Prática teatral para a educação das crianças – algumas contribuições pedagógicas

Cleibiane Susi Peixoto

Graduada em Pedagogia (UFG) e em Matemática (UNIP), mestra em Educação Matemática (Uniube), doutoranda em Educação Matemática (Unesp - câmpus Rio Claro)

Cleiliane Sisi Peixoto

Graduada em Letras/Língua Portuguesa (UFG), doutora em Estudos Linguísticos (Unesp), professora de Linguística e Língua Portuguesa no IFG - câmpus Goiânia

Luciana Costa Loureiro

Graduada em Educação Artística (UnB), especialista em Docência para a Educação Profissional e Tecnológica, dramaturga, atriz e educadora

O ensino do Teatro está cada vez mais presente nas escolas brasileiras. Essa prática pedagógica pode ser observada por meio do aprimoramento da legislação, que trata de modo cada vez mais específico do ensino das Artes Cênicas na escola e pela procura de profissionais gabaritados para o ensino dessa área de conhecimento.

O Teatro na escola não tem o objetivo de formar atores e atrizes para o mercado de trabalho, mas desenvolver habilidades expressivas, assim como desenvolvimento pessoal, competências relacionais, criatividade e capacidade de se adaptar a situações diversas. Além disso, é necessário identificar elementos constitutivos da linguagem, como cenários, figurinos, maquiagem, entre outros, além do modo como o Teatro vem sendo realizado ao longo do tempo em diversas culturas. O que interessa a este trabalho são as contribuições dadas ao desenvolvimento de crianças em fase de escolarização e a maneira como os saberes relacionados ao seu ensino estão dispostos na legislação educacional brasileira.

Assim, este estudo decorre de uma prática interventiva realizada na disciplina Arte e Educação, ministrada para alunas do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia, do câmpus São Sebastião, do Instituto Federal de Brasília. A opção pelo Teatro, como intervenção pedagógica, parte da observação de que em toda a grade horária do curso de Pedagogia, apenas 80h são dedicadas ao ensino da Arte. O componente curricular é oferecido a discentes do 4° período e conta com a seguinte ementa:

O ensino da arte no Brasil: um breve panorama. Educação estética - a educação dos sentidos. A importância do conhecimento estético na formação humana. A escola assumindo a educação estética como central e fundamental no processo de mediação cultural. Leitura de imagens: alfabetização visual com a finalidade de discutir as práticas do olhar, de produção, circulação e construção de sentidos atribuídos às imagens (IFB, 2016, p. 55).

Ao analisar a ementa, observou-se que a proposta pedagógica da disciplina Arte e Educação restringe-se apenas ao ensino das Artes Visuais. Desse modo, optou-se por basear a prática interventiva do Teatro para que as alunas do 4º período pudessem experienciar esse tipo de linguagem e futuramente ensiná-la aos discentes. Nessa medida, portanto, este estudo pode contribuir com a prática pedagógica de docentes em processo de contínua formação.

Embora tenha sido realizada remotamente, devido à necessidade de isolamento social imposta pela pandemia da covid-19, a proposta de intervenção foi calorosamente recebida pela professora regente e pelas alunas do curso.

Este trabalho pretende abordar o desenvolvimento dessa prática interventiva realizada e encontra-se organizado do seguinte modo: na seção "Fundamentação teórica", serão abordados os princípios norteadores do ensino do Teatro nas escolas. Na seção 2, apresenta-se a "Disciplina e conteúdos trabalhados" e na seção 3 abordam-se os "Objetivos da prática interventiva", geral e específicos. Na seção 4, temos a "Metodologia", com a descrição de todas as fases de desenvolvimento da prática interventiva. Na seção 5, apresentam-se os "Resultados esperados" com a realização da prática. A seção 6 descreve a "Proposta de avaliação da prática interventiva" e, por fim, na seção 7, aborda-se a "Discussão dos resultados", seguida das "Considerações finais".

