Um relato de experiência em sala de aula: a importância da prática da Matemática para o aprendizado

Fernanda Fernandes de Meireles

Licenciada em Matemática (UFF/CEDERJ), pós-graduada em Educação Tecnológica (CEFET/RJ), pós-graduanda em Docência na Educação Profissional e Tecnológica (IFES), professora do Ensino Médio

Ensinar não é apenas transferir conhecimentos e conteúdos. Formar também não é apenas uma ação para modelar algo ou alguém. Não há docência sem discência. Ensinar é mais que um verbo. Só existe ensino quando este resulta num aprendizado em que o aprendiz se tornou capaz de recriar ou refazer o que lhe fora ensinado (Freire, 2002, p, 37). O mesmo se dá em relação à Matemática. A Educação Matemática investiga a relação da tríade aluno-professor-saber. Tal tríade estabelece-se em um meio e o aluno aprende se adaptando a ele (Brousseau, 1996, p. 63).

Neste trabalho serão apresentados, em um primeiro momento, os desafios de turmas do Ensino Médio sem o hábito de realizar tarefas em sala ou em casa e que apresentam grandes índices de dependências na disciplina. Em seguida, serão apresentadas possíveis soluções encontradas para engajar os alunos em tais atividades vitais para a aprendizagem da Matemática.

Em outro momento será explicitado como foi a aplicabilidade de tais soluções ao longo do ano letivo de 2021 e quais foram as consequências no rendimento final dos alunos. Por fim, demonstraremos a opinião real de alguns alunos que participaram do trajeto.

Desenvolvimento

Podemos comparar o processo de ensino-aprendizagem com uma estrada infinita, com muitas bifurcações, onde o aluno se encontra no início dela. O professor está no meio dela, orientando e motivando o aluno a iniciar sua jornada.

O começo é repleto de desafios, tanto para o docente quanto para o discente. O professor precisa se fazer entender, perceber qual o caminho mais propício para o aluno avançar, sempre em constante movimento, para acompanhar o aluno, nunca o deixando completamente só. O aluno que não consegue ver mais adiante se assusta com cada passo. Há sempre aqueles que desistem pelo caminho, mas os que vencem cada obstáculo, avançam, chegando a ultrapassar o professor em busca de seus próprios caminhos.

Entre o aluno e o primeiro passo dessa trajetória há problemas; alguns visíveis, outros não. Há questões familiares, estruturais, pedagógicas, financeiras, sociais e culturais. Dentro de todo esse contexto, há o caminho da Matemática, que para alguns parece o mais assustador. Ao esbarrar nele, muitos desanimam, fazendo o possível para apenas sobreviverem durante o trajeto. Só não percebem que a Matemática se bifurcará em muitos caminhos pela frente.

D’Amore (2007, p. 81) afirma que o professor deve, sem descanso, ajudar o aluno a eliminar os seus artifícios didáticos, permitindo-lhe o conhecimento pessoal e objetivo. Ou seja, ensinar não é tarefa simples. São inúmeros os desafios, especialmente no ensino da Matemática, quando os alunos, de antemão, já estão prevenidos em relação ao seu estudo.

Este trabalho tem por objetivo compartilhar uma experiência vivida em 2021, quando as aulas voltaram a ser presenciais nas escolas particulares do Rio de Janeiro. A autora do trabalho assumiu as turmas de terceiro ano do Ensino Médio, na disciplina de Matemática de uma pequena escola. Já na primeira reunião, a professora foi informada de que o perfil dos alunos era o de não realizar atividades de aula e/ou de casa. Também, que grande parte da turma era composta por alunos aprovados em dependência na disciplina.

O fato de os alunos não fazerem atividades leva-nos ao que Haidt (1999, p. 75) ressalta: “para que haja uma aprendizagem efetiva e duradoura é preciso que existam propósitos definidos e autoatividade reflexiva dos alunos”. Ou seja, a desvalorização do desafio de, ao menos, tentar realizar as atividades esbarra no processo de aprendizagem.

