Ensino de língua inglesa no contexto da deficiência visual: experiências formativas no 6º ano do Ensino Fundamental

Diego Fernandes Coelho Nunes

Estudante do curso de aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva da Fundação Cecierj

Ellem Coimbra

Mediadora do curso de aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva da Fundação Cecierj

Em minha jornada ainda recente na docência da Língua Inglesa, passei por diferentes espaços formativos como escolas públicas municipais, colégios de aplicação, institutos federais e instituições de Ensino Superior públicas e privadas. Tais experiências me ajudaram a construir o entendimento de que o ensino de Língua Inglesa precisa ser contextualizado, com vistas a compreender a língua como prática social, a qual é mediada por diferentes textos e ajuda no desenvolvimento de cidadania dos estudantes (Nunes, 2016).

Embora já tenha tido estudantes com deficiência em sala de aula enquanto lecionava, ainda não havia me deparado com a necessidade de repensar minhas práticas pedagógicas. Porém, em setembro de 2021, ao retornar ao Rio de Janeiro depois de uma temporada no Sul da Bahia, agora como docente do Instituto Benjamin Constant (IBC), uma instituição especializada no atendimento e ensino para pessoas com deficiência visual (DV), percebi que era preciso (re)aprender a ensinar a Língua Inglesa.

Neste relato de experiência, apresento nuances pouco discutidas no ensino-aprendizagem da Língua Inglesa no contexto da educação pública. Como objetivo principal, almejo compartilhar experiências sobre como ensinar inglês no Instituto Benjamin Constant, tendo como base o trabalho com uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental com aproximadamente 10 estudantes com DV e outras deficiências associadas. Acredito, ainda, que, mesmo que o IBC seja um ambiente específico de ensino em termos de Educação Especial Inclusiva, as discussões aqui propostas podem ajudar na reflexão e no trabalho de professores e professoras de Língua Inglesa para pessoas com deficiência visual em escolas regulares de ensino.

Quiz time!

Existem diferentes respostas para a pergunta "por que aprender inglês?". A mais comum delas está associada ao mercado de trabalho. Muitas pessoas ainda acreditam que ter conhecimento de uma língua adicional como o inglês é sinônimo de ter bom emprego ou garantir melhores oportunidades profissionais. Essa crença, embora não seja falsa, não deve ser entendida como a única razão para se aprender o idioma.

Minha perspectiva de ensino da Língua Inglesa, enquanto docente, está baseada no entendimento de que saber inglês oportuniza experiências outras que não poderiam ser concretizadas apenas em língua portuguesa. De igual forma, a língua inglesa, como língua franca (BNCC, 2018), isto é, como sendo uma língua falada internacionalmente e uma das principais na construção de saberes científicos, políticos e em áreas como saúde e entretenimento, além de possibilitar o acesso a diferentes discussões, ajuda na construção cidadã dos indivíduos, visto que pode ampliar seu agir em sociedade.

Nesse contexto, no ano de 2022 construí saberes em Língua Inglesa com uma turma de sexto ano muito animada, a Turma 607, constituída de cerca de 10 estudantes com deficiência visual. Alguns possuem baixa visão, outros cegueira congênita. Além disso, nessa turma existem estudantes com deficiências associadas à DV, como TEA e deficiência intelectual. Inicialmente, por conta de o cenário ser incomum aos contextos antes vivenciados por mim, tive bastante dificuldade em entender como poderia ser desenvolvido o trabalho.

