A Educação Física escolar: questões propositivas e curriculares no Amazonas

Deusilane da Costa Anaquiri

Mestra em Ciências da Educação (Universidad San Carlos)

Dora Arguello Núñez

Professora do mestrado em Ciências da Educação da Universidad San Carlos

Quando pensamos em aulas de Educação Física, a maioria dos alunos e alguns professores, especialmente os que não são da área, pensa que se trata de uma disciplina que serve somente para fazer com que os alunos passem um tempo "brincando" e não compreende que há uma importância fundamental para o desenvolvimento do corpo como um todo.

A finalidade do componente curricular de Educação Física, ao longo da história da educação brasileira, passou por objetivos distintos de acordo com a época em estudo, nunca se apresentando como proposta homogênea. Inicialmente, baseando-se nos métodos europeus, preocupava-se com os hábitos de higiene e saúde, na época da Ditadura Militar preocupava-se com a formação de pessoas que fossem capazes de defender o país, caso entrasse em guerra, excluindo os que eram considerados inadequados ao objetivo. Ainda nessa perspectiva militar, nasceu a concepção esportivista, cujo objetivo era selecionar pessoas de acordo com as modalidades esportistas que pretendia-se trabalhar e, mais uma vez, excluía-se as que não se enquadravam no perfil. Portanto, a Educação Física inicialmente era muito restritiva, selecionando pessoas que tinham habilidades e aptidões específicas ao que se pretendia e não se preocupando em desenvolver habilidades visando à saúde.

Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar as questões propositivas e curriculares para o ensino da Educação Física nas escolas do Amazonas. Os resultados mostram que são três documentos oficiais vigentes, utilizados na construção do plano de ensino da Educação Física, o primeiro documento é a Base Nacional Comum Curricular, lançado pelo Ministério da Educação, o Referencial Curricular Amazonense, elaborado por uma equipe multidisciplinar de professores da Educação Básica das redes estadual e municipais para a implementação da BNCC no Amazonas e a proposta curricular do Ensino Médio.

Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o tema mais recorrente na contemporaneidade nos debates educacionais que acontecem em todo território brasileiro. Mesmo assim, muitos educadores ainda trazem indagações sobre o que seja BNCC, a sua importância e o seu objetivo, dentre outros questionamentos.

Para esclarecer algumas das indagações, apresentaremos informações contundentes sobre essa indagação. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o documento que define os conhecimentos essenciais que todos os alunos da Educação Básica têm o direito de aprender.

A BNCC é fruto de uma determinação legal e tem por objetivo contribuir com o trabalho das escolas e seus professores. Ela é o resultado de um longo processo de discussões envolvendo amplos setores da sociedade que lutam para que todos tenham acesso à educação de qualidade, independentemente do local e da condição social em que vivam (Brasil, 2018, p. 7).

Prevista em lei, deve ser obrigatoriamente observada na elaboração e na implementação de currículos das redes de ensino públicas e privadas, urbanas e rurais. Sua homologação foi efetuada em 20 de dezembro de 2017.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (Brasil, 2018, p. 7, grifo do autor).

A BNCC está prevista na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases, nas Diretrizes Curriculares Nacionais e no Plano Nacional de Educação. Ou seja, a proposta de criação de uma base comum curricular não é recente. Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, já se indicava, no artigo 210, a necessidade de se estabelecer conteúdos mínimos para cada nível de ensino, de maneira que se assegurasse uma formação básica comum. Tal aspecto foi ratificado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) e nos documentos oficiais subsequentes, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN).

A importância da BNCC está pautada ao determinar com clareza o que os alunos têm o direito de aprender, ajudando a melhorar a qualidade do ensino e contribuindo para promover a equidade educacional. O principal objetivo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é a equidade na educação, na medida em que garante aos alunos o acesso ao mesmo conteúdo nas escolas de todo o país, ou seja, aquilo que se ensina nas escolas do sul do país também será ensinado nas escolas do norte. Isso significa dizer que a BNCC é um documento de referência nacional.

Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação (Brasil, 2018, p. 8).

