Breve perspectiva de profissionais da Educação sobre afetividade familiar percebida para aporte de aprendizagem

O ser humano pode ser entendido como a soma da sua interação com o meio e de suas características individuais, que influenciarão diretamente seus comportamentos e suas escolhas, durante toda a vida. É certo que o comportamento humano resultará de operações de partes específicas, mas também das relações e interações entre essas partes.

A família e a escola, como instituições, estão envolvidas diretamente no desenvolvimento cognitivo, emocional, social, entre outros, de todos os indivíduos. Não obstante, faz-se mister reconhecer que existe uma gama de outros elementos ideológicos, culturais e sociais que trarão uma complexidade muito maior para as relações. Estas instituições influenciam na formação da personalidade dos indivíduos: a escola, de forma sistematizada, e a família, informalmente. A família e a escola (quando o indivíduo tem acesso a ela) se tornam parte essencial na vida de qualquer pessoa e as relações entre os familiares e seus mais novos influenciam a vida educacional deles, ao longo do tempo.

O conceito de aprendizagem adotado nesta pesquisa parte de formulações em diálogo com Vygotsky (Brandão, 2008), preconizando que a aprendizagem não parte de algo mecânico, inerente ao desenvolvimento do indivíduo – uma vez que ele é inteiro e que suas relações com o outro podem, inclusive, transformar sua realidade –, mas que ela tem o poder de aprimorá-lo dentro de suas relações com o meio social. Brandão compartilha com Vygotsky a ideia de que as relações afetivas irão influenciar no processo de aprendizagem das pessoas ao longo de suas vidas.

A teoria psicogenética de Wallon sobre a constituição do sujeito (Dantas, 1992) ressalta que as relações afetivas são compreendidas como os processos que influenciam as emoções e os sentimentos humanos. Além disso, elas incentivam e até podem explicar as motivações sofridas ao longo da vida das pessoas.

Após mais de uma década de aulas em escolas públicas, no estado da Bahia, muitas angústias surgem, nesse contexto, para os proponentes desta breve incursão. A relação familiar afeta diretamente os sentimentos de autoestima e percepção de mundo dos sujeitos, o que pode levá-los a reproduzir essas relações em suas dificuldades de aprendizagem, dentro da sala de aula.

Alguns questionamentos foram feitos ao longo do estudo: como o afetivo familiar irá influenciar os educandos em seu processo de aprendizagem? Como os professores enxergam esse afetivo (entendido aqui como o ato de afetar) familiar no processo de aprendizagem de seus alunos? A ação docente teria melhoras a partir do afetivo entre pais e filhos?

No curso de Especialização em Diversidade e Inclusão na Educação, concluído no ano de 2020, na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), uma autora deste texto, a professora Renata Osório, apresentou um embrião destas ideias e, posteriormente, publicou um artigo acerca delas. Ela partiu de um relato de experiência, material que serviu como trabalho de conclusão de curso, para a obtenção do título de especialista. Na ocasião, Osório relatou sua experiência como docente, nos anos de 2018 e 2019, de um projeto na Escola MZT, onde são ministradas aulas diurnas para o Ensino Fundamental I (1º a 5º anos), a estudantes com idades entre 6 e 15 anos. Tal escola localiza-se em um bairro periférico da cidade de Salvador/BA.

No artigo de Osório, denominado “Relações familiares e sucesso escolar no contexto inclusivo”, chega-se à conclusão de que as relações familiares podem causar consideráveis mudanças no comportamento dos educandos e afetar de forma significativa o seu processo de aprendizagem. Portanto, torna-se salutar o estudo das relações familiares e de como elas estão ligadas ao contexto escolar, o que justifica um estudo a partir de amostra comparativa de, ao menos, duas realidades.

Muitas pesquisas se debruçam sobre a afetividade do docente para com seus alunos como uma maneira de proporcionar a eles um melhor desempenho no processo de aprendizagem. Partindo da premissa de que os discentes são seres sociais e de que seu primeiro contato com o afetivo acontece com a família, o referido trabalho visou trazer uma contribuição acerca da perspectiva docente relativa à forma como a afetividade familiar interfere no processo de aprendizagem dos educandos. O intuito da pesquisa foi oferecer reflexões acerca de como a afetividade familiar percebida pode ser um diferencial na apropriação da aprendizagem dos educandos.

