A influência das desigualdades socioespaciais no Colégio Estadual Padre João Wislinski, em Curitiba/PR

Fabiano dos Santos Martins

Mestre em Ensino de Ciências e Relações CTSA (UTFPR), professor de Geografia na Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus (Curitiba/PR)

Ronualdo Marques

Doutorando em Educação (UFPR); mestre em Ensino de Ciências (UTFPR), pedagogo e professor na rede municipal de Pinhais/PR

Carlos Eduardo Fortes Gonzalez

Doutor em Educação (UDE – Montevidéu), pós-doutorando (PPGEdu/UFMS, PPGECT/UTFPR - câmpus Ponta Grossa), professor titular do Departamento de Química & Biologia da UTFPR

A natureza é implacavelmente aleatória e indiferente; ninguém escolhe a localização geográfica, a cor da pele, o grupo étnico ao qual pertence, a condição socioeconômica e cultural para nascer. Porém a natureza não pode ser responsabilizada pelo destino daqueles que nascem, vivem ou frequentam lugares onde os artifícios humanos resultam numa existência cheia de restrições que impedem o desenvolvimento pleno dos indivíduos, como as desigualdades socioespaciais que influenciam os rendimentos escolares do Colégio Estadual Padre João Wislinski, no bairro Santa Cândida, em Curitiba/PR, instituição pública que desde 2015 absorve um número crescente de estudantes realocados de ocupações irregulares de outras regiões do município para conjuntos habitacionais construídos na porção do bairro conhecida como Jardim Aliança.

A gradual elevação de matrículas, o predomínio de um público discente de baixa renda familiar, a significativa distorção idade-série, a preocupante evasão e os limitados recursos didáticos disponibilizados pela instituição impactam sobre as desigualdades escolares apontadas por indicadores que possibilitam o monitoramento da qualidade educacional, como os desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Desde o início do século XX, as principais aglomerações urbanas de um país – espaços que concentram pessoas, capital, meios de produção – podem ser caracterizadas como a concentração dos extremos porque, com raras exceções, expõem desigualdades sociais materializadas na paisagem urbana. Quanto mais acentuadas forem as disparidades de renda entre os diferentes grupos e classes sociais, maiores são as desigualdades de moradia, de acesso aos serviços públicos e de oportunidades. Nesse sentido, como sintetizou Ascher (1995), as metrópoles “têm sido polos de acumulação e de concentração de riquezas”, configurando-se como espaços urbanos concentradores de extremos socioeconômicos e condições de vida muito desiguais, pois, quando não acompanhada da expansão de infraestruturas que satisfaçam a necessidade dos moradores, a crescente concentração populacional em áreas urbanas (UNFPA, 2007; UNWUP, 2014) pode potencializar desigualdades nas mais variadas esferas, como a desigualdade educacional apontada pelo INEP no Colégio Estadual João Wislinski, escola que registrou rebaixamento dos resultados esperados desde a elevação do número de matrículas decorrente do crescimento populacional do bairro, indicando, como destacado por Koslinski, Alves e Lange, “que os indivíduos podem ser afetados pela qualidade dos serviços que são oferecidos em suas vizinhanças” (2013, p. 1.179), incluindo o desempenho escolar.

O bairro Santa Cândida

Situado no norte do município, dentro dos limites da área denominada pela Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC) como Regional Boa Vista, o bairro Santa Cândida exemplifica os extremos presentes na metrópole paranaense. A Regional Boa Vista localiza-se ao norte, limítrofe de alguns municípios que compõem a região metropolitana: Colombo, Pinhais e Almirante Tamandaré. A área total da Regional é de 6.251 hectares, o que corresponde a 14,38% do território de Curitiba. É a segunda maior regional do município, no que diz respeito à extensão territorial, ficando atrás apenas da Regional CIC. Dos treze bairros (Abranches, Atuba, Bacacheri, Bairro Alto, Barreirinha, Boa Vista, Cachoeira, Pilarzinho, Santa Cândida, São Lourenço, Taboão, Tarumã e Tingui), o maior em extensão territorial é Santa Cândida, com 1.019 hectares, enquanto o menor é Taboão, com 183 hectares (IPPUC, 2017).