Com esse alinhamento, a BNCC visa à oferta de igualdade de oportunidades por meio da definição das aprendizagens essenciais que os alunos precisam desenvolver no decorrer do percurso da Educação Básica. Essas aprendizagens são organizadas em competências e habilidades, direcionando a formação integral de todos os estudantes em suas variadas dimensões. Esse direcionamento está atrelado aos princípios éticos, estéticos e políticos das DCN e da LDBEN e à consolidação de um pacto interfederativo.

Por meio desse pacto, diferentes atores educacionais (a União, os estados, o Distrito Federal, os municípios e as instituições públicas e privadas), consolidam uma atitude de colaboração em prol da almejada equidade, permitindo, também, a participação mais consciente de toda a sociedade no acompanhamento das práticas educativas propostas.

A Base Nacional Comum Curricular é um documento normativo que define os direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para todas as crianças, jovens e adultos em escolas de Educação Básica públicas e privadas de todo o Brasil. Ao definir direitos, define também os deveres: deveres do Estado, dos governos, das famílias, das escolas, dos profissionais da educação e até mesmo os deveres dos estudantes, já que estudar e aprender é também um desafio para eles. Portanto, a BNCC é uma contribuição para a equidade, para a igualdade de oportunidades educacionais (Brasil, 2018, p. 12).

A equidade e a igualdade de oportunidades educacionais tornam-se possíveis se todos, em regime de colaboração, cumprirem seus deveres, ou seja, se cada um fizer a sua parte para conquistar direitos definidos.

No corpo do seu documento, a BNCC contém dez competências gerais que os alunos devem desenvolver durante todas as etapas da Educação Básica. Elas norteiam as aprendizagens em todas as áreas do conhecimento. Os Direitos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil (conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se) representam cinco campos de experiência na Educação Infantil nos quais as interações e as brincadeiras constituem os eixos estruturantes da prática pedagógica: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Essas são as competências específicas de cada área do conhecimento, componentes curriculares do Ensino Fundamental, as quais estão relacionadas às competências gerais. Esses são os conhecimentos e as habilidades que todos os alunos devem desenvolver no Ensino Fundamental, organizados ano a ano por componentes, habilidades que também se relacionam com as competências gerais.

Para que a implementação da BNCC possa acontecer nas redes de ensino e chegar às salas de aula é necessário fazer a revisão curricular das redes e dos projetos políticos-pedagógicos – os PPP das escolas – assim como proporcionar uma formação continuada aos professores e um alinhamento dos materiais didáticos e das matrizes das avaliações.

Enfim, a BNCC espera ser um instrumento de gestão que encaminhe a construção de propostas curriculares em constante reflexão, considerando a diversidade constitutiva e regional do contexto educacional brasileiro. Nesse âmbito, caberá a cada ator educacional definir os melhores caminhos para o processo de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais, enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental (Brasil, 2018, p. 8).

Esse documento é considerado um prumo que pode nivelar as políticas educacionais, deixando claro que só será possível acontecer se governos federal, estadual e municipal estiverem em consonância com as ações para o desenvolvimento educacional, pois pela primeira vez na história do nosso país se constituiu uma Base Nacional Comum Curricular. Além disso, a BNCC pretende estabelecer e reencaminhar as políticas públicas que envolvem a avaliação da Educação Básica, como a produção de materiais didáticos e as práticas de formação inicial e continuada de professores.

Na sequência, estão explicitadas as dez competências que os estudantes da Educação Básica devem adquirir para desenvolver um conhecimento integral, sendo que por meio desse conhecimento eles poderão resolver demandas complexas da vida cotidiana, no pleno exercício da cidadania no mundo do trabalho.