Conhecer e compreender as realidades e as limitações, tanto as da escola como as das famílias e dos alunos, é primordial para que se tenha a intervenção adequada e necessária. Desse modo, a pesquisa aqui apresentada objetiva traçar uma breve perspectiva sobre como a afetividade familiar é percebida no aporte para apropriação da aprendizagem de estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio, sob a ótica do docente, no contexto da sala de aula. Especificamente, ela pretende: levantar estratégias para a compreensão das mudanças de estruturas familiares ocorridas ao longo do tempo; identificar o/os conceito/s acerca da afetividade familiar dentro do contexto escolar na literatura; relacionar a afetividade com a aprendizagem dos educandos inseridos na pesquisa, sob a ótica docente; identificar, na perspectiva docente, a possibilidade de mudanças de comportamento dos educandos pelo trabalho da afetividade familiar e suas consequências no contexto educacional.

Há uma série de reflexões que fundamentam teoricamente a temática apresentada. A família é o primeiro grupo social de que a criança irá participar, é com quem ela irá socializar e tomar consciência de seu papel e do papel do outro para a construção identitária. As relações afetivas entre os filhos e a família são fundamentais para o desenvolvimento das novas gerações, uma vez que a família cumpre um papel primordial na vida dos sujeitos, dando-lhes os subsídios necessários para que sua visão de mundo seja repleta de sentimentos de amor, compreensão e respeito, mesmo quando eles se depararem com as frustrações naturais da vida.

Como instituição, a família também se modifica com o tempo e traz consigo a marca de pensamentos, valores, crenças e ideologias, que são refletidos nas mais diversas relações. Trata-se, portanto, do primeiro contato social que o indivíduo terá em sua vida.

Sendo assim, essas relações acompanharão o sujeito em todo o seu processo cognitivo e social, como afirma Marturano (1998, p. 47), se referindo ao momento em que a criança participa da vida familiar e adquire, mais facilmente, habilidades necessárias para a aprendizagem escolar.

A família que pouco dá valor aos estudos acaba incentivando pouco a criança. Alguns pais pouco se importam se a criança vai bem o mal na escola, se ela será promovida ou não. Para essas crianças, a postura da família se torna negativa, pois elas, além de não receber ajuda em casa, passam também a dar pouco valor para a aprendizagem escolar (Marturano, 1998, p. 91).

Vygotsky (1987) afirmou, em sua teoria sócio-histórico-cultural, que é nas relações sociais, nas interações e nas trocas entre os indivíduos, seus semelhantes e o meio que se originam as funções psíquicas superiores, que são as funções mentais conscientes, como a atenção voluntária, a percepção, a memória e o pensamento.

A partir dos conceitos abordados por Vygotsky, que realizou pesquisas na área do desenvolvimento da aprendizagem e do papel preponderante das relações sociais nesse processo, se manifesta o primeiro pensamento para o desenvolvimento deste projeto de pesquisa, cujo foco é o papel da família e a sua relação de afetividade na vida escolar de seus filhos, bem como no processo de aprendizagem dos indivíduos.

Porém, quando se fala em afetividade, as contribuições de Wallon (2015) se impõem como fundamentais à compreensão do afetivo como um dos aspectos centrais do desenvolvimento humano, cujo processo evolutivo se dará entre a capacidade biológica e a ambiental, que o afetará ao longo da vida. Nessa abordagem, entende-se que a inteligência não é o principal componente do desenvolvimento, mas as três dimensões – motora, afetiva e cognitiva – que constituem o sujeito, sendo intrínsecas a ele e atuando de forma integradora.

