A Psicomotricidade e suas contribuições para a Educação Inclusiva

Gilberto Rodrigues da Silva

Pós-graduado em Psicomotricidade e Docência no Ensino Superior

O presente trabalho é o resultado de pesquisas bibliográficas cuja abordagem qualitativa se propõe a chamar a atenção para a análise dos principais conceitos da Psicomotricidade e suas contribuições na Educação Inclusiva.

Entendemos que a Psicomotricidade é uma ciência em busca da compreensão dos aspectos emocionais, cognitivos e motores de cada etapa do desenvolvimento de uma criança (Brites, 2018), contribuindo para a sua aprendizagem, especialmente de crianças com deficiências. Essa ciência é muito ampla e tem relações que podem integrar as pessoas, auxiliando no desenvolvimento do indivíduo como um todo.

Tendo em vista o processo do esquema corporal, observando-se a orientação espaço-temporal, a lateralidade, o desenvolvimento motor e a pré-escrita, é essencial aos indivíduos que esses processos sejam trabalhados para o seu aprimoramento a fim de conectar os educandos com o mundo em que vivem. Por essa razão, se faz necessária a presente discussão sobre o tema.

Este trabalho tem por objetivo analisar as contribuições da Psicomotricidade para a Educação Inclusiva, tendo em vista a perspectiva do desenvolvimento da autonomia, com respeito às especificidades do sujeito, em acordo com a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP).

Psicomotricidade é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e socialização (ABP).

Conforme a ABP, Fonseca (1985, p. 285) afirma:

porque a motricidade e, posteriormente, a Psicomotricidade representam a maturação do sistema nervoso central, é compreensível que os problemas psicomotores, mais do que os motores, sejam evidenciados pelas crianças com dificuldade de aprendizagem.

A Psicomotricidade possui as linhas de atuação educativa, reeducativa, terapêutica, relacional, aquática e ramain (ABP), e o presente trabalho propõe compreender de que forma ela vem contribuindo, de fato, para uma Educação Especial Inclusiva.

Principais conceitos da Psicomotricidade

Para compreender os conceitos da Psicomotricidade é necessário conhecer o processo histórico que nos trouxe até aqui. Segundo Mello (1989, p. 49), “a origem da Psicomotricidade remonta à Antiguidade e, nesses termos, confunde-se com a história da Educação Física”.

Mello faz referências à concepção de Aristóteles (1966, p. 17) sobre o dualismo corpo-alma, “certa quantidade de matéria (seu corpo), moldada numa forma (sua alma)”. Aristóteles já enunciava um pensamento psicomotor quando analisou a função da ginástica para um melhor desenvolvimento do espírito. Ele afirmava que o homem era formado de corpo e alma e que o corpo deveria comandar. Para Aristóteles (1966), na procriação, o corpo se coloca em primeiro lugar e deve obediência ao espírito, parte afetiva e da razão. O grande pensador grego apresentava uma abrangente valorização da ginástica, pois ela servia para “dar graça, vigor e educar o corpo”. Ele explica:

à ginástica cabe determinar que espécie de exercício seja útil a esse ou aquele temperamento, qual o melhor dos exercícios e que por fim o que melhor convêm à maior parte dos indivíduos e que apenas por si seria conveniente a todos: pois nisso esta a função adequada da ginástica. O próprio homem que não tivesse inveja nem do vigor físico, nem da ciência, que dá a vitória nos jogos atléticos, precisaria ainda do ginasta para atingir até o grau de mediocridade com o qual ficaria satisfeito (Aristóteles, 1966, p. 115).

Concordando com o filósofo, hoje temos vários conceitos dessa completude do ser humano, o que nos leva a compreender que a Psicomotricidade é a ciência que trabalha o desenvolvimento motor das crianças, relacionando-o ao seu mundo interno e externo. Para Costa (2002, p. 100), ela

baseia-se em uma concepção unificada da pessoa, que inclui as interações cognitivas, sensório-motoras e psíquicas na compreensão das capacidades de ser e de expressar-se, a partir do movimento, em um contexto psicossocial.

Diante disso, é possível compreender que ela busca trabalhar, por meio do corpo e da interação dele com o meio, o desenvolvimento não só motor, mas afetivo, cognitivo e social do indivíduo. Segundo Costa (2002, p. 106),

ela se constitui em um conjunto de conhecimentos psicológicos, fisiológicos, antropológicos e relacionais que permitem, utilizando o corpo como mediador, abordar o ato motor humano com o intento de favorecer a integração desse sujeito consigo e com o mundo dos objetos e outros sujeitos.