Competências gerais da Base Nacional Comum Curricular

  1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social e cultural para entender e explicar a realidade (fatos, informações, fenômenos e processos linguísticos, culturais, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos e naturais), colaborando para a construção de uma sociedade solidária.
  2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e inventar soluções com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
  3. Desenvolver o senso estético para reconhecer, valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também para participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
  4. Utilizar conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) e/ou verbo-visual (como Libras), corporal, multimodal, artística, matemática, científica, tecnológica e digital para expressar-se e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
  5. Utilizar tecnologias digitais de comunicação e informação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas do cotidiano (incluindo as escolares) ao se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos e resolver problemas.
  6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao seu projeto de vida pessoal, profissional e social, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
  7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.
  8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas e com a pressão do grupo.
  9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de origem, etnia, gênero, idade, habilidade/necessidade, convicção religiosa ou de qualquer outra natureza, reconhecendo-se como parte de uma coletividade com a qual se deve comprometer.
  10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões, com base nos conhecimentos construídos na escola, segundo princípios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários (Brasil, 2018, p. 18-19).

Enfim, a BNCC ao determinar essas competências, reconhece que os conhecimentos educacionais devem garantir valores e estimular ações que possam dar uma contribuição à transformação da sociedade, permitindo que ela seja mais humanitária, justa e comprometida com os cuidados com a Natureza.

Esses conhecimentos e habilidades serão trabalhados em todas as áreas de conhecimentos, levando em consideração, especificamente a Educação Física na BNCC, componente curricular que apresenta a necessidade de se aprofundar na discussão e na reflexão acerca dos avanços que o documento sinaliza. A finalidade é desenvolver as competências preconizadas, sendo um conjunto de habilidades relacionadas a distintos objetos de conhecimento organizados em unidades temáticas.

A Educação Física oferece uma série de possibilidades para enriquecer a experiência das crianças, jovens e adultos na Educação Básica, permitindo o acesso a um vasto universo cultural. Esse universo compreende saberes corporais, experiências estéticas, emotivas, lúdicas e agonistas, que se inscrevem, mas não se restringem, à racionalidade típica dos saberes científicos que, comumente, orienta as práticas pedagógicas na escola. Experimentar e analisar as diferentes formas de expressão que não se alicerçam apenas nessa racionalidade é uma das potencialidades desse componente na Educação Básica (Brasil, 2018, p. 2.012).

Então, o profissional de Educação Física, para desenvolver um trabalho de acordo com o que prega a BNCC, precisa compreender a Educação Física como um componente inserido na área de Linguagens, promovendo atividades didáticas que ajudem os educandos a ler e a produzir manifestações culturais e corporais geradas como textos e contextos formados pela linguagem corporal. Esses aprendizados serão contemplados no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o público-alvo de 1º a 5º ano apresenta características próprias de vida e várias experiências pessoais e sociais, levando em consideração essas experiências é preciso reconhecer a existência de infâncias peculiares, conforme as características da comunidade local em que cada criança esteja inserida, ou seja, a infância no plural, pois a BNCC (Brasil, 2018, p. 224) afirma que,

diante do compromisso com a formação estética, sensível e ética, a Educação Física, aliada aos demais componentes curriculares, assume compromisso claro com a qualificação para a leitura, a produção e a vivência das práticas corporais. Ao mesmo tempo, pode colaborar com os processos de letramento e alfabetização dos alunos, ao criar oportunidades e contextos para ler e produzir textos que focalizem as distintas experiências e vivências nas práticas corporais tematizadas.

Assim, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, as habilidades de Educação Física estão sendo propostas na BNCC organizadas em dois blocos que apresentam os objetos de conhecimento em cada unidade temática.

Quadro 1: Objetos de conhecimento – anos iniciais do Ensino Fundamental - BNCC

Unidades temáticas

Objetos de conhecimento

1º e 2º anos

3º ao 5º anos

Brincadeiras e jogos

Brincadeiras e jogos da cultura popular presentes no cotidiano comunitário e regional

Brincadeiras e jogos populares do Brasil e do mundo

Brincadeiras e jogos da matriz indígena e africana

Esportes

Esporte de marca

Esporte de precisão

Esportes de campo e taco

Esportes de rede/parede

Esportes de invasão

Ginásticas

Ginástica geral

Ginástica geral

Danças

Danças do contexto comunitário e regional

Dança do Brasil e do mundo

Danças de matriz indígena e africana

Lutas

Lutas do contexto comunitário e regional

Lutas de matriz indígena e africana

Práticas corporais de aventura

Sobre os anos finais do Ensino Fundamental, o texto da BNCC contempla uma nova fase de aprendizagem na vida dos alunos por eles terem contato com uma quantidade maior de professores e situações mais complexas de aprendizagem, inclusive de práticas corporais (Brasil, 2018). Contudo, notamos que o início do documento desconsidera os conteúdos tratados nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois poderia se utilizar do momento para fazer um retrospecto das principais contribuições dos conteúdos e das habilidades implicadas na fase anterior de escolarização para, assim, inferir sobre os conteúdos e as habilidades da nova etapa.

