O lúdico no fazer pedagógico do professor de uma escola ribeirinha

Erica Pinheiro Pinheiro

Licenciada em Pedagogia (UFPA), pós-graduada em Psicopedagogia com ênfase em Educação Especial (FAM)

João Batista Sagica de Farias

Licenciado em Ciências Naturais – Biologia, pós-graduado em Ensino de Ciências (Ffocus) e em Gestão Ambiental e Sustentabilidade (Ffocus)

Promover o lúdico em sala de aula traz reflexos positivos para a aprendizagem de cada criança como indivíduo e ser social. Logo, com as atividades lúdicas na escola é possível perceber as características da criança e estimulá-la a construir e aprender, facilitando seu desenvolvimento durante a infância e formando as bases necessárias para um bom desempenho na vida adulta.

De acordo com Huizinga (2000), os animais, muito antes do surgimento do homo sapiens,já executavam todo um ritual para brincar, adotando para isso as noções de regra, convite, respeito e divertimento, mesmo que irracionalmente. Assim, pode-se afirmar que a ludicidade não é uma invenção humana, apesar de o homem ter dado importantes significados ao ato de brincar (Huizinga, 2000).

Autores como Gianino (2001), Kishimoto (2011) e Barbosa (2010) destacam que a ludicidade é inerente ao ser humano e se expressa desde o início de sua história. Esses autores explicam que, na Pré-História, nas chamadas sociedades primitivas, as atividades que buscavam satisfazer as necessidades vitais em grande parte das vezes eram imbuídas de aspectos lúdicos, não se restringindo somente ao caráter de sobrevivência.

De acordo com Santos e Alves (2014), a brincadeira teve sua origem na Pré-História, quando o homem primitivo se divertia festejando o início da temporada de caça, o vencimento de um obstáculo, a invocação aos deuses ou a habitação de uma nova caverna. Conhecimentos sobre diversas atividades foram passados de geração em geração às crianças em forma de brincadeira. Nesse sentido, o lúdico como elemento educativo já se fazia presente no universo criativo do homem.

Modesto (2009) argumenta que estudos sobre o homem primitivo confirmam que ele já brincava, pois foram encontrados registros de brinquedos infantis provenientes de várias culturas que remontam a épocas pré-históricas. Para a autora, os brinquedos que datam desse período são reflexos de instrumento de trabalho do homem e de sua história; e cita como exemplo a modificação dos ossos dando forma ao brinquedo.

Em síntese, o lúdico como elemento de facilitação no processo educativo esteve presente em todas as épocas, com todos os povos e contextos, e forma hoje uma vasta rede de conhecimento no campo da Educação, em que se faz necessária sua utilização de maneira correta com vistas a potencializar a aprendizagem e o desenvolvimento. Atualmente, com os avanços nas pesquisas em Educação e desenvolvimento infantil, a importância do lúdico fica cada vez mais evidente.

O lúdico pode desenvolver na criança a afetividade, a criatividade, a capacidade de raciocínio, a coordenação motora e o entendimento do mundo. Com a ludicidade, a criança desenvolve sua inteligência e a sensibilidade, aumenta sua independência, desenvolve habilidades motoras, exercita sua imaginação e a criatividade, socializa-se com outras crianças, aumenta sua necessidade de aprender, conhecer e inventar; assim, constrói seus conhecimentos (Vituri, 2014; Brainer, 2012). Logo, o lúdico é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, físico e social infantil (Santos, 2009).

Sendo assim, é necessário que pais e educadores tenham consciência da importância do lúdico e façam uso dele como ferramenta de aprendizagem. No entanto, o que se percebe na prática é a utilização de metodologias tradicionais, em que o aluno é visto como elemento passivo no processo de ensino-aprendizagem, com uma educação baseada na transmissão de conteúdos e a pouca utilização do lúdico como ferramenta de aprendizagem, sendo empregado na maioria das vezes como recreação ou apenas para passar o tempo, e não como instrumento auxiliar na prática pedagógica.

Este trabalho tem como objetivo principal analisar se/como o(a) professor(a) do 2º ano do Ensino Fundamental de uma escola localizada nas ilhas de Abaetetuba utiliza o lúdico como ferramenta de aprendizagem em suas práticas pedagógicas. Buscou-se também:

  • conhecer a prática do professor tendo como foco a utilização do lúdico;
  • identificar qual a percepção do docente sobre o lúdico como ferramenta pedagógica; e
  • definir quais as principais dificuldades, de acordo com o educador, para uma possível não utilização dessa ferramenta.

