Aprender ouvindo: a alfabetização pela escuta atenta

Keyliane dos Anjos Leitão

Aluna do curso de Pedagogia (UnirG)

Adriana de Miranda Santiago Terra

Professora do curso de Pedagogia da UnirG

O presente trabalho se fundamenta nas experiências desenvolvidas na prática do Estágio Supervisionado da Alfabetização 1° e 2° ano, disciplina obrigatória do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade de Gurupi (UnirG), com os alunos matriculados no 2° ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Dr. Ulisses Guimarães, localizada no setor Parque das Acácias, no município de Gurupi, Tocantins.

O estágio é parte fundamental do desenvolvimento profissional de todos os acadêmicos em Pedagogia no processo de formação, pois proporciona ao graduando o primeiro contato com a prática pedagógica, seguindo os conhecimentos teóricos adquiridos na sua formação. O documento que rege o Estágio Supervisionado no curso de Pedagogia-UnirG, projeto pedagógico curricular – PPC (2021), visa fazer a articulação entre as disciplinas de cunho pedagógico com as disciplinas de cunho teórico-prático. Isso permite que o futuro professor possa se inserir nas discussões e tenha embasamento teórico sobre diferentes concepções do processo educacional. Esse embasamento o instrumentaliza para as discussões metodológicas na área educacional, tendo em vista que nos últimos anos pessoas ligadas à área da Educação têm apresentado preocupação referente à alfabetização dos alunos, pois alguns deles não leem ou não escrevem no final do ciclo de alfabetização que são os primeiros três anos do Ensino Fundamental.

A partir das experiências vivenciadas durante o Estágio Supervisionado em alfabetização, nota-se a necessidade de ressaltar a relevância de utilização das metodologias a partir da escuta uma vez que, para a criança que tem dificuldade em identificar os sons que compõem a fala e conseguir estruturar a sua escrita, relacionando-a com letras, ela precisa construir esse processo por meio dos estímulos vivenciados, conforme o conceito de leitura do mundo em que vive. Nesse caso, o cérebro associa as letras e os sons e se apropria da escrita, da leitura e da interpelação.

A proposta metodológica deste trabalho traz um estudo descritivo, com relatos de experiência e apoio bibliográfico de artigos, sites e livros digitais. Serão destacados resultados, reflexões e aprendizagens diante das vivências realizadas no Estágio Supervisionado, alinhados aos dados dos materiais disponibilizados no curso “Tempo de Aprender”, com início no 1° semestre de 2020 em ambiente virtual de aprendizagem do MEC (Avamec). Destina-se, especialmente, a professores da Educação Infantil (último ano da pré-escola) e a professores do 1°e 2° anos do Ensino Fundamental e está fundamentado especificamente no módulo 2, intitulado ‘Aprendendo a Ouvir’.

Portanto, o objetivo é trabalhar metodologias de ensino e alfabetização pautadas na “escuta atenta” com crianças do 2° ano do Ensino Fundamental, por meio de mecanismos que permitam o desenvolvimento de suas habilidades para a discrimação de sons, a consciência de palavras, sílabas e aliterações, habilidades necessárias para alcançar a meta proposta pela lei e pelas diretrizes nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, de forma a incluir o letramento social.

Revisão de literatura

Parte constituída pelo referencial teórico que embasa e analisa os processos vivenciados no estágio supervisionado, observando-se o funcionamento da escrita alfabética, a relação de fonemas (sons)/grafemas (letras) e a escuta (aprendendo a ouvir).

Estágio curricular em alfabetização - curso de Pedagogia  (UnirG)

O estágio curricular supervisionado é um componente indispensável no processo de formação inicial do professor, oferecendo ao futuro docente a oportunidade de exercer a atividade profissional em seu campo de intervenção, com o objetivo de que estabeleça o primeiro contato com os estudantes, assim como com a realidade e o mercado de trabalho. Isso o permitirá reflitir sobre as reais possibilidades de ser ou não um educador.

O projeto pedagógico do curso (PPC) de graduação em Pedagogia (2021) da Universidade de Gurupi, se insere nisso. Para formar um profissional competente é necessário que o licenciando adquira sólida formação teórica em todas as atividades curriculares, incluindo os conteúdos pedagógicos, paralelamente às disciplinas específicas, enfatizando a prática como atividade formadora do futuro profissional.