As propostas da BNCC (Brasil, 2018) para os anos finais do Fundamental são estruturadas em dois blocos de unidades temáticas e objetos de conhecimento:

Quadro 2: Objetos de conhecimento - anos finais do Ensino Fundamental - BNCC

Unidades temáticas

Objetos de conhecimento

6º e 7º anos

8º e 9º anos

Brincadeiras e jogos

Jogos eletrônicos

Esportes

Esportes de marca

Esportes de precisão

Esportes de invasão

Esportes técnico-combinatórios

Esportes de rede/parede

Esportes de campo e taco

Esportes de invasão

Esportes de combate

Ginásticas

Ginástica de condicionamento físico

Ginástica de condicionamento físico

Ginástica de conscientização corporal

Danças

Danças urbanas

Danças de salão

Lutas

Lutas do Brasil

Lutas do mundo

Práticas corporais de aventura

Práticas corporais de aventura urbana

Práticas corporais de aventura na natureza

Para contemplar esses objetos de conhecimento, o componente curricular de Educação Física deve garantir aos alunos o desenvolvimento das competências gerais, identificadas nas séries finais (6º ao 9º ano) desta forma:

  1. Compreender a origem da cultura corporal de movimento e seus vínculos com a organização da vida coletiva e individual.
  2. Planejar e empregar estratégias para resolver desafios e aumentar as possibilidades de aprendizagem das práticas corporais, além de se envolver no processo de ampliação do acervo cultural nesse campo.
  3. Refletir, criticamente, sobre as relações entre a realização das práticas corporais e os processos de saúde/doença, inclusive no contexto das atividades laborais.
  4. Identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia e discutir posturas consumistas e preconceituosas.
  5. Identificar as formas de produção dos preconceitos, compreender seus efeitos e combater posicionamentos discriminatórios em relação às práticas corporais e aos seus participantes.
  6. Interpretar e recriar os valores, os sentidos e os significados atribuídos às diferentes práticas corporais, bem como aos sujeitos que delas participam.
  7. Reconhecer as práticas corporais como elementos constitutivos da identidade cultural dos povos e grupos.
  8. Usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes de sociabilidade e a promoção da saúde.
  9. Reconhecer o acesso às práticas corporais como direito do cidadão, propondo e produzindo alternativas para sua realização no contexto comunitário.
  10. Experimentar, desfrutar, apreciar e criar diferentes brincadeiras, jogos, danças, ginásticas, esportes, lutas e práticas corporais de aventura, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo (Brasil, 2018, p. 223).

Pode-se dizer que o Ensino Médio passou por uma reforma instituída como forma de lei e foi colocada em destaque nos meios de comunicação por meio das propagandas com o intuito de defender a proposta do protagonismo juvenil. Essa proposta causa, até os dias atuais, muita polêmica por se tratar de uma proposta baseada na experiência de outros países.

Toda a propaganda feita pelo Ministério da Educação (MEC) tinha como objetivo colocar em evidência o protagonismo juvenil, uma nova estrutura de ensino que leva em consideração a maturidade do jovem do Ensino Médio, com condições de optar por estudar as disciplinas que têm relação com a profissão que ele deseja seguir.

Essa nova estrutura do Ensino Médio, além de ratificar a organização por áreas do conhecimento – sem desconsiderar, mas também sem fazer referência direta a todos os componentes que compunham o currículo dessa etapa –, prevê a oferta de variados itinerários formativos, seja para o aprofundamento acadêmico em uma ou mais áreas do conhecimento, seja para a formação técnica e profissional. Essa estrutura adota a flexibilidade como princípio de organização curricular, o que permite a construção de currículos e propostas pedagógicas que atendam mais adequadamente às especificidades locais e à multiplicidade de interesses dos estudantes, estimulando o exercício do protagonismo juvenil e fortalecendo o desenvolvimento de seus projetos de vida (Brasil, 2018, p. 468).