Fundamentação teórica

A prática artística vem ganhando cada vez mais importância nos currículos da Educação Básica no Brasil. O ensino da Arte, voltado às crianças e aos adolescentes brasileiros, começou a acontecer por meio de oficinas livres, sendo oferecido como atividade extracurricular em escolas especializadas. Com a promulgação da Lei n° 5.692/71 (Brasil, 1971), passou a ser disciplina obrigatória no currículo escolar, como se observa no texto da lei:

Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1° e 2° graus, observado quanto à primeira o dispositivo no Decreto-Lei n° 869, de 12 de setembro de 1969 (Brasil, 1971).

Nessa primeira legislação, não se evidencia a peculiaridade de cada linguagem artística, por isso, na escola, ela é abordada de modo bastante generalista. Dessa forma, o Teatro pode fazer parte dos currículos ou não. Não obstante, convém ressaltar a importância dessa lei para a introdução formal da Arte nos currículos da Educação Básica e a obrigatoriedade de haver corpo docente especializado para o desenvolvimento desse componente curricular. 

Cabe ressaltar que foi a Lei nº 9.394, de 1996, (Brasil, 1996) que estabeleceu o seu ensino como uma área específica de conhecimento, como pode ser lido no texto da lei, em seu Art. 26: "As artes visuais, a dança, a música e o teatro são as linguagens que constituirão o componente curricular de que trata o § 2º deste artigo" (Brasil, 1996).

A distinção dos componentes curriculares, definida pela Lei nº 9.394/96, deu origem a outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), criados em 1997, que norteiam a prática pedagógica dos professores, bem como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), publicada em 2017 e atualizada em 2022, que estabelece um currículo comum para toda a Educação Básica no Brasil.

Os documentos acima são citados neste trabalho por dois motivos: i) por ser importante compreender como a legislação brasileira determina a maneira como as Artes Cênicas devem ser ensinadas aos estudantes brasileiros e ii) por ser a base da intervenção pedagógica realizada junto às alunas do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia.

Os PCN (1997) apresentam o Teatro como uma arte historicamente importante, com origem na Grécia Antiga, definido como um importante meio expressivo e comunicativo. Esse documento observa que o ato de dramatizar vai além de uma expressão individual, contribuindo de maneira significativa para o desenvolvimento da coletividade.

Dramatizar não é somente uma realização de necessidade individual na interação simbólica com a realidade, proporcionando condições para um crescimento pessoal, mas uma atividade coletiva em que a expressão individual é acolhida. Ao participar de atividades teatrais, o indivíduo tem a oportunidade de se desenvolver dentro de um determinado grupo social de maneira responsável, legitimando os seus direitos dentro desse contexto, estabelecendo relações entre o individual e o coletivo, aprendendo a ouvir, a acolher e a ordenar opiniões, respeitando as diferentes manifestações, com a finalidade de organizar a expressão de um grupo (Brasil, 1997, p. 57).

O entendimento de que o Teatro é uma linguagem artística que contribui para o desenvolvimento pessoal e estimula a apreensão simbólica da realidade, está de acordo com a abordagem da BNCC (Brasil, 2022), que, entre outras habilidades, destaca que o fazer teatral possibilita a troca de experiências entre os alunos, além de aprimorar a percepção estética, a imaginação, a consciência corporal, a intuição, a memória, a reflexão e a emoção.

Além da ênfase dada à importância do fazer teatral para o desenvolvimento cognitivo e social dos estudantes, tanto os PCN quanto a BNCC orientam a maneira como a disciplina deve ser ministrada pelos professores. Como a intervenção pedagógica foi aplicada para alunas do curso de Licenciatura em Pedagogia que trabalham com a Educação Infantil e com os anos iniciais, este trabalho se concentra nas competências e nas habilidades dispostas na BNCC (2022) como orientadoras dos professores desses segmentos.