Com isso, no curso de Pedagogia UnirG, o estágio supervisionado é um componente curricular obrigatório e visa promover a integração da teoria com a prática.

O processo da alfabetização

Entende-se a alfabetização como um processo de aquisição do código escrito em suas múltiplas facetas, transformando fonemas em grafemas (escrever) e grafemas em fonemas (ler).

Segundo Ferreiro e Teberosky (1999), a criança inicia o processo da alfabetização antes mesmo de chegar à escola, construindo ideias e hipóteses sobre o código escrito. Ela percorre caminhos até a aquisição da leitura e da escrita, passando pelos níveis pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. Nessas fases, a criança constrói e desconstrói conceitos. Dessa maneira, alfabetizar é uma prática sociocultural de inserção da criança no mundo da linguagem escrita.

No Brasil, a história da alfabetização é marcada por altos índices de analfabetismo, assim como pelo fracasso escolar nos primeiros anos de escolarização com foco na avaliação dos métodos de ensino da leitura e da escrita. No cenário da educação atual, as discussões sobre o processo de alfabetização têm ocupado papel central, dada a sua importância para a escolarização das crianças.

No entanto, por muito tempo, se achou que estar alfabetizado era saber as letras, juntar as sílabas e formar palavras. Nessa época se aprendia por repetição de sons e era comum o uso das cartilhas nas escolas. Hoje, esse método é conhecido como método sintético, principalmente quando se utiliza a fonação e/ou a soletração.

Hoje, o conceito de pessoa alfabetizada se diferencia e precisa preencher vários requisitos que até algum tempo passavam despercebidos. Soares (2003) considera que alfabetização é a aprendizagem da técnica, com o domínio da escrita, da leitura e da relação que existe entre grafemas e fonemas, assim como dos diferentes instrumentos de escrita, ou seja, um processo que vai muito além de decodificação de letras e sílabas.

Em um sentido mais amplo que o de Soares, a Unesco descreve a alfabetização como:

o conhecimento básico, necessário a todos num mundo em transformação; em sentido amplo, é um direito humano fundamental. Em toda a sociedade, a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras habilidades. Existem milhões de pessoas, a maioria mulheres, que não têm a oportunidade de aprender [...] a Alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais, além de ser requisito básico para a educação continuada durante a vida (Unesco, 1999).

Mesmo com tantos estudos atualizados, com teorias e metodologias ativas impostas atualmente, muitos professores ainda definem erroneamente o processo de alfabetização como sinônimo de uma técnica. De acordo com o Plano Nacional de Alfabetização (PNA, 2019), com base na Ciência Cognitiva da Leitura, a alfabetização é o ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético.

A BNCC (Brasil, 2018) ressalta que alfabetizar é trabalhar com a apropriação pelo aluno da ortografia do português do Brasil escrito, compreendendo como se dá esse processo (longo) de construção de um conjunto de conhecimentos sobre o funcionamento fonológico da língua pelo estudante.

Com isso é preciso conhecer as relações fono-ortográficas, isto é, as relações entre sons (fonemas) do português oral do Brasil em suas variedades e as letras (grafemas) do português brasileiro escrito.

Funcionamento da escrita alfabética

De acordo com a BNCC (Brasil, 2018), conhecer o mecanismo do processo de funcionamento é principalmente perceber as relações complexas que se estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas). Isso envolve a consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons, como se separam e se juntam em novas palavras. Ocorre que essas relações não são tão simples quanto as cartilhas ou os livros de alfabetização fazem parecer. Não há uma regularidade nessas relações e elas são construídas por convenção. Não há, como diria Saussure, “motivação” nessas relações, ou seja, diferente dos desenhos, as letras da escrita não representam propriedades concretas desses sons.

Nesse processo, a BNCC ressalta que a criança

diferencie desenhos/grafismos (símbolos) de grafemas/letras (signos); desenvolva a capacidade de reconhecimento global de palavras (que chamamos de leitura “incidental”, como é o caso da leitura de logomarcas em rótulos), que será depois responsável pela fluência na leitura; construa o conhecimento do alfabeto da língua em questão; perceba quais sons se deve representar na escrita e como; construa a relação fonema-grafema: a percepção de que as letras estão representando certos sons da fala em contextos precisos; perceba a sílaba em sua variedade como contexto fonológico desta representação; até, finalmente, compreender o modo de relação entre fonemas e grafemas, em uma língua específica (Brasil, 2018).