Levar em conta todos os conceitos e suas contribuições para uma educação inclusiva é de suma importância, pois a Psicomotricidade traz consigo atividades sensoriais, motoras, de equilíbrio, de agilidade, de lateralidade, de coordenação motora, jogos, memória e percepção espaço-temporal que atuam diretamente nas áreas emocionais, psicológicas, intelectuais e sociais da criança. Para Jean-Claude Coste (1978, p. 29), “em sua prática empenha-se em deslocar a problemática cartesiana e reformular as relações entre alma e corpo: o homem é seu corpo e não o homem e seu corpo”.

Na educação escolar, a Psicomotricidade precisa ser trabalhada em um planejamento organizado e interdisciplinar, com o objetivo de desenvolvimento integral da criança, observando o contexto não só escolar, mas social e familiar e tudo aquilo que se refere à vivência e à realidade na qual a criança está inserida.

Educação Inclusiva

A educação é um direito assegurado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Um direito social, sendo dever do Estado e da família.

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (Brasil, 1988).

A Lei nº 9.394/96 estabelece as Diretrizes e Bases para Educação Nacional e afirma que a educação abrange todos os processos formativos desenvolvidos na vida familiar, no convívio humano, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e nas organizações da sociedade civil, assim como nas manifestações culturais (Brasil, 1996).

Como um dos direitos fundamentais, a educação deve ser assegurada para educandos com deficiências. O Art. 58º da LDBEN define que “a Educação Especial como modalidade de educação escolar e precisa ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para o educando com deficiência” (Brasil, 1996).

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado na escola regular para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial.

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.

§ 3º A oferta de Educação Especial, nos termos do caput deste artigo, tem início na Educação Infantil e estende-se ao longo da vida, observados o inciso III do Art. 4º e o parágrafo único do Art. 60 desta Lei (Brasil, 2018).

A Educação Inclusiva deve estar presente não apenas no ambiente escolar, mas deve se estender aos desafios que dizem respeito ao desenvolvimento de uma educação centrada na criança, em educar bem, incluindo aquelas crianças que já trazem consigo diversidades e/ou limitações.

A Educação Inclusiva é um ensino pautado na organização da educação, começando pelo Estado que deve se conectar às políticas públicas a favor da adaptação de ruas e calçadas e às formações do professor (para que ele esteja preparado para elaborar atividades significativas). O currículo deve ser adaptado às necessidades das crianças e não vice-versa. As escolas devem, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas à criança com habilidades e interesses diferentes. Crianças com deficiências devem receber apoio instrucional adicional no contexto do currículo regular e não um currículo diferente (Unesco, 1994). Por isso, educar para a inclusão é priorizar um ensino que insere todos os indivíduos no espaço educativo, independentemente de suas especificidades.

Contribuição da Psicomotricidade para a Educação Inclusiva

Quando se trata das contribuições da Psicomotricidade à Educação Inclusiva, é fundamental afirmar o bem que o seu exercício promove ao desenvolvimento de indivíduos com alguma limitação ou deficiência, atuando de modo efetivo e afetivo em áreas específicas:

A Educação Psicomotora proporciona atividades escolares que não podem ser conduzidas se a criança não tiver alcançado a consciência do seu corpo, lateralizar-se, e se não tiver adquirido habilidades e coordenação de seus gestos e movimentos (Le Boulch, 1987, p. 11).

Diante disso, podemos afirmar que a Psicomotricidade, na Educação Inclusiva, é muito mais do que a adaptação de um ambiente para as crianças, mas é ir ao encontro do seu desenvolvimento motor, afetivo, social e cognitivo, dentro de uma realidade psicossocial.

Objetivo geral

Analisar as contribuições da Psicomotricidade para a Educação Inclusiva.

Objetivos específicos

  1. Compreender os principais conceitos de Psicomotricidade.
  2. Conhecer as diferentes definições de Educação Inclusiva.
  3. Apontar as contribuições da Psicomotricidade para a Educação Inclusiva.

Metodologia

A presente pesquisa é de abordagem qualitativa, compreendendo a Psicomotricidade e suas contribuições. “Os métodos qualitativos enfatizam as particularidades de um fenômeno em termos de seu significado para um grupo” (Goldenberg, 1997, p. 50).

Com relação ao tipo de pesquisa a partir do objetivo geral, a pesquisa enquadra-se no tipo explicativo e, como técnica de coleta de dados, optamos pela pesquisa de campo com coleta de relatos de professores que passaram por esse processo constante de inclusão. “Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de obter informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma resposta” (Marconi; Lakatos, 2003, p. 186).

Para alcançar o resultado da presente pesquisa, foram realizadas entrevistas por meio da plataforma Google Formulários, com cerca de 20 professores e duas coordenadoras, a fim de melhor compreender a presença e a atuação da Psicomotricidade na prática escolar.