Wallon (2015) traz a família como o primeiro contato social com que o indivíduo interage afetivamente, para se compreender como “pessoa”. A teoria walloniana dialoga de forma muito linear com as ideias de afetividade e do sujeito como um indivíduo completo, um ser social. Esse sujeito mantém sua identidade estrutural e funcional de forma integrada entre o afetivo, o cognitivo, a motricidade e a pessoa.

O afetivo ou a afetividade “tem origem nas sensibilidades internas de interocepção (referentes às sensações viscerais) e de propriocepção (referentes às sensações musculares)” (Mahoney; Almeida, 2012, p. 15) e “essas sensações são responsáveis pela atividade generalizada do organismo que, junto com a resposta do outro, vai se transformando em sinalizações afetivas” (Mahoney; Almeida, 2012, p. 15).

Assim, o afetivo tem como premissa transformar sinais afetivos específicos em bem ou o mal-estar, tornando-se condição necessária para o processo de aprendizagem do indivíduo. Utilizando-se dos preceitos wallonianos, a afetividade (ou o afetivo) “refere-se à capacidade, à disposição do ser humano de ser afetado pelo mundo externo e interno, por meio de sensações ligadas a tonalidades agradáveis ou desagradáveis” (Mahoney; Almeida, 2007, p. 17).

Wallon, após participar da Segunda Guerra Mundial, passou a ver a escola como um local que precisará assumir valores mais específicos de solidariedade, justiça social e antirracismo, pensando em uma construção social justa e democrática. No entanto, a família também é peça fundamental para o ambiente escolar, devendo participar e inferir em seu meio, para que ambos, família e escola, proporcionem aos seus filhos/alunos (seres sociais) essa visão de sociedade igualitária.

A teoria do desenvolvimento de Wallon – Psicogênese – foi baseada na observação e análise do desenvolvimento de crianças consideradas por ele “normais” e crianças patológicas, além de adultos. Para criar os estágios e os princípios desse processo, ele se baseou na observação das diferenças e semelhanças entre esses indivíduos, e entendeu o sujeito como um ser funcional (afetivo – cognitivo – motor – pessoa), e não fragmentado.

Partindo dos pressupostos de Wallon, essas dimensões se vincularão e o indivíduo irá interagir consigo e com o outro, possibilitando que seus comportamentos sejam viáveis no tempo e no espaço. Dois fatores embasarão o sujeito: o orgânico e o social. Infere-se, a partir das ideias de Wallon, que o modo como a família afeta o educando irá perpassar o seu processo de aprendizagem, uma vez que o desenvolvimento humano não é somente baseado nos aspectos cognitivo e motor, mas também no afetivo.

Entende-se que todos os estágios propostos por Wallon são importantes para o desenvolvimento do ser humano, mas a afetividade tem um papel fundamental nos diferentes estágios da teoria walloniana. Para os efeitos desta pesquisa, o estágio da puberdadee adolescênciaterá maior relevância, por ser o público-alvo de trabalho.

A família, nesse contexto de afetividade, irá cumprir um papel de relevo na aprendizagem do indivíduo, espelhando sua relação no espaço formal de ensino – a escola.

Delineamento

Este trabalho usou a pesquisa qualitativa nas fases exploratória, trabalho em campo e análise dos dados coletados.

Segundo Gunther (2006), a pesquisa qualitativa auxilia nos conhecimentos dos complexos processos que constituem a subjetividade, tendo como princípio o conhecimento do fenômeno, visando a totalidade do sujeito e a concepção dele na sua historicidade, dentro dos fenômenos não fragmentáveis. A pesquisa qualitativa vai além dos dados coletados, uma vez que seu foco é a relação cotidiana, ou seja, como ela se apresenta, se processa e se manifesta, e o quanto ela significa para os sujeitos envolvidos na pesquisa, neste caso, a amostra de docentes selecionada.

Nesta pesquisa qualitativa, foi utilizado o questionário com quatro perguntas abertas sobre os topoi seguintes: afetividade x família/afetividade x trabalho docente/afetividade x amizade no contexto escolar/afetividade x aprendizagem.

Com base em Reis et al. (2012), percebeu-se que o questionário aberto é uma importante ferramenta para a análise da percepção docente sobre a afetividade e suas implicaturas sobre o processo de aprendizagem. As autoras utilizaram esse instrumento aberto em sua pesquisa sobre as habilidades sociais e a afetividade no contexto escolar, associado a outros instrumentos mais quantitativos, e apresentaram uma valorosa análise. As autoras também lançaram mão de:

1. questionário para coleta de dados sociodemográficos;
2. questionário composto por quatro questões abertas sobre a relação afetiva entre professor e aluno; e
3. inventário de habilidades sociais (IHS – Del Prette; Del Prette, 2001).

Em nossa pesquisa, escolhemos trabalhar com o segundo desses instrumentos. A escolha do instrumento questionário composto por quatro questões abertas sobre a relação afetiva entre professor e aluno justifica-se pela preferência dos autores pelo caráter interpretativo e pelo perfil dos profissionais que vão aplicar o questionário. Assim, as quatro questões elaboradas, norteadas pelos topoi apresentados, foram as seguintes:

Topos 1: afetividade x família De que maneira você, no lugar do docente, compreende o papel da afetividade no seio familiar, para o êxito da aprendizagem?

Topos 2: afetividade x trabalho docente Como o docente deve agir/pensar/compreender as relações afetivas, com relação aos seus alunos, para o processo de aprendizagem?

Topos 3: afetividade x amizade no contexto escolar Qual a importância da afetividade nas relações entre discentes para o sucesso da aprendizagem?

Topos 4: afetividade x aprendizagem Como se resumiria, pela ótica docente, a relação entre afetividade e aprendizagem?

Participantes

Esta pesquisa foi realizada na Escola MZT, localizada em uma zona periférica da cidade de Salvador/BA, e envolveu a aplicação do questionário a cinco profissionais de educação do Ensino Fundamental I. O questionário também foi aplicado a outros cinco profissionais de educação, desta vez do Ensino Médio Técnico do Instituto Federal da Bahia (IF Baiano).

Procedimentos de coleta de dados

Para a coleta de dados, lançou-se mão do “princípio da abertura”, no qual o método se adequa ao objeto pesquisado, porém um controle contínuo foi mantido (Gunther, 2006).

Conforme já salientado, esta pesquisa buscou compreender o sujeito de forma totalizada, sendo considerada a sua historicidade, e estudou os fenômenos não fragmentáveis e aqueles ocorridos na realidade

A abordagem inicial dos sujeitos pesquisados ocorreu de forma tranquila. Foram marcadas apresentações sobre o estudo, para informá-los a respeito da sua relevância, das suas justificativas, os motivos da escolha dos sujeitos e para descrever a pesquisa em si: sua forma de realização e o tempo a ser usado para aplicar o questionário.

O instrumento da pesquisa foi aplicado de forma individual, e os dados foram coletado a partir de agendamento prévio, na própria escola ou por meios virtuais. Os resultados foram apresentados aos participantes após a conclusão da pesquisa, além de terem sido compilados em um artigo científico. Pretendeu-se ampliar a apresentação dos resultados para as duas comunidades escolares em que os participantes estão inseridos.

Instrumentos

Foram utilizados questionários estruturados (questionário para coleta de perfil dos participantes) e semiestruturados com cinco funcionários da Escola MZT e cinco servidores do IF Baiano, caracterizando-se, desse modo, um grupo de docentes do Ensino Fundamental e outro do Ensino Médio, respectivamente.

Os questionários semiestruturados abordaram a concepção dos respondentes sobre as relações entre a família e os educandos (se é de forma tranquila, se existem conflitos permanentes, perguntas voltadas ao comportamento do aluno na comunidade, na escola e na sala de aula, rendimento escolar etc.) e de como tais relações podem interferir no processo de aprendizagem.

Procedimentos de análise de dados

A análise de dados foi feita de forma significativa, conforme preconizado por Bogdan e Biklen (1994), com a partilha de determinadas características que as aproximaram, sendo utilizadas diversas estratégias de investigação, mas com caráter flexível, o que permitiu aos sujeitos responderem de acordo com suas perspectivas pessoais.