Diferentemente, a escola tem desenvolvido práticas alfabetizadoras que se estruturam com base em uma lógica linear e sequencial. Assim, primeiro se aprende a ler e a escrever, depois é que se aprende seus usos por práticas sociais.

Segundo Soares (2003), para aprender a ler e a escrever o aluno precisa participar de situações que o desafiem, que o coloquem a refletir sobre a língua, que o leve, enfim, a transformar informações em conhecimento próprio. É utilizando-se de textos reais, tais como listas, poemas, bilhetes, receitas, contos, piadas, entre outros gêneros, que os alunos podem aprender muito mais sobre a escrita.

Portanto, para aprender a ler e a escrever, o indivíduo necessita entender a relação estabelecida entre a fala e a escrita e conhecer seu sistema de regras. Esse aprendizado é uma atividade sistemática e estruturada que se desenvolve gradualmente, que exige que o indivíduo estabeleça relações entre os sons e suas representações na forma gráfica, entrando em ação, aí, a sua consciência fonológica.

Relação: fonemas (sons)/grafemas (letras)

Entendemos que o maior obstáculo para a maioria das crianças é compreender o princípio alfabético e entender que as palavras escritas contêm combinações de unidades visuais (letras ou combinações de letras), sistematicamente relacionadas às unidades sonoras das palavras (fonemas), ou seja, para a criança é difícil chegar à consciência fonológica.

Contudo, na BNCC a temática ‘oralidade’ é abordada no objeto de conhecimento ‘escuta atenta’, que além de trabalhar a modulação da voz para marcadores típicos da fala (oralidade), mobiliza a observação do corpo de quem fala, pois os gestos de quem fala influenciam na compreensão de quem ouve.

Mediante todos os estudos, o programa Tempo de Aprender fala da importância de ter consciência dos sons da linguagem e desenvolver a habilidade de ouvir, identificando e manipulando os sons individuais das palavras faladas.

Para o programa (Brasil, 2020), o primeiro passo para dominar os fonemas e, posteriormente, o princípio alfabético é saber distinguir sons. Identificar o timbre e a posição da fonte sonora é habilidade indispensável para que o aluno desenvolva a sensibilidade de distinção sonora.

Em seu primeiro módulo aborda que a discriminação auditiva pode ser aprimorada por meio da prática, isto é, pela localização, pela diferenciação, pela caracterização e sequência temporal de diferentes sons. Isso favorece a habilidade de discriminar corretamente os sons da fala.

A partir da discriminação de sons, há uma progressão nessa tomada de consciência de que as frases são formadas por palavras. Em seguida, de que as palavras são formadas por sílabas e, finalmente, por sons das letras, os quais também chamamos de fonemas.

Portanto, quando as crianças reconhecem as palavras compostas por sons e aprendem a manipular esses sons, o próximo passo para a alfabetização é conhecer as regras que relacionam os sons da fala e os grafemas da escrita.

Aprendendo a ouvir – tempo de aprender

O módulo 2 da formação continuada, intitulado Aprendendo a Ouvir, pressupõe o aprendizado da consciência dos sons da linguagem, da discriminação dos sons e da sua manipulação. Nos textos complementares esse componente é considerado um acelerador da aprendizagem da leitura e da escrita.

O módulo é organizado em dez vídeos que sistematizam o trabalho com sons, palavras, sílabas, aliterações e rimas. Para cada aula é indicado um ano escolar, os objetivos de aprendizagem e o desenvolvimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), todos correlatos. Só então é disponibilizada uma ficha com estratégias de ensino.

A cada vídeo, há um texto direcionado ao professor com relação ao conteúdo tratado na referida aula, como por exemplo quando o modulo apresenta que “a discriminação auditiva pode ser aprimorada por meio da prática [...] pela localização, diferenciação, caracterização e sequência temporal de diferentes sons” (Brasil, 2020).

O foco é dar importância às habilidades auditivas específicas para que o perfeito funcionamento desse sistema contribua no processo de alfabetização, uma vez que é por meio da audição que percebemos e discriminamos sons. A discriminação de sons acontece quando o sujeito percebe os sons existentes na língua falada.

Metodologia

A metodologia escolhida para este trabalho é o relato de experiências descritivas. Considerando o relato de experiência como a expressão escrita de vivências, capaz de contribuir na produção de conhecimentos das mais variadas temáticas, reconhecemos a importância da discussão sobre o conhecimento.

Para Córdula e Nascimento (2018), o conhecimento humano está interligado ao saber escolarizado e às aprendizagens advindas das experiências socioculturais. O seu registro por meio da escrita é uma relevante possibilidade para que a sociedade acesse e compreenda questões acerca de vários assuntos, sobretudo pelo meio virtual, uma vez que o contexto contemporâneo informatizado possibilita isso. Desse modo, o conhecimento tem como objetivo a formação dos sujeitos na própria sociedade.

Segundo Barros e Lehfeld (2006), por meio de pesquisas descritivas, procura-se descobrir com que frequência um fenômeno ocorre, sua natureza, suas características, causas, relações e conexões com outros fenômenos.

A prática pedagógica do estágio foi aplicada na sala do 2° ano do Ensino Fundamental com 22 alunos matriculados da Escola Municipal Dr. Ulisses Guimarães, situada no setor Parque das Acácias, na cidade de Gurupi/TO. Iniciou-se no dia 22 de agosto de 2022, no período vespertino das 13h às 17h.

Para que as ações de planejamento fossem desenvolvidas, houve aportes teóricos: o PPP da escola, a BNCC, o PNA, o Curso “Tempo de Aprender” do Avamec e os planos mensais da professora.

Em cada regência foi realizada a análise de todas as ações desenvolvidas sempre de forma a trabalhar no próximo planejamento de acordo com as dificuldades e as necessidades exigidas pela professora regente. Para o desenvolvimento da prática pedagógica, desenvolvemos práticas lúdicas tais como: jogos, brincadeiras e contação de histórias. Além disso, destacamos as metodologias como oficinas no uso de tecnologias como o GrafoGame. Adotou-se a análise de conteúdo para a discussão dos dados coletados.

Resultados e discussões

Os resultados deste relato de experiência foram organizados de modo a analisar as atividades aplicadas aos alunos da turma do estágio no desenvolvimento das habilidades do Módulo 2 da Plataforma Sora do Curso Formação Continuada em Práticas de Alfabetização. Na Figura 1, observa-se a primeira atividade aplicada e pautada na Aula 2.2, sobre a discriminação de sons.


Figura 1: Estratégia de ensino discriminando sons
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2022.

Na atividade, o professor explicou aos alunos que teriam de ficar com olhos fechados e indicar de onde e de qual objeto viria aquele som específico. Para isso foram utilizados instrumentos como chocalho, pandeiro, violão de brinquedo e flauta doce. Para Brasil (2020), a didática mostra como a discriminação auditiva pode ser aprimorada por meio da prática. Isso favorece a habilidade de discriminar corretamente os sons da fala. Ele continua afirmando que as práticas são importantes de modo que podem ser realizadas em qualquer momento com as crianças. Não é preciso um tempo e um lugar especial. Por exemplo, se você está com seus alunos na fila para o lanche, por que não aproveitar o momento e realizar a estratégia? A Figura 2 instrui de forma metodológica uma sugestão da plataforma Sora.


Figura 2: Ficha de estratégia
Fonte: Brasil, 2020.

Portanto, todas as atividades propostas tentam permancer dentro do padrão do módulo, ressaltando a importância de trabalhar a discriminação de sons, a consciência de palavras (sentenciação), a consciência de sílabas, a consciência das aliterações e da segmentação de sons, envolvendo sempre o todo com relação a leitura de mundo.

Fonema ‘H’

Para a sequência didática, a abordagem inserida constituiu-se na fonética do som do ‘H’. O desenvolvimento se sustentou nas aulas sobre: a consciência de palavras, a consciência de sílabas e a consciência de aliterações. Para a aplicação do conteúdo, a regente utilizou um texto escrito, juntamente com a oralização do texto em forma de contação de histórias (Figuras 3 e 4).

Figuras 3 e 4: Fonema 'H'
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2022.

