O desenho infantil no primeiro segmento do Ensino Fundamental: possibilidades de análises e práticas docentes

Camila Louro

Mestra, professora da Educação Básica da SME/RJ

Alda Maria Coimbra Aguilar Maciel

Doutora, professora do IFRJ e do Colégio Pedro II

O desenho é utilizado pela criança como linguagem expressiva e comunicativa que pode acompanhá-la durante toda a sua vida. Iavelberg (2006) afirma que, “ao desenhar, a criança usa cognição e sensibilidade e mais a experiência que tem diretamente com o desenho no contexto sócio-histórico e cultural em que vive, por si ou com mediação de outros (crianças e adultos)” (Iavelberg, 2006, p. 25). Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais de Arte (Brasil, 2001), o foco central da orientação e planejamento da escola é o percurso criador do aluno, contemplando seus aspectos expressivos e construtivos. A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2018), dentro do componente curricular Arte, também apresenta como uma das habilidades a serem desenvolvidas nos alunos dentro da escola o experimento de diferentes formas de expressão artística.

No entanto, para que o professor possa auxiliar o seu aluno em seu percurso criador é preciso possuir, em sua formação, instrumentos teóricos específicos em Arte que o auxiliem a ler e analisar imagens. Ao observar a imagem de um desenho infantil, ele poderá reconhecer o desenvolvimento cognitivo, a imaginação e a percepção visual de seu aluno.

Tendo em vista essa importância, o interesse acadêmico pela temática se justifica pela necessidade de compreender o trabalho com o desenho infantil na prática docente e oferecer novos caminhos de análise de desenho aos professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental e, desse modo, contribuir para a ampliação da sua formação em relação ao desenvolvimento do desenho produzido por seus alunos.

A presente investigação (aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa do Colégio Pedro II, com o Parecer nº 3.445.978) constitui uma iniciativa nessa direção. Ela é resultado de uma dissertação de Mestrado Profissional vinculada à Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura (Propgpec) do Colégio Pedro II. A pesquisa possui natureza quanti-qualitativa e foi desenvolvida por meio de estudo de caso. A escolha por uma pesquisa dessa natureza se dá pelo fato de a pesquisa envolver ideias e conceitos do professor a respeito do desenho produzido por seus alunos e lança mão de dados quantitativos para aprofundar o entendimento do contexto estudado.

Este artigo tem como objetivo geral apresentar a referida pesquisa na qual procurou-se compreender a visão do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental acerca da produção de desenhos infantis na sala de aula e oferecer instrumentos teóricos para auxiliar a análise e a orientação do professor para o desenvolvimento do desenho discente.

Para atingir os objetivos de pesquisa, elaborou-se um levantamento sobre a prática com desenho infantil do professor do primeiro segmento do Ensino Fundamental e sua formação em artes, formularam-se princípios norteadores para a análise e o desenvolvimento do grafismo infantil com base em algumas categorias da Gramática do Design Visual (GDV) de Kress e Van Leeuwen (2006) e foi elaborado um minicurso para propor ao professor outros caminhos para o trabalho com o desenho em sala de aula.

Esse minicurso foi oferecido no âmbito do Programa de Residência Docente do Colégio Pedro II no câmpus de São Cristóvão. Durante o minicurso, os professores participantes responderam questionários e participaram de interação em um grupo focal. Esses instrumentos abordaram questões sobre a formação do professor em Arte e o uso do desenho em sua prática docente com o objetivo de coletar dados para informar a pesquisa. Além da coleta de dados durante o minicurso, foi proposto aos participantes a análise de desenhos infantis com base nas categorias de análise de imagens propostas na GDV por Kress e Van Leeuwen (2006).

A GDV foi desenvovida por Kress e Van Leeuwen (2006) com base na Gramática Sistêmico-Funcional de Michael Halliday (1994). Ela surge como instrumento para falar e pensar no que é comunicado nas imagens, ou seja, realiza uma análise estruturada das informações transmitidas pelas imagens e pelas composições visuais. Os autores destacam a importância do papel da escola no desenvolvimento da leitura das imagens pela sociedade. Contudo, ainda segundo os autores, a partir dos anos iniciais do Ensino Fundamental a escola inicia a substituição da oferta de imagens pelos textos escritos, além de não valorizar adequadamente a produção de imagens realizadas pelas crianças. As imagens apresentadas nas aulas acabam recebendo função técnica, como mapas e ilustrações científicas. Os autores esclarecem:

Assim, a própria produção infantil de imagens foi canalizada na direção da especialização – longe da "expressão" e em direção à tecnicalidade. Em outras palavras, as imagens não desapareceram, mas se especializaram em sua função (Kress; Van Leeuwen, 2006, p. 16, tradução nossa).

Em conformidade com Kress e Van Leeuwen (2006), concebemos o desenho infantil como a expressão visual das imagens que são observadas no dia a dia das crianças, e que essa expressão não pode ser substituída por um desenho com objetivos técnicos. O professor que valoriza e reconhece a prática da leitura dessas imagens dá a oportunidade de seus alunos adquirirem um maior repertório imagético a ser usado em suas produções.

Para discutir essas questões, organizamos o presente artigo em quatro seções. Na primeira, são apresentados o tema pesquisado, o objetivo da pesquisa e sua justificativa, além de uma breve apresentação da base teórica utilizada. Na segunda seção, “Análise de desenhos a partir da GDV”, é apresentada a construção dos instrumentos de análise de desenho fundamentada em uma das categorias propostas na Gramática do Design Visual de Kress e Van Leeuwen (2006). Na terceira seção, “Olhares sobre o desenho infantil”, temos a descrição de dados sobre a prática docente no uso do desenho infantil na sala de aula. Esses resultados foram coletados por meio dos questionários aplicados e das respostas apresentadas durante a realização da técnica de grupo focal. A última seção deste artigo, “Considerações finais”, é destinada à apresentação das conclusões e reflexões acerca do caminhar e dos resultados da pesquisa.