Do início do presente século até 2016, a população aumentou de 27.870 habitantes para 37.071 (IBGE, 2016), uma consequência do processo de urbanização da capital sobre as áreas naturais e/ou rurais que ainda existem (resistem) na capital do estado. Tal processo foi impulsionado por políticas públicas de realocação das populações que ocupavam áreas irregulares, como moradias ilegais ou em áreas de risco, para conjuntos habitacionais voltados para população de baixa renda e vulneráveis, como a implementação de unidades residenciais que visavam atender dois segmentos de públicos do programa federal Minha Casa Minha Vida: famílias inscritas na fila da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab) – Residencial Imbuia: 560 unidades distribuídas em 35 blocos com 16 apartamentos cada – e moradores de áreas de risco, no Residencial Aroeira: 440 unidades, sendo 30 casas adaptadas para pessoas com deficiência, 122 sobrados e 288 apartamentos distribuídos em 18 blocos (PMC, 2014).

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) afirma que, em 2016, a Regional Boa Vista possuía 123 ocupações irregulares, o equivalente a 20% do total de Curitiba, sendo a regional com a maior expressividade numérica de ocupações, conforme mostra a Figura 1.


Figura 1: Ocupações Irregulares na Regional Boa Vista em 2016
Fonte: Cohab/IPPUC, 2016.

Delas, 50 eram do tipo assentamento sem regularização, quinze loteamentos clandestinos sem regularização, 27 assentamentos em processo de regularização e seis loteamentos clandestinos em processo de regularização. O bairro com o maior número de unidades foi Santa Cândida (29), seguido pelo Bairro Alto (24), Pilarzinho (17) e Cachoeira (16). Ainda que em menores proporções, todos os bairros da regional possuíam algum tipo de ocupação irregular naquele ano, com destaque para os bairros localizados na porção norte da regional e que fazem divisa com os municípios de Almirante Tamandaré e Colombo, que, além da expressividade numérica, abrigam ocupações de grandes proporções territoriais (IPPUC, 2017).

Os empreendimentos imobiliários e o consequente aumento populacional não foram acompanhados da infraestrutura que a expansão urbana exige; o bairro Santa Cândida não possui saneamento básico universalizado, conforme dados da Sanepar (2013), o que é demonstrado na Figura 2.


Figura 2: Rede de coleta de esgoto e rede de distribuição de água na regional Boa Vista em 2013
Fonte: Sanepar, 2013.

Havia duas unidades relacionadas à saúde no bairro Boa Vista até 2018, quando, em janeiro daquele ano, foi inaugurada a Unidade de Saúde Aliança – mais próxima dos conjuntos habitacionais construídos recentemente. A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima ao bairro Santa Cândida é a situada no bairro Boa Vista, conforme mostra a Figura 3.


Figura 3: Equipamentos relacionados à saúde na regional Boa Vista - 2017
Fonte: SMS-PMC/IPPUC (SEUC), 2017.

O bairro Santa Cândida possui apenas um Farol do Saber e uma biblioteca para atender o bairro de maior extensão territorial da Regional Boa Vista, conforme está na Figura 4.


Figura 4: Equipamentos Relacionados à cultura na regional Boa Vista – 2017
Fonte: FCC/PMC, 2017.

Ao observar o bairro Santa Cândida, vemos que ele apresenta significativa área verde; contudo, não possui nenhum parque ou bosque, conforme a Figura 5.


Figura 5: Áreas verdes e equipamentos relacionados ao lazer e meio ambiente na regional Boa Vista - 2017
Fonte: Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Curitiba, 2017.

Figura 6: Equipamentos relacionados ao esporte e lazer na regional Boa Vista - 2017
Fonte: Secretaria de Esporte, Lazer e Juventude, 2017.