Na utilização de um texto, o professor pode trabalhar sistematicamente os três eixos citados acima designados em cada aula proposta pelo curso. De acordo com Brasil (2020) é preciso que a criança se dê conta de que o texto é composto por frases e seja percebido como um todo, dividido em pedaços menores, que são as palavras e outros pedacinhos menores que são as sílabas. Portanto, a consciência silábica é um componente da consciência dos sons da fala. Essa percepção aos poucos dirige-se para as partes que formam as palavras e que se repetem na fala do nosso dia a dia.

O fonema ‘H’ é algo para os alunos como alguém solitário e sem identidade, pois não tem valor fonético. Pode aparecer no início, no meio e no fim de palavras. Para que possa ser entendido precisamente é necessária a boa escuta a fim de que se possa realizar a associação da sua necessidade de junção a outra letra para que produza som.

Durante a contação de história com a visão da escrita sequencial durante a pronúncia das palavras com ‘H’, a professora elevava o timbre de voz para chamar a atenção dos alunos (após destacar as palavras descritas no texto com o objeto a ser estudado). Em alguns momentos, a professora escreveu a palavra na lousa sem a letra ‘H’, deixando apenas a vogal. Os alunos, então, questionavam e falavam que faltava a letra ‘H’. O intuito era mostrar que a letra em início de palavras não resulta em valor fonético, mas proporciona mudança com sons específicos quando compõe os dígrafos “ch, lh, nh”. Portanto, se firma mais uma vez o propósito de trabalhar a discriminação dos sons para a compreensão dos alunos em processo inicial de letramento.

Na atividade 3, houve a continuação do fonema ‘H’ na utilização de palavras com ‘CH’, quando a metodologia utilizada foi a descrição de sons, conforme determina a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ela afirma que para conhecer a “mecânica” ou o funcionamento da escrita alfabética e perceber as relações complexas que se estabelecem entre os sons da fala (fonemas) e as letras da escrita (grafemas), há de se ter uma consciência fonológica da linguagem: perceber seus sons, como se separam e se juntam em novas palavras (Brasil, 2018).

Para o desenvolvimento metodológico foram utilizadas brincadeiras e atividades, tais como, “Vivo ou Morto”, contação de histórias e leitura com interpretação de texto oralizado, como nas Figuras 5 e 6.

Figuras 5 e 6: Sequência metodológica
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2022.

O objetivo era o processo de reconhecimento dos sons (fonemas) e das letras (grafemas) no momentos de escuta, inseridos no “todo”, desde a leitura até às brincadeiras, de maneira a sustentar o modo de aprender os nomes das letras e seus sons com as práticas integradas, ou seja, por meio de atividades genuínas de leitura e escrita com palavras contextualizadas. Por isso, a cada relação letra-som ensinada, disponibilizamos uma história e um poema sobre uma personagem de modo que as crianças aprendessem por meio de um contexto lúdico e atraente (Brasil, 2020).

Dessa maneira, reafirma-se o proposto em relação ao valor sonoro do fonema ‘H’, depois que o professor apresenta todas as letras e seus sons regulares, pois inicia-se aí o processo de correspondência da grafia com os fonemas (sons).

A mágica da escrita (números e Geometria)

O percurso do módulo na aula 2.9, abordou a segmentação de sons. De acordo com o programa Tempo de Aprender (Brasil, 2020) é importante pronunciar, com lentidão e clareza, os sons das palavras. Os dedos são recursos visuais que ajudam a identificar a quantidade de fonemas, mas pode-se usar a criatividade a fim de encontrar outros modos para contar. Por exemplo, as crianças podem dar pulinhos, levantar os joelhos ou manipular objetos.

Dessa maneira, as duas propostas a seguir trazem a importância do desempenho matemático para a vida das crianças na promoção da alfabetização, como apresentado nas Figuras 7, 8 e 9.

Figuras 7, 8 e 9: Compor e decompor números
Fonte: Arquivo pessoal, outubro de 2022.

Segundo a Política Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019), muitas habilidades de numeracia emergem simultaneamente com as habilidades de literacia, abrindo caminho para competências matemáticas mais complexas que se instalarão mediante instrução formal.