No âmbito da Educação Infantil, a BNCC não divide o conhecimento por disciplina, mas por campos de experiência vivenciados de maneiras diferentes de acordo com a faixa etária. Não é a intenção deste trabalho destacar todos os pontos de correspondência entre a BNCC e o ensino do Teatro, pois para isso seria necessário um tempo maior de estudo e de análise. Cabe observar como a metodologia desse ensino está presente desde os primeiros anos na educação.

De acordo com a BNCC, essa habilidade pode ser desenvolvida por crianças na faixa etária dos 4 aos 5 anos de idade, mediante a prática de recontar histórias ouvidas e/ou planejar coletivamente roteiros de vídeos e de encenações, definindo contextos, personagens e estrutura da história.

Por meio da recontagem de histórias, a criança desenvolve entendimento do que é vivido e pode compartilhar suas ideias e sentimentos coletivamente. Ao longo do processo de escolarização, ela desenvolve novas capacidades, aprimorando habilidades anteriormente trabalhadas. A BNCC direciona essa habilidade aos anos iniciais do Fundamental I para o sentido de se experimentar um trabalho colaborativo e autoral, com improvisações teatrais e processos narrativos criativos, no propósito de explorar a teatralidade dos gestos das ações do cotidiano até elementos de diferentes matrizes estéticas e culturais.

O aluno que na Educação Infantil é capaz de narrar histórias e definir personagens deverá, durante o Ensino Fundamental I, criar improvisações teatrais, ou seja, não será pedido apenas que ele construa encenações, mas que reaja a diferentes estímulos por meio do improviso. O aluno também precisará partir de diferentes matrizes estéticas e culturais, com repertório ampliado.

Uma das grandes teóricas a desenvolver a metodologia de jogos de improviso foi Viola Spolin. Nascida nos Estados Unidos, em 1906, Spolin foi atriz e diretora, desenvolvendo uma metodologia para o treino de atores baseada no cabaré alemão e na Commedia dell'arte. Com o passar do tempo, a teórica percebeu que sua metodologia poderia ser aplicada também para ensinar o Teatro na escola e desenvolveu um manual para professores. No Brasil, Spolin teve muitos adeptos, dentre os quais se pode citar Ingrid Koudela e Ricardo Japiassu. Sobre o método de Viola Spolin, Japiassu (1998, p. 3) salienta que

a sistematização de uma proposta para o ensino do Teatro, em contextos formais e não formais de educação, através de jogos teatrais, foi elaborada pioneiramente por Viola Spolin ao longo de quase três décadas de pesquisas junto a crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e idosos nos Estados Unidos da América. Utilizando a estrutura do jogo com regras como base para o treinamento de teatro, Viola Spolin ambicionava libertar a criança e o ator amador de comportamentos de palco mecânicos e rígidos. Seus esforços resultaram no oferecimento de um detalhado programa de oficina de trabalho com a linguagem teatral destinado a escolas, centros comunitários, grupos amadores e companhias teatrais (Japiassu, 1998, p. 3).

A metodologia desenvolvida por Spolin é muito utilizada no Brasil. Em seu programa de trabalho, o jogo teatral ou jogos de improviso são estímulos que conduzem os alunos à construção de cenas e à vivência de várias situações. Nelas, o aluno é incentivado a se colocar em diferentes contextos e a reagir aos objetos e estímulos diferentes. Ele se torna o protagonista da ação teatral. Para Japiassu (1998, p. 3),

a finalidade do processo é o desenvolvimento cultural e o crescimento pessoal dos jogadores através do domínio e uso interativo da linguagem teatral, sem nenhuma preocupação com resultados estéticos cênicos pré-concebidos ou artisticamente planejados e ensaiados. O princípio do jogo teatral é o mesmo da improvisação teatral e do teatro improvisacional, isto é, a comunicação que emerge a partir da criatividade e espontaneidade das interações entre sujeitos mediados pela linguagem teatral, que se encontram engajados na solução cênica de um problema de atuação (Japiassu, 1998, p. 3).