Conforme a Figura 6, o bairro Santa Cândida não possui equipamentos urbanos que estimulem atividades esportivas ou recreativas em áreas públicas, fator que não contribui para que haja ou sejam incentivadas atividades esportivas ou recreativas em áreas públicas; mesmo a sinalização viária, que proporciona maior segurança para a prática do ciclismo, para o lazer ou para deslocamento ao trabalho, é proporcionalmente pouca em relação à quantidade de ruas existentes no bairro, conforme a Figura 7.


Figura 7: Sistema viário por tipo de alimentação na Regional Boa Vista - 2017
Fonte: IPPUC, 2017.

Como os equipamentos urbanos são escassos, mal distribuídos e insuficientes para atender às demandas do bairro, as práticas esportivas e culturais dependem muito da infraestrutura das instituições públicas de ensino existentes no Santa Cândida (Figura 8), as quais excluem uma fatia populacional significativa, pois atendem apenas matriculados durante a vigência do ano letivo e durante o período das aulas.


Figura 8: Unidades da educação por tipo na regional Boa Vista - 2017
Fonte: IPPUC, 2017.

O Colégio Estadual Padre João Wislinski

Antecipando-se à demanda que a instalação de novos conjuntos habitacionais (PMC, 2014) geraria no Colégio Padre João Wislinski, em junho de 2013 o governo do estado anunciou o investimento de R$ 700 mil na construção de quatro novas salas de aula, dois banheiros, reforma das redes de água e energia e adequação das instalações para pessoas com necessidades especiais, o que seria a primeira reforma desde a inauguração do colégio, que ocorreu em 1990 (Paraná, 2013). A ampliação do colégio também incluía a reforma e cobertura da quadra poliesportiva; porém, desvios das verbas públicas – repassadas pelo Governo Federal – por parte dos agentes públicos do Estado do Paraná impossibilitaram o cumprimento de novas benfeitorias, como evidenciou a Operação Quadro-Negro (MPPR, 2020).

A ocupação das novas moradias provocou, desde 2015, gradativo aumento no total de matrículas no Colégio Estadual Padre João Wislinski (Tabela 1), instituição pública de Ensino Fundamental II e Médio com maior proximidade geográfica das novas residências (trajeto de quase 2,5km), as quais foram construídas na porção do bairro Santa Cândida conhecida como Jardim Aliança, de onde os estudantes deslocam-se utilizando o transporte escolar fornecido pela parceria entre a Prefeitura Municipal de Curitiba e o Governo do Estado do Paraná.

Tabela 1: Matrículas no Colégio Estadual Padre João Wislinski - Curitiba/PR

Ano Matrículas

2010

429

2011

422

2012

417

2013

366

2014

337

2015

429

2016

499

2017

561

2018

592

2019

764

2020

746

Fonte: INEP/MEC, 2020.

Dados da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR) contabilizam que, em 2020, colégio possui 746 estudantes (Tabela 1) distribuídos em 30 turmas, sendo 16 de Ensino Fundamental II, com 428 matrículas; seis turmas de Ensino Médio, com 186 matrículas; seis turmas de atividades complementares, com 118 matrículas; e duas turmas de atendimento educacional especializado, com catorze matrículas (SEED/PR, 2020).

O gradativo aumento de estudantes ao longo do último quinquênio foi acompanhado de uma preocupante taxa de distorção idade/série – percentual de alunos que têm idade acima da esperada para o ano em que estão matriculados, constatada no Colégio Estadual Padro João Wislinski (Tabela 2), a qual reflete o gargalo educacional que afeta parte significativa das instituições públicas de ensino no país. Enquanto na média nacional, segundo dados do Censo Escolar (INEP, 2019), a taxa de distorção para o Ensino Fundamental foi de 26,2% e de 16,2% para o Ensino Médio, o Colégio João Wislinski registrou que 27% dos alunos do Ensino Fundamental II estavam fora do ano/série correspondente à sua idade, ou seja, de cada 100 alunos matriculados no Ensino Fundamental II, aproximadamente 27 estavam com atraso escolar de dois anos ou mais. A taxa para o Ensino Médio foi de 18%, ligeiramente maior que a média nacional, fator que pode estar relacionado ao pouco tempo de oferta do Ensino Médio na instituição, a qual abriu sua primeira turma de 1° ano do Ensino Médio em 2016, de 2° ano em 2017 e de 3° ano em 2018. Como o Ensino Médio é recente na escola e as vagas ofertadas são poucas, muitos estudantes migram para outros colégios.