Levando em consideração todas essas mudanças em andamento, surgem várias dúvidas e questionamentos sobre a não obrigatoriedade das disciplinas, inclusive a disciplina de Educação Física. Será que ela não estará perdendo seu espaço de alguma forma sem essa obrigatoriedade? Na BNCC, a Educação Física do Ensino Médio está inserida na área de Linguagens e suas Tecnologias, mas a sua função não aparece explícita no texto, deixando transparecer uma certa desvalorização do aprendizado da disciplina.

Enfim, ao se fazer uma análise crítica sobre os pressupostos da BNCC para o Ensino Médio no que se refere à disciplina de Educação Física, nota-se que pouco contribuirá para a aquisição de competências e habilidades ou para a emancipação dos estudantes, perdendo com isso o seu espaço e o seu valor na formação dos alunos.

Referencial Curricular Amazonense do Ensino Fundamental - anos finais

O Referencial Curricular Amazonense foi elaborado por uma equipe multidisciplinar de professores da Educação Básica das redes estadual e municipal que se formou a partir da constituição da Comissão Estadual de Implementação da BNCC no Amazonas, Portaria nº 242/2018, do Diário Oficial de 21 de fevereiro de 2018, com suporte do Programa de Apoio à Implementação da BNCC (Pro BNCC), Portaria MEC nº 331, de 05 de abril de 2018 (Amazonas, 2018, p. 18).

Esse documento foi estruturado a partir das orientações da BNCC, base que entende que os estudantes devem se desenvolver por meio de competências e habilidades, com formação contínua, em consonância com os conhecimentos teóricos e práticos. O RCA do Ensino Fundamental, da mesma maneira que a BNCC, compreende cinco áreas do conhecimento que beneficiam a comunicação entre os conhecimentos e os saberes dos diferentes componentes curriculares: Linguagens (Língua Portuguesa – LP, Arte – AR, Educação Física – EF, Língua Inglesa – LI); Matemática – MA; Ciência da Natureza (Ciências – CI); Ciências Humana (Geografia – GE, História – HI); Ensino Religioso (Ensino Religioso – ER).

Em conformidade com a BNCC, o RCA determina que cada área de conhecimento estabeleça suas competências específicas e seu desenvolvimento deve ser ofertado durante os nove anos do Ensino Fundamental. Essas competências específicas propiciam a articulação entre as áreas, englobando todos os componentes curriculares, contando também com a articulação vertical, que é a progressão entre os anos iniciais e os anos finais do Ensino Fundamental.

Com o componente dividido em unidades temáticas, cada uma das unidades temáticas envolve uma sequência de objetos de conhecimentos, compreendidos como conteúdo, conceitos e processos, e cada objeto corresponde a diferentes habilidades, trabalhadas de forma sequencial e progressiva, horizontal e verticalmente a cada ano de ensino (Amazonas, 2018, p. 20).

O componente Educação Física, há mais de um século, vem construindo uma história pelo mundo. Essa história foi construída com base nos jogos, nos esportes, nas danças, todos ligados sempre ao corpo e seus movimentos.

Possui uma tradição e um saber-fazer ligados ao jogo, ao esporte, à luta, à dança e à ginástica, e, a partir deles, tem buscado a formulação de um recorte epistemológico próprio. O trabalho na área da Educação Física tem seus fundamentos nas concepções socioculturais de corpo e movimento, e a natureza do trabalho desenvolvido nessa área se relaciona estreitamente com a compreensão que se tem desses dois conceitos (Amazonas, 2018, p. 317).

Assim, a disciplina Educação Física é a área de estudo que oferece inúmeras possibilidades que contribuem para fortalecer a experiência de todos os estudantes da Educação Básica, oferecendo ferramentas para o aluno adentrar em um universo cultural de saberes corporais, experiências estéticas, afetivas, lúdicas e agonistas que se inscrevem. Esse universo cultural de saberes corporais oferece a oportunidade aos alunos de uma formação autônoma, por meio de contextos de lazer e saúde.