Os jogos teatrais são instrumentos tanto para o ensino do Teatro quanto para o ensino ou reflexão de aspectos pessoais ou coletivos importantes. É possível, por meio de um jogo de improviso, encenar questões que nos atravessam cotidianamente e que muitas vezes não conseguimos compreender completamente. Logo, a metodologia dos jogos pode nos oferecer subsídios não só para compreender a linguagem teatral, mas para acessar reflexões profundas.  

Disciplina e conteúdos trabalhados

Disciplina:

  • Arte e Educação

Conteúdos:

  • Improvisação teatral
  • Jogos teatrais
  • Criatividade
  • A importância da prática teatral para o desenvolvimento infantil

Objetivos da prática interventiva

O objetivo geral da prática interventiva foi promover o aprendizado de jogos teatrais com foco no improviso para as alunas do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia, no âmbito da disciplina Arte e Educação.

Mais especificamente, propôs-se:

  • Realizar uma vivência teatral com as participantes da oficina;
  • Ensinar a metodologia dos jogos teatrais;
  • Estimular o interesse pela prática de teatro na escola.

Metodologia

A proposta de intervenção pedagógica foi a realização de uma oficina com as alunas no dia 15 de novembro de 2021. A prática interventiva foi realizada remotamente em decorrência da necessidade de isolamento social imposto pela pandemia. No período de duas aulas, com duração total de uma hora e meia cada, foram realizados jogos, dinâmicas e brincadeiras teatrais, com foco na improvisação e na interação do grupo. Ao final da oficina foram explicados a metodologia e os objetivos de cada jogo teatral. A intervenção teve, portanto, um caráter eminentemente prático.

A primeira dinâmica realizada foi intitulada "A roupa mais feia". Cada participante deveria se vestir com a roupa mais feia que encontrasse no armário. Foi pedido que as alunas também fizessem uma maquiagem que as deixassem engraçadas e/ou ridículas. Quando estivessem prontas, todas deveriam ligar as câmeras para que fossem vistas umas pelas outras. O objetivo dessa dinâmica foi provocar riso e interação. Ao realizar essa prática, percebeu-se que as alunas sentiram medo de se expor ao ridículo. Nessa atividade, o ridículo é encarado como algo natural e que faz parte da vida. Cabe ressaltar que, ao se apresentarem "ridículas", as pessoas se sentem mais confortáveis para a realização de jogos e atividades de improviso.

A segunda atividade realizada foi intitulada "Leitura aleatória". Foi pedido a uma aluna que começasse a contar uma história. À medida que a narração acontecia, mostrava-se uma palavra ou objeto para a narradora que deveria incluir tal objeto ou palavra como parte da história. As palavras e objetos eram aleatórios e incomuns, tais como "elefante branco", "batedeira de bolo", "chuva dourada", dentre outros. As participantes deveriam também se revezar, dando mais dinamismo ao jogo. O objetivo dessa atividade foi o estímulo à criatividade e à capacidade de improvisação.

Além disso, enfatizou-se que, no Teatro, há um princípio conhecido como verdade cênica, que consiste em tratar com veracidade as situações mais improváveis. Esse princípio foi defendido pelo teórico Constantin Stanislavski, em seu livro A preparação do ator. Segundo ele,

a verdade em cena é tudo aquilo que podemos crer com sinceridade, tanto em nós mesmos como em nossos colegas. [...]. Tudo que acontece no palco deve ser convincente para o ator, para seus associados e para os espectadores. Deve inspirar a crença de que na vida real seriam possíveis emoções análogas às que estão sendo experimentadas pelo ator em cena. Cada momento deve estar saturado de crença na veracidade da emoção sentida e na ação executada pelo ator (Stanislavski, 1991, p. 154).