Análise de desenhos a partir da GDV

Ao observarmos a história, umas das primeiras formas de comunicação do homem não foi por meio da fala, mas utilizando gestos e desenhos. No mundo contemporâneo, em que as redes sociais e os aplicativos de mensagens estão ganhando cada vez mais espaço na maneira como nos comunicamos, o uso das imagens como meio de expressão é cada vez mais frequente.

Se, por um lado, o uso das imagens como forma de comunicação é algo novo para os adultos, para as crianças pequenas se comunicar utilizando imagens é natural. A criança desde pequena se expressa visualmente. O desenho, para ela, representa o seu meio de comunicação com o mundo. De acordo com Kress e Van Leeuwen (2006), o desenho demonstra todo o processo metafórico de criação de signos, de representação e de classificação, envolvendo analogias bastante complexas. Entretanto, a criação de signos, a representação e a classificação não são desenvolvidas pela criança de maneira autônoma, em que ela própria busca o seu conhecimento. É preciso, seguindo o pensamento de Kress e van Leeuwen (2006), oferecer nas escolas atividades que envolvam a semiótica, em que o aluno é levado a produzir, observar, conversar e pensar sobre as imagens. Essa série de atividades leva a criança a internalizar os elementos semióticos e expressá-los em seus desenhos, utilizando novas reorganizações e novas classificações.

Kress e Van Leeuwen (2006) desenvolveram uma obra de análise de imagens chamada Gramática do Design Visual (GDV). A GDV surge como instrumento para compreender, por meio dos elementos representados, o que é comunicado nas imagens, pois eles, de acordo os autores, são passíveis de análise. Segundo Kress e Van Leeuwen (2006, p. 17, tradução nossa),

queremos tratar formas de comunicação que empregam imagens tão seriamente quanto as formas linguísticas. Chegamos a essa posição por causa da agora impressionante evidência da importância da comunicação visual e da agora problemática ausência de meios para falar e pensar sobre o que é realmente comunicado por imagens e pelo design visual.

A Gramática do Design Visual está fundamentada na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF) de Michael Halliday (1994). Halliday, na GSF, compreende a linguagem como um sistema de significados produzidos pelas pessoas para se comunicar em determinado contexto (Halliday, 1994). Partindo desse pressuposto, entende-se que o desenho realizado pelas crianças é uma forma de linguagem que ela utiliza para comunicar suas ideias e pensamentos influenciados pela cultura e pelo meio social ao qual pertence.

Kress e Van Leeuwen pautaram-se nas metafunções da Gramática Sistêmico-Funcional propostas por Halliday (1994) para “compreender de que forma os diferentes modos de representação visual e de relações entre si se tornam padrões” (Fernandes, 2014, p. 92). Halliday, na GSF, apresenta três funções básicas que a linguagem desempenha: ideacional, interpessoal e textual.

Essas três metafunções não se apresentam na língua isoladamente; estão sempre interagindo, em certas ocasiões uma mais do que as outras, mas as três estão sempre sendo utilizadas. Com base nas metafunções de Halliday (1994), Kress e Van Leeuwen (2006) propõem as categorias de análise das informações visuais contidas nas imagens. São elas: representacional, interativa e composicional. No entanto, suas categorias não são iguais às propostas por Halliday (1994): elas se relacionam, mas possuem características diferentes, pois a estrutura textual apresenta elementos diferentes da estrutura visual.

  • Metafunção Representacional - as imagens são analisadas por meio da representação de seus personagens, sejam eles pessoas, lugares ou coisas. Essa metafunção é dividida em duas subcategorias: narrativa e conceitual.
  • Metafunção Interativa - as imagens são analisadas com base na relação entre o participante representado e o seu leitor (participante que está vendo a imagem). Assim, para observar como a imagem está se relacionando com o leitor, Kress e Van Leeuwen (2006) utilizam quatro recursos: contato, distância social, perspectiva e modalidade.
  • Metafunção Composicional - é a maneira como o produtor da imagem organiza todos os elementos visuais da imagem, integrando os elementos representacionais e os interativos, com o objetivo de expressar/comunicar uma mensagem.

Na presente pesquisa, propõe-se uma análise de desenhos na qual utilizamos uma das metafunções propostas por Kress e Van Leeuwen (2006). A metafunção escolhida foi a Composicional. A criança para desenvolver a linguagem do desenho precisa possuir um repertório imagético, composto por diferentes elementos, que juntos, podem ser reorganizados formando novas imagens, novos desenhos.

Partindo desse pressuposto, utilizamos a categoria Composicional, pois ela integra os elementos representacionais e interacionais em um todo significativo. Consideramos, o todo o desenho realizado pelos alunos. Sendo assim, as categorias da metafunção Composicional, se tornaram instrumentos para o professor poder analisar o desenho do seu aluno.

A metafunção Composicional e uma proposta de análise de desenhos

A metafunção Composicional trata da descrição da organização dos elementos em uma imagem, isto é, demonstra a integração dos elementos representacionais e interativos realizada pelo produtor da imagem para que ela tenha sentido. Uma imagem, ao ser analisada, não apresenta somente elementos representacionais ou só elementos interativos; o produtor da imagem acaba integrando-os ao passar ao leitor a sua mensagem. Contudo, além dos elementos citados, Kress e Van Leeuwen (2006) afirmam que a forma como o produtor da imagem os organiza remete a eles valores de informações específicas entre si e possui importância significativa para a compreensão da imagem pelo leitor.

O significado da integração desses elementos é explicado por Kress e Van Leeuwen (2006) a partir de três categorias inter-relacionadas: Valor da informação, Saliência e Enquadramento. Os autores afirmam que essas categorias podem ser aplicadas não só em imagens, mas em espaços que combinam textos e imagens – como propagandas, imagens da TV ou computador. A descrição das categorias que compõem a metafunção Composicional é apresentada a seguir.


Figura 1
: Metafunção Composicional
Fonte: Adaptação de Balbino, 2018.

Valor da informação

É a informação da relação do valor dos elementos. Kress e Van Leeuwen (2006) demonstram que os elementos, de acordo com a sua localização, apresentam certos valores dentro da imagem.

Os elementos localizados à esquerda e à direita na imagem em relação ao leitor possuem valor de informação semelhante. De acordo com Kress e Van Leeuwen (2006), os elementos posicionados à esquerda são considerados dados, ou seja, contêm informações que o leitor já conhece; os localizados à direita são considerados novos, possuem informações ainda desconhecidas pelo espectador, algo a que o espectador deve dar atenção especial. Os autores afirmam que essa disposição de elementos não é algo que ocorra em todas as composições imagéticas; entretanto, são padrões encontrados em diferentes modos de comunicação das culturas ocidentais e que possuem valor para o leitor. Na Figura 2 observamos esse tipo de informação.


Figura 2: Desenho produzido por uma criança de oito anos
Fonte: Acervo pessoal.

Esse desenho é ilustração de livro feito por uma criança que narra a história de dois irmãos que foram para uma floresta mal-assobrada. Observamos os dois irmãos localizados do lado esquerdo (dado) caminhando em direção a um lugar (novo). Percebemos esse tipo de organização em diferentes desenhos de crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental. É comum as crianças representarem objetos ou seus personagens principais do lado esquerdo da composição e, do lado direito, o elemento novo na cena.

Os elementos de uma imagem posicionados em cima e embaixo também apresentam, segundo Kress e Van Leeuwen (2006), valores informacionais. Os elementos dispostos na parte inferior da imagem normalmente representam as informações reais sobre o elemento representado, e os que estão localizados na parte superior demonstram uma informação idealizada ou generalizada. Segundo os autores, essas informações apresentam ao leitor uma sensação de contraste e oposição, pois "a seção superior tende a fazer algum tipo de apelo emotivo e a nos mostrar 'o que pode ser'; a seção inferior tende a ser mais informativa e prática, mostrando 'o que é’” (Kress; Van Leeuwen, 2006, p. 186).

A Figura 3 apresenta os valores informacionais Real/Ideal apresentados por Kress e Van Leeuwen (2006). Observamos na parte inferior do desenho elementos do mundo real da criança, como casas, carros, pessoas... Na parte superior do desenho, um céu com um rosto feliz, balões de corações, dois sóis e um arco-íris bem ao centro. Verificamos em diferentes desenhos infantis a presença de elementos relacionados ao mundo da fantasia na parte superior. Acreditamos que a representação desses elementos resulta de uma influência sociocultural, dado que, em nosso país, temos a crença de relacionar ao céu desejos, representações de algo ideal.


Figura 3: Desenho produzido por uma criança de seis anos
Fonte: Acervo pessoal.

As imagens também podem estar organizadas no centro e na margem. Esse tipo de composição é mais característico nas culturas orientais; entretanto, podemos encontrá-las nos desenhos das crianças.

Quando a imagem possui um elemento principal ao centro e elementos dispostos ao seu redor, esses elementos são nomeados margens. A margens são os elementos que complementam o elemento central e, em muitos casos, são muito semelhantes entre si. De acordo com Kress e Van Leeuwen, as informações do centro e margem podem combinar com as informações horizontais (dado e novo) e verticais (ideal e real).

Saliência

A saliência é o termo utilizado por Kress e Van Leeuwen (2006) para indicar o grau de relevância que um ou mais elementos possuem na imagem observada. Ou seja, são os elementos que mais chamam a atenção do leitor; independente da sua localização, “a saliência pode criar uma hierarquia de importância entre os elementos, selecionando alguns como mais importantes e mais dignos de atenção do que outros” (Kress; Van Leeuwen, 2006, p. 201).

Esse grau de importância dos elementos é adquirido por meio do uso, pelo produtor da imagem, de fatores como: tamanho do elemento; nitidez do foco; contraste tonal (ex.: bordas em preto e branco) e brilho (relação entre luz e sombra); contraste de cores (contraste entre cores intensas e suaves ou entre cores complementares); posicionamento do elemento; perspectiva (objetos localizados no primeiro plano são mais salientes do que os do segundo plano); fatores culturais específicos (símbolos culturais, representação de uma figura humana…) e sobreposição de elementos.

Na Figura 5, observamos um elemento (a fada) chamando mais atenção do que os outros. A criança, ao desenhar a fada, utilizou alguns elementos mencionados por Kress e Van Leeuwen para a parte que ela queria destacar em seu desenho: o tamanho do elemento em relação aos outros elementos que compõem a cena, o contraste de cores – as cores da fada estão mais intensas do que dos outros elementos; e a posição da fada, em primeiro plano, e os outros elementos em segundo.

Figura 5: Desenho produzido por uma criança de seis anos
Fonte: Acervo pessoal.

Enquadramento

O enquadramento, dentro da imagem, se refere à representação da demarcação dos elementos significativos. Eles podem estar conectados ou não, dependendo da intenção do produtor da imagem. Quando quer destacar um elemento ou diferenciar esse elemento dos outros representados, o produtor de uma imagem utiliza a estruturação/moldura para delimitar e destaca-lo dos outros. Esse enquadramento é representado por meio do uso de linhas, cores contrastantes ou de espaços em branco entre os elementos. “Quanto mais forte a estrutura de um elemento, mais ele é apresentado como uma unidade de informação separada” (Kress; Van Leeuwen, 2006, p. 203). Por outro lado, se o produtor da imagem quer que os elementos representados possuam conexão, unidade de informação, ele não usará delimitações.

As crianças, em seus desenhos, utilizam o enquadramento também para destacar algum elemento em seu desenho. Muitas utilizam o contorno dos elementos com linhas pretas ou, em algumas particularidades, criam molduras para destacar certas cenas em sua criação, como observamos na Figura 6. Ao querer destacar os planetas, a criança utilizou como recurso uma moldura para delimitá-los.

Figura 6: Desenho produzido por uma criança de dez anos
Fonte: Acervo pessoal.

A proposta de utilização da categoria Composicional para a análise de desenhos infantis oferece ao professor instrumentos para que ele possa auxiliar seu aluno a refletir sobre o que ele deseja comunicar em sua produção, estimulando assim o desenvolvimento do seu percurso criador.

Olhares sobre o desenho infantil

Nesta seção apresentamos em detalhes a descrição dos dados coletados na pesquisa referentes à prática docente no uso e análise do desenho infantil na sala de aula. A pesquisa, de natureza quanti-qualitativa, foi desenvolvida por meio de um estudo de caso e tem como sujeitos professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental. Optamos por um delineamento de estudo de caso, pelo fato de a pesquisa apresentar o fenômeno estudado dentro de uma realidade específica, em que será utilizada a coleta de diferentes tipos de dados. Além disso, o fenômeno estudado – a utilização do desenho infantil na prática docente – é atual e faz parte do cotidiano escolar. De acordo com Gil (2009), uma das características essenciais do estudo de caso é que ele investiga um fenômeno contemporâneo, ou seja, o objeto de estudo é um fenômeno que acontece no mesmo período em que se realiza a pesquisa.

Os dados foram coletados por meio das respostas a um questionário e das falas dos sujeitos em um grupo focal durante o minicurso O Desenho Infantil: Possibilidades de Análises e Práticas Docentes, aplicado no Programa de Residência Docente (PRD) do Colégio Pedro II - câmpus São Cristóvão, no município do Rio de Janeiro. O questionário tem como propósito analisar como o professor que atua no primeiro segmento do Ensino Fundamental utiliza o desenho em sala de aula, além de recolher informações sobre o seu perfil acadêmico.

O questionário é composto por quatorze questões, sendo dez fechadas e quatro abertas, divididas em três seções: Perfil, Prática e Formação continuada. Foram analisados 20 dos 25 questionários preenchidos pelos participantes do minicurso, pois seus respondentes qualificaram-se como professores do primeiro segmento do Ensino Fundamental.

Na seção Perfil, foram apresentadas perguntas sobre os anos de atuação do professor no primeiro segmento do Ensino Fundamental, sua formação acadêmica e sua formação em Arte. Verificamos que 70% dos professores que participaram do curso (14) lecionam há menos de 10 anos no primeiro segmento do Ensino Fundamental.

Com relação ao nível de formação, nove sujeitos possuíam pós-graduação, dez declararam ter graduação e um declarou possuir Curso Normal (Nível Médio). Dentre os dez professores graduados, três também possuíam Curso Normal. Além de verificar o nível de formação dos sujeitos, perguntamos se eles possuíam formação em Pedagogia, visto que, em muitos sistemas de ensino, a formação em Pedagogia é um dos requisitos para os professores lecionarem nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Dos vinte professores participantes, quinze possuíam graduação em Pedagogia, ou seja, 75% dos participantes.

Sobre a formação em Arte, perguntamos se os pesquisados tinham recebido alguma formação em Arte durante o seu curso de graduação. Notamos que 65% dos sujeitos treze professores, responderam que tinham frequentado uma ou duas disciplinas que envolvem Arte. Todos esses treze professores eram graduados em Pedagogia.

Ao comparar a porcentagem de participantes de nossa pesquisa que não possuem formação em Arte (65%) e a porcentagem de participantes que possuem graduação em Pedagogia (75%), observamos que o conhecimento de Arte, apesar de ser uma linguagem que faz parte do núcleo básico do curso de Pedagogia, ainda não é reconhecido em alguns cursos de Pedagogia.

Na seção do questionário denominada Prática, apresentamos aos participantes da pesquisa perguntas sobre o uso do desenho pelo professor em sua prática escolar.

Ao analisarmos a pergunta “Você utiliza o desenho infantil em sua prática?”, observamos que todos os 20 participantes marcaram a opção SIM. Questionamos o objetivo dessa utilização em quatro opções de respostas predefinidas.  Vimos que 95% dos sujeitos usam o desenho como atividade na qual o aluno, durante a sua produção, tem a oportunidade de desenvolver seu processo de criação. A resposta “Ocupar o aluno que finalizou primeiro a atividade” foi a opção de escolha de um número reduzido de participantes (20%). Essa resposta se refere ao uso do desenho como atividade recreativa, inserida quando não há nenhuma atividade planejada pelo professor e acaba sendo um recurso para os alunos aguardarem os outros colegas finalizarem a sua atividade.

Percebemos que mais da metade dos sujeitos da pesquisa utiliza diferentes propostas para a prática do desenho em sala de aula. Iavelberg (2013) aponta que o desenho produzido pela criança pode começar a partir de diferentes propostas oferecidas pelo professor; segundo a autora, “o importante, sempre, é preservar a natureza da construção e da expressão da criança” (Iavelberg, 2013, p. 103). Ou seja, reconhecer que o desenho produzido pelo aluno é uma produção autoral, que representa o olhar dele sobre suas vivências tanto dentro quanto fora da escola.

Perguntamos aos sujeitos da pesquisa se eles, em sua prática docente, costumam analisar os desenhos produzidos por seus alunos. Verificamos que 85% dos sujeitos afirmaram que analisam os desenhos. A questão seguinte, ainda na seção Prática, se referia à finalidade dessa análise dos desenhos na prática do professor. As respostas dos sujeitos apresentadas nessa questão contribuíram com novos elementos para a análise da pesquisa, pois obtivemos maior clareza de como é realizada essa análise e qual é seu objetivo na prática do professor. A seguir, apresentamos as respostas coletadas. Os professores serão denominados como PROF01, PROF02, PROF03 até PROF20, a fim de preservar as suas identidades.

PROF01- Permitir que o aluno consiga interpretar e verbalizar sua própria produção.

PROF02- Não faço análise crítica.

PROF03- Para analisar suas expressões através dos desenhos, desenvolver a sua oralidade, utilização correta das cores, coordenação motora, para interpretação de história através do desenho e para analisar a sua criatividade.

PROF04- Não respondeu.

PROF05- Peço que expliquem o que desenharam e o porquê de terem desenhado daquela forma. Analisamos juntos.

PROF06- Em busca de informações que às vezes eles não oralizam, mostram através de desenhos.

PROF07- Com a finalidade de observar alguns aspectos: aprendizagem, o emocional, os traços motores.

PROF08- Compreender o desenvolvimento de cada criança.

PROF09- Compreender e conhecer mais a criança e o momento em que ela se encontra.

PROF10- Momento de contato e conversa com a criança sobre o que desenhou, mas não de forma técnica.

PROF11- Conhecer melhor como ele vê a vida, a família e o ambiente em que vive.

PROF12- Analisar suas ideias, sentimentos e interpretação da sua realidade.

PROF13- Sobre o seu desenvolvimento, sua expressão.

PROF14- Para compreensão da questão cognitiva do aluno.

PROF15- Não respondeu.

PROF16- Com ele(a) elaborar o que apareceu no desenho.

PROF17- Analisar as cores utilizadas pelos alunos, assim como os traços.

PROF18- Tentar descobrir a verdade por trás de um sorriso.

PROF19- Percepção de sentimentos, atitudes, comportamentos, pois sempre extravasam no/com o desenho.

PROF20- Busco algum fato que possa estar ocorrendo na vida pessoal, analisar o desenvolvimento do desenho, se está compatível com a faixa etária.

As respostas indicam algumas concepções sobre o desenho infantil utilizadas pelos professores em suas práticas.  Menções como “busca de informações que às vezes eles não oralizam e mostram através de desenhos”, “analisar suas ideias, sentimentos e interpretação da sua realidade” e “percepção de sentimentos, atitudes, comportamentos, pois sempre extravasam no/com o desenho” fazem referência à concepção de desenho com base nas ideias da Escola Nova. Segundo Fusari e Ferraz (2001), os professores que possuem prática pedagógica com base nessa concepção valorizam o estado psicológico das pessoas:

assim, a concepção estética predominante passa a ser proveniente de: a) estruturação de experiências individuais de percepção, de integração, de entendimento sensível do meio ambiente (estética de orientação pragmática com base na Psicologia Cognitiva); b) expressão, revelação de emoções, de insights, de desejos, de motivações experimentadas interiormente pelos indivíduos (estética de orientação expressiva com base na Psicanálise) (Fusari; Ferraz, 2001, p. 32).

Observamos que alguns sujeitos da pesquisa baseiam-se na concepção estética predominante na Escola Nova, demonstrada pelas autoras Fusari e Ferraz (2001). Eles veem o desenho infantil como forma de expressão na qual se pode visualizar algumas emoções e sentimentos referentes às experiências pessoais dos alunos. Além dessa visão, identificamos algumas menções referentes ao uso da análise do desenho com a finalidade de compreender o desenvolvimento cognitivo da criança, outra referência à concepção de desenho com base nas ideias da Escola Nova. Expressões como “compreender o desenvolvimento de cada criança”, “compreensão da questão cognitiva do aluno e sobre o seu desenvolvimento, sua expressão”, apresentadas nas respostas, demonstram a utilização da análise do desenho infantil na identificação de elementos que apontam para as características pertencentes a cada faixa etária discente. Essas características são mencionadas nos estudos de autores que contribuíram para as ideias da Escola Nova, como: Piaget, Lowenfeld e Brittain (1970), Luquet (1968) e Florence Mérediéu (2006).

Referências relacionadas à concepção tradicional do desenho também foram identificadas nas justificativas apresentadas pelos sujeitos. Nas expressões “utilização correta das cores” e “analisar as cores utilizadas pelos alunos, assim como os traços”, percebemos a valorização de padrões estéticos naturalistas, ou seja, se o aluno utilizou as cores dos objetos como as vemos na natureza.

Outra finalidade do desenho infantil descrita pelos sujeitos é a verbalização do aluno sobre o que desenhou, como relatados pelos PROF01, PROF03, PROF05 e PROF10. Muitos professores possuem a prática de perguntar aos seus alunos: O que você desenhou? Essa pergunta muitas vezes induz o aluno a dar uma explicação que, em certos desenhos, ele não possui. Iavelberg (2013) relata que esse tipo de prática acaba afastando o aluno de suas propostas de criação iniciais, pois em muitos momentos ele não deseja oralizar o que desenhou e acaba diminuindo a sua intenção de se expressar artisticamente. Embora 85% dos sujeitos da pesquisa tenham afirmado que costumam analisar os desenhos, apenas 25% dos sujeitos utilizam em sua prática algum referencial teórico para a análise. Os autores citados como referência foram: Emilia Ferreiro, Piaget, Vygotsky, Rudolf Steiner e Nancy Rabelo.

A comparação dos dados demonstra que, embora a maioria dos profissionais da Educação percebam a importância da análise do desenho, poucos detêm os fundamentos para realizar uma efetiva análise dos desenhos dos alunos.

Na última questão do questionário, perguntamos se os professores gostariam de ampliar a sua formação sobre desenho infantil. Todas os 20 questionários analisados responderam afirmativamente e contribuíram para a consolidação do objetivo proposto no minicurso: ampliar a visão e propor outros caminhos para o trabalho docente com desenhos.

Além da aplicação do questionário, a utilização da técnica de grupo focal ao final do minicurso permitiu ao pesquisador obter espaço curto de tempo (Gatti, 2005) uma boa quantidade de informações em um sobre o olhar dos professores em relação à sua prática com o desenho e sua reflexão sobre a proposta de análise apresentada no minicurso com base na GDV.

A técnica de grupo focal foi realizada ao final do minicurso. O objetivo da análise foi compreender, mediante a fala dos professores, a prática docente com o uso do desenho em sala de aula e investigar se o curso aplicado promoveu ampliação do olhar do professor acerca do trabalho e da análise dos desenhos produzidos por seus alunos.

Os participantes desse momento foram os professores regentes do primeiro segmento do Ensino Fundamental que participaram do terceiro encontro do minicurso. Após a organização da sala, apresentamos questões relacionadas ao objetivo da pesquisa (compreender a visão do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental acerca da produção de desenhos infantis na sala de aula) e ao objetivo do curso (ampliar a formação do professor e propor novos caminhos sobre o desenho infantil com base na GDV). As questões explicitadas tinham a finalidade de promover no grupo a discussão e a análise dos temas apresentados no curso, relacionando-os às suas experiências docentes. O modelo utilizado para analisar as falas descritas foi o de Análise de Conteúdo, de Laurence Bardin (1977). Após a seleção do material, realizamos uma leitura flutuante dele, em que iniciamos um recorte inicial dos relatos apresentados no texto e definirmos as unidades de registro, que foram definidas de acordo com o nível semântico, ou seja, utilizamos como critério de recorte temas relacionados aos objetivos da pesquisa e do produto educacional. Segundo Bardin (1977), o tema é usualmente utilizado como unidade de registro em análises de entrevistas individuais ou em grupo, em reunião de grupo, em comunicações em massa etc. Após a leitura das unidades de registro, identificamos os temas comuns e elaboramos as categorias iniciais.

Ao analisarmos as categorias iniciais geradas com base em um primeiro agrupamento das unidades de registro, identificamos temas que poderiam se aglutinar, formando, assim, as categorias intermediárias. O processo de elaboração das categorias finais ocorreu a partir da relação entre uma nova leitura das unidades de registro, das categorias iniciais e das intermediárias, gerando uma nova aglutinação de elementos.

As categorias finais foram: Práticas pedagógicas para o desenvolvimento do desenho infantil; Análise do desenho discente; Formação continuada do professor; Conceito de desenho infantil; Contribuição da Gramática do Design Visual na prática do professor; e Contribuição do curso na formação e práticas docentes.

A categoria Práticas pedagógicas para o desenvolvimento do desenho infantil se refere ao trabalho com o desenho na prática pedagógica do professor e como ele desenvolve a linguagem do desenho discente. Identificamos, nessa categoria, nove unidades de registro que apresentavam relatos dos professores sobre como utilizavam o desenho em sala de aula, como observamos nos trechos a seguir:

PROF06- Quando eu coloco uma criança para fazer um ziguezague com a bola ou entre os cones, ela tem dificuldade para representar isso também no papel.

PROF07- É como você falou na primeira aula, o desenho é uma linguagem. Eles expressam muita coisa, desde a Antiguidade até os dias de hoje. Continuam expressando. Então, como a gente precisa trabalhar isso para ser valorizado na sociedade! A arte e o desenho especificamente.

PROF11- No traçado a gente vê qual é a evolução dele durante o ano. Tem, sim, trabalhinhos, mas tem o portfólio direcionado, que é mais ou menos para a gente verificar como é que está o andamento do traçado, do desenho, da pintura. Se ele vai usar, se ele não vai usar. O que ele está fazendo, porque que ele está fazendo.

Os professores, ao expor o uso do desenho em as suas práticas, apresentaram a utilização de diferentes estratégias para o desenvolvimento do desenho de seus alunos, como: uso de atividades de movimentos corporais com os alunos e depois seu registro através do desenho; elaboração de portfólios e promoção de um espaço dentro da rotina escolar para o aluno desenhar. Sobre o uso de portfólios, Iavelberg (2013) destaca: “como a identidade artística vai se construindo aos poucos, o portfólio é um instrumento importante para compreender essa construção, porque valida a memória do conjunto da produção de cada aluno” (Iavelberg, 2013, p. 37).

O portfólio é um meio importante para que o aluno e seus familiares possam visualizar todo o desenvolvimento do seu percurso criador. Por meio dele, o aluno consegue compreender todas as transformações ocorridas em seu desenho ao longo do ano e refletir sobre a construção da sua identidade artística. Além do portfólio, muitos professores relataram que possuem o hábito de montar exposições com os desenhos dos seus alunos.

Segundo os docentes, essa prática tem como objetivo promover a valorização das produções das crianças junto às suas famílias. Durante o grupo focal, muitos professores relataram a falta de interesse dos parentes em relação aos desenhos produzidos pelos alunos. Entretanto, afirmam que não deixam de incentivar a criança na promoção de sua produção perante a sua família, pois reconhecem a importância do desenho infantil no desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança.

A categoria Análise do desenho discente está relacionada à prática e à utilização do professor de referenciais teóricos para analisar os desenhos realizados por seus alunos. Os trechos a seguir mostram exemplos de como o professor realiza essa prática:

PROF06 -Quem está no desenho, quem não está. Então a gente costuma escrever, quem é esse aqui que está aqui? Aí a gente escreve. Ah, é fulaninho? E o que que o fulaninho está fazendo? Então, assim, tem toda uma pré-linguagem, tem todo um envolvimento tanto para ele desenhar quanto para ele saber o que ele está desenhando. Ele (criança) vai poder interpretar aquilo ali.

PROF13- Quando eu falei para você que na verdade a criança vai desenhar, mas a gente pode também estar perguntando e colhendo dela informações que vão fazer com que ela pense sobre o papel dela social, sobre as questões que ela traz em si.

