Filtros solares como tema social para aulas de Química: discussões em uma aula-passeio na praia

Naiara Cristina Aguiar Moreno

Mestranda em Ensino de Ciências da Natureza (UFF)

Jorge Cardoso Messeder

Docente do IFRJ – câmpus Nilópolis e do PPECN/UFF

As atividades docentes no ensino de Química muitas vezes encontram obstáculos no que diz respeito à assimilação dos conceitos disciplinares por parte dos estudantes. Tal situação, aliada a outras questões sociais e culturais, culminam em desmotivação para o estudo, além de contribuir para a evasão escolar. Batista e Wenzel (2021) salientam a importância do papel do professor em promover acesso a espaços em que possa haver um diálogo com a área do conhecimento estudada. Tais autores inferem que a importância do papel do professor deve estar na promoção de espaços onde haja um diálogo com a área do conhecimento estudada. 

O acesso à informação e as diferentes tecnologias tem tornado a permanência dos alunos na escola um desafio, com isso, apontamos a necessidade de ampliar as compreensões acerca das alternativas que estão sendo propostas para motivar o estudante à prática do ensino (Batista; Wenzel, 2021, p. 59).

A fragmentação presente no ensino de Química pode também, em alguns momentos, contribuir para a dificuldade na compreensão de conceitos científicos. Cachapuz, Praia e Jorge (2012) afirmam que há uma desconexão entre a Ciência presente nos currículos e o mundo real. Um rompimento com as fronteiras das disciplinas faz-se necessário para a elaboração de um conhecimento globalizado. Combater essa fragmentação não é uma tarefa fácil e muitas são as pesquisas na área do Ensino de Ciências que indicam a importância de uma ação docente voltada à interdisciplinaridade.

Apesar de o termo interdisciplinaridade ser deveras polissêmico, Freire (1987) indica que a interdisciplinaridade advém da integração do conhecimento do sujeito com a realidade, o que caracterizaria a problematização de uma situação para estudo. Fazenda (2002) reafirma a importância de se entender a interdisciplinaridade como uma ação ousada e de busca de articulação de um conhecimento, contrapondo-se à sua compartimentação disciplinar, o que compreende uma necessária ruptura de paradigmas. Nogueira (2003) ressalta a importância de toda a comunidade escolar estar empenhada em uma atitude interdisciplinar e não apenas na realização de projetos. Thiesen (2008, p. 552) reforça essa ideia ao dizer que "a escola deve conter em si, a expressão da confiabilidade humana, considerando toda a complexidade. A escola deve ser, por sua natureza e função, uma instituição interdisciplinar". Diante de tantas concepções acerca da interdisciplinaridade, pesquisas indicam que há um enriquecimento do saber ao se utilizar diversos enfoques ou abordagens sociais, pois é importante que na prática docente exista a necessidade de uma reflexão sobre o conhecimento, para que assim, ocorra não somente a superação da fragmentação disciplinar como uma reflexão acerca da função dos professores na formação dos estudantes (Fazenda, 2002).

Araújo e Praxedes (2013) ressaltam o desenvolvimento do senso crítico e da autonomia dos estudantes a partir das atividades nomeadas por Célestin Freinet (1975) como "atividades escolares vivas". Tais atividades baseiam-se no tripé "Pedagogias do Bom Senso, do Trabalho e do Êxito".

Ao lado da pedagogia do trabalho e da pedagogia do êxito, Freinet propôs, finalmente, uma pedagogia do bom senso, pela qual a aprendizagem resulta então de uma relação dialética entre ação e pensamento, ou teoria e prática. O professor se pauta por uma atitude orientada tanto pela psicologia quanto pela pedagogia - assim, o histórico pessoal do aluno interage com os conhecimentos novos e essa relação constrói seu futuro na sociedade (Ferrari, 2008, p. 2).

Com isso, a aula-passeio, recurso pedagógico idealizado por Freinet, é capaz de transcender os muros da escola, aliando conhecimento e vivência para os estudantes de diferentes níveis escolares. A proposta pedagógica de Freinet, baseada na Pedagogia para a Cooperação, é alicerçada no respeito às diferenças, na valorização e na participação de diversos contextos sociais, como, por exemplo, no enfrentamento ao racismo, assim como na formação do pensamento crítico e reflexivo (Imbernón, 2012).

Araújo e Praxedes (2013) reiteram que aulas-passeio podem ser realizadas em diferentes locais, como por exemplo, no entorno do espaço escolar, não sendo necessariamente em espaços não formais específicos. Tal possibilidade minimiza algumas dificuldades enfrentadas pelos docentes para a realização de tal prática pedagógica. Freinet (1975) declara que as aulas-passeio visam promover o interesse e a motivação dos estudantes por diferentes atividades escolares. Dessa forma, alguns conteúdos podem ser desenvolvidos de modo mais descontraído, associados a espaços do entorno da escola.

A partir desse contexto, a Lei nº 10.639/03 traz a necessidade do debate da questão racial na Educação Básica como forma de promover uma educação antirracista (Brasil, 2003). Munanga (2005) ressalta o importante papel da educação na desconstrução de mitos que deflagram a inferioridade e a superioridade entre humanos existentes em uma cultura racista. Andrade (2019) ressalta que "a educação antirracista se efetiva quando a práxis pedagógica está comprometida no combate ou luta contra as desigualdades inerentes às relações étnico-raciais".

Apesar de a Lei no 10.639/03 alterar as diretrizes e bases da educação nacional, com a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da Rede de Ensino, muitos professores delegam essa abordagem apenas às disciplinas Educação Artística, História e Língua Portuguesa. No caso das Ciências da Natureza e suas tecnologias, ainda há muito a se praticar, com possibilidades para um aumento nas discussões acerca do assunto nas disciplinas científicas, principalmente no ensino de Química, como aponta Faiad (2020).

Com essas premissas, a prática pedagógica apresentada neste artigo buscou aliar o recurso pedagógico da aula-passeio, articulado a aspectos sociocientíficos, para discutir questões raciais, envolvendo conhecimentos de Química, Física e Geografia, além de refletir acerca de aspectos midiáticos que envolvem a saúde das pessoas negras, a fim de promover uma prática antirracista na Educação Básica.

A articulação de aspectos sociocientíficos, baseados nos trabalhos de Santos e Mortimer (2009), possibilitou discussões em sala de aula que, em consonância com Freire (1996), atestam a importância de se conhecer uma realidade para que seja possível transformá-la. Assim, a atividade foi realizada numa aula-passeio ao ar livre, na praia, pois se partiu do pressuposto que a aprendizagem não está limitada ao espaço físico da escola (Aguiar, 2017).

Metodologia

A atividade pedagógica foi realizada com 20 alunos da 2ª série do Ensino Médio do Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, uma escola estadual da rede pública do Rio de Janeiro/RJ, localizada no bairro do Catete. A professora regente atuava na época da atividade (ano de 2021) ministrando aulas de Química e Física.

A aula-passeio ocorreu na Praia do Flamengo, que fica próxima ao Colégio, com uma caminhada do grupo de alunos da turma até o local, acompanhado da professora regente e de uma professora auxiliar que fez o registro em fotos e vídeos.

A temática escolhida para a aula-passeio foi filtros solares e se baseou na intervenção pedagógica denominada: "Ensino de Ciências e identidade negra: uma relação entre a proteção da pele e o racismo na mídia", realizada por Vargas et. al. (2018).

A preparação para a aula-passeio ocorreu em 3 etapas, baseada nos três momentos pedagógicos, propostos por Delizoicov e Angotti (2000): Problematização Inicial, Organização do Conhecimento e Aplicação do Conhecimento (Quadro 1).

Quadro 1: Etapas da aula-passeio

Três momentos pedagógicos

Atividades realizadas

Problematização inicial

Roda de conversa.

Problematização acerca da não utilização de filtros solares por pessoas de pele negra.

Organização do conhecimento

Atividade de completar um esquema com imagens.

Articulação de diferentes conhecimentos (aspectos sociocientíficos).

Aplicação do conhecimento

Discussão dos assuntos abordados.

Roda de conversa.

O primeiro momento iniciou-se ainda no espaço escolar, com a professora em uma pequena roda de conversa sobre assuntos relacionados ao conhecimento científico (que pode ser observado no espaço físico da praia) com os alunos. Os estudantes foram convidados a expor suas expectativas e opiniões sobre o tema. Foram feitas perguntas como: "Vocês acham que existe alguma relação entre Química e a praia?". Essa etapa continuou na praia, de modo que a discussão gerou a problematização da questão: "a não utilização de filtros solares por parte de pessoas negras".

Em um segundo momento pedagógico, a professora faz uma apresentação, articulando conceitos químicos e físicos em uma atividade dialogada com os estudantes, na qual eles completaram um esquema com uso de imagens disponibilizadas para os diferentes assuntos abordados (Figuras 1 e 2).


