” e esclareceu que o aprendente não é um depósito de conhecimentos curriculares da escola, mas um construtor de conhecimentos.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), por sua vez, estabelece que, por intermédio da conexão dos saberes prévios (de uma série) com os saberes posteriores (da série seguinte), alavanca-se a aprendizagem, ocorrendo o desenvolvimento cognitivo do aluno no que diz respeito ao ensino formal.

No entanto, para que o mecanismo de interação entre saberes prévios e posteriores do ensino formal funcione dentro da sala de aula, é necessário que o aluno ponha sua atenção e seu interesse nos conteúdos do currículo.

Segundo Anastasiou (2004), a “ensinagem” engloba “tanto a ação de ensinar” (pelo professor) “quanto a de apreender” (pelo aluno), conceito este diferente de aprender. “Apreender” decorre da ação de ensinar a pensar. Ou seja, a “ensinagem” precisa desencadear no aluno a ação de “apreender” ou de aprender a aprender, o que não acontece se o aluno estiver desmotivado, desinteressado e “sem prestar atenção” a aula.

Antes disso, quero deixar claro que a inquietude da criança pode causar a falta de atenção na aula e, consequentemente, prejudicar a sua assimilação dos conteúdos, não é, por isso, um ato de indisciplina.

Feita esta introdução aos objetivos deste estudo, inicio meu relatório sobre algumas observações em torno da importância que a pauta atenção-desatenção possui no processo ensino-aprendizagem.

Aula de 31 de outubro de 2022 – sobre a explicação dos conteúdos

Estava programada para esse dia a avaliação mensal da disciplina de Português. Em aulas anteriores, foram desenvolvidos exercícios capacitantes para os conteúdos dessa avaliação. O que se avalia? O processo de assimilação dos saberes já ensinados. Diagnostica-se, na avaliação, o que realmente o aluno aprendeu. Como forma de despertar a atenção e o interesse dos alunos para as questões da avaliação, visando que cada um alcançasse o melhor desempenho, foi explicado como seria o método e quais os procedimentos que os alunos deveriam tomar para solucionar as questões. Sabe-se que a atenção da criança é inquieta e migra facilmente do formal para o lúdico, não havendo outro método de conquistar sua atenção para os deveres escolares a não ser por meio da intervenção com explicações sobre os objetivos das tarefas e o método de solução das questões. Após as devidas explicações, a professora indagou se ainda havia dúvidas. As crianças fizeram perguntas e a professora tirou suas dúvidas. Logo, a avaliação seguiu seu curso.

Reflexão sobre a aula de 31 de outubro de 2022

Sabendo-se que o ato de “prestar atenção” é primordial na aprendizagem e que sem ele ninguém aprende, pode-se fazer uma pergunta: “as explicações necessárias que antecedem as propostas de cada tarefa são, por si só, suficientes para o docente despertar o interesse e a atenção dos alunos para os conteúdos?”.

Observei que o objetivo da explicação quanto ao procedimento das tarefas não é somente despertar o interesse do aluno pelos conteúdos formais, mas facilitar os esquemas do seu trânsito por eles.

Por isso, no início de cada aula, antes de qualquer coisa, o docente precisa explicar aos alunos o plano de ensino do dia. Além disso, ao iniciar as tarefas, deve orientá-los quanto aos procedimentos que devem ser tomados para solucionar as questões e qual o objetivo das tarefas. Os educadores devem deixar claras as regras impostas para evitar confusões às crianças.

O que desperta a atenção da criança para os conteúdos escolares?

No decorrer do estágio, nas minhas observações sobre o comportamento das crianças, investiguei o que de fato despertaria na criança a sua plena atenção. A educação formal é uma engrenagem de associação entre conteúdos conhecidos e desconhecidos. Aprende-se um conteúdo e, depois, a esse conteúdo já assimilado é ensinado um outro relacionado e ainda desconhecido. A criança aprende as vogais, as consoantes, as sílabas, as palavras, as frases, e o processo nunca termina. O conhecimento é infinito. Podemos dizer que o processo de aprendizagem é a conexão dinâmica entre conteúdos conhecidos e conteúdos desconhecidos. O que desperta a atenção da criança para o conteúdo posterior é a assimilação do conteúdo anterior relacionado com ele. Dessa forma, a atividade pedagógica de chamar a atenção do aluno para o conteúdo que está sendo proposto na tarefa é a técnica mais eficaz para despertar a sua atenção ao conteúdo posterior. Assim, o processo ensino-aprendizagem é dinamizado. Não há dúvida de que a ação ensino-aprendizagem está relacionada com a ação atenção-desatenção e atenção-aprendizagem.

Podemos definir que existem dois tipos de atenção?

Utilizo aqui a palavra atenção com o sentido de “prestar atenção” e de “estar atento”. Na proposta ensino-aprendizagem, a atenção natural (intrapessoal), voltada para dentro, é subjetiva e lúdica, flui naturalmente do interior da criança para os seus objetos de interesse externos, de descoberta do mundo e das suas habilidades e competências pessoais. Já a atenção disciplinada ou exigida pelo professor (interpessoal) tem como finalidade o propósito social da aula e é com ela que o educador lida para poder empreender a aprendizagem.

Observei que muito facilmente a criança migra da atenção interpessoal, necessária aos deveres do plano de ensino, para a atenção intrapessoal, natural, de interesse das suas descobertas e que a coloca em situação de distração relativamente aos assuntos da aula. Observei, ainda, que alguns alunos abandonam temporariamente a tarefa, pegam um desenho e fazem alguns traços, ou apenas dão uma olhada no desenho, voltando aos deveres da tarefa. A concomitância de prestar atenção na aula, resolver as questões e terminar um desenho não proposto no plano de aula (que logo vai ser compartilhado com outras crianças), é uma demonstração de competência e de múltiplas inteligências, porém também um ato de distração, que pode comprometer a compreensão dos conteúdos que são explicados.

Com toda certeza, em sala de aula o aluno lida com a inquietude de equilibrar a “atenção” da inteligência intrapessoal, subjetiva, que o leva para os seus objetos de interesse, e a “atenção” da inteligência interpessoal, social, exigida pelo professor e indispensável para aprender-apreender os conteúdos curriculares do ensino formal, colocados nas tarefas do plano de aula. Essa inquietude da criança não é indisciplina.

A intervenção necessária do docente

A atenção intrapessoal da criança é um processo cognitivo de descoberta e um processo interno de conexão de saberes. Diríamos que toda criança está em processo de ebulição cognitiva, psicológica, orgânica e social. O processo de descoberta de si, do outro e do mundo não é interrompido quando a criança vai para a escola e entra na sala de aula. No ensino formal, a atenção intrapessoal fica em segundo plano, mas potencialmente ativa, para que a atenção interpessoal entre em ação e se relacione com a aula e com todas as suas variáveis. No entanto, o professor precisa fazer várias intervenções, dizendo: “Agora quero todo mundo sentado na sua carteira e prestando atenção no que eu vou falar”. As crianças obedecem, para ouvir as explanações dele. Essa é a atenção disciplinada ou exigida. Segundo La Taille (1996, p. 9), “crianças precisam sim aderir a regras e estas somente podem vir de seus educadores, pais ou professores”.

A comunicação dos alunos

Observei que em sala de aula os alunos se comunicam o tempo todo, com olhares, sorrisos e conversas curtas, contextualizadas com suas experiências sociais. Tal comunicação, em várias ocorrências, está associada ao conteúdo proposto e se relaciona com explicações que já foram dadas pela professora antes das tarefas, mas alguns alunos não prestaram atenção e, ato contínuo, como resposta, a professora repete aquela frase muito conhecida: “Gente, eu já expliquei isso. Vamos prestar atenção”. Sim, ela explicou, mas não foi o suficiente para fazer com que a atenção de alguns alunos transitasse do universo lúdico para os conteúdos do ensino formal. A inquietude é normal, orgânica e cognitiva. Já a desobediência contínua e intransigente é caso de tratamento e cuidado psicológico. A intervenção pedagógica, quando o aluno transgride as boas regras de convivência em grupo, deve necessariamente promover uma reflexão mais acentuada sobre atitudes indevidas. No ensino conservador, aplicava-se a punição com castigos físicos e a expulsão do aluno, o que não é mais aceito e nem surte efeito para correção de conduta.

Sobre a atenção disciplinada

Mesmo no caso da atenção disciplinada, quando o docente pede para a turma ficar quieta, prestar atenção no que ele vai explicar e os alunos obedecem e ficam quietos olhando na sua direção, isso não quer dizer que eles estão prestando atenção e apreendendo as explicações do professor, pois podem estar pensando nas figurinhas, nos desenhos, no recreio etc. A atenção natural do aluno é subjetiva, diz respeito ao seu íntimo, não pode ser domada, não obedece aos apelos do professor e, no máximo, pode ser motivada. Contudo, sempre será tentada a se dirigir para o universo lúdico.

Foi a partir dessa observação que Friedrich Froebel (1782-1852) iniciou as estratégias pedagógicas de unir os conteúdos formais com os jogos, os brinquedos e as brincadeiras. Ele contemplava, como forma pedagógica de atrair as crianças, o uso de jogos, brincadeiras, cantigas de roda, histórias e jogos de imitação.

A interação indisciplinada dos alunos

Insubordinação é diferente de indisciplina. Considerei que a interação indisciplinada ou a inquietude dos alunos em sala de aula, longe de ser “indisciplina” (a indisciplina é pedagógica), propicia o desenvolvimento social, espacial, motor e intelectual deles. Observei que a interação social efetuada na indisciplina (inquietude) dos alunos, quer em sala de aula ou no pátio da escola, traz à criança uma mensuração de si mesma na observação das habilidades do outro, permitindo que haja o conhecimento e o desenvolvimento das potencialidades pessoais que o outro já desenvolveu.

Mas a intervenção sempre se faz necessária, principalmente dentro da sala de aula, não para coibir a liberdade dos alunos, mas para equilibrar os processos ordem-desordem, atenção-desatenção e disciplina-indisciplina. Em meio a tudo isso, o docente tem que ensinar os conteúdos formais do currículo escolar.

Aula de 04 de novembro de 2022 – avaliação mensal de História

Durante a avaliação mensal de História, após as explicações dos procedimentos, alguns alunos disseram que não estavam entendendo a questão. A professora precisou chamar a atenção deles para a imagem relacionada com a questão, porque a resposta da pergunta estaria na observação da imagem. Todas as outras questões eram também relacionadas com as imagens ou textos.

Figura 1: Ilustração da avaliação mensal de História

Fonte: Escola Municipal Melo Viana, 2022.

Não obstante as explicações da professora, as questões eram claras e diziam o seguinte: “Olhando para essa imagem, que local é esse?”, “Há uma situação nesse local que não deveria ocorrer. Qual é?” Após as novas explicações, as crianças entenderam que a imagem faz referência a uma falta de atenção no processo da aula “que não deveria ocorrer”.

Por que chamar a atenção dos alunos para os procedimentos?

Observei que chamar a atenção do aluno para os procedimentos relativos ao plano de aula e ao desenvolvimento dos conteúdos deve ser uma ação contínua do educador, porque o processo ensino-aprendizagem depende da sua constante atenção dirigida a essa possível falta de atenção do aluno em relação à compreensão dos conteúdos. Pedir a atenção dos estudantes é uma prática pedagógica do processo ensino-aprendizagem. Não há outra forma de obter a atenção deles a não ser fazendo insistentemente esse pedido. A inquietude do aluno e sua ação de expressá-la é um direito de liberdade que deve ser respeitado dentro de limites que não obstrua a ação no processo do ensino-aprendizagem. A intervenção do professor ocorre para manter o equilíbrio natural entre a ordem e a desordem ou entre a atenção e a desatenção, levando-se em conta que a desordem normal das crianças tem como motivação a atividade orgânica das funções motoras e as emoções das descobertas de si e do outro.

Na sala de aula de estágio, observei que a desatenção, normalmente, está associada a uma ação de falar com o outro, de se levantar da carteira ou de pegar um objeto que não está relacionado com o conteúdo do plano de aula. A criança se constitui a partir do mundo lúdico e tem a tendência natural de se evadir para ele, pois o lúdico não é algo conservador e formal como o ensino. Sem dúvida, o fator lúdico da interação social entre os alunos na sala de aula é muito mais atraente do que qualquer plano de aula e, evidentemente, os alunos terão uma tendência natural a prestar menos atenção na aula do que nos apelos lúdicos da relação com os colegas.

Aula de 19 de outubro de 2022 – zona de desenvolvimento proximal

Mencionamos que a aula do professor é coletiva, porém a compreensão dos alunos é individual. A aprendizagem dos conteúdos não ocorre num mesmo tempo. Cada aluno constrói o conhecimento individualmente e no seu tempo. Durante a apresentação do conteúdo, os alunos assimilam partes diferentes, motivo pelo qual é muito importante a interação entre eles até mesmo como complementação da ação da docente.

Nessa aula, uma criança levantou o dedo e interpelou a professora dizendo que não entendeu a letra “v” da palavra “vendeu”, escrita na lousa com letra cursiva e muito bem desenhada. Antes que a professora respondesse à solicitação da aluna, a coleguinha sentada na carteira do outro lado da sala explicou em voz alta que se tratava da letra V.

Podemos, assim, analisar que os alunos “apreendem” diferentemente partes da aula coletiva do professor? Seria correto entender que um aluno também aprende com o outro e que a interação entre eles é importante para o desenvolvimento cognitivo de cada um e para o desenvolvimento social de toda a turma?

Aula de 18 de outubro de 2022 – criança aprende brincando

Observei que uma das maneiras mais adequadas de estimular a criatividade das crianças é por meio do desenho. A professora entregou aos alunos o caderno de desenhos e liberou a classe para desenhar de acordo com a criatividade. O clima foi de alegria geral. A proposta de autonomia foi celebrada pelas crianças. Quando o educador permite que a criança faça desenhos, expressando seus sentimentos por pessoas, objetos ou qualquer coisa da sua relação intrapessoal ou interpessoal com o ambiente ou com a sociedade, ela se vê estimulada a fazer o que pensa, da forma como pensa, sem censura e sem bloqueios. Observei que na tarefa do desenho com tema escolhido pela própria criança, estabelece-se um dos momentos de catarse das capacidades, das competências e das habilidades. Elas interagem, compartilham experiências, exibem entre si os desenhos, comparam suas habilidades com as dos outros e adquirem competência para iniciativas. Desse modo, deduz-se que a aprendizagem na escola não deve ser apenas a dos conteúdos do plano de aula, mas também àquela relacionada à apropriação dos pontos de vista do coleguinha. O “outro” é um elemento que enriquece o grupo e as relações.

Considerações finais

Ao terminar este trabalho, segundo minhas observações, relato que a atenção do aluno para os conteúdos do plano de aula não é uma atenção espontânea, pois precisa ser chamada e ser atraída. As intervenções do docente para manter os alunos atentos aos deveres escolares, pelo menos dentro da sala de aula, são fundamentais para o seu desenvolvimento e a sua permanente inclusão na formação educacional.

Referências

ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate. Estratégias de ensinagem. In: ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonir Pessate (org.). Processos de ensinagem na universidade. Pressupostos para as estratégias de trabalho em aula. 3ª ed. Joinville: Univille, 2004. p. 67-100.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.

LA TAILLE, Yves de. A indisciplina e o sentido de vergonha. In: AQUINO, Julio Groppa (org.). Indisciplina na escola: alternativa teóricas e práticas. São Paulo: Sammus, 1996.

PIAGET, J. A teoria de Piaget. In: MUSSEN, P. H. (org.). Desenvolvimento cognitivo. v. 4. São Paulo: EPU, 1975. p. 71- 115.

Publicado em 04 de julho de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

DIAS, Marco Aurélio Rodrigues. O lúdico e o formal numa escola pública de São Lourenço/MG. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 25, 4 de julho de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/25/o-ludico-e-o-formal-numa-escola-publica-de-sao-lourencomg

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