Tabela 2: Taxa de distorção idade/série para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio, em %, no Colégio João Wislinski

EF II

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

16

16

16

16

20

28

34

29

22

19

22

20

26

21

24

26

29

34

34

27

11

13

24

22

24

19

24

25

34

28

19

16

14

24

19

18

21

19

29

35

Total do Ensino Fundamental

17

17

20

20

22

24

28

27

30

27

 

EM

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

1ª série

19

30

29

20

2ª série

21

20

18

3ª série

17

14

Total do Ensino Médio

19

26

25

18

Nota: Em 2016 o Ensino Médio foi ofertado incialmente apenas com turmas do 1° ano.
Fonte: INEP/MEC, 2020.

As elevadas taxas de distorção idade/série contribuíram, bem como outros fatores inerentes à própria escola e problemas externos que a afetam, para o fracasso na obtenção das metas projetadas para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) a partir de 2015, ano em que se inicia o crescente número de matrículas no Colégio João Wislinski, demonstrando que apenas a construção de novas salas de aula foi insuficiente para manter o êxito obtido nos resultados do IDEB em anos anteriores (Tabela 3).

Tabela 3: IDEB da 8ª Série/9º Ano - Colégio Estadual Padre João Wislinski

IDEB observado

2005

2007

2009

2011

2013

2015

2017

3.1

4.1

4.6

3.7

4.1

3.5

*

Metas projetadas

2007

2009

2011

2013

2015

2017

2019

2021

3.1

3.3

3.6

4.0

4.4

4.7

5.0

5.2

Fonte: INEP/MEC, 2018.

Nota: Os resultados marcados em verde referem-se ao IDEB com a meta atingida.

* Número de participantes no SAEB, insuficiente para que os resultados sejam divulgados. Sem média no SAEB 2017: Não participou ou não atendeu os requisitos necessários para ter o desempenho calculado.

Em 2018, o colégio registrou sua primeira participação no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Os resultados foram tímidos, a começar pelo número de participantes – apenas sete nos dois dias da avaliação, e média de quase 500 pontos; mesmo assim, a formatura da 1ª turma a concluir o Ensino Médio foi um marco na história do colégio. No ano seguinte, a participação aumentou, porém a média caiu para 490, denunciando como déficits educacionais acumulados ao longo da vida escolar se manifestam em testes de desempenho, os quais possibilitam um diagnóstico das práticas pedagógicas e demais carências que afetam a prática educativa, mesmo com uma amostra relativamente pequena (Tabela 4).

Tabela 4: ENEM 2018 e 2019 - Colégio Estadual Padre João Wislinski

Ano do exame

Ciências Humanas

Ciências da  Natureza

Linguagens e Códigos

Matemática

Redação

Média

2018*

550

467

492

510

480

499,8

2019**

509

454

503

494

489

490

Fonte: INEP/MEC, 2020.

* Em 2018, apenas sete estudantes participaram do exame.
** Em 2019, 19 estudantes participaram do exame; um não realizou a Redação.

Desigualdade urbana e desigualdade escolar

Mesmo com mudanças significativas constatadas no perfil da educação brasileira nas três últimas décadas, como substancial queda nas taxas de analfabetismo, aumento expressivo na quantidade de matrículas em todos os níveis de ensino e crescimento das taxas de escolaridade média, o panorama educacional brasileiro ainda é insatisfatório – quantitativa e, principalmente, qualitativamente (Arretche, 2015; Schwarcz, 2019) – e afeta a mobilidade social brasileira, fortemente influenciada pelo aumento da escolaridade média, a qual está atrelada à redução da desigualdade de oportunidades educacionais (DOE), como a universalização do acesso, permanência e conclusão dos níveis de ensino básico, médio e superior (Ribeiro; Ceneviva; Brito, 2015).