A numeracia não se limita às habilidades com o uso de números para contar, mas se refere às habilidades de usar a compreensão e as habilidades matemáticas para solucionar problemas e encontrar respostas às demandas da vida cotidiana.

A PNA relata que ao aprender as primeiras regras de correspondência entre grafema fonema/fonema-grafema, a criança começa a decodificar. Ou seja, ela extrai, de uma sequência de letras escritas, a sua forma fonológica (ou pronúncia) e codifica, combina em sinais gráficos (letras ou grafemas) os sons produzidos na fala. Em outras palavras, começa a ler e a escrever (Brasil, 2019). Assim, começa a contar quantas palavras há em um texto e a segmentar os sons de uma palavra. Esse processo introduz o sujeito no mundo matemático para decompor e compor um objeto com palavras ou números. Desse modo, as duas propostas metodológicas associam a prática lúdica de transformação abstrata para o concreto, na utilização do material dourado, seguidas de uma oficina de construção pautada na planificação das formas geométricas.

A segunda metodologia ocorreu com a exposição, por meio da ludicidade, de uma contação de história com formas geométricas planas. Em seguida, houve a exemplificação de como surgem as formas geométricas espaciais de objetos contidos no meio social, como podemos observar nas Figuras 10 e 11.


Figuras 10 e 11: Planificação das formas geométricas
Fonte: Arquivo pessoal, outubro de 2022.

A relação entre teoria e prática é a mesma entre um contexto e um cenário de resolução de um problema. Portanto é relevante trabalhar conforme a instrução da literacia matemática (Brasil, 2019). As Figuras 12 e 13 abordam o cenário abstrato/concreto de maneira sequencial das formas geométricas planas para as formas geométricas espaciais.


Figuras 12 e 13: Oficina de forma geométricas
Fonte: Arquivo pessoal, outubro de 2022.

A atividade tem por objetivo incentivar que o aluno pense e se comunique no uso de quantidades, tornando-se capaz de compreender padrões e sequências, conferindo sentido aos dados de modo a lhes aplicar o raciocínio matemático adequado na resolução de problemas numéricos, chegando ao entendimento de que o valor sonoro em partes expostas abrange todo o conhecimento a ser adquirido.

Leitura e escuta (compartilhada e autônoma)

Nessa metodologia, utilizou-se a contação de história. Além de trabalhar os fonemas e as letras, a proposta era despertar as crianças para ouvir e interagir durante a leitura, com perguntas ou comentários.

Conforme o programa Tempo de Aprender (Brasil, 2020), o professor deve lembrar que precisa diversificar as estratégias para tornar as atividades mais interessantes aos seus alunos de modo que as habilidades ensinadas até aqui em “Aprendendo a ouvir” estarão aliadas a outras habilidades fundamentais para a leitura, ou seja, ao conhecimento alfabético, à fluência, ao vocabulário e à compreensão dos temas dos módulos seguintes.

A aula foi iniciada com a exposição das imagens do livro por datashow e leitura do texto, seguida de recontagem com a expressão oral conjunta. Na sequência, realizou-se a exploração e a interpretação da história por meio da ficha-mapa da história, com as definições dos elementos nomeados que compõem um texto (titulo, personagens, cenário e outros), conforme apresentado nas Figuras 14 e 15.


Figuras 14 e 15: Aula de leitura e escuta
Fonte: Arquivo pessoal, outubro de 2022.

A estratégia pode ser utilizada para verificar, além da compreensão, outra competência importante: o vocabulário. O aluno não dirá necessariamente as mesmas palavras do texto e, assim, demonstrará seu repertório de fala. Por outro lado, repetir os mesmos termos evidenciará assimilação, memória e precisão. Dessa forma, treina-se também a expressão oral adequada que ainda pode ser avaliada.

Ao final percebe-se, mais uma vez, como os componentes essenciais para a alfabetização estão interligados de modo que as estratégias são muito importantes para uma aprendizagem coerente e efetiva.

Letramento e alfabetização racial crítica

Diferentemente das demais regências, a alfabetização com foco racial revela a importância do letramento crítico e da educação antirracista. Quando a problematização do discurso a respeito das diferenças é tratado, a escola aborda textos e produtos das diversas culturas e mídias para que se desvelem suas intenções, finalidades e ideologias.