Em relação à análise do desenho discente realizada pelo professor em sua prática, os professores fizeram menção ao seu ato de registrar por escrito ou oralmente os elementos que aparecem nos desenhos dos seus alunos. Iavelberg (2013) afirma que esse tipo de questionamento conduz o aluno a definir o que desenhou e que, muitas vezes, ele não gostaria de traduzir o que desenhou em palavras. Esse tipo de análise é comum na concepção tradicional de ensino, em que o padrão naturalista predomina no conceito de desenho do professor.

O desenho como meio para estudar o aspecto psicológico da criança está muito presente no conceito de análise de desenho do professor. As unidades de registro a seguir mencionam esse tipo de análise:

PROF13- No desenho observamos tudo o que a criança tem dos arquétipos que ela já traz. De como ela está sendo educada. Tudo isso é discutível dentro do desenho.

PROF17- Eu achava que fosse fazer um curso em que a gente fosse aprender a analisar um desenho da mesma forma que a gente vê na Psicopedagogia, na Psicanálise. Pensei que fosse uma coisa para o lado mais psicológico do desenho.

Muitos professores, durante a técnica do grupo focal, mencionaram que analisam o desenho de seus alunos com o objetivo de encontrar elementos que demonstrem pensamentos e sentimentos que eles não conseguem expressar por meio da fala. A análise do desenho voltada para o auxílio do professor no desenvolvimento do percurso criador de seu aluno não foi citada por eles, que relataram que os livros e textos que possuem sobre o estudo do desenho infantil são de teóricos da Psicologia e desconheciam muitos teóricos apresentados no curso.

A busca por novos conhecimentos e pela ampliação da formação teórica foi citada pelos professores durante a técnica do grupo focal. Identificamos, assim, unidades de registro que definiram a terceira categoria final: Formação continuada do professor. Podemos observar, por meio das unidades de registro selecionadas, o interesse dos professores pelo tema abordado no curso – o desenho infantil.

PROF02- Como eu te falei, eu estou fazendo uma pós que tem a ver com desenho. Assim, esse curso me deu amplos caminhos para pesquisar, para pesquisar muito mais.

PROF05 - Sobre o desenho infantil, não há nenhuma especialização em algum local? Seria muito interessante continuar esses estudos.

PROF06 - E a gente está buscando conhecimento. E quem tem conhecimento ajuda o outro e passa para o outro.

Podemos observar na fala dos professores a sua vontade em procurar continuar o seu processo de formação docente. É importante destacar a compreensão da importância da troca de conhecimentos sobre o desenho infantil realizada entre os professores durante o curso.

Imbernón (2010), na obra A formação dos professores, ressalta a importância da colaboração entre os professores participantes durante as formações continuadas. Segundo o autor, os cursos de formação continuada devem promover uma organização estável em que prevaleça o respeito, a liderança democrática e a participação de todos os membros, para que se consiga uma verdadeira transformação na prática do professor. Da metodologia utilizada no minicurso fizeram parte e enriqueceram todo o seu planejamento a troca de saberes entre os professores e a valorização de suas práticas.

A categoria Conceito de desenho infantil se refere à concepção pessoal do professor sobre o desenho infantil. As unidades de registro a seguir apresentam alguns conceitos mencionados pelos professores:

PROF06- Você vê (desenho) além da questão da função social, você vê a questão do espaço. Uma criança, para que ela comece (desenhar) desde o infantil até que ela chegue a desenhos tão bonitos como os que nós vimos, passa por toda uma trajetória e que também contribui na escrita e na leitura.

PROF13- O desenho é o que ele sente. Na história da humanidade, o desenho já contava as histórias. A escrita só veio depois.

PROF18- Eu tinha uma outra perspectiva em relação ao desenho. Eu fiz um curso de um dia sobre o desenho infantil. Eu comprei um livro, da Nanci Rabelo, sobre arteterapia. Quando eu cheguei aqui, vi o desenho sob uma outra perspectiva.

O conceito de desenho associado aos estudos psicológicos se mantém presente na fala dos professores. Relacionaram o desenho ao conceito de Viktor Lowenfeld (1970), como uma forma de “se adquirir uma ideia mais profunda de seu crescimento, para se compreenderem suas emoções, para sentir a extensão exata de seus interesses, de seus problemas e de suas experiências” (Lowenfeld, 1970, p. 99). Além da ideia de desenho como forma de expressar sentimentos, é importante salientar dois trechos que apresentam visões diversas sobre o conceito de desenho. Em um relato, o professor enfatiza o desenvolvimento do desenho como forma de contribuir no processo de leitura e escrita do aluno. Em outro relato, outro professor ressalta que o desenho não é mais importante que a escrita, e ainda é pouco valorizado pela sociedade.

Faz-se válido assinalar que durante o grupo focal todos os professores demonstraram a relevância e a valorização do desenho produzido pelos alunos em sua prática.

A categoria Contribuição da Gramática do Design Visual na prática do professor refere-se aos possívieis usos das categorias da Gramática do Design Visual apresentadas no minicurso aos professores em suas práticas docentes. As unidades de registro a seguir demonstram algumas contribuições:

PROF02- A gente não vai mais olhar o desenho com o mesmo foco. Vou olhar completamente diferente.            

PROF07- Agora, quando eu pegar o desenho de um aluno, eu vou ver, nossa, tem o dado... Eu vou ver com um outro olhar.

PROF13- Até mesmo aquelas crianças que não falam, que não relatam, como é o caso que você trouxe hoje, o uso da GDV dá a possibilidade de melhorar até a oralidade dela. E tudo o mais.

A Gramática do Design Visual apresenta uma análise estruturada das informações transmitidas pelas imagens e pelas composições visuais. Durante o grupo focal, os professores mencionaram como o estudo das categorias da GDV, principalmente a Composicional, trouxeram novos elementos para a ampliação do seu olhar em relação à análise das imagens observadas em seu dia a dia e principalmente nos desenhos realizados por seus alunos.

A obra Gramática do Design Visual era desconhecida para muitos professores sujeitos da pesquisa, como observamos nos trechos a seguir:

PROF05- Eu não conhecia essa parte de análise do desenho. A GDV vai me ajudar muito.