Metodologia

  • De acordo com Gil (1996), a pesquisa é o resultado da articulação entre saberes prévios e a utilização apropriada de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos, com vistas a elaborar dados sobre aspectos da realidade na busca pela solução de problemas. Assim, nesta seção serão apresentados os caminhos metodológicos para levantamento e análise dos dados que compõem esta pesquisa, bem como a caracterização do local onde o trabalho foi desenvolvido.

Caracterização do local do estudo

A pesquisa foi realizada junto à professora do 2º ano da Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental São José, localizada às margens do Rio Cuitininga, nas ilhas de Abaetetuba. Essas ilhas fazem parte do projeto de assentamento rural Terra de Marinha, que prevê aos ribeirinhos concessão para o uso dos locais onde residem, que legalmente pertencem à União (Baía Júnior, 2006).

Abaetetuba está situada na mesorregião do Nordeste Paraense e na microrregião de Cametá (Baixo Tocantins), limitando-se ao norte com o Rio Pará e com o município de Barcarena e, ao sul, com os municípios de Igarapé-Miri e Moju, com área territorial de aproximadamente 1.606,77km2 e uma população estimada em 153.380 habitantes em 2015 (Quaresma et al., 2015).

O município é dividido em zona urbana e zona rural; a primeira é formada por bairros periféricos que surgiram ao redor do núcleo central histórico, que, apesar do esvaziamento nos últimos anos, ainda concentra a vida administrativa e o comércio da cidade. A zona rural é formada por 72 ilhas, com predominância de terrenos de várzea e pelo “centro” formado por áreas de terra firme.

O prédio da escola, no que diz respeito à estrutura física, conta com três salas de aula que atende três turmas multisseriadas: duas no turno da manhã e uma no turno da tarde; sala da diretoria e secretaria, que também serve como biblioteca improvisada; copa-cozinha e uma ponte coberta por onde os alunos tem acesso à instituição; a ponte é bastante utilizada nos intervalos de aula pelos alunos, devido ao fato de a escola não ter espaço próprio para recreação.

Em relação aos recursos humanos, apesar de ser o suficiente para que a escola funcione, é visível a carência de pessoal, pois, ainda que conte com professores para todas as turmas, por se tratar de turmas multisseriadas, seria muito mais fácil trabalhar os conteúdos se houvesse professor auxiliar, além de não contar com secretário, porteiro e pedagogo. Esses elementos se refletem na prática pedagógica do professor e, por consequência, no processo de ensino-aprendizagem.

A escola possui carteiras suficientes para atender a demanda. A parte mobiliária das dependências administrativas é suficiente e de boa qualidade para satisfazer suas necessidades, enquanto os acervos bibliográficos e os recursos didáticos são insuficientes e a escola não possui área para a realização de atividades físicas. Ponto importante é a insuficiência de merenda escolar adequada durante todos os meses do ano.

A escola não possui um projeto político-pedagógico bem elaborado; dessa forma, os conteúdos são trabalhados de acordo com os materiais enviados pela Secretaria Municipal de Educação, sofrendo pouca adaptação à realidade dos alunos; as atividades a serem desenvolvidas no decorrer do ano letivo são planejadas mensalmente em reunião entre os professores e a direção.

Cabe ressaltar que a escolha dessa escola para a realização da pesquisa se deu por já existir contato entre o pesquisador e a escola, devido a outras visitas para a realização de atividades acadêmicas, como o estágio supervisionado. Na Figura 1 é apresentada a localização do município de Abaetetuba/PA no Brasil, com ênfase na escola alvo do estudo.

Figura 1: Localização do município da escola alvo do projeto

Fonte: Google Earth, editado, 2022.

Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa assumiu os princípios da abordagem qualitativa, em que se produziram registros interpretativos sobre as práticas pedagógicas realizadas na turma estudada, em que se teve por base o conteúdo explícito contido nas declarações do professor e no conteúdo implícito abstraído das observações sistematizadas em sala de aula.

Marconi e Lakatos (2003) destacam que a pesquisa qualitativa não se preocupa em quantificar valores, mas em levantar dados que não podem ser mensurados numericamente, apenas interpretados, e ressaltam a importância do pesquisador, uma vez que ele é quem realiza a interpretação, com base em determinado referencial teórico estabelecido.

Dessa forma, a abordagem qualitativa pressupõe que os indivíduos se comportam de acordo com seus princípios, valores e emoções, e suas ações são carregadas de significados que não se identificam imediatamente, visando ao aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma situação, entre outros aspectos. “Os pesquisadores que utilizam métodos qualitativos buscam explicar o porquê das coisas, [...] mas não quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem a provas de fatos” (Gerhardt; Silveira, 2009).

Assim, com base no referencial teórico estabelecido, no conhecimento prévio do local e em visitas à unidade escolar para reconhecimento formal do espaço alvo da pesquisa, foram elaborados dois roteiros para levantamento de dados: um para a entrevista semiestruturada direcionada ao professor regente da turma e outro para a observação não participante de suas práticas docentes.

Para Marconi e Lakatos (2003), ferramentas de coleta de dados como observação e entrevistas são as mais indicadas e utilizadas para a obtenção de dados qualitativos. Gil (2008) corrobora ao afirmar que essas técnicas são características de pesquisas qualitativas, por serem as mais adequadas para a obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, creem, esperam, sentem, desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes.

Nesse contexto, foram realizadas quatro observações das práticas pedagógicas do professor durante o mês de maio de 2022, objetivando conhecer se/como o professor faz uso do lúdico em suas práticas pedagógicas e se uma possível utilização é vinculada a um objetivo claro de aprendizagem. A observação nada mais é que o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano. Pode, porém, ser utilizada como procedimento científico, desde que sirva a um objetivo formulado de pesquisa e sistematicamente planejada (Gil, 2008).

No período entre as observações, foi aplicada a entrevista semiestruturada à professora alvo da pesquisa. Na entrevista, foi investigada a percepção da docente sobre o que é o lúdico, sua importância para o processo de ensino-aprendizagem, as dificuldades encontradas para a utilização do lúdico e outros aspectos relacionados, a fim de ter um panorama da utilização do lúdico nas atividades da educadora. As respostas foram gravadas em um telefone celular, com a autorização da professora, e depois transcritas e analisadas.

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação (Gil, 2008, p. 11).

A entrevista realizada com a professora foi do tipo estruturada, “aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas” (Marconi; Lakatos, 2003, p. 197). Dentre as vantagens desse tipo de entrevista está a possibilidade de avaliar atitudes, condutas, podendo o entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz; e comprovar se há discordância entre as respostas (desde que o roteiro possibilite).

Depois do período de coleta de dados, foram feitas a seleção e a categorização desses dados, com base na análise qualitativa sugerida por Gil (2008). Primeiro houve a transcrição da entrevista e os processos de redução; simplificação e conclusão/verificação, os quais, respectivamente, consistem em selecionar os pontos mais importantes da entrevista e da observação; analisar os dados selecionados na etapa anterior; e reler para verificar se as conclusões obtidas estão de acordo com os objetivos propostos na pesquisa.

É importante ressaltar que as observações serviram como forma de validar as respostas obtidas com a professora, a fim de dar maior confiabilidade aos resultados apresentados; as anotações da observação sistematizada também seguiram os passos sugeridos por Gil (2008).

Reflexões sobre a prática do professor pesquisado

Abordamos nesta seção a apresentação e a análise dos dados levantados a partir das observações em sala e da entrevista direcionada à professora regente da turma alvo do projeto, em que foram destacados pontos considerados essenciais para responder aos objetivos da pesquisa.

No que diz respeito à qualificação, a professora alvo da pesquisa possui nível superior, com formação em Geografia pela Universidade Federal do Pará, pelo Plano Nacional de Formação de Professores (Parfor), programa criado pelo Governo Federal com o intuito de fornecer curso superior em diversas áreas para professores atuantes na educação básica que possuíam apenas o magistério e não se adequavam à LDBEN.

Contudo, ao tratar da formação continuada, é preciso ressaltar que a docente não possui boa diversidade de cursos, com acentuada escassez ao tratar do lúdico, restringindo-se a apenas um curso nos últimos cinco anos, realizado pela Secretaria Municipal de Educação e com pequena carga horária, tornando a professora dependente de pesquisas próprias, o que é dificultado devido à ausência de cobertura de internet na localidade.

Ao ser questionada sobre a importância da formação continuada no que tange ao lúdico, a docente posicionou-se:

Os cursos complementares, ou seja, de formação continuada, deveriam acontecer mais vezes, pois são eles que vão deixar o professor atualizado para trabalhar da melhor forma possível em sala de aula, pois sem esses cursos muitas vezes o professor segue a única ferramenta que tem, que é o livro.

De acordo com Freitas e Rodrigues (2008), a falta de alternativas leva os professores, em grade parte, a utilizar o livro didático, fazendo assim com que ele exerça grande influência sobre o trabalho do docente. O problema encontra-se no fato de que, ainda hoje, os livros didáticos apresentam situações com enfoque descontextualizado dos conteúdos; pouco protagonismo dos estudantes frente ao trabalho com o livro; dissociação entre os conhecimentos científicos e a vida cotidiana e ênfase nas atividades de memorização e sistematização de informações, em detrimento de atividades complexas de pensamento, dentre outros (Caimi, 2014, p. 1).

A falta de formação continuada se agrava ao considerarmos que o lúdico foi pouco trabalhado na formação inicial da professora, uma vez que o curso de Geografia apresenta em seu desenho curricular pouca preocupação com aspectos da Educação Infantil; de acordo com a docente, o lúdico só foi trabalhado de forma bem superficial, interligado a outra temática, nunca como elemento principal.

Nesse contexto, a professora afirmou não se sentir totalmente preparada para trabalhar com o lúdico em sala de aula, o que é compreensível diante do exposto; porém ela ressalta que compreende a importância do lúdico. Por isso, de acordo com ela, sempre que pode tenta trazer aspectos lúdicos para sua prática em sala com os alunos. Contudo, diante das observações realizadas em sala, o que se percebe é que os jogos e brincadeiras utilizados seguem sem um objetivo de aprendizagem claro, o que pode ser explicado pela falta de formação aprofundada sobre a temática.

Com 15 dos seus 36 anos de idade atuando na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, é possível inferir que a professora possui boa experiência na área; toda a sua vida profissional se deu na mesma escola, o que leva a um conhecimento mais aprofundado de sua clientela, o que pode possibilitar a realização do processo educativo de acordo com a realidade dos educandos, baseado em situações do cotidiano.

De acordo com Pimenta e Lima (2012), a experiência é um dos elementos principais para uma boa atuação profissional. Contudo, a formação inicial e a formação continuada também são de grande importância, tendo em vista que a primeira consolida as opções e intenções da profissão que o curso se propõe a legitimar e a segunda possibilita a atualização diante das mudanças rápidas e constantes pelas quais a sociedade vem passando nos últimos anos, constituindo-se em elemento primordial para a construção e reconstrução dos conhecimentos. Logo, a formação do professor – inicial ou continuada – é fundamental para uma boa atuação, pois processos formativos são essenciais para que haja reflexão sobre a prática docente e a consequente melhoria no processo de ensino-aprendizagem.

A fim de analisar a concepção da docente sobre o lúdico e sua contribuição para o processo de ensino-aprendizagem, realizaram-se perguntas nesse sentido. Inicialmente, a professora foi indagada sobre o conceito de lúdico, e se obteve a seguinte resposta: “O lúdico são os jogos e brincadeiras que divertem principalmente as crianças e ajudam na aprendizagem”.

Ao analisarmos essa afirmação, é notável que a professora detém o conceito de lúdico muito ligado a jogos e brincadeiras. Tais elementos, sem dúvida, são grandes representantes de elementos lúdicos; no entanto, o lúdico vai muito além, envolve emoções e sentimentos. Almeida (2007) destaca que precisa ser prazeroso, espontâneo, libertador, não sendo necessariamente jogo ou brincadeira, mas é uma ação ou intervenção que provoca no sujeito divertimento, prazer. Assim, pode-se inferir que os jogos e brincadeiras são elementos de caráter lúdico e não necessariamente o lúdico em si.

A docente citou como exemplos de atividades lúdicas os jogos como xadrez, jogo da memória, quebra-cabeça e brincadeiras como pique-esconde. A resposta da professora reforça que ela entende o lúdico muito ligado a tais atividades. Tais atividades, se não forem bem elaboradas, tornam-se repetitivas e transformam-se em passatempo; do ponto de vista do lúdico como ferramenta de aprendizagem, apresentam pouca contribuição.

Chinalia (2016) destaca que as brincadeiras de faz de conta e/ou jogo dramático, a música, o desenho, a pintura e a literatura infantil, atividades que proporcionam possibilidades de imaginação, são as mais apropriadas para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem infantil. O autor ressalta ainda que tais atividades não devem se restringir a uma mera forma didática de trabalhar, mas sim permitir que sua realização propicie relações significativas nos processos de interação e no desenvolvimento psíquico da criança.

