Inclusão da cultura afro-brasileira na educação
Rosane Porsche da Rosa
Professora e especialista (IFRGS)
Leonardo Cardozo Vieira
Docente (IFRGS)
O objetivo da presente resenha é trazer a relevância da inclusão da cultura afro-brasileira para o contexto educacional brasileiro, desmistificando os preconceitos e a exclusão que a etnia negra sofre em nosso país, onde a escravização que o povo negro sofreu foi cruel e desumana, por isso precisa ser desconstruída no ambiente escolar.
É necessário pontuar o fato de que o Brasil se destaca pela sua singularidade, visto como uma das maiores sociedades plurirraciais. Historicamente, o lugar de destino de milhares de indivíduos livres que, trazidos para o país, tornaram-se mão de obra escrava. Segundo o IBGE (2000), o Brasil conta com um total de 170 milhões de habitantes. Desses, 91 milhões de brasileiros(as) se classificam como brancos (53,7%), 10 milhões como pretos (6,2%), 65 milhões como pardos (38,4%), 761 mil como amarelos (0,4%) e 734 mil como indígenas (0,4%).
Essa distribuição demográfica e étnico-racial é passível de diferentes interpretações econômicas, políticas e sociológicas. Uma delas é realizada pelo Movimento Negro e por um grupo de intelectuais que se dedica ao estudo das relações raciais no país. Esses, ao analisarem a situação do negro brasileiro, agregam as categorias raciais “preto” e “pardo”, entendendo-as como expressões do conjunto da população negra no Brasil. Isso quer dizer que, do ponto de vista étnico-racial, segundo Gomes (2011), 44,6% da população brasileira apresenta ascendência negra e africana, expressa na cultura, na corporeidade e/ou na construção da sua identidade.
A possibilidade de agregar essas duas categorias não é uma escolha política. Existem dados concretos da realidade brasileira, para além das dimensões subjetivas e identitárias, que permitem esse tipo de interpretação. A análise da relação entre o nível de escolaridade e a raça é a que mais nos ajuda a refletir sobre a situação desta população. Segundo Henriques (2002, p. 35), há o objetivo de discutir a importância da Lei nº 10.639/03 (Brasil, 2003), mostrando a relevância de aprofundar o ensino da História e da Cultura Afro-Brasileira e Africana cuja finalidade é desenvolver nos educandos uma mentalidade que vise acabar com preconceitos, despertando-a para o respeito ao ser humano, independentemente de sua cor, etnia ou classe social.
A cultura africana e afro-brasileira ganha maior evidência a partir da criação da Lei nº 10.639/03, que traz reconhecimento sobre a cultura e o seu desenvolvimento no ambiente escolar, aprofundando o ensino-aprendizagem sobre a etnia africana na formação do Brasil.
Com a inserção da cultura negra no meio escolar, há a aquisição das competências e dos conhecimentos que são indispensáveis aos estudos culturais sobre a História de África.
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
no Brasil, um país caracterizado pela autonomia dos entes federados, acentuada diversidade cultural e profundas desigualdades sociais, os sistemas e redes de ensino devem construir currículos, e as escolas precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais. [...] A igualdade educacional sobre a qual as singularidades devem ser consideradas e atendidas. Essa igualdade deve valer também para as oportunidades de ingresso e permanência em uma escola de Educação Básica. [...] Para isso, os sistemas e redes de ensino e as instituições escolares devem se planejar com um claro foco na equidade, que pressupõe reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes (Brasil, 2018, p. 15).
Sendo assim, podemos observar que vivemos em um país diverso, onde há grande riqueza de diversidade na sua população. Sendo assim, no ambiente escolar, essas “diferenças” se tornam mais expressivas. A inclusão de culturas, tradições e costumes diversos deve ser desenvolvida na escola, evidenciando esse grande legado cultural que abrange nosso país nas mais variadas formas expressivas e culturais da população étnica africana e afro-brasileira.
Sobre tal perspectiva, notamos claramente que a obrigatoriedade da inclusão do ensino de História e Cultura Afro-brasileira nas bases curriculares das escolas de Educação Básica, têm claramente relações com decisões de cunho político, para além da garantia de oferta de vagas para negros no ensino brasileiro, também visa buscar a valorização da cultura e da história de seu povo para a construção do estado brasileiro, a fim de compensar séculos de opressão e danos a eles, para afirmar sua identidade e direitos (Lima, 2006).
A identidade de um povo é uma construção edificada principalmente com atributos culturais. Logo, pode-se afirmar que essa identidade é caracterizada por esses elementos amparados por instrumentos legais, conforme a Lei nº 10.639/03 instruiu.
A aprovação dessa lei passou por longo período de lutas para que ocorresse o reconhecimento do povo negro, reparando as desigualdades entre as etnias brasileiras, sendo reconhecida como um marco governamental e legal da promulgação no espaço escolar, por meio de práticas pedagógicas, contemplando a cultura afro-brasileira e a sua contribuição social.
Penso que, para mudarmos convicções de séculos, precisamos lutar por nossos direitos. É necessário impor nossos direitos e, com a lei 10639/03, podemos garantir um aprofundamento no conhecimento da etnia negra em nossa sociedade. Dessa forma, as escolas devem se adequar à nova lei, estudando e executando uma maneira de encaixar os novos conteúdos exigidos, de acordo com os objetivos descritos, contribuindo para a superação dos preconceitos e das atitudes discriminatórias, por meio de práticas pedagógicas de qualidade, incluindo o estudo das influências africanas na construção do povo brasileiro.
Portanto, fica evidente que o estudo sobre a História Afro-Brasileira é relevante para toda a sociedade brasileira, não apenas para um grupo específico, tendo em vista ser este um estudo para alicerçar as bases de formação de cidadãos conscientes e atuantes, capazes de solidificar uma sociedade democrática.
Nesse sentido, fica evidenciada a importância e a necessidade de os educandos conhecerem uma perspectiva pedagógica da História dos afro-brasileiros, em aspectos culturais, sociais e religiosos para tornar possível uma compreensão dos valores que os povos negros possuem.
Dito isto, faz-se necessário que a temática seja trabalhada amplamente nas escolas, com acesso às histórias de um povo que ainda muitos desconhecem. Desse modo, intermediados por esses novos conhecimentos, os alunos formarão novos conceitos e desmistificarão seus preconceitos.
Referências
BRASIL. Lei nº 10.639/03. Dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana nas escolas públicas. Brasília, 2003. Brasília: MEC/Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2004.
______. Ministério da Educação; Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/Dicei, 2018.
______. Ministério da Educação; Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC/SEB/Dicei, 2013. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 10 nov. 2021.
GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira: desafios, políticas e práticas. RBPAE, v. 27, nº 1, p. 109-121, jan./abr. 2011.
HENRIQUES, Ricardo. Raça e gênero no sistema de ensino: os limites das políticas universalistas na educação. Brasília: Unesco, 2002.
LIMA, M. N. M. (org.). Escola plural: a diversidade está na sala - formação de professores em história e cultura afro-brasileira e africana. São Paulo: Cortez; Brasília: Unicef, 2006.
Publicado em 24 de janeiro de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
ROSA, Rosane Porsche; VIEIRA, Leonardo Cardozo. Inclusão da cultura afro-brasileira na educação. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 3, 24 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/3/inclusao-da-cultura-afro-brasileira-na-educacao
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.