PROF18- Eu achei a proposta legal, diferente do foco do que a maioria das pessoas estava pensando. Foco que eu não conhecia, como ela falou, autores de quem eu nunca tinha ouvido falar.

Os trechos mencionados acima corroboram os dados apresentados no questionário, no qual identificamos que a GDV não é mencionada como referencial teórico pelos sujeitos da pesquisa.

A última categoria definida nesta análise foi a Contribuição do curso na formação e práticas docentes, em que foram identificadas unidades de registro referentes à contribuição dos conteúdos apresentados no curso à formação dos professores. Um dos objetivos do curso era propor novos caminhos ao professor para o trabalho com o desenho infantil em sala de aula. Desse modo, observamos nos trechos a seguir esse objetivo sendo alcançado.

PROF06- Eu posso fazer uma correlação entre como é inserir a linguagem do movimento e a linguagem do desenho, que é mais uma linguagem.

PROF13- Tem uma coisa que eu aprendi e que eu não vou esquecer mais: eu nunca mais vou perguntar ao meu aluno o que você desenhou. Vou perguntar: me conte sobre o seu desenho.

PROF18- Eu trabalho em uma sala de recursos em Belford Roxo. Eu usei na minha aula o exemplo do primeiro dia da aula que foi a atividade do Perfil. Eu pedi um autorretrato para eles e da família. Eu já mudei totalmente agora o meu conceito de como eles podem fazer, e, peço muito mais desenhos livres.

As propostas práticas oferecidas nas aulas do minicurso foram assimiladas e colocadas em prática pelos professores em suas aulas. Identificamos em algumas falas o uso do trabalho com o desenho relacionado a outras linguagens, como a linguagem corporal. Martins, Picosque e Guerra (1998) ressaltam que “só aprendemos aquilo que, na nossa experiência, se torna significativo para nós”; assim, ao analisar os trechos acima, observamos que a proposta do minicurso em entremear atividades práticas com os seus conteúdos teóricos possibilitou a construção de experiências significativas aos professores.

Os dados analisados apresentam uma descrição acerca da realidade do uso do desenho infantil na prática docente e demonstram a transformação da percepção do professor acerca do seu trabalho e análise do desenho após a sua participação no minicursoA análise dos dados aponta o potencial do curso aplicado na promoção da oferta aos professores, de novos caminhos para o trabalho com o desenho infantil.

Considerações finais

Nas escolas, o desenho é uma atividade que faz parte do planejamento do professor de todos os níveis de ensino da Educação Básica, principalmente na Educação Infantil e no primeiro segmento do Ensino Fundamental. Durante a análise dos dados coletados, observamos que os professores participantes da pesquisa ainda não possuem aprofundamento teórico em relação a essas concepções do desenho, dado que, muitos possuem a graduação em Pedagogia e a oferta de disciplinas ligadas ao ensino da arte na referida graduação ainda possui carga horária pequena ou não existe. Assim, o desenvolvimento de um minicurso direcionado para a ampliação da visão do professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental na compreensão e desenvolvimento do grafismo infantil se tornou pertinente para a nossa pesquisa.

Um dos caminhos propostos no curso foi oferecer aos professores instrumentos para a análise dos desenhos produzidos por seus alunos. Dessa maneira, a Gramática do Design Visual de Kress e Van Leeuwen (2006) foi o referencial teórico utilizado na construção dos instrumentos de análise visual ofertados aos professores, dado que muitos elementos conceituais da GDV dialogavam com nossa concepção de desenho.

Kress e Van Leewen (2006) evidenciam a importância de falar e pensar sobre o que é realmente comunicado nas imagens (Kress; Van Leeuwen, 2006). Acreditamos que a escola tem papel fundamental na oferta de atividades que envolvam o observar, o pensar e o dialogar sobre as imagens. As imagens de revistas, de livros, da Internet, as obras de arte, as fotografias são fontes imagéticas que auxiliam a criança no desenvolvimento do seu desenho, pois contribuem para a obtenção de mais elementos para a sua criação. O uso das metafunções propostas por Kress e Van Leeuwen (2006) para a análise de imagens pode ser feito em outros momentos do planejamento do professor e não somente durante a observação dos desenhos discentes.

Ao apresentarmos as metafunções da GDV no minicurso, percebemos o interesse dos professores em utilizá-las em sua prática docente e em seu cotidiano fora da escola, como na observação de imagens do seu dia a dia e durante visitas a uma exposição. Percebemos uma desconstrução do seu olhar a respeito de sua ideia e prática de análise do desenho e a construção de novas possibilidades sobre sua prática.

Com a coleta dos dados obtidos no curso, adquirimos maior compreensão de como é a prática dos professores participantes da pesquisa em relação ao trabalho com o desenho. Verificamos que a utilização de interpretações psicológicas na análise do desenho discente ainda é muito presente na prática dos professores. Sobre essa prática, Iavelberg (2013) ressalta que o desenho produzido pelas crianças deve ser olhado de acordo com a perspectiva da criança; ela própria atribui significados à sua produção.

A análise do processo criativo do aluno ainda é pouco utilizada na prática do professor. Acreditamos que o aluno é protagonista de sua criação, e o professor que compreende esse protagonismo e possui instrumentos teóricos para o desenvolvimento desse processo criativo terá mais elementos para incentivá-lo a buscar novos caminhos na produção dos seus desenhos.

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MÉREDIÉU, F. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 2006.

Publicado em 29 de agosto de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

LOURO, Camila; MACIEL, Alda Maria Coimbra Aguilar. O desenho infantil no primeiro segmento do Ensino Fundamental: possibilidades de análises e práticas docentes. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 33, 29 de agosto de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/33/o-desenho-infantil-no-primeiro-segmento-do-ensino-fundamental-possibilidades-de-analises-e-praticas-docentes

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