No RCA, assim como na BNCC, dispõe-se que cada uma das práticas corporais tematizadas compõe uma das seis unidades temáticas abordadas nas séries dos anos finais: brincadeiras e jogos; esportes; ginásticas; danças; lutas e práticas corporais de aventura. Cada uma das unidades temáticas apresenta seus próprios objetos de conhecimento.

As unidades temáticas de Brincadeiras e jogos, Danças e Lutas estão organizadas em objetos de conhecimento conforme a ocorrência social dessas práticas corporais, das esferas sociais mais familiares (localidade e região) às menos familiares (esferas nacional e mundial). Em Ginásticas, a organização dos objetos de conhecimento se dá com base na diversidade dessas práticas e nas suas características. Em Esportes, a abordagem recai sobre a sua tipologia (modelo de classificação), enquanto Práticas corporais de aventura se estrutura nas vertentes urbana e na natureza. Ressalta-se que as práticas corporais na escola devem ser reconstruídas com base em sua função social e suas possibilidades materiais. Isso significa dizer que as mesmas podem ser transformadas no interior da escola. Por exemplo, as práticas corporais de aventura devem ser adaptadas às condições da escola, ocorrendo de maneira simulada, tomando-se como referência o cenário de cada contexto escolar (Amazonas, 2018, p. 321).

Vale ressaltar que é imprescindível que as práticas corporais no ambiente escolar devam ser disseminadas pelos profissionais de Educação Física, considerando sempre a sua função social e as suas possibilidades materiais. Salientando que a organização das unidades temáticas se baseia na compreensão do caráter lúdico dessas práticas. Enfim, mesmo brincando, jogando, dançando, praticando esportes, elaborando ginásticas e desenvolvendo atividades de aventura em lugares urbanos ou em ambientes da natureza, os alunos desenvolvem conhecimentos lógicos que contribuem para a aquisição de outras competências e habilidades.

Proposta Curricular do Ensino Médio

Como até o presente momento ainda não foi homologado o Referencial Curricular Amazonense do Ensino Médio, o documento norteador dessa fase de ensino continua sendo a Proposta Curricular do Ensino Médio.

O texto da proposta afirma que nos últimos anos a educação formal do nosso país está passando por transformações contundentes. Essas mudanças estão acontecendo com a intenção de atender às novas exigências sociais, culturais, políticas e econômicas que ocorrem na sociedade brasileira, por causa do processo de globalização.

Essa nova postura das instituições educacionais visa oferecer a todos os estudantes uma qualidade de ensino que propicie a autonomia intelectual, aumentando a capacidade dos estudantes de enriquecer seus conhecimentos de forma integral.

A proposta é que os educandos possam posicionar-se de maneira crítica, ética, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o conhecimento como instrumento para mediar conflitos e tomar decisões; e, assim, perceberem-se como agentes transformadores da realidade social e histórica do país, identificando as características estruturais e conjunturais da realidade social e as interações entre elas, a fim de contribuírem ativamente para a melhoria da qualidade da vida social, institucional e individual; devem, ainda, conhecer e valorizar a diversidade que caracteriza a sociedade brasileira, posicionando-se contra quaisquer formas de discriminação baseada em diferenças culturais, classe social, crença, gênero, orientação sexual, etnia e em outras características individuais e sociais (Amazonas, 2012, p. 16).

A função das escolas do Brasil deixou, portanto, de formar somente indivíduos aptos para atuar no mercado de trabalho (como no período da educação bancária). Oposta ao modelo de educação bancária está a Educação Construtivista,  visando a formação de cidadãos com conhecimentos plenos que os deem competências intelectuais para se tornarem pessoas aptas a mediarem os mais diversos conflitos provenientes do meio social, capazes de cursar um Ensino Superior, além de serem indivíduos ativos, transformadores da sociedade. Para que as escolas ofertem o Ensino Médio e tenham respaldo legal para o desenvolvimento dessa proposta educacional, contam com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), que descreve, no artigo 35, os princípios norteadores desse nível de ensino:

O Ensino Médio, etapa final da Educação Básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

A Proposta Curricular do Ensino Médio compreende as quatro áreas de conhecimento, presentes na base nacional comum dos currículos das escolas de Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências da Natureza e suas tecnologias e Ciências Humanas e suas tecnologias.

