Análise do Novo Ensino Médio no Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais
Maria Alves de Almeida
Mestra em Gestão e Avaliação da Educação Pública (UFJF), analista educacional – inspetora escolar na Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais
Niltom Vieira Junior
Doutor em Engenharia Elétrica (Unesp), professor do IFMG
Atualmente, a política educacional do Ensino Médio no Brasil ancora-se na Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), conhecida como Lei da Reforma do Ensino Médio. Essa lei, objeto desta pesquisa, alterou a Lei nº 9.394/96 (Brasil, 1996), que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e instituiu a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral.
O objetivo deste trabalho é compreender os fundamentos da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) e o seu reflexo na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) e nas normas do Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais, bem como os desdobramentos dessas normas na organização das escolas. Para tanto, tem-se como objetivos específicos analisar o texto da lei e os documentos a ela relacionados, analisar documentos normativos e orientações do Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais decorrentes da sua adequação à norma nacional e identificar as alterações que ocorreram na organização das escolas para implementação do Novo Ensino Médio a partir de 2022.
A Reforma do Ensino Médio: neoliberalismo ou democracia?
Segundo Ferretti (2018) é questionável a concepção de qualidade da educação que permeia a Reforma do Ensino Médio expressa pela Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), pois ela basicamente atribui os problemas dessa etapa de escolarização à organização curricular. Nesse sentido, desconsidera vários outros fatores que influenciam na qualidade educacional, tais como, a infraestrutura das escolas, a carreira dos professores e as condições de vida dos estudantes.
A esse respeito e acerca também da ampliação da carga horária do Ensino Médio, determinada pela lei em questão, Hernandes (2020) argumenta que:
A ampliação da carga horária e as inovações do currículo, sem política de financiamento para as escolas públicas realizarem essas alterações, sobretudo para contratação, melhor remuneração e melhores condições de trabalho do docente, poderão vir a ser fatores que afastem a escola de sua função social (Hernandes, 2020, p. 579).
No que se refere à reorganização curricular, a promessa da Reforma é flexibilizar o currículo do Ensino Médio, possibilitando aos alunos a escolha de Itinerários Formativos. Para Mendonça Júnior, Fhon e Cassin (2021), essa flexibilização é uma contradição, já que o próprio texto da Medida Provisória nº 746/16 (Brasil, 2016), convertida na Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), diz que os itinerários formativos serão definidos pelos sistemas de ensino. Efetivamente, as escolhas não serão dos alunos, cujas opções dependerão das condições econômicