Experiência pedagógico-dialógica de produção e interpretação de memes

Rodrigo dos Santos Dantas da Silva

Doutorando em Letras - Estudos Literários (UFES), mestre em Letras (ProfLetras/IFES), professor da Educação Básica na Prefeitura de Vila Velha e na Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo (Sedu-ES)

Primeiras palavras

O presente artigo traz algumas observações acerca do gênero discursivo meme, como recurso pedagógico que pode ser usado nas aulas de Língua Portuguesa, no que tange às práticas de leitura, interpretação e produção de texto com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental. Essas reflexões provêm de uma prática de ensino realizada com alunos e alunas de duas turmas de 9º ano de um educandário da rede estadual do Espírito Santo, no município de Vila Velha.

O meme, como gênero do discurso que tem como suporte espaços virtuais e se situa histórica e ideologicamente, traz percepções/indagações dos sujeitos que circulam na sociedade. Os memes são envolvidos por uma arquitetônica multimodal e multissemiótica – e, por conta dessa característica, percebe-se a potência dialógica desse gênero discursivo em práticas de leitura, interpretação e produção de textos nas aulas de Língua Portuguesa.

A ação pedagógica aqui exposta envolve a prática e a vivência do professor-pesquisador em questão, todavia, vê-se como necessidade ética mover um olhar exotópico para ela, uma vez que a experiência se deu de forma híbrida e em revezamento de estudantes, devido à pandemia de covid-19, que tomou o mundo em 2020. A partir desse momento histórico, move-se um olhar mais crítico para o contexto educacional e o ensino de língua materna em meio à crise sanitária. Ressalta-se que a covid-19 é uma doença causada pelo coronavírus e apresenta um espectro clínico altamente contagioso, que pode variar de infecções assintomáticas a quadros graves, em que os pacientes necessitam de suporte ventilatório para respirar (Brasil, 2020).

A prática em questão foi realizada com duas turmas de 9º ano, em 2021, contabilizando, naquela época 58 discentes. No entanto, apenas 39 cumpriram a demanda. Trabalhou-se, a priori, com a contextualização e análise coletiva do gênero discursivo meme em sala de aula, tendo sido desenvolvida também uma atividade evidenciando o gênero. Tal atividade foi feita, primeiramente, em sala de aula, e depois postada no EscoLAR, programa que trouxe, na pandemia, um conjunto de recursos para professores e estudantes darem continuidade aos procedimentos de ensino, favorecendo a complementação de atividades adquiridas anteriormente, além de manter o vínculo do discente com a escola, a fim de evitar o aumento da evasão escolar (Espírito Santo, 2020). O programa é oriundo de uma parceria entre a empresa Google e a Secretaria Estadual de Ensino do Espírito Santo (Sedu-ES), e consiste em uma espécie de Google Sala de Aula com o layout da Sedu-ES.

O aporte teórico que envolve a prática aqui explanada é composto pelos preceitos de Bakhtin e o Círculo – termo que remonta à natureza soviética das décadas de 1920 e 1930, e consiste em um grupo de intelectuais de diversas áreas de conhecimento que se reuniam de forma constante para refletir filosoficamente acerca de uma teoria de criação dialógica. Os preceitos são: dialogismo (2018), enunciado concreto (2011) e gêneros do discurso (2011). Trazemos, ainda, as vozes de outros estudiosos que se debruçaram sobre a matriz bakhtiniana, sendo alguns deles: Rossana Furtado (2019), Guerra e Bota (2018) e Tadeu e Souza (1998). Almeja-se, a partir dessa experiência pedagógico-dialógica, perceber as potencialidades que o gênero discursivo meme pode atribuir às aulas de Português na Educação Básica, em especial nos anos finais do Ensino Fundamental, a que o público dessa ação corresponde. Na próxima seção, será exposto o contexto de aplicação da prática mencionada, assim como os sujeitos partícipes dela; a terceira seção relata o trabalho pedagógico feito com os estudantes e traz algumas produções das turmas participantes em análise; já a última faz uma avaliação dos resultados obtidos com esse movimento pedagógico que evidencia o gênero discursivo meme nas aulas de Língua Portuguesa.

Cenário pandêmico: contexto e sujeitos participantes

A unidade de ensino em que a prática foi realizada pertence à rede de ensino estadual do Espírito Santo (Sedu-ES) e, antes disso, fazia parte do Projeto de Escolas Polivalente. Localiza-se em perímetro urbano, na Avenida Santa Leopoldina, s/n, no bairro Coqueiral de Itaparica, do município de Vila Velha (ES). O prédio do educandário passou por uma reforma entre os anos de 2016 e 2019. O professor-pesquisador autor deste trabalho atuou na instituição de 2019 a 2021. No que diz respeito a seu Projeto Político Pedagógico (PPP), a unidade de ensino em questão, para além das demandas educacionais, tende a oportunizar condições de aprendizado para que os discentes também adentrem o mercado de trabalho.

Essa escola atende à comunidade nos turnos matutino, vespertino e noturno, e trabalha com diferentes modalidades de ensino: anos finais do Ensino Fundamental (desde 2021 apenas no turno vespertino), Ensino Médio (regular e integrado) e Educação para Jovens e Adultos no período noturno. Ressalta-se que o PPP vigente da instituição é de 2013, tendo sido atualizado em 2019. Segundo o documento, cada um dos três turnos pode comportar pouco mais de 410 estudantes. A unidade de ensino possui um público diversificado, no que se refere a condições socioeconômicas, e atende residentes do próprio bairro ou proximidades em que está inserida, além daqueles que moram em regiões mais periféricas. A escola também propõe diversos projetos sociais, que visam dar assistência aos mais carentes e instigar o espírito solidário nos estudantes.

Tratando-se das turmas participantes, uma classe era composta por 32 estudantes, enquanto a outra, por 26. Alguns desses estudaram na instituição desde 2019 e a maioria teve aulas com o professor-pesquisador mediador desta prática desde o 7º ano. As turmas tinham, no momento de aplicação da prática, 58 discentes e, quando a atividade com memes foi realizada, os estudantes estavam fazendo revezamento em grupos (A, B e C), devido ao alto risco de contágio da covid-19. Além disso, professores, estudantes e demais colaboradores precisaram manter os protocolos de segurança para evitar contaminação (cuidados que, em se tratando de turmas de Ensino Fundamental, muitas vezes abarrotadas, ficaram apenas nos documentos oficiais e em cartazes afixados nas paredes).

Trazemos a este artigo a categoria bakhtiniana de enunciado concreto, por isso acreditamos ser de extrema valia mencionar o contexto histórico que envolve a prática de sala de aula pois essa materialidade envolve as situações concretas de comunicação discursiva (Bakhtin, 2011). Em 2020, a escola estadual passou por três momentos, por conta da covid-19: um de revezamento com três grupos (visto a quantidade de estudantes matriculados por sala); outro de revezamento com dois grupos e o retorno presencial das atividades escolares em outubro daquele ano, por meio de revezamento. Já em 2021, a escola básica da rede estadual voltou em fevereiro, de forma híbrida, e, em junho, havia a obrigatoriedade de todos os estudantes estarem presencialmente na escola, a não ser aqueles que possuíssem algum tipo de comorbidade, que poderiam optar pelo ensino remoto.

Desde 2020, as escolas estaduais faziam uso do Programa EscoLAR, que, em momento pandêmico, tentou promover a continuidade do vínculo do estudante com a escola e a complementação de aprendizagens – todavia, boa parte deles evadiram ou não tinham acesso à plataforma digital, e poucos buscavam as atividades impressas na referida instituição escolar. Para acessar o Programa EscoLAR (Google Sala de Aula da Sedu-ES), o estudante utilizava um e-mail institucional criado pela própria rede. Nesse trabalho híbrido, os professores se desdobram com atividades em sala de aula e atividades pedagógicas não presenciais (APNP), além de formações, lives e conferências acerca desse modelo (ora on-line, ora híbrido) de ensino.

O meme a partir da matriz bakhtiniana de língua/linguagem

O meme é um gênero discursivo multissemiótico em que várias linguagens dialogam, como gifs, vídeos, palavras, desenhos etc., e, de acordo com Guerra e Botta, “funciona como um indicador das opiniões da população” (2018, p. 1.861). Apesar de estarmos tratando de um enunciado digital, Kress e Van Leeuwen (2001) expõem que a multimodalidade se dá a partir de várias formas no design de um objeto semiótico e que essas formas, que aqui entendemos como linguagens, se combinam e se reforçam. Sabemos que a palavra meme foi utilizada pela primeira vez em 1976, pelo biólogo Richard Dawkins, que vinha explicar a disseminação e transformação de ideias, na obra O gene egoísta. O termo deriva do grego mimeme, e significa imitação. A ideia que temos é que os memes carregam informações que determinam as particularidades dos seres, ou seja, trata-se de um gênero discursivo que pode ser compreendido como “unidades da informação cultural” (Guerra; Botta, 2018), verdadeiros enunciados concretos, que vêm situados histórica e ideologicamente: “réplicas dialogais da comunicação cotidiana e possuem a ironia como ponto crucial” (Furtado, 2019, p. 18-19).

Esta seção tem como objetivo discutir os memes como gêneros discursivos, categoria bakhtiniana que pontua que “cada enunciado particular é individual, mas cada campo (da atividade humana) de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 2011, p. 262). Esses enunciados, para Bakhtin e o Círculo, são chamados de gêneros do discurso (ou discursivos). O teórico reconhece a heterogeneidade desses gêneros, e diz que podem se dar tanto na oralidade quanto na escrita. Tratando-se do meme, temos um gênero multimodal e do discurso digital, em que a falta de estabilidade, no que diz respeito a sua estrutura, contribui para seu formato típico, que vai se moldando a partir de seu contexto de produção e suporte. A partir da base bakhtiniana de língua (linguagem), entendemos os memes como uma ideia de enunciado concreto e dialógico oriundo dos movimentos cotidianos.

Ao contrário de uma base estruturalista de estudo e análise da língua, um texto, diante desse viés de gênero discursivo, jamais estará concluído, porque ele é tido como um enunciado vivo, que é histórica e ideologicamente situado, excedendo suas formas típicas e perpassando uma relação dialógica entre um “eu”, um “outro” e o mundo. É precisamente isto que notamos em um meme: uma mesma imagem, em diálogo com outros tipos de linguagem, associada a diferentes contextos. Para Kress e Van Leeuwen (2001), toda ação comunicativa é inevitavelmente multimodal e, na perspectiva bakhtiniana, vemos que o meme pode ser concebido como um enunciado oriundo dos movimentos de interação social entre os sujeitos, que é produzido a partir de suas inquietações. Estas, por sua vez, provêm de um cotidiano, trazendo as marcas axiológicas de determinado contexto, que subsidiam significados por meio da leitura de um determinado sujeito leitor. Inclusive, essas significações podem ser alteradas todas as vezes que esse sujeito retoma esse enunciado.

Ainda, a partir da proposta bakhtiniana de gênero discursivo, entendemos também que o meme se dá em concreticidade, pois interage naturalmente com as questões linguísticas e as da vida, ou seja, ele é um enunciado que está vivo e em diálogo com uma realidade social. Sua vitalidade se dá conforme se propaga nos contextos e plataformas digitais. Dessa forma, percebe-se que o gênero tem uma natureza dialógica, haja vista ser um enunciado emprenhado de um contexto coletivo, não apenas de seu produtor, ainda que possa refletir na individualidade desse sujeito falante que escreve/produz (Bakhtin, 2011). Logo, o meme tende a se concretizar pelo conteúdo histórico-ideológico nele presente, assim como em sua propagação. O movimento dialógico acontece nesse gênero discursivo, pois ele se estabelece como enunciados concretos em um cruzamento enunciativo, ou seja, a hibridez de um gênero se fundamenta a partir de um coral de vozes sociais (e condições axiológicas) que o compõe.

O meme, de acordo com as elucidações de Bakhtin e seu círculo, é uma réplica do diálogo cotidiano, ou seja, um gênero secundário do discurso, oriundo de condições culturais, complexas e organizadas (Bakhtin, 2011). Trata-se de um enunciado vivo em diálogo com os movimentos do dia a dia, trazendo marcas composicionais que não são estáveis, no entanto, esse diálogo entre diversas linguagens compõe sua estabilidade arquitetônica. Como um enunciado concreto, tal gênero integra a vida e traz diferentes aspectos da personalidade individual de seu produtor (geralmente desconhecido em meio às redes), mas se relaciona às diferentes transposições da língua e atende às demandas coletivas. Em suma, Bakhtin nos mostra que os gêneros discursivos são produções textuais, orais ou escritas, que encontramos em nossa vida cotidiana e que apresentam padrões sociocomunicativos típicos, estabilizados, definidos por composições funcionais que se excedem em objetivos enunciativos em diálogo com os movimentos históricos, ideológicos, sociais e axiológicos. Portanto, o gênero discursivo meme desliza em estilo, formas, comunicabilidade, conteúdo temático e nas aspirações do cotidiano.

Os gêneros do discurso acompanham as mudanças ocorridas no mundo, seja na forma em que o léxico é posto ou no suporte em que está o enunciado. Entendendo a internet como um espaço público, depreende-se que o gênero de nosso recorte, acompanha as mudanças da língua portuguesa falada no Brasil, no que diz respeito a sua elaboração textual/discursiva, trazendo pautas atuais. Ainda, esse texto multimodal se atualiza e adentra diversos suportes: canais do YouTube, páginas do Twitter, aplicativos de mensagens instantâneas, perfis do Instagram. Neles encontramos memes com diversas temáticas, inclusive uma boa parte trata do caos político que envolve o Brasil e o mundo. A maioria dessas produções não traz autoria, são “apenas” compartilhadas, reblogadas, retuitadas; enfim, recicladas. Por meio desse caráter multifacetado desse tipo de enunciado, em que várias linguagens dialogam, trazemos os apontamentos de Bakhtin (2011) sobre os gêneros do discurso, segundo o qual a historicidade dos estilos de linguagem está indissoluvelmente correlacionada às modificações dos gêneros discursivos.

O meme pode desenvolver em nossos estudantes diferentes potencialidades, como condições sociocomunicativas e olhar crítico diante do mundo e da vida que os rodeiam. Sobre esse gênero, nas aulas de Língua Portuguesa, acatamos a proposta enunciativa de Bakhtin e seu círculo, segundo os quais o trabalho deve ser embasado em uma perspectiva crítica e dialógica de leitura e produção escrita, de escuta sensível e de oportunidade – excedendo, inclusive, as práticas pedagogizantes. O intuito é que o estudante coloque em pauta seu conhecimento de mundo e suas percepções acerca de sua materialidade, pois o meme, como gênero do discurso, é bilateral e se dá por meio de uma interação verbal (Bakhtin; Volóchinov, 2018).

Entendemos o dialogismo como uma atividade social ligada à interação linguística embasada na alteridade, constituindo-se a partir do contato com o outro. Bakhtin nos mostra que o movimento dialógico pode acontecer a partir das relações entre sujeitos e objetos. Com os memes, as vozes sociais se consolidam, promovendo respostas e contrarrespostas em constante interação.

Furtado (2019) pontua que os memes refletem e refratam a liquidez discursiva que envolve as redes sociais, mas, mesmo assim, são enunciados concretos, porque trazem em si marcas da vida cotidiana. O meme pode ser considerado um enunciado que se dá em uma hibridez: discursos polifônicos e multissemióticos. Ainda, como fenômeno discursivo, ele se constitui pelas relações dialógicas, visto que os sujeitos e suas vivências interferem nos sentidos desses enunciados – as relações de sentido desse gênero são potencializadas nas relações sociais: o dialogismo nos constitui como sujeitos e nossas individualidades só acontecem por meio dos diálogos que são estabelecidos com o outro e o mundo (Furtado, 2019, p. 77).

A internet é uma arena pública e os memes trazem as opiniões das massas. É um gênero ainda carnavalizado, pois representa a realidade, geralmente de maneira intertextual, ambivalente e humorada, por isso viraliza nas redes. É relevante ressaltar que, para a postagem (o meme) fazer sentido para o sujeito, este precisa conhecer seu contexto, sua materialidade. Ele ainda pode ter diferentes objetivos discursivos, como transmitir informações que são percebidas na realidade, pois é um gênero que também a representa. Assim, ele é dialógico, pois favorece o cruzamento discursivo, e um mesmo meme pode se atualizar a partir do contexto em que está inserido:

em relação à linguagem nas redes sociais, não cabe falar em dialeto particular, uma vez que abarca não apenas um grupo, uma classe, mas que esta linguagem é utilizada por pessoas do país inteiro, e, quando falamos das imagens, de alguns memes, dos gifs, dos emojis, estamos falando de uma linguagem mundial, ainda que não abarque a todos. Cada falante irá imprimir sua entonação, seu estilo, mas esse fato é inerente a toda e qualquer enunciação (Furtado, 2019, p. 137).

Nesse contínuo, percebemos que, também nas redes sociais digitais, a linguagem está histórica e ideologicamente situada; e o meme, como evento discursivo, é inacabado, tendo em vista a possibilidade de adentrar outros contextos e temporalidades. Considerando as potencialidades enunciativas dos memes, percebemos que, na sala de aula, são enunciados que podem tratar de temas complexos e ser abordados de forma crítica com os estudantes.

O meme ainda tem um caráter interdisciplinar: é possível trabalhar temas de disciplinas como História, Filosofia e Biologia, por exemplo. Além desses pontos de contato com outras áreas do saber, é possível tratar temáticas da contemporaneidade. Com a disseminação das tecnologias digitais de informação e comunicação, houve mudanças nas práticas de ensino de língua materna, por conta da diversificação de recursos multissemióticos, e o meme, nessa perspectiva enunciativa, vem contribuir para a formação discursiva de nossos aprendizes.

Nesta enunciação, defendemos o meme como um gênero de natureza dialógica, cuja produção se dá pelo diálogo de diversas linguagens: gifs, cores, palavras, enunciados, e ainda abarca dimensões culturais inerentes aos textos e dimensões multissemióticas e relativas aos efeitos de sentido das escolhas dos recursos utilizados em sua produção (Ferreira et al., 2019, p. 123).

Descrição da experiência

A experiência aqui exposta ocorreu de forma híbrida, entre o primeiro e o segundo trimestre de 2021, entre os meses de maio e junho, e ainda vivíamos o terror da pandemia de covid-19 – todavia, as escolas da rede estadual do Espírito Santo já haviam voltado ao regime presencial com revezamento de grupos de estudantes (na instituição mencionada nesta prática, eram três grupos A, B e C). As discussões acerca do gênero discursivo meme foram feitas presencialmente e a atividade que deveria ser executada pelos estudantes foi postada na plataforma EscoLAR, com prazo de 15 dias para devolução, de acordo com a semana em que estavam na instituição.

Nas aulas, buscávamos não apresentar memes aos estudantes, mas conversar com eles sobre quais eles utilizavam, pois certamente já conheciam, produziam e/ou compartilhavam esse gênero em diversas plataformas digitais. Ainda, falamos sobre quais aplicativos ou sites poderiam auxiliar na produção de memes: Imgur, Livememe, Quickmeme, Memedad, Imglifip e até Photoshop. Também foi apresentado aos alunos o Museu dos Memes, site coordenado por pesquisadores e estudantes do Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (coLAB) da Universidade Federal Fluminense, criado pelo professor Viktor Chagas. O objetivo desse museu é preservar a memória dos memes na internet e, ainda, ser uma ferramenta a serviço da cultura popular digital. A seguir, veremos a APNP, que era constituída por atividades objetivas, discursivas e foi finalizada com o desafio de produção de um meme.

Figura 1: Primeira questão da atividade envolvendo memes

A sequência de atividades trazia, ainda, um texto da bacharela em Publicidade e Propaganda Taís Stein, com algumas informações sobre os memes e os mecanismos necessários para a compreensão desse gênero: “3) (Adaptado de Artemanhas da Língua) O que é um meme? Qual o objetivo desse gênero discursivo? Você já produziu algum ou já utilizou em alguma rede social? Relate essa experiência. (Resposta entre 4 e 8 linhas)” e “4) (Adaptado de Artemanhas da Língua) O que é preciso para entender um meme? (Resposta entre 4 e 5 linhas)”. Foi delimitado o número de linhas, pois nesse período de ensino remoto, muitos estudantes optavam por apenas “marcar o x” das questões objetivas e estavam se distanciando das práticas de escrita.

Figura 2: Atividades 5 e 6, visando à compreensão dos memes

A última atividade consistia em um desafio de produção de memes inspirados na pandemia e nos cuidados que deveríamos ter para a não contaminação da covid-19. Orientamos os estudantes a prestarem atenção nos discursos colocados em suas criações, para que não fossem reproduzidos ali discursos de ódio. Para aqueles que não tinham acesso à plataforma EscoLAR, pedimos que simulassem a produção de um meme em forma de gravura no caderno.

Ressaltamos que, no EscoLAR, a atividade se encontrava em duas versões: a primeira em formulário do Google e a segunda em PDF, sendo que, na primeira, deveria ser depositada a produção do meme no sistema. Ressaltamos que menos de dez estudantes fizeram a entrega na plataforma e, ainda, fizeram-no fora do prazo estipulado; dois fizeram a entrega via e-mail; dois simularam um meme no caderno (e fizeram a publicação no formulário) e nove fizeram a entrega via WhatsApp do professor. Dos 54 estudantes das duas turmas, apenas 33 fizeram o envio da atividade – apesar de estarem conectados e dependerem da internet, muitos não tinham maturidade (e agilidade) para manusear as plataformas de produção de memes. Ainda, houve aqueles que não conseguiram cumprir os prazos estipulados, devido ao excesso de demandas por parte da escola desde a implantação do regime totalmente remoto no ano anterior, 2020.

 Muitos dos estudantes fizeram uso das ferramentas de stories, do Instagram, ou status, do WhatsApp, para produzirem seus memes, pois são plataformas em que eles estão mais familiarizados.

Figura 3: Meme criado por estudante fazendo crítica à aglomeração de pessoas

Os aprendizes fizeram uso de diversos recursos verbais, não verbais, multissemióticos e subjetivos, como gifs, cores, críticas ao presidente do Brasil na ocasião e sua postura diante da pandemia, e alguns fizeram uso do espaço escolar para produzirem seus memes e refletir acerca de sua materialidade. Todavia, ressaltamos que eles não fizeram uso de recursos sonoros na produção dos enunciados. Percebemos que o contexto pandêmico foi desenhando uma ação pedagógica mais mecanizada, com o uso de descritores de interpretação, que geralmente não dialogavam com a realidade. Todavia, com essa prática de produção de memes, promovemos a insistência em movimentos dialógicos, mesmo que a atividade aqui mostrada tenha sido estremecida. Os professores e professoras, naquele momento, ainda não tinham recebido subsídio financeiro para a compra de computadores e outros aparelhos eletrônicos que pudessem auxiliá-los em sala de aula (ou nas aulas remotas), e havia também a preocupação de buscar ativamente os estudantes, pois nem todos acessavam a plataforma da rede ou conseguiam atuar na plataforma EscoLAR.

Figura 4: Produção de estudante com crítica ao governo Bolsonaro durante a pandemia

Apesar das situações negativas citadas, cremos que essa ação pedagógico-dialógica contribuiu para a formação daqueles sujeitos de discurso, que tiveram a oportunidade de olhar esotopicamente para o gênero discursivo trabalhado. Pudemos instigar a leitura crítica a partir da pesquisa e da produção de memes, promovendo, assim, um movimento dialógico de leitura e produção de enunciados marcados na materialidade desses aprendizes. Percebemos, nas Figuras 1, 2, 3 e 4, que os memes criados pelos estudantes nessa prática foram uma forma de serem ouvidos e vistos em meio à pandemia: eles trataram de política, dos protocolos de saúde, foram jocosos e, ao mesmo tempo, reflexivos.

Nas Figuras 5 e 6, vemos estudantes que não tinham acesso ao EscoLAR e produziram memes, da forma como puderam, em seus cadernos. Apesar do suporte, a folha de caderno, e da produção manual, tais discentes mantiveram as características jocosas desse gênero discursivo:

Figura 5: Produção de meme no caderno de estudante que não tinha acesso ao EscoLAR

Figura 6: Produção de meme por outro estudante sem acesso ao EscoLAR

Alguns estudantes produziram seus memes na escola, com o auxílio do professor-pesquisador, aproveitando o espaço escolar para mover um pensamento reflexivo acerca daquela materialidade que vivíamos.

Figura 7: Meme produzido na escola

Figura 8: Meme produzido na escola durante a aula de Português

Com as produções mostradas nas Figuras 7 e 8, percebemos que, diante das condições objetivas e materiais naquele contexto híbrido de retorno escolar ainda na pandemia, contando com as orientações do professor-pesquisador, os discentes puderam se posicionar. O fator extralinguístico, ou seja, suas realidades, também adentrou o diálogo multissemiótico desses enunciados, que aqueles que se sentiram confortáveis publicaram em suas redes sociais, como o Twitter e o Instagram.

Avaliação dos resultados

O movimento envolvendo o gênero discursivo meme deu voz e vez aos sujeitos participantes que estavam retornando para a escola, ainda que na modalidade híbrida e separados por grupos. Pôde-se perceber, com essa prática, que a Educação Básica é capaz de promover dados acadêmicos, mesmo que qualitativos (e subjetivos). O trabalho pedagógico-dialógico com memes, assim como este artigo, demarca a historicidade que envolve os gêneros dos discursos, os quais não estão (nem podem estar) estar dissociados de uma materialidade histórica e ideológica.