A didática foi dividida em três momentos. Inicialmente, um diálogo composto com perguntas sobre: O que é a consciência negra? Já ouviram essas palavras “consciência negra”?

Em seguida, utilizou-se uma experiência metodológica com ovos de cores diferentes (brancos e marrons) com o objetivo de mostrar o que acontece automaticamente ao quebrar os ovos. Mostrar a parte interior e exterior e as comparar, mostrando que todos somos iguais, mas com caraterísticas diferentes.

No segundo momento, os alunos assistiram ao filme A princesa e o sapo para ressaltar a representatividade negra e feminina. Na sequência foram distribuídas imagens diferentes de objetos referentes ao filme. Com o auxílio da professora, as crianças escreveram uma frase ou qualidades da princesa Tiane, personagem do filme.


Figuras 15, 16 e 17: Letramento crítico racial
Fonte: Arquivo pessoal, novembro de 2022.

O programa Tempo de Aprender (Brasil, 2020) fecha o módulo 2 com a seguinte frase: “Este módulo é importante, porque trabalha um dos primeiros passos para se garantir o sucesso da alfabetização das crianças”.

Os alunos chegam às escolas repletos de memórias auditivas do mundo ao qual pertencem, portanto o papel da escola não se ajusta somente em alfabetizar ortografia, mas é primordial mostrar que somos todos iguais com nossas diferenças particulares, visto que no ambiente escolar a criança compreende que devemos nos respeitar e saber admirar o próximo.

Considerações finais

Os resultados indicam que a forma como se desenvolve a escuta pode melhorar o aprendizado dos alunos e os estimular ao aprendizado a fim de que queiram ir em busca da ampliação do vocabulário, da criticidade e da interpretação de releituras de mundo e sociedades.

Portanto, por meio dos mecanismos metodológicos propostos mediante os objetivos referentes ao artigo, observou-se a melhoria nas habilidades de discriminação de sons, consciência de palavras, silabas e aliterações, objetivos propostas pelas leis e diretrizes nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática para o letramento social.

Assim, por meios dos processos de reconhecimento dos sons (fonema) e das letras (grafema), em momentos de escuta inseridos no “todo”, desde a leitura de histórias às brincadeiras, as crianças aprendem da melhor maneira os nomes das letras e seus sons em práticas integradas e contextualizadas.

O tema é abrangente com espaço para a continuidade da pesquisa e do seu estudo de modo a possibilitar outras reflexões e resultados a respeito de como alfabetizar eficazmente, mediante a escuta atenta.

Referências

BARROS, A. J. S.; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de Metodologia Cientifica: um guia para a iniciação cientifica. 2ª ed. São Paulo: Pearson Makron Books, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação. Formação continuada em práticas de alfabetização do Programa Tempo de Aprender. Brasília: MEC, 2020. Disponível em: https://avamec.mec.gov.br/#/instituicao/sealf/curso/5401/visualizar. Acesso em: 31 ago. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 22 ago. 2022.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Alfabetização. Política Nacional de Alfabetização (PNA). Brasília: MEC/Sealf, 2019. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/images/banners/caderno_pna_final.pdf. Acesso: 10 ago. 2022.

CÓRDULA, E. B. L.; NASCIMENTO, G. C. C. A produção do conhecimento na construção do saber sociocultural e científico. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 18, p. 1-10, 2018. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/12/a-produo-do-conhecimento-na- construo-do-saber-sociocultural-e-cientfico. Acesso em: 01 dez. 2021.

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Trad. Diana Myriam Lichetenstein, Liana Di Marco, Mario Corso. Porto Alegre: Artmed, 1999.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Conferência Internacional de EJA. Hamburgo, 1999.

SOARES, Magda Becker. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Disponível em: http//www.anped.org.br//26/outros-textos//semagdsoares.doc. 26ª REUNIÃO ANUAL DA ANPED. Anais... Poços de Caldas, 2003.

UNIRG. Projeto político curricular do curso de Pedagogia. Universidade de Gurupi, Gurupi, 2021.

Publicado em 12 de setembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

LEITÃO, Keyliane dos Anjos; TERRA, Adriana de Miranda Santiago. Aprender ouvindo: a alfabetização pela escuta atenta. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 35, 12 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/35/aprender-ouvindo-a-alfabetizacao-pela-escuta-atenta

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.