Ao longo de alguns meses e tentativas não tão bem-sucedidas, percebi que os estudantes da Turma 607, por terem déficit de concentração e apresentarem memória curta para discussões ou textos (orais e escritos) muito longos, gostavam de atividades com questões que trabalhavam vocabulário. À luz disso, me debrucei em um trabalho com construção de repertório lexical que tinha relação direta com o cotidiano deles: cores, animais, família, disciplinas escolares, idiomas, alimentos saudáveis e não saudáveis, indo ao encontro das habilidades EF06LI16 – Construir repertório relativo às expressões usadas para o convívio social e o uso da língua inglesa em sala de aula; e EF06LI17 – Construir repertório lexical relativo a temas familiares (escola, família, rotina diária, atividades de lazer, esportes, entre outros), propostas para o 6º ano, no eixo Conhecimentos Linguísticos (Brasil, 2018, p. 250-251). Desse jeito, conforme a receptividade ao aprendizado de novas palavras em língua inglesa aumentava, introduzi verbos como to like, to love, to hate, to speak, bem como wh-questions como what, de modo que pudéssemos, então, construir interações mais "robustas" em Língua Inglesa com perguntas como What color do you like?, além de podermos usar o simple present para perguntar e responder.

Pelo trabalho com diferentes vocabulários, decidi perguntar à turma o que ela achava de realizar um tipo de ditado que ocuparia o lugar de uma das avaliações do 3º bimestre. Tamanha foi a receptividade de aceitação da proposta que fiquei empolgado. À época, estávamos estudando o verbo to speak e os idiomas English, Portuguese, Japanese, Spanish, German e French. Com base nisso, criei um áudio com tais palavras e exemplos de frases interrogativas, afirmativas e negativas e compartilhei com os responsáveis para que os estudantes pudessem estudar em casa antes da avaliação.

No dia do ditado, construímos um momento interativo com o vocabulário estudado, perguntando e respondendo uns aos outros. Ao final da avaliação, todos estavam felizes com a discussão e seus desempenhos.

Considerações finais

A experiência aqui relatada tem me ajudado a testificar que o ensino (de Língua Inglesa) no âmbito da deficiência visual (DV) precisa levar em consideração o contexto dos estudantes, assim como seus objetivos, características e deficiências (associadas). Além disso, oportunizou a construção do entendimento de que não são meus estudantes que precisam se adequar a minhas propostas em sala de aula, mas eu que, enquanto docente, por meio de uma escuta sensível (MACIEL, 2021), preciso me adequar a eles.

Parafraseando Medrado (2014), acredito que são muitos os desafios que se apresentam no ensino para pessoas com DV, principalmente os relacionados à formação docente para tal cenário; entretanto, vislumbro múltiplos caminhos de diálogo e ações, como a relatada aqui, que podem ajudar na promoção de novas possibilidades para o ensino (de Língua Inglesa) para pessoas com DV.

Portanto, penso ainda ser primordial a colaboração com os estudantes (Miller et al., 2008), de modo que se possa construir propostas de ensino que atendam seus interesses e ajudem na construção de espaços mais acolhedores e momentos mais significativos de aprendizagem.

Referências

BRASIL. MEC/SEB. Base Nacional Comum Curricular. Versão Final. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 2 nov. 2022.

MACIEL, B. S. A. Quando "todo mundo aprende com todo mundo": nos encontros, oportunidades de formação mútua. 2021. 260f. Tese (Doutorado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/53447/53447.PDF. Acesso em: 2 nov. 2022.

MEDRADO, B. P. (org.). Deficiência visual e ensino de línguas estrangeiras: políticas, formação e ações inclusivas. Campinas: Pontes, 2014.

MILLER, I. K. et al. Prática exploratória: questões e desafios. In: GIL, G.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (org.). A formação do professor de línguas: os desafios do formador. Campinas: Pontes, 2008. p. 145-165.

NUNES, D. F. C. N. "Eu não vou usar isso na minha vida mesmo": reflexões sobre o porquê de se aprender inglês de uma turma de 6º ano. Cadernos da Educação Básica, v. 1, nº 2, p. 145-154, 2016. Disponível em: http://cp2.g12.br/ojs/index.php/cadernos/article/view/802. Acesso em: 2 nov. 2022.

Publicado em 05 de setembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

NUNES, Diego Fernandes Coelho; COIMBRA, Ellem. Ensino de língua inglesa no contexto da deficiência visual: experiências formativas no 6º ano do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 34, 5 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/34/ensino-de-lingua-inglesa-no-contexto-da-deficiencia-visual-experiencias-formativas-no-6-ano-do-ensino-fundamental

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