Figura 1: Alunos na escolha de imagens
Fonte: Arquivo de pesquisa.

Figura 2: Imagens organizadas pelos alunos
Fonte: Arquivo de pesquisa.

No terceiro momento pedagógico, realizou-se uma atividade em sala de aula (após a aula-passeio) com o intuito de avaliar o impacto da atividade, com discussões a respeito dos conceitos que foram relevantes. Aconteceu uma roda de conversa com os estudantes para que pudessem expor verbalmente suas impressões sobre a atividade realizada e discutissem os assuntos estudados na aula-passeio (radiação ultravioleta, filtro solar, racismo presente nas propagandas etc.). Além disso, foram realizadas observações sobre a capacidade de articulação dos alunos para tais assuntos com a temática sociocientífica.

Resultados e discussões

Na etapa inicial observou-se de imediato que o favorecimento da dialogicidade ocasionou uma participação ativa dos estudantes, uma vez que respondiam sobre as questões levantadas. A professora iniciou a aula perguntando sobre assuntos que podem ser relacionados à Química e ao ambiente da praia. As palavras mencionadas nas respostas foram: ar, areia, sol, água, pedra e mudança de tempo.

O objetivo dessa etapa foi desafiar os estudantes a buscarem novos conhecimentos para que houvesse uma interpretação mais adequada das situações propostas. Fez-se uso, nesse momento, de diversos questionamentos e dúvidas, ao invés de respostas e explicações (Delizoicov; Angotti, 2000).

Na perspectiva freiriana, alunos e professor são ambos aprendentes, sendo o processo de ensino um caminho capaz de viabilizar possibilidades para sua construção (Freire, 1998).

Na verdade, a curiosidade ingênua que, 'desarmada' está associada ao saber do senso comum, é a mesma curiosidade que, criticizando-se, aproximando-se de forma cada vez mais metodicamente rigorosa do objeto cognoscível, se torna epistemológica. Muda de qualidade, mas não de essência (Freire, 1998, p. 35).

A professora questionou os estudantes acerca da importância de se proteger da exposição aos raios ultravioletas e, em seguida, perguntou quais estudantes faziam uso do filtro solar ao ir à praia (somente três alunos levantam a mão).

A partir dessa intervenção, houve manifestação dos alunos com as falas que seguirão. Importante ressaltar que as transcrições foram realizadas conforme a fala dos indivíduos. Portanto, as falas podem não apresentar concordâncias verbais corretas, assim como palavras no singular e no plural. Porém, em certos momentos empregou-se a transcrição adaptada, já que não interfere no contexto e no objetivo da conversa e omitiram-se algumas ocorrências entendidas como irrelevantes (zunidos, conversas paralelas, oscilações de fala). Alunos serão codificados com números (1, 2, 3 etc.) e a professora regente como Profa.

Aluno 1: Eu não uso porque gosto de pegar marquinha!

Aluno 2: Eu uso porque tenho uma cicatriz.

Profa.: Ah, entendi. Você usa então só na cicatriz pra não marcar…

Aluno 2: Isso.

Profa.: E vocês acham que é importante usar?

Aluna 3: Protetor solar? Sim!

Aluno 4: Às vezes eu esqueço e quando vejo já estou dentro d'água.

Profa.: Mas e nossa pele? Vocês acham que precisa de proteção?

Grupo de alunos: Sim, precisa!

Profa.: Por quê?

Aluno 4: Por causa dos raios do Sol.

Aluno 5: Pode causar câncer.

Aluno 3: Ih, então eu já tô cheia de câncer, porque eu não boto nada.

Profa.: Então, eu queria mostrar uma imagem pra vocês.

No segundo momento pedagógico, o professor deve atuar mediando os conhecimentos para que os alunos, em parceria com o professor, sejam capazes de realizar essa organização. Assim, nesse momento, a professora exibiu imagens obtidas em sites da internet, na busca por "filtro solar" (Figura 3).


Figura 3: Imagens de propagandas de filtros solares
Fonte: Arquivos da pesquisa.

O diálogo continuou:

Profa.: O que você tinha falado antes?  (Apontando para Aluno 2)

Aluno 2: Que todo mundo é branco!

Profa.: Isso. Todas as pessoas são brancas. Geralmente as propagandas de protetor solar usam imagens de pessoas brancas. Mas vocês acham que as pessoas de pele negra não precisam usar protetor solar?