Ao ser indagada sobre as seguintes questões: a) se considera que haja contribuição do lúdico para o desenvolvimento da criança; e b) qual sua concepção sobre a utilização do lúdico no processo de ensino-aprendizagem, a docente respondeu:

  • Sim. Porque o lúdico faz parte da vida da criança, ajuda no seu desenvolvimento de forma prazerosa. Infelizmente, os alunos que já sabem ler são os que têm mais vontade de aprender com as brincadeiras e os que têm dificuldade não estão nem aí.
  • O lúdico ajuda o aluno a entender o conteúdo. Pelo menos através dos jogos é mais fácil a criança aprender.

Percebe-se que a entrevistada não respondeu sobre o que entende por lúdico no processo de ensino-aprendizagem, mas afirmou que considera que haja contribuição dele para o desenvolvimento da criança, ressaltando uma possível relação entre os alunos que não sabem ler e o desinteresse pelos jogos e brincadeiras. No entanto, ao se observarem as aulas em si, pode-se inferir que pouca coisa é feita para reverter esse quadro, o que é preocupante, uma vez que justamente esses alunos que apresentam desinteresse são os que mais precisam de estratégias de ensino que os tragam para o processo educativo.

Vygotsky (2010) ressalta que o lúdico no processo de ensino-aprendizagem é de grande importância, pois, além de fazer parte da essência da infância, possibilita a produção do conhecimento, da aprendizagem e do desenvolvimento; assim, a criança aprende brincando. O que aparentemente ela faz para distrair-se ou gastar energia é na realidade uma importante ferramenta para seu desenvolvimento cognitivo, emocional, social e psicológico.

Desse modo, o lúdico possibilita à criança uma forma prazerosa de aprender; com a ludicidade a criança se apropria da realidade atribuindo significado, desenvolvendo a imaginação, habilidades e competências, estimula a memória, exercitando níveis diferenciados de atenção e criatividade, entre outros benefícios que traz aos pequenos (Chinalia, 2016).

Também foi perguntado como se dá o desenvolvimento das práticas pedagógicas e se há utilização do lúdico; a docente comentou:

Sim. Acredito que o lúdico é muito importante. Procuro preparar o conteúdo e passo a escrita no quadro para eles, depois vou explicar e, se houver dúvida, aí sim pego aquele material que tem lá, os joguinhos concretos, para ajudar na compreensão.

Observamos que a docente deixa o lúdico em segundo plano, pois primeiramente trabalha com os conteúdos no quadro magnético e com exposição oral. Somente usa a ludicidade se os alunos tiverem dúvida; em muitos casos, as dúvidas dos alunos não são externadas. Caso contrário, não o utiliza.

Metodologias nesse sentido, como perceptível no ambiente escolar pela observação sistematizada, tornam o ensino muito teórico e pouco atrativo para os alunos, principalmente para aqueles que têm dificuldades de aprendizagem; isso deixa a aula muito monótona e tradicional. Vale frisar que o lúdico facilita a transposição dos assuntos abstratos para uma realidade mais próxima daquela dos discentes, torna os conteúdos mais atraentes aos alunos, ampliando as dimensões de ação da construção do saber. Em suma, o lúdico faz com que haja mais dinamismo no ensino e maior interação do aluno com o conhecimento, sendo mais atrativo e prazeroso (Souza, 2013).

É importante destacar que, de acordo com a docente, a sala de aula é o lugar mais utilizado para a realização das atividades, visto que a escola não possui pátio apropriado, nem brinquedoteca; os momentos mais utilizados para o lúdico são o início e principalmente o final da aula, em que os materiais lúdicos mais empregados são brincadeiras de roda, tabuleiro, alfabeto móvel e outras peças que a escola possui. Ao ser questionada sobre quais materiais gostaria de utilizar em sala de aula para o ensino dos conteúdos trabalhados, a reposta foi obtida foi: “computador, datashow e mais kits de jogos educativos para Português e Matemática”.

Durante as observações das práticas pedagógicas da docente, pôde-se constatar que a sala de aula é o local onde acontecem as atividades, lúdicas ou não, e que os materiais citados são os utilizados no intervalo e no final da aula, em sua maioria quando o conteúdo programado pela docente já foi concluído, ou seja, as brincadeiras e os jogos são desconectados da temática trabalhada, transformando-se em passatempo ou forma de manter o controle da turma. Além disso, é importante salientar que, durante as observações, foram utilizadas músicas, pinturas e histórias em quadrinhos, mas que não foram citadas pela professora, o que induz a crer que ela não os considera elementos lúdicos.