Para Carvalho (1994, p. 16), “no ensino onde é necessário submeter-se à autoridade da Matemática, é impossível entender, pois, compreender Matemática torna-se privilégio das cabeças mais bem dotadas; acaba-se por negar todas as vivências anteriores relativas à qualificação já que não se enquadram na perfeição da Matemática”. Sendo assim, fica impossível compreender a Matemática quando atribuímos a ela um grau inalcançável de saber.

Mediante o desafio, uma ideia surgiu. O ato de avaliar, originalmente, pode consistir em emitir valor sobre algo, julgar um assunto, objeto ou pessoa, mas para Luckesi (1999), o ato de avaliar se dedica a desvendar impasses e buscar soluções.

Existem três tipos de avaliação: diagnóstica, formativa e somativa. A diagnóstica é a que o professor deve fazer antes de orientar o aluno a dar o primeiro passo em sua jornada. Diagnosticar é qualificar a realidade levando em consideração dados relevantes, comparando a realidade descrita com algum critério previamente estabelecido. Se os resultados já são positivos, basta acolhê-los. Caso sejam negativos é importante interferir para que a qualidade estabelecida no planejamento de ensino seja alcançada (Luckesi, 2011).

A formativa é contínua, construída a cada passo que o aluno dá. A avaliação é formativa quando auxilia o aluno a aprender e a progredir por meio da regulação das aprendizagens. Essas regulagens permitem  ao docente conduzir o aluno no enfrentamento dos seus próprios limites a fim de superá-los, ajudando-os também a planejar melhor suas atividades (Perrenoud, 1999). A somativa é a final, ao reavaliar todo o processo e checar se o aluno conseguiu evoluir em sua jornada.

Ainda dentro da avaliação matemática há algumas diferentes visões de avaliação: a tradicional, a que está a serviço da aprendizagem, a classificatória, a primitiva e a mediadora da aprendizagem. Vasconcellos (2008) defende que uma nova concepção de avaliação exige que o professor mude sua prática, transferindo a sua atenção do controle do que se é transmitido para a aprendizagem significativa dos alunos. Ciavatta (2005) afirma que a relação professor e aluno não deve ocorrer de forma autoritária. Os professores devem estar abertos a práticas integradoras, ajudando o discente a se apoderar da teoria e da prática.

Sendo assim, decidimos seguir por uma abordagem a serviço da aprendizagem, considerando a avaliação formativa como um processo de intervenção e superação. Com base nisso, a ideia foi não aplicar testes ou trabalhos ao longo do bimestre, mas incentivá-los a participar do processo construtivo da própria aprendizagem, no dia a dia.

Ao conhecer o sistema de avaliação tradicionalista da escola, percebemos que era sempre bimestral, a saber, uma prova de 0,0 a 6,0 pontos, um teste de 0,0 a 2,0 pontos e trabalhos de 0,0 a 2,0 pontos. Entretanto, a orientação era de que o professor tinha autonomia para realizar o seu próprio método de avaliação.

Na primeira aula de Matemática de 2021, conversamos com cada turma explicando o novo método de avaliação. Não haveria teste ou trabalho. Cada aluno receberia os quatro pontos referentes a esse tipo de avaliação. Isso os surpreendeu. Explicamos como funcionaria. Caso o aluno faltasse ou não fizesse as atividades propostas na aula e para casa, ele receberia uma um “x” no diário. No fim do bimestre, quando as notas fossem fechadas, o total seria somado com a nota da prova e a pontuação do diário. Por exemplo, quem não recebesse nenhum “x”, teria os 4,0 pontos. Quem recebesse um ou dois teria 3,5 pontos. E assim sucessivamente.

Os alunos entenderam, mas ficaram desconfiados. Na primeira aula, alguns preferiram conversar e brincar ao invés de fazer a atividade. Esses receberam as primeiras marcações. Alguns alunos ficaram animados e fizeram a atividade, querendo garantias que não perderiam sua pontuação.