Alunos: Precisam!

Aluno 6: Precisam porque pode dar algum problema de pele…

Aluno 3: Precisa porque prejudica do mesmo jeito. Quando eu vou à praia, à noite eu fico toda vermelha.

Profa.: Então vocês acham que a propaganda não é uma coisa adequada? Deveria mostrar pessoas negras também até pra poder incentivar que todo mundo use né?

Aluno 3: Tem até umas propagandas que eles tentam enrolar nós, sabe como? Eles colocam crianças autistas, sabe? Aquelas propagandas só tentam enrolar a gente. Se você realmente ver, não tem propaganda com criança negra nem nada… Tem propaganda com criança autista etc. só que negra é muito difícil de ver.

Profa.: Verdade. É muito pouco né?  E se gente for parar pra analisar: vocês sabem qual o percentual de negros na população brasileira?

Aluno 4: Maior parte.

Profa.: É mais de 50%! Quando a gente fala negra, são negros e pardos.

Sobre essa discussão, é importante citar que

Seja nas relações interpessoais, nos órgãos públicos, na cultura ou na publicidade, o racismo ecoa em nosso cotidiano. Apesar das ações afirmativas, resultantes das lutas dos movimentos negros, que agem no sentido de uma valorização da identidade negra e buscam incluir povos historicamente excluídos, são várias as formas do racismo atuar (Silva; Brito, 2017, p. 83).

Silva e Nery contribuem ao afirmar que

O racismo é um sistema poderoso que se utiliza das mais variadas ferramentas para a manutenção da supremacia branca. Sejam ferramentas políticas, econômicas ou midiáticas, a figura do negro sempre se encontra em desvantagem. Mesmo representando 54% da população brasileira, pessoas negras estão sendo deixadas de fora do diálogo publicitário (Silva; Nery, 2020, p. 54).

Observa-se então que os alunos conseguiram perceber o racismo presente nas propagandas e a possibilidade de impacto disso no cuidado de pessoas negras, o que pode ser evidenciado nos diálogos a seguir:

Profa.: Retomando aquela questão inicial lá das imagens das propagandas de filtro solar, quando a gente joga no Google imagens de filtro solar. Eu acho que só aparece na primeira página uma imagem de pessoa negra. Vocês acham que isso prejudica o cuidado da pessoa negra em relação à essa proteção? Ou não? Isso não tem nada a ver. O que vocês acham?

Aluno 4: Causa uma dúvida...

Profa.: Podem falar. Isso aqui é pra vocês falarem mesmo. Não tem certo e errado. Quero ouvir a opinião de vocês. Isso gera uma questão de que eu não preciso usar?

Aluno 3: Gera porque a maioria das coisas é por influência. Tipo, se eu vejo uma propaganda de uma marca na televisão e só vejo gente branca… Eu não vou querer. Eu vou achar que só funciona com gente branca.

Profa.: E aí você pode achar que não precisa. Alguém mais quer comentar? Vocês acham que afeta? Já tinham parado para pensar nisso?

Aluno 4: Acho que não tem nada a ver. Todo mundo tem que ser protegido. Mas propaganda é racista.

Aluno 3: Proteger, protege. Mas tem gente preta que não pensa como a gente… obviamente vai me proteger. Outras pessoas mais carentes podem não entender. Tipo assim: eu sou uma pessoa negra, mas sou mais carente e não vou entender aquilo como uma coisa legal e não vou usar aquilo na minha pele porque no comercial não estão mostrando uma pessoa negra.

Aluno 4: É a falta de representatividade!!!

Evidencia-se na fala dos estudantes o impacto da falta de representatividade nas propagandas, o que pode acabar colaborando para a diminuição do cuidado com a pele de pessoas negras.

Conforme Eid e Alchorne (2011), pacientes negros, apesar de terem menores riscos de desenvolvimento de câncer de pele, acabam se deparando com maior letalidade e morbidade. Isso pode ser atribuído ao diagnóstico tardio, já na fase avançada da doença, que é reflexo da crença de que peles negras estão protegidas do câncer de pele. No Brasil, evidencia-se ainda a pequena quantidade de publicações sobre essa doença em pele negra, o que termina por dificultar o seu estudo.