Dentre os múltiplos fatores que originam a DOE, a variável urbana exerce peso significativo, pois a disponibilidade e a qualidade dos equipamentos urbanos presentes no bairro afetam a relação da comunidade com a escola, as expectativas do corpo docente quanto ao futuro escolar dos alunos e a rotatividade dos professores na instituição (Koslinski; Alves; Lange, 2013), a exemplo do que ocorre no Colégio Padre João Wislinski, onde a carência de equipamentos urbanos no bairro e a implantação de novos conjuntos residenciais para a população de baixa renda convergiram para o predomínio de um público estudantil socioeconomicamente vulnerável e, segundo parte do grupo docente, pouco promissor.

Como a escolha pela instituição de ensino não depende apenas da vontade dos responsáveis, pois a Secretaria de Educação do Paraná direciona a matrícula com base no georreferenciamento e longas distâncias envolvem meios de transporte que acarretam custos adicionais para o orçamento familiar, constata-se aqui o que Dubet diagnosticou nas escolas francesas na qual a partir de 1963: foi retirado dos pais o direito de escolher o estabelecimento em que desejam matricular seus filhos. A definição era feita com base na localização das escolas e do endereço de residência do estudante (Dubet, 2008). Dubet também assevera que

a oferta escolar está longe de ser igual, homogênea, e de maneira geral a escola trata pior as crianças menos favorecidas. O mapa escolar registra as desigualdades sociais, e suas imposições são mais rígidas para os pobres encerrados nos estabelecimentos dos “guetos”, onde a concentração de alunos relativamente fracos enfraquece ainda mais o nível geral, reduzindo suas chances de êxito, inclusive para os bons alunos. Ao contrário, a concentração de bons alunos nos estabelecimentos favorecidos reforça a qualidade da educação e o nível médio dos alunos (Dubet, 2008, p. 34).

A condição socioeconômica das famílias, a infraestrutura ofertada pela escola, a qualificação do corpo docente e a distribuição espacial de equipamentos públicos devem ser consideradas nos estudos que abordam as desigualdades educacionais. Ratificando o que afirmaram Ribeiro e Koslinski (2010, p. 15), “se antes os estudos desenvolvidos no campo da Sociologia da Educação tratavam somente do efeito da família e da escola, agora a vizinhança ou o bairro passam a ser vistos como instâncias também capazes de gerar desigualdades escolares”.

As desigualdades originadas fora do ambiente escolar afetam o desempenho pedagógico e a capacidade de construir novos saberes, pois, como afirma Dubet (2008, p. 28), “a escola não conseguiu neutralizar os efeitos das desigualdades culturais e sociais sobre as desigualdades escolares”. Mesmo sendo um ambiente planejado e concebido para tentar amenizar os efeitos das desigualdades extraescolares sobre a aprendizagem, as instituições de ensino não têm capacidade de suprimir todas as lacunas que os estudantes trazem para a sala de aula, o que eventualmente interfere negativamente nas práticas educacionais desenvolvidas internamente, ressaltando que as “características sociais do espaço urbano podem desempenhar um papel importante nas trajetórias escolares” (Paula; Nogueira, 2018, p. 58).

Obviamente isso ocorre em diferentes proporções e intensidades em todas as escolas, pois, por mais que alguns estabelecimentos de ensino criem mecanismos para selecionar estudantes dentro de um perfil preestabelecido, cada ser humano é um universo de sentimentos e histórias marcados pelo núcleo familiar onde cresceu, o que exige adaptações de planejamentos e currículos para superar as dificuldades que porventura se apresentem ao longo do período letivo. O desafio é ainda maior quando as desigualdades que abundam em bairros desassistidos pelo poder público são transferidas para os estabelecimentos de ensino, que, já saturados de problemas relacionados ao processo educacional, tentam suprir as lacunas deixadas pelas esferas governamentais.