O método desenvolvido por Constantin Stanislavski é muito utilizado para a preparação de atores e o estabelecimento de uma verdade cênica é essencial para a criação do mundo fictício, onde vivem as histórias. Tem-se como exemplo a peça teatral Vestido de Noiva, escrita por Nelson Rodrigues em 1941. Nessa obra, a protagonista Alaíde entra em coma e seus delírios são exibidos para o público. Assim, Nelson Rodrigues orienta a encenação por meio de uma rubrica (indicação cênica contida no texto para orientar atores e encenadores nas montagens teatrais): "Luz em resistência no plano da alucinação. Três mesas, três mulheres escandalosamente pintadas, com vestidos berrantes e compridos. Decotes. Duas delas dançam ao som de uma vitrola invisível" (Rodrigues, 2004, p. 9). Na indicação dada por Nelson Rodrigues, a vitrola não existe, mas as personagens escutam o som. Na encenação é essencial que as intérpretes ajudem a produzir esse universo ficcional, mesmo sabendo que algo assim não existe na vida real. Logo, exercícios que estimulem a imaginação e tratem situações irreais como se fossem reais são essenciais à vivência teatral.

Como a oficina é direcionada a futuras professoras e não a futuras atrizes, contextualizamos tal prática. Nas brincadeiras infantis são muito comuns as transformações de objetos e a criação de universos. Uma criança transforma facilmente um pedaço de madeira em avião, navio, telefone, entre outros objetos.

O ato de dramatizar está potencialmente contido em cada um, como uma necessidade de compreender e representar uma realidade. Ao observar uma criança em suas primeiras manifestações dramatizadas, o jogo simbólico, percebe-se a procura na organização de seu conhecimento do mundo de forma integradora. A dramatização acompanha o desenvolvimento da criança como uma manifestação espontânea, assumindo feições e funções diversas, sem perder jamais o caráter de interação e de promoção de equilíbrio entre ela e o meio ambiente. Essa atividade evolui do jogo espontâneo para o jogo de regras, do individual para o coletivo (Brasil, 1997, p. 52).

No universo das brincadeiras infantis, a dramatização, os jogos e as fantasias estão muito presentes, sendo algo natural para elas. No universo adulto, a fantasia é vista com alguma desconfiança. Nessa intervenção pedagógica, estimular as alunas para vivenciarem práticas comuns à infância, presentes no universo teatral, foi uma estratégia pedagógica utilizada para que elas mergulhassem nesse universo.

A terceira atividade da prática interventiva foi a leitura de dois textos teatrais. Foram escolhidos o texto Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado, e O Mendoncinha, diálogo escrito por Luís Fernando Veríssimo e que faz parte do livro Crônicas da vida privada. O objetivo era fazer com que as alunas percebessem as diferentes abordagens que podem ser feitas a partir da leitura de um texto teatral. Por meio da palavra dita, é possível explorar tons, intencionalidades e emoções e por meio do que a personagem diz ou pela maneira como é apresentado, é possível compreender seu contexto, seus sentimentos, a classe social e discutir aspectos sociais relevantes. Segue o diálogo entre fantasminha Pluft e sua mãe:

PLUFT - Mamãe!

MÃE - O que é, Pluft?

PLUFT (Sempre com a boneca de pano) - Mamãe, gente existe?

MÃE - Claro, Pluft. Claro que gente existe.

PLUFT - Mamãe, tenho tanto medo de gente! (Larga a boneca.)

MÃE - Bobagem, Pluft (Machado, 2018, p. 4).

O personagem Pluft vive algo muito comum na vida de todos: o medo. Ele teme aquilo que não conhece e seu sentimento é tratado por sua mãe com certo desdém. De acordo com a BNCC, a leitura de textos dramáticos deve ser abordada de modo a analisar a organização do texto dramático apresentado em diversos meios, como teatro, televisão, cinema, identificando e percebendo os sentidos advindos dos recursos linguísticos e semióticos que sustentam sua realização, como a peça teatral, a novela e o filme.