A interpretação dos dados foi feita de forma contextualizada. O procedimento utilizado foi a análise do discurso, que dialogou diretamente com os tipos de pesquisa e de instrumento escolhidos na descrição das ações humanas como forma de organização e constituição de mundo social.

Considerações éticas

Este projeto se submete às regras do sistema CEP/Conep através da Plataforma Brasil e obedecerá a todas as diretrizes e normas das Resoluções nº 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

O direito ao sigilo e anonimato será mantido, conforme o termo de Consentimento livre e esclarecido (TCLE), que acontecerá de forma voluntária com dos pesquisados, sem ônus para o pesquisador nem para os pesquisados, assim adequando-se aos procedimentos éticos durante a execução da pesquisa, com a finalidade de ser legitimada perante a comunidade científica e as leis do país.

Ainda de acordo com as Resoluções nº 466/12 e 510/16, “toda pesquisa envolvendo seres humanos deve ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)”, para que, quando da sua aprovação, possa ser iniciada em seguida a coleta de dados, conforme prevê a resolução.

O projeto observa ainda as recomendações do Art. 1º, Parágrafo Único, inciso VIII, da Resolução nº 510/2016 do CNS, que preconiza: “VIII – atividade realizada com o intuito exclusivamente de educação, ensino ou treinamento sem finalidade de pesquisa científica, de alunos de graduação, de curso técnico, ou de profissionais em especialização”, tornando-a, portanto, isenta de registros no CEP/Conep.

Esta pesquisa tem a finalidade de trazer benefícios aos sujeitos pesquisados, trazendo de forma crítica o estudo das relações humanas com o propósito de contribuir para a comunidade/sociedade através do conhecimento.

Resultados e discussão

Sobre o primeiro topoi, que trata da compreensão das relações afetivas no seio familiar e suas interferências para o êxito de aprendizagem, observamos um ponto comum entre todos os respondentes do questionário: a noção de estrutura na família. A família é apresentada como a base estrutural primordial para o sucesso da aprendizagem. Ela é o alicerce, a base de toda relação afetiva, que deve se basear na escuta e no respeito, que culminam na motivação aos estudos.

Ainda que tenhamos diversos conceitos sobre a motivação, além de teorias científicas motivacionais, entenderemos, aqui, que “a motivação é um processo que dá energia, direciona e sustenta o comportamento em direção a um objetivo” (Gazzaniga; Heatherton; Halpern, 2018, p. 423).

A família, por via das suas relações afetivas saudáveis, será a base da motivação para o êxito na aprendizagem desses estudantes, que se dará a partir da escuta e do respeito entre seus membros. Portanto, a afetividade na família impactará no desenvolvimento desses estudantes, por ser o primeiro acolhimento das relações sociais.

Mondin realça o papel parental nesse processo de aprendizagem. Em suas palavras,

alguns pais são professores emocionais talentosos, outros são deficientes nessas habilidades. Pesquisas têm demonstrado que a maneira como os pais tratam seus filhos – seja com rígida disciplina, com compreensão, indiferença ou simpatia – produz consequências profundas e duradouras para a vida emocional da criança (Mondin, 2005, p. 133).

Ainda sobre esse topoi, foi possível constatar, no grupo de profissionais de Educação do IF Baiano, que a afetividade traz o distanciamento da noção de punição e do cumprimento mecânico de ações, ou seja, a afetividade leva ao contexto escolar uma noção mais humana de ensino e aprendizagem, ressignificando papéis formativos, pois os elementos familiares passam a exercer papéis importantes no contexto formativo dos estudantes, conforme o excerto de um dos respondentes, destacado a seguir:

A afetividade no ambiente familiar contribui para a construção de uma perspectiva de aprendizagem distanciada de uma noção de punição ou de mero cumprimento mecânico de ações atribuídas ao educando. A afetividade ressignifica tais concepções (Respondente 1 – IF Baiano).