A Lei nº 10.639/03, entre os seus objetivos, tem como meta promover a cidadania e a inclusão social, possibilitando que docentes possam discutir todas as formas de preconceitos diante da cultura e história afro-brasileira. Nessa etapa da aula-passeio foi possível verificar que os estudantes têm suas concepções a respeito do assunto, mas quase sempre não são estimulados a expor suas falas com criticidade, muito menos em aulas de Química. Assim corroboram Vargas et. al., quando apontam que "urge a necessidade de um currículo escolar em que se reconheça a diversidade étnico-racial para que se opere em combate a discursos hegemônicos dominantes".

Referente às possibilidades de cuidado com a pele durante a exposição ao Sol, os alunos trouxeram à tona a questão da utilização de produtos caseiros para cuidar da pele e foram alertados sobre os riscos para a saúde. Dentre os itens mencionados pelos estudantes estão: limão e bicarbonato de sódio. A professora orientou-os acerca da ação desses produtos na pele, chamando a atenção para o fato de que a exposição ao Sol de uma área da pele com limão pode causar queimaduras mais sérias.

Durante a aula-passeio foi possível contemplar inúmeras possibilidades de diálogos com os estudantes acerca de vários assuntos que eles trouxeram. Na fala mencionada acima, por exemplo, puderam ser abordados aspectos envolvendo conceito de ácidos e bases, um conteúdo abordado na 2ª série do Ensino Médio.

Notou-se, no terceiro momento pedagógico, uma ampla discussão entre os estudantes acerca da temática dos filtros solares, além da articulação com conhecimentos científicos curriculares relevantes, agregando informações e conhecimentos sobre o assunto abordado a fim de enriquecer e propor soluções para a problematização inicial.

A partir dos questionamentos a respeito de situações que poderiam passar despercebidas em aulas tradicionais de Química, trazendo-as para o campo científico e associando-as às temáticas sociais (como no caso do uso de protetores solares por pessoas negras), promoveu-se uma perspectiva de educação científica crítica e reflexiva. Na roda de conversa, ocorrida na etapa final da aula-passeio, buscou-se discutir sobre relações de causa-consequência na Ciência e Tecnologia e suas repercussões nas mídias sociais, desmistificando que os aparatos tecnológicos sempre são sinônimos de bem-estar social. De acordo com Freitas et al.,

a meta a ser alcançada por uma educação científica crítica é a participação política do estudante, a partir de uma compreensão da sociedade atual e do combate às diferentes formas de discriminação e desigualdades e a necessidade de um currículo interdisciplinar que priorize uma abordagem do conhecimento contextualizado a partir de sua problematização (Freitas et al., 2019, p. 752).

Essa citação pode ser legitimada pelos apontamentos de Fabri e Silveira (2012), uma vez que não podemos separar Ciência e Tecnologia da evolução do ser humano, pois ambas estão permeadas pelas ações de quem decide no processo de desenvolvimento. Diante disso, foi possível evidenciar as potencialidades que uma aula-passeio, aliada a aspectos sociocientíficos, é capaz de promover.

Considerações finais

Diversas pesquisas apontam para a dificuldade dos estudantes na aprendizagem de Química. Um dos fatores responsáveis por essa dificuldade é o distanciamento dos conteúdos curriculares da realidade dos estudantes. A atividade aqui discutida mostrou que a abordagem de aspectos sociocientíficos pode ser um aliado importante, possibilitando um ensino menos conteudista e mais articulado com o mundo real. Aliou-se a essa perspectiva o recurso pedagógico da aula-passeio de Célestin Freinet, uma vez que se acredita que a aprendizagem pode e deve ocorrer em qualquer espaço. 

A intervenção pedagógica realizada torna-se importante na promoção de um ensino que valorize a discussão de temas sociocientíficos relevantes na Educação Básica, alinhados ao pensamento crítico recomendado pela atual Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil, 2018), bem como à educação antirracista preconizada pela Lei no 10.639/03.

Diante da temática dos filtros solares, numa proposta de um ensino interdisciplinar, buscou-se problematizar a questão da ausência de representatividade negra nas propagandas de filtros solares. O presente trabalho trouxe uma proposta de aprendizagem ativa aos estudantes, por meio de uma aula-passeio interdisciplinar, articulada com aspectos sociocientíficos, promovendo uma discussão racial contextualizada na escola.

Referências

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Publicado em 29 de agosto de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MORENO, Naiara Cristina Aguiar; MESSEDER, Jorge Cardoso. Filtros solares como tema social para aulas de Química: discussões em uma aula-passeio na praia. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 33, 29 de agosto de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/33/filtros-solares-como-tema-social-para-aulas-de-quimica-discussoes-em-uma-aula-passeio-na-praia

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