Nesse sentido, os trabalhos de Koslinski, Alves e Lange (2013) e de Paula e Nogueira (2018) estão em sintonia com os efeitos perversos que bairros vulneráveis causam no aproveitamento escolar, como apontado por Dubet (2008, p. 33-37), perpetuando um ciclo de baixo desempenho escolar – bairro vulnerável com carência de equipamentos urbanos e escola com infraestrutura aquém das necessidades das suas demandas – que se retroalimenta, formando estudantes mal preparados para o ingresso no mercado de trabalho ou no curso superior.

Considerações

Ninguém escolhe onde nasce, mas todos podem transformar o lugar onde nasceram ou escolheram viver, afinal, as cidades concentram desigualdades, mas também representam a oportunidade de superá-las, uma vez que o espaço urbano capitalista é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo e engendradas por agentes que produzem e consomem o espaço. A ação dos agentes sociais inclui práticas que levam a um constante processo de reorganização espacial e, portanto, possibilidade de mudanças.

Para entender o espaço organizado pela sociedade e estimular ações transformadoras é necessário fazer aflorar nos estudantes a percepção da realidade que os envolve, munindo-os de instrumental intelectual crítico que permita (re)pensar o espaço que habitam, instigando-os ao protagonismo, objetivo fortemente dependente da participação do Colégio Estadual Padre João Wislinski. O envolvimento do colégio é fundamental, é dele a responsabilidade por desenvolver nos estudantes e na comunidade escolar estímulos que criem vínculos afetivos com o bairro. Mesmo com tantas dificuldades inerentes aos objetivos do estabelecimento de ensino, cumpre ao colégio remover os integrantes da comunidade da condição de atores passivos para a de cidadãos contestadores e transformadores do bairro em que vivem, pois, como escreveu Paulo Freire, “constatando, nos tornamos capazes de intervir na realidade, tarefa incomparavelmente mais complexa e geradora de novos saberes do que simplesmente a de nos adaptar a ela” (1997, p. 77).

A conscientização possibilita uma organização da comunidade para demandar do poder público o cumprimento de suas funções constitucionais. Os contrastes e as desigualdades urbanas de uma mesma cidade são, muitas vezes, originários da falta de mobilização da população que ignora seus direitos garantidos por lei. Entender que o poder público é mais presente e atuante onde a demanda popular utiliza canais de comunicação para pressionar representantes governamentais é essencial para garantir acesso e distribuição equitativa dos recursos financeiros, estruturais e humanos que podem transformar escolas negligenciadas periféricas em centros de excelência e acolhimento.

Referências

ARRETCHE, Marta (org.). Trajetória das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos. São Paulo: Unesp/CEM, 2015.

ASCHER, François. Metápolis ou l’avenir des villes. Paris: Odile Jacob, 1995.

CURITIBA (Prefeitura). Futuros moradores visitam apartamentos no Santa Cândida. 2014. Disponível em: https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/futuros-moradores-visitam-apartamentos-no-santa-candida/32368. Acesso em: 27 jun. 2020.

DUBET, F. O que é uma escola justa? A escola das oportunidades. São Paulo: Cortez, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. (Coleção Leitura).

FUNDO DE POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (UNFPA). Situação da população mundial 2007. Desencadeando o potencial do crescimento urbano. 2007. Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/swop2007.pdf. Acesso em: 25 jun. 2020.

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INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO DE CURITIBA (IPPUC).  Diagnóstico regional 2017: Regional Boa Vista. Curitiba, 2018. Disponível em: https://ippuc.org.br/. Acesso em: 26 jun. 2020.

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SCHWARCZ, Lilia M. Desigualdade social. In: SCHWARCZ, Lilia M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. p. 126-151.

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Publicado em 18 de julho de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MARTINS, Fabiano dos Santos; MARQUES, Ronualdo; GONZALEZ, Carlos Eduardo Fortes. A influência das desigualdades socioespaciais no Colégio Estadual Padre João Wislinski, em Curitiba/PR. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 27, 18 de julho de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/27/a-influencia-das-desigualdades-socioespaciais-no-colegio-estadual-padre-joao-wislinski-em-curitibapr

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