Na BNCC, a literatura dramática é tratada como um gênero literário a ser analisado nos anos finais do Fundamental II. Embora o documento não introduza a leitura de textos dramáticos, isso não significa que os textos não possam ser utilizados. Em Pluft, o fantasminha, é encenado um aspecto central na vida das crianças, e a personagem teme aquilo que não conhece.

Que debates interessantes podem ser estimulados em sala de aula a partir da leitura e da encenação desse trecho? Como seria a caracterização de Pluft? É possível ensinar ao fantasminha de que maneira podemos lidar com seus sentimentos? As crianças poderiam recriar essa cena ou mesmo inventar um final alternativo. Sabe-se que a leitura dramática em sala de aula estimula a prática da oralidade. Quando incentivadas a ler, em conjunto, as crianças apresentam grande interesse pela atividade e se divertem criando gestos e vozes para os personagens.

Na última atividade realizada, as alunas foram estimuladas a refletir sobre como os textos teatrais podem ser trabalhos em sala de aula e que habilidades podem ser desenvolvidas com crianças em formação.

Após a aplicação das atividades desenvolvidas, explicou-se o objetivo da atividade e como estimula o desenvolvimento infantil. Foi muito importante ressaltar que, mesmo em atividades de improvisação teatral, há uma intencionalidade pedagógica e seus princípios metodológicos se encontram presentes nos documentos oficiais que orientam a educação brasileira.

Resultados esperados

Como resultado da prática interventiva, as participantes compreendem alguns princípios básicos da pedagogia teatral e sua aplicabilidade mediante jogos de improviso, utilizando objetos simples presentes no cotidiano. Espera-se também que as participantes compreendam o funcionamento da escrita teatral e como as personagens são construídas a partir do gesto e da palavra.

Proposta de avaliação da prática interventiva

A avaliação da prática interventiva foi realizada por meio de um diálogo aberto com as participantes e a professora regente da disciplina Arte e Educação. Foi perguntado a elas o que aprenderam, se já haviam realizado alguma prática teatral e como poderiam aplicar exercícios semelhantes em sala de aula no processo de ensino às crianças.

Discussão dos resultados

A prática interventiva foi bastante produtiva. Houve interação e participação significativas das alunas que, segundo a professora regente, ainda não se conheciam pessoalmente. As alunas haviam ingressado no curso durante a pandemia e, até então, não haviam tido aulas presenciais. A interação entre professora e colegas de classe só acontecia de forma online. Conforme relatado acima, a avaliação da prática interventiva foi feita por meio de comentários das participantes e da professora, que, gentilmente, cedeu espaço para a realização da prática.

O primeiro ponto de atenção foi a receptividade com que as participantes receberam a proposta da oficina. Em seus relatos foi percebido que muitas haviam realizado aulas de teatro durante a educação básica e que a experiência havia sido produtiva. Elas relataram suas experiências de modo bastante empolgante. Notar a presença de uma arte milenar e tão tradicional na vida das pessoas, demonstra a sua adaptabilidade e perenidade do teatro, que mesmo fazendo parte de um mundo tão atravessado pelas tecnologias digitais, ainda diz algo para o espírito humano.

O segundo ponto a ser considerado foi a interação entre as participantes e a professora da disciplina. Foi comentado que as alunas pouco interagiam nas aulas remotas e, muitas vezes, não ligavam a câmera. A prática interventiva permitiu que as participantes vissem os rostos umas das outras e isso acrescentou certa intimidade à turma.

Pode-se afirmar que o Teatro pode ser uma importante ferramenta para a interação entre pessoas diversas. Uma frase comum proferida nos bastidores teatrais é que "um exército vai à guerra sem um soldado, mas uma peça não se realiza sem a presença de todos os atores". Esse bordão, tantas vezes repetido, ilustra a importância de todos os participantes na construção de um espetáculo e, no caso dessa oficina, de todas as alunas. Assim, o ponto mais importante da intervenção pedagógica foi a ênfase dada ao teatro como uma área de conhecimento e não apenas como entretenimento vazio.

Considerações finais

Este trabalho teve o propósito de discutir as contribuições dadas pelo Teatro ao desenvolvimento de crianças em fase de escolarização e a maneira como os saberes relacionados ao seu ensino estão dispostos na legislação educacional brasileira, mediante a aplicação de uma prática interventiva realizada na disciplina Arte e Educação, ministrada para alunas do 4º período do curso de Licenciatura em Pedagogia.

O desenvolvimento da intervenção pedagógica possibilitou a percepção de que, por meio de jogos teatrais, de construções de cenas e leituras dramáticas, é possível desenvolver uma série de competências e habilidades essenciais para o desenvolvimento estético, emocional, intelectual e social dos educandos.

A imersão no universo teatral é capaz de afetar a maneira como se percebe e se sente o mundo ao redor. Ao assistir ou representar uma peça teatral, também é possível perceber as diversas interações humanas, as intenções por trás das atitudes e os papéis sociais exercidos pelas pessoas. William Shakespeare chegou a dizer que "o mundo é um palco" e todos são levados a performar.

O Teatro é um espelho que reflete a sociedade na qual as pessoas estão inseridas e seu estudo, através dos tempos, amplia o conhecimento sobre a história. Para citar um exemplo simples, basta recordar que, no Teatro ocidental, as mulheres só puderam atuar, a partir do século XV. Ou seja, durante dois mil anos, os papéis femininos foram vivenciados por homens. O que isso diz sobre as sociedades em questão? É possível ver nisso o silenciamento das mulheres ao longo da história? Esse e outros questionamentos podem surgir quando o Teatro está entre as linguagens estudadas na escola, possibilitando reflexões necessárias sobre as desigualdades presentes na sociedade brasileira que privam a população do contato com a Arte. Nesse sentido, a presença do Teatro, como linguagem autônoma, e a obrigatoriedade dessa prática nos currículos da Educação Básica tornam essas desigualdades menos severas.

Durante o período de isolamento social em decorrência da pandemia da covid-19, os artistas foram obrigados a procurar novas maneiras de interação online. Aplicar a prática interventiva remotamente foi desafiador, mas a pronta aceitação da professora regente e das alunas a tornou bem-sucedida. Além disso, tal experiência confirmou a capacidade do Teatro gerar conexões e experiências marcantes. Apesar do pouco tempo de duração da prática, uma pequena sementinha foi plantada nas discentes que poderão proporcionar a seus alunos experiências criativas e estimulantes.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2022.

BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf. Acesso em: 28 dez. 2021.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em: 28 dez. 2021.

BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Brasília, 1971. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm. Acesso em: 28 dez. 2021.

INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE BRASÍLIA (IFB). Projeto pedagógico do curso de Pedagogia. Brasília, 2016. Disponível em: PPC_Licenciatura em Pedagogia.pdf (ifb.edu.br). Acesso em: 08 out. 2021.

JAPIASSU, R. O. V. Jogos teatrais na escola pública. Rev. Fac. Educ., v. 24(2), julho 1998. Disponível em: https://scielo.br/j/rfe/a/dDTsSQSbmSg8ZrpY6vYjzXp/?lang=pt&format=html57343-Texto do artigo-72745-1-10-20130624.pdf. Acesso em: 28 dez. 2021.

MACHADO, M. C. Pluft, o fantasminha. 16ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2018.

RODRIGUES, N. Vestido de noiva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

STANISLAVSKI, C. A preparação do ator. Trad. Pontes de Paula Lima. 10ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

Publicado em 05 de setembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

PEIXOTO, Cleibiane Susi; PEIXOTO, Cleiliane Sisi; LOUREIRO, Luciana Costa. Prática teatral para a educação das crianças – algumas contribuições pedagógicas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 34, 5 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/34/pratica-teatral-para-a-educacao-das-criancas-r-algumas-contribuicoes-pedagogicas

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.