Outra pergunta foi sobre as dificuldades enfrentadas para desenvolver o lúdico em sua prática pedagógica; a entrevistada destacou “a falta de materiais e o desinteresse do aluno. Tem aluno que quer e tem aluno que não está nem aí. Brinca por brincar e não quer saber qual é o valor que têm os jogos e brincadeiras”.

A falta de recursos pode ser um elemento que dificulta a realização de atividades, mas tal situação pode ser minimizada com a utilização de materiais alternativos, cantigas e desenhos. Outro fator, segundo a professora, é o desinteresse do aluno. Sabe-se que a ludicidade desperta na criança o interesse e o gosto pelo aprender, como afirma Kishimoto (1997). Cardia (2011) também defende que o lúdico é um meio para despertar o interesse pelo conhecimento escolar. Desse modo, a professora confunde-se ao afirmar que a problemática é a falta de motivação dos alunos, uma vez que as aulas tradicionais e a falta de metodologias que despertem o interesse da criança como aquelas que fazem uso do lúdico são alguns dos elementos que levam ao desinteresse do educando.

É bom deixar claro que a ludicidade é um recurso eficiente e importante no processo de ensino-aprendizagem, pois permite aos alunos um ambiente agradável, motivador, prazeroso e enriquecido, que possibilita a aprendizagem de várias habilidades. Outra importante vantagem no uso de atividades lúdicas é a tendência em motivar os alunos a participar espontaneamente da aula, já que quando estão envolvidos em uma atividade lúdica sentem-se mais livres para perguntar e argumentar, ao passo que, quando estão expostos somente aos métodos tradicionais, nada mais são do que consumidores de informações prontas, que em grande parte das vezes não são bem recebidas. Logo, a ludicidade, quando aliada à aprendizagem, pode estimular os alunos a se interessar pelas aulas, facilitando a aquisição de conhecimentos.

Considerações finais

Com a conclusão da pesquisa, foi possível evidenciar situações que respondem aos objetivos propostos para este trabalho, na busca pelo entendimento sobre a utilização ou não do lúdico em sala de aula. De início, constatou-se que a formação do professor possui diversas lacunas no que diz respeito à preparação para utilizar atividades lúdicas no processo de ensino-aprendizagem, o que dificulta o uso dessa ferramenta de forma a potencializar o desenvolvimento do indivíduo.

O professor considera que haja contribuição da ludicidade para o processo de ensino-aprendizagem e desenvolvimento infantil; no entanto, não deixa claro seu posicionamento, confunde-se ao tentar definir ludicidade e apresenta exemplos de atividades lúdicas, prendendo-se apenas ao jogo e às brincadeiras.

Ao tratar da prática do professor, observou-se que ele deixa o lúdico em segundo plano, trabalhando primeiramente os conteúdos com lousa e exposição oral. Usa a ludicidade somente em momentos pontuais, sem um objetivo de aprendizagem claro, transformando as brincadeiras e jogos em mera recreação.

No geral, observou-se que as atividades lúdicas são pouco utilizadas pelo professor, e sua prática educativa volta-se para um ensino pautado no tradicional, em que prevalece o uso demasiado do livro didático, do quadro magnético e da memorização dos assuntos. Então, a ludicidade não é privilegiada e os alunos deixam de ter momentos prazerosos aliados a atos educativos, facilitando seu desenvolvimento.

O docente alegou que a maior dificuldade para trabalhar o lúdico é o desinteresse do aluno; isso precisa ser revisto, uma vez que a ludicidade é inerente à criança, o que é facilmente percebido ao analisar suas práticas, nas quais inexiste o pensar em despertar e motivar o interesse dos alunos, sobretudo os que não sabem decodificar a escrita.

Assim, com base no apresentado, considera-se este estudo como importante para todos os profissionais do Ensino Fundamental, no sentido de contribuir para uma melhor reflexão sobre a utilização do lúdico com ferramenta educativa, estimulando os educadores que atuam no ambiente escolar a inovar em sua prática pedagógica, podendo direcionar suas aulas e reorganizar sua prática docente tendo em vista um aliado muito importante, atrativo e prazeroso – que é o lúdico.

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Publicado em 25 de julho de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

PINHEIRO, Erica Pinheiro; FARIAS, João Batista Sagica de. O lúdico no fazer pedagógico do professor de uma escola ribeirinha. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 28, 25 de julho de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/28/o-ludico-no-fazer-pedagogico-do-professor-de-uma-escola-ribeirinha

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