Toda aula iniciava-se com o visto no dever de casa. Muitos faziam. Aqueles que não faziam brincavam sobre ganhar o “xiszinho”. O nome acabou ficando popular. Toda a aula havia os preocupados em não ganhar o “xiszinho” e os que não ligavam. Contudo, a maior parte da sala apresentava os deveres.

Naquele primeiro bimestre, de um total de 150 alunos, apenas 40 ficaram com notas vermelhas. Muitos alunos se surpreenderam, porque conseguiram nota azul. Alguns receberam até notas acima de 8,0. Outros reclamaram, pois haviam ido bem na prova, mas não tinham nota de participação, estavam cheios de “xiszinhos”, por isso foram reprovados.

No primeiro dia do segundo bimestre, voltamos a explicar o processo avaliativo. Era um novo começo, todos tinham, novamente, seus 4,0 pontos do bimestre. Conversando, elucidamos que os que estavam fazendo os deveres, estavam praticando e, consequentemente, na prova conseguiram responder algumas questões. Isso, somado à participação, resultava em boas notas.

Os alunos que sempre se acharam bons em Matemática precisavam compreender que a nota final não é somente a prova. Que a conversa exaltada na sala atrapalhava os que precisavam de maior concentração e que as faltas equivaleriam à perda de pontuação, já que não faziam as atividades.

Com essas ponderações, a partir do segundo bimestre, a imensa maioria dos alunos fazia as atividades e evitava faltar. Alguns responsáveis foram à escola para conversar, mas, em todas as vezes, era para justificar faltas, pois os filhos não queriam ganhar os “xiszinhos”. Durante todo o ano letivo não houve nenhuma objeção por parte dos alunos, dos responsáveis ou da escola por esse método.

Na primeira recuperação do ano, apenas 30 alunos ficaram presos. Na segunda, foram apenas 20 alunos e dentre eles, somente seis alunos foram reprovados, por terem ficado com notas vermelhas em outras matérias. Apenas um aluno foi aprovado em dependência em Matemática.

Para os alunos do 3° ano, a participação daquela professora havia terminado. Ela os deixara à beira de novas estradas na ardente expectativa de ter feito alguma diferença. Entretanto, novos alunos adentraram uma nova aventura no ano letivo de 2022, e a estratégia permaneceu. Apesar de não estar totalmente concluído, convidamos alguns estudantes para compartilhar suas impressões pessoais sobre a trajetória.

Gosto de fazer trabalhos e testes, pois testam meu conhecimento antes da prova. Mas, particularmente, prefiro os “xiszinhos”, porque me “forçam” de certa maneira a sempre praticar as matérias fazendo os deveres (A. A., aluna do 3° ano).

Quando eu estava no Ensino Fundamental, eu não ligava muito para os deveres de casa por conta de que eu não teria nenhum tipo de recompensa se fizesse eles, porém, com o método dos “xiszinhos” por deveres não feitos, minha determinação em fazer os deveres de casa aumentou, não só em Matemática e Física, como também nas outras matérias (A. F., aluna do 3° ano).

Bom, eu sempre tive hábito de fazer os deveres de casa. mesmo que eu não ganhasse o meu "xiszinho", mas esse ano eu relaxei muito… Porém com o famoso "xiszinho" voltei a correr atrás, não só das suas matérias, mas das outras também (E. V., aluna do 1° ano).

Vejo o método de avaliação que a senhora usa como um incentivo aos alunos e isso é incrível! Quando pensamos em faltar uma aula ou bate aquela preguiça de fazer as atividades, logo vem à cabeça: “caramba! não posso levar o xiszinho” Isso nos leva a zelar pelas nossas obrigações como estudantes, de forma que passamos a fazer tudo com excelência, sabendo que isso nos trará benefícios (M. C., aluna do 3° ano).

Esse método me estimula a não faltar aula à toa para não ganhar “xiszinho” e acaba fazendo com que eu pratique mais fazendo os exercícios, porque com testes, simulados etc. acaba não tendo a obrigação de fazer os exercícios e acredito que, para aprender Matemática, precisa praticar (A. L., aluna do 2° ano).