A disciplina de Educação Física está contemplada na área de Linguagens, Códigos e suas tecnologias, uma disciplina obrigatória do currículo cuja função é a de tratar da cultura corporal de forma ampla.

Na atualidade, compreende-se a Educação Física como disciplina obrigatória do Currículo Escolar a partir da LDB nº 9.394/96, que deve tratar da cultura corporal num sentido amplo, cuja finalidade é a de inserir e a de envolver o educando na realidade proposta, formando-o enquanto cidadão que irá produzir e também transformar essa cultura no seu ambiente. Esses avanços e compreensões surgiram a partir da análise histórica da Educação Física no Brasil.

Nessa visão atual, os educadores de Educação Física devem trabalhar no educando competências e habilidades que os façam se apropriar dos conhecimentos teóricos necessários para utilizarem jogos, danças, esportes, lutas e ginásticas, promovendo a melhoria da sua qualidade de vida e de seu bem-estar. Com isso, o objetivo da disciplina mudou, pois nas visões passadas existia somente a preocupação com a repetição gestual dos segmentos corporais, sem nenhuma compreensão do corpo.

Objetivo geral do componente curricular: compreender a corporeidade, por meio de estudos e discussões, oportunizando práticas de conhecimento e de domínio do próprio corpo, atendendo as necessidades de transformações do mundo globalizado, considerando questões de cidadania, de cooperação e de inclusão social (Amazonas, 2012, p. 33).

O objetivo da disciplina é contribuir para que os cidadãos passem a adotar uma nova postura em relação ao seu próprio corpo. Enfim, a Educação Física, no Ensino Médio, possui características próprias e conhecimentos específicos da área, que devem levar sempre em consideração a fase vivenciada pelos alunos.

Considerações finais

Levando em consideração os currículos, esse documento norteador da educação serve como referência para a construção e para a adaptação dos currículos de todas as redes de ensino. As redes e escolas têm autonomia para elaborar, por meio do currículo, metodologias de ensino, abordagens pedagógicas e avaliações, incluindo elementos da diversidade local, apontando temas e disciplinas que se relacionam. Dessa forma, a BNCC e currículo possuem papéis complementares, pois a Base oferece o rumo da educação, mostrando aonde chegar, já os currículos desenham os caminhos que devem ser percorridos até essa educação.

Referências

AMAZONAS. Secretaria de Estado da Educação. Referencial Curricular Amazonense - Educação Física (RCA). Manaus: SEE, 2018.

AMAZONAS. Secretaria de Estado da Educação. Proposta Curricular do Ensino Médio. Manaus: SEE, 2012.

BNCC na prática. São Paulo: FTD, 2018.

BRASIL. MEC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014.

BRASIL. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

BRASIL. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997.

PEREIRA, Lorhena Alves. Referencial curricular amazonense e a Educação Física: uma política em discussão. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2021. Disponível em: https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8439.

PEREIRA, Lorhena Alves Pereira; BARROS, João Luiz da Costa. A Educação Física no referêncial curricular amazonense: aspectos para discussões. In: MASCARENHAS, Suely Aparecida do Nascimento; PINTO, Valmir Flores. Ensino, cidadania e inclusão: ecos do século XXI. Manaus: Edua; São Paulo: Alexa Cultural, 2021. Disponível em: https://www.academia.edu/74380184/Ensino_Cidadania_e_Inclus%C3%A3o_ecos_do_s%C3%A9culo_XXI.

Publicado em 05 de setembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

ANAQUIRI, Deusilane da Costa; NÚÑEZ, Dora Arguello. A Educação Física escolar: questões propositivas e curriculares no Amazonas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 34, 5 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/34/a-educacao-fisica-escolar-questoes-propositivas-e-curriculares-no-amazonas

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