Resultados

Para responder aos nossos objetivos, fizemos a seguinte pergunta: “Você conhece a Psicomotricidade?” O resultado foi bem satisfatório, pois entendemos que, ao conhecer essa ciência, os professores têm a possibilidade de fazer o uso dela.

Tabela 1: Conhecimento do que é a Psicomotricidade

Quantidade de respostas

%

Sim

15

75

Não

5

25

Total

20

100

Percebe-se então que a grande maioria dos profissionais entrevistados conhece a Psicomotricidade, mostrando que essa ciência vem se aproximando cada vez mais das escolas. Entretanto, para responder aos nossos objetivos, perguntamos aos professores se eles conheciam as contribuições da Psicomotricidade para a Educação Inclusiva.

Tabela 2: A Psicomotricidade e suas contribuições

Quantidade de respostas

%

Sim

9

45

Não

11

55

Total

20

100

Infelizmente, a despeito do conhecimento do que é Psicomotricidade, poucos fazem uso dela para realizar o seu fazer pedagógico inclusivo dentro do ambiente da sala de aula.
Apesar de o tema central da presente pesquisa ser a Psicomotricidade, não podemos deixar de perguntar aos nossos entrevistados: “A Educação inclusiva acontece de fato?”.

Tabela 3: Educação Inclusiva na prática

Quantidade de respostas

%

Sim

2

10

Não

10

50

Depende da instituição

8

40

Total

20

100

Como visto, 50% das pessoas falaram que a Educação Inclusiva não acontece de fato. Isso representa o quanto ainda é necessário ser feito a fim de mudar esse quadro. Precisamos de políticas públicas que atuem para uma efetiva Educação Inclusiva nas escolas.

Considerações finais

Diante do levantamento teórico e de pesquisa de campo, antevemos a importância da Psicomotricidade nas habilidades cognitivas dos alunos com deficiências, promovendo uma inclusão de fato. Podemos afirmar que nossos objetivos foram alcançados e que o presente artigo contribui com a prática pedagógica dos professores.

Portanto, ao falarmos de Psicomotricidade e processo de inclusão, entendemos que por se tratar de algo complexo, será a partir das ocorrências e das mudanças no educando que veremos os avanços cognitivos, emocionais, comportamentais e relacionais.

Conclui-se que a Psicomotricidade pode contribuir no aprendizado de alunos com deficiências, porque trabalha suas potencialidades, estimulando o físico, o emocional e o social, além de dar significado ao aprender com prazer. Consideramos, assim, que a absorção de novos conhecimentos está aliada ao prazer, por ser uma busca de estímulos e de motivações, e está somada à possibilidade de favorecer um ambiente harmonioso e equânime a todos.

Referências

ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Hémus, 1966.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 jun. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 10 jun. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.632, de 6 de março de 2018. Brasília, 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13632.htm. Acesso em: 10 jun. 2022.

BRITES, L. A Psicomotricidade otimizando a aprendizagem escolar. 2018. Disponível em: https://static.eventials.com/media/e55e91b2cc22ba117ba8d1546537f7a4c037cf67/a9a9ef8115df35002828204ce15a79ab91958feb/1435784636/apsicomotricidadeotimizandoaaprendizagemescolarpsico.pdf. Aceso em: 22 mar. 2022.

COSTA, A. C. Psicopedagogia & Psicomotricidade: pontos de interseção nas dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

COSTE, J. C. A Psicomotricidade. São Paulo: Zahar, 1978.

FONSECA, V. D. Psicomotricidade. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar. Rio de Janeiro: Record, 1997.

LAKATOS, M. de A.; MARCONI, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

LE BOULCH, J. Rumo a uma ciência do movimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

MELLO, A. M de. Psicomotricidade, Educação Física e jogos infantis. São Paulo: Ibrasa, 1989.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA (UNESCO). Declaração de Salamanca sobre princípios, política e práticas na Área das necessidades educativas especiais. 1994. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000139394. Acesso em: 10 jun. 2022.

Apêndice

  1. Questionário aplicado a professores e coordenadores atuantes na educação.
  2. Nome:
  3. Formação:
  4. Você conhece a Psicomotricidade?
  5. Você conhece as contribuições da Psicomotricidade para a Educação Inclusiva?
  6. Você acredita que a Educação Inclusiva acontece de fato na escola?

Publicado em 19 de setembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SILVA, Gilberto Rodrigues da. A Psicomotricidade e suas contribuições para a Educação Inclusiva. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 36, 19 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/36/a-psicomotricidade-e-suas-contribuicoes-para-a-educacao-inclusiva

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1 Comentário sobre este artigo

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Gilberto Rodrigues da Silva • 6 meses atrás

Que honra está aqui .

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