Eu gosto desse método de ensino, os “xiszinhos” motivam a nós, alunos, a estarmos sempre praticando a matéria ensinada, além de, na minha opinião, ser mais eficaz na matéria Matemática do que passar qualquer outra forma de avaliação para contar participação (A. L., aluna do 1° ano).

Considerações finais

Percebe-se, mediante o que foi exposto, que as alterações na forma avaliativa foram acertadas, tendo em vista que os alunos passaram a fazer as atividades propostas na aula e em casa. Consequentemente, a prática gerou confiança, que gerou oportunidade de crescimento, que gerou bons resultados, muito maiores que boas notas.

Como resultado dessa experiência, é perceptível que o maior ganho foi a autoconfiança do aluno. Como costumo ressaltar em minhas aulas, a Matemática só é chata quando não a entendemos. Basta conseguir entender e aplicar, que ela se torna brilhante, animada e inspiradora. Tentar e acertar é um combustível incalculável, mas tentar e errar é preciso. É errando que aprendemos o que não fazer e é persistindo que finalmente acertamos.

A sensação de capacidade e realização mediante bons resultados só foi atingida após a superação de outras sensações previstas, tais como, a incerteza, a descrença, a esperança e a alegria. Um conjunto de variáveis incomuns para uma aula de Matemática, mas extremamente importantes para derrubar as barreiras do temor “natural” da disciplina.

Algumas transformações dependem de esforços muito além do que o professor ou a escola podem assumir. Porém, outras mudanças estão ao alcance do professor, se ele estiver determinado a construir algo novo. É importante compreender que não basta a alteração em um método de avaliação para alcançar o objetivo de fazer o aluno continuar avante em sua jornada do conhecimento matemático. Empatia, paciência, uma pitada de bom humor, reconhecimento e retorno, são outras variáveis que, como termos semelhantes, somam-se a esse grande desafio que é ensinar Matemática.

Referências

BROUSSEAU, Guy. Fundamentos e métodos da didáctica da Matemática. In: BRUN, J. Didática das Matemáticas. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996a. cap. 1. p. 35-113.

CARVALHO. Dione Lucchesi de. Metodologia do ensino da Matemática. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.

CIAVATTA, M. A formação integrada, a escola e o trabalho como lugares de memória e de identidade. Revista Trabalho Necessário, v. 3, n° 3, p. 1-20, 2005. Disponível em: http://periodicos.uff.br/trabalhonecessario/article/view/6122/5087. Acesso em: 13 jun. 2022.

D’AMORE, Bruno. Epistemologia, didática da Matemática e práticas de ensino. Bolema, v. 20, n° 28, 2007. Disponível em: www.dm.unibo.it/rsddm/it/articoli/damore. Acesso em: 17 jul. 2022.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

HAIDT, R. C. C. Curso de didática geral: Série educação. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1999.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez, 1999.

______. Avaliação da aprendizagem: componente do ato pedagógico. São Paulo: Cortez, 2011.

PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.

VASCONCELLOS, C. S. Avaliação - concepção dialético-libertadora do processo de avaliação escolar. 18ª ed. São Paulo: Libertad, 2005.

Publicado em 24 de janeiro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MEIRELES, Fernanda Fernandes de. Um relato de experiência em sala de aula: a importância da prática da Matemática para o aprendizado. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 3, 24 de janeiro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/3/um-relato-de-experiencia-em-sala-de-aula-a-importancia-da-pratica-da-matematica-para-o-aprendizado

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

1 Comentário sobre este artigo

Deixe seu comentário
Professor Walter • 2 meses atrás

Excelente artigo! Estou utilizando como referência em vários projetos e nas minhas aulas na escola. O conteúdo é muito bem estruturado e claro, o que facilita bastante o aprendizado dos meus alunos. A abordagem dos temas é completa e atual, o que tem contribuído de forma significativa para o desenvolvimento dos nossos estudos. Com certeza continuarei usando este material como apoio nas minhas aulas. Parabéns pelo trabalho!

0

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.