Já na amostra do grupo dos profissionais de Educação da Escola MZT, destacamos que eles percebem que a ausência de um cenário afetivo positivo no seio familiar interfere diretamente no sucesso dos estudantes. Não se vê, segundo um dos respondentes do questionário, a atmosfera de harmonia e afeto nas famílias que propicie o bom desenvolvimento educacional:

[O afeto é] fundamental para o sucesso da instituição de ensino. As relações afetivas trazem amorosidade, empatia, confiança e harmonia nas ideias e nos propósitos (Respondente 6 – MZT).

Partindo para a análise da segunda questão, que se concentra no tema da afetividade e suas relações com o trabalho docente, não foram observadas divergências de pensamento que mereçam destaque nesta análise.

Percebeu-se, em todos os questionários, uma importância dada à escuta e aos fatores emocionais do corpo discente, principalmente quando o alunado é composto por adolescentes de diversas faixas etárias.

Sobre o desenvolvimento de laços afetivos na relação entre docentes e discentes, o artigo “Habilidades sociais e afetividade no contexto escolar: perspectivas envolvendo professores e ensino-aprendizagem” buscou investigar/“identificar habilidades sociais de professores e suas percepções a respeito da importância da afetividade na aprendizagem” (Reis et al., 2012), nas palavras das próprias autoras. Para as pesquisadoras, a escola é aliada direta das famílias e um professor é um mediador para ampliar as possibilidades de interação por via das experiências afetivas, sendo produtiva tanto para o estudante quanto para o docente no processo de ensino-aprendizagem.

Desse modo, Reis et al. (2012) corroboram as informações do questionário aplicado no IF Baiano e na MZT, pois a escuta é elemento essencial para a compreensão dos aspectos emocionais do corpo discente na tarefa de reconhecer os aspectos emocionais da adolescência. Essa dinâmica faz do docente o elo dessa relação, que deve ser construída a partir do respeito estabelecido por laços afetivos entre os sujeitos.

Uma relação harmoniosa entre os discentes possibilitará que eles consigam adquirir os conhecimentos pertinentes a cada ano escolar, compreenderem regras, normas que permeiam o cotidiano e que possam estabelecer um companheirismo, uma ajuda mútua dentro do espaço escolar (Respondente 7 – MZT).

Quando os participantes responderam as questões relacionadas à afetividade e à amizade no contexto escolar, percebeu-se a existência de uma compreensão, por parte dos professores de ambas as instituições, de que o ambiente é um dos elementos que afetam a vida dos sujeitos. O ambiente entendido pelos participantes não é somente aquele disposto dentro da sala de aula, mas todo o entorno social vivenciado pelos alunos. Os entrevistados chamaram a atenção para as questões das mídias sociais, nas quais as demonstrações de afetuosidade ou de animosidade são levadas bastante a sério, por crianças e adolescentes, o que traz consequências positivas e negativas a suas vidas.

No contexto da sala de aula, os participantes de ambas as instituições demonstraram preocupação em relação ao convívio entre discentes e docentes. Um dos participantes mencionou, em sua resposta, que é necessário “um ambiente que promova o estímulo a uma construção de relações afetuosas”. Para eles, essas relações irão influenciar as ações discentes dentro do espaço escolar.

No artigo publicado no livro Psicologia social: o homem em movimento, da Coleção Primeiros Passos, mais precisamente na terceira parte, intitulada “O indivíduo e as instituições”, encontramos um breve histórico da concepção de criança e infância ao longo do tempo, trazendo como referência Aires (1981), que afirma que o surgimento da “ideia de infância, tal como concebemos hoje, surge simultaneamente ao sentimento de família e ao desenvolvimento da educação escolar” (p. 126). A relação de afetividade entre os sujeitos e a escola já é a premissa de um pensamento em relação à infância a ao desenvolvimento do ser humano, que devem ser direcionados tanto pela família quanto pelo espaço formal de ensino, a escola.

O referido texto também menciona as amizades feitas no espaço escolar e a importância de essas relações serem baseadas em solidariedade, cooperação, harmonia, amorosidade, empatia e confiança, tanto entre os próprios discentes quanto entre todos os demais componentes da comunidade escolar.

De maneira geral, os profissionais da Educação, tanto os do IF Baiano quanto os da MZT, tangenciaram as relações estabelecidas no ambiente escolar e no social como as precursoras dos comportamentos desses sujeitos. Isso dialoga com Wallon (2012), quando ele afirma que os comportamentos dos indivíduos serão intrínsecos à sua interação consigo e com o outro, independentemente do estágio que eles se encontram.

Uma questão interessante, que foi colocada por um profissional da MZT, foi a relação que alguns docentes fizeram entre a afetividade e a amizade dentro do contexto escolar e a questão da violência. Essa questão pode sinalizar uma nova reflexão e um olhar diferente sobre a violência como uma reprodução negativa de afetuosidade entre discentes e sobre como elas refletem e afetam a vida deles, principalmente no contexto escolar.

Acerca da afetividade e da aprendizagem, ficou claro que os participantes entrevistados, de ambas as instituições, relacionam o que afeta seus discentes em sua vida social com o que eles aprendem em suas vidas acadêmicas. Nesse sentindo, Vygotsky (1987) nos lembra de que, para que se desenvolva o processo de aprendizagem do sujeito, é fundamental a sua relação com o outro.

A relação que todos os participantes fizeram entre aprendizagem e afetividade no processo pedagógico é fundamental para que se compreenda como todas as relações estabelecidas pelos sujeitos, ao longo da vida, são fundamentais para a sua formação cognitiva, psíquica e social.

Seja na família, seja na escola ou na comunidade, as relações afetivas vão permear o desenvolvimento dos seres humanos. As épocas em que essas relações se mostram mais fundamentais no processo de aprendizagem são a infância e a adolescência.

Considerações finais

A família é um dos pilares da sociedade e, em conjunto com as instituições escolares e o Estado, formam a tríade necessária para a formação do sujeito como parte integrante e ativa da sociedade. Logo, torna-se importante refletir acerca da necessidade de a escola e as famílias estarem unidas em prol do bem comum de seus alunos/filhos.

Conhecer e compreender as realidades e as limitações, tanto as dos docentes e dos discentes como as das famílias, é primordial para que se tenha a intervenção adequada, no sentido de que as relações afetivas entre eles interfiram de forma positiva na apropriação da aprendizagem e no desempenho escolar. As contribuições de Vygotsky e Wallon foram valiosas para a conceitualização do tema escolhido para este trabalho.

Sendo assim, esta pesquisa tende a demonstrar a importância das relações afetivas como aporte para a aprendizagem. Um dos quesitos que chamou atenção é que as relações de amizades e de entorno interferem diretamente no comportamento dos alunos, dentro da sala de aula e, consequentemente, no seu desempenho acadêmico.

A forma como as famílias se relacionam com seus filhos é fator preponderante na relação de aprendizagem e isso, na visão dos discentes, se reflete na apropriação da aprendizagem, consequente no sucesso escolar.

A parceria entre a família e a escola pode ser uma forma positiva de estimular as relações afetivas para o sucesso escolar desses educandos, porém, quando se fala em famílias de baixa renda e localizadas em lugares perigosos, questões sociais e econômicas, de forma geral, essa relação fica fragilizada.

Por meio desta pesquisa, foi possível perceber o quanto as relações afetivas podem interferir, positiva e negativamente, na aprendizagem dos educandos, principalmente quando ainda são pequenos. Os docentes demonstraram uma preocupação em relação às relações afetivas de seus alunos e confirmaram a influência dessas relações em seus comportamentos dentro da sala de aula.

Esta pesquisa tem o intuito de refletir sobre como as relações afetivas podem ser um diferencial e acerca de como a parceria das famílias com a escola pode ajudar na apropriação da aprendizagem por parte dos educandos, além do que os momentos de escuta e os debates trazem, nas relações com seus filhos, uma contribuição para o bom desempenho escolar. Futuramente, o direcionamento da investigação poderá ser mudado, para que o ponto de vista dos estudantes ou dos seus responsáveis seja conhecido.

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