A proposta do trabalho aqui exposto, inicialmente, era promover práticas dialógicas de leitura e produção de enunciados embasadas em um gênero discursivo multimodal, o meme. As discussões sobre os memes, assim como sua produção de forma situada temporalmente (em contexto de pandemia de covid-19), foram feitas de acordo com a categoria bakhtiniana de enunciado concreto. A prática escolar aqui exposta se deu de forma híbrida, ora nas aulas de Língua Portuguesa, ora na plataforma da rede estadual do Espírito Santo, EscoLAR.

Sobre as categorias bakhtinianas aqui exploradas, a produção dos memes foi posta a partir da ideia de enunciado concreto, situada em um momento de pandemia. Também nos ancoramos no dialogismo de Bakhtin: nos atentamos sensivelmente às experiências dos estudantes com os memes, partindo das redes em que eles costumavam ler e compartilhar esses enunciados. Também percebemos que muitos deles não conseguiram manusear os sites e aplicativos de produção de memes – muitos recorreram às plataformas que já utilizavam, como os stories do Instagram e as ferramentas de status de WhatsApp.

Apesar das limitações da escola, do professor e dos estudantes acerca do manuseio de plataformas digitais, acreditamos, sim, que a atividade foi válida para contribuir com a formação de pessoas de discurso. Apontamos ainda um olhar exotópico acerca de nossa prática em meio à pandemia de covid-19 – nem todos os estudantes puderam participar da prática no momento remoto, por não terem acesso à internet ou dispositivos adequados para a produção de memes. Ainda, naquele momento, os professores e professoras, em sua maioria, não tinham equipamentos adequados para a execução das tarefas remotas – trazendo-nos um questionamento: a educação pública e gratuita é acessível realmente a todos que dependem dela?

A prática em meio à pandemia de covid-19 foi desenhando esta investigação, a partir da qual conseguimos perceber, também, que a educação pública e seus educandários, que deveriam ser democráticos, não atendem a todos os discentes: muitos usam, mas não dominam as plataformas digitais ou não têm acesso a elas. Esses pontos de atenção não deslegitimam essa observação, mas são indicadores importantes que mostram que a escola pública, seus estudantes, professoras e professores precisam ser assistidos, necessitam de condições plausíveis para que o trabalho pedagógico seja realizado.

Nossa proposta dialógica e enunciativa de produção de textos com memes nas aulas de Língua Portuguesa com certeza foi impactada negativamente por essa modalidade híbrida, devido à falta de acesso, de maturidade e de manuseio desses instrumentos digitais, fazendo-nos, para além do “chão democrático”, repensar nas consequências da pandemia para a educação escolar.

Referências

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BAKHTIN, Mikhail Mikhaĭlovich; VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e filosofia de linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência de linguagem. Trad. Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. 2ª ed. São Paulo: Editora 34, 2018.

BOTTA, Mariana G.; GUERRA, Cristiane. O meme como gênero discursivo nativo do meio digital: principais características e análise preliminar. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, v. 12, nº 3, p. 1.859-1.877, jul./set. 2018.

ESPÍRITO SANTO. Secretaria de Estado da Educação (Sedu-ES). Plano de
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. Vitória, 2020.

FURTADO, Rossana Martins. Os diálogos do cotidiano nas redes sociais: a liquidez discursiva nos memes. Tese (Doutorado em Linguística) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2019.

KRESS, Gunther; VAN LEEUWEN, Theo. Introduction. Multimodal discourse: the modes and media of contemporary communication. Londres: Oxford University Press, 2001.

SANTOS, Carolina Favaretto; FERREIRA, Cláudia Cristina. Apropriação da cultura digital sob a utilização de memes: produzir e ocupar espaços nas redes sociais em prol do ensino de línguas. Revista X, Curitiba, v. 16, nº 2, p. 608-632, 2021.

Publicado em 08 de agosto de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Rodrigo dos Santos Dantas da. Experiência pedagógico-dialógica de produção e interpretação de memes. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 30, 8 de agosto de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/30/experiencia-pedagogico-dialogica-de-producao-e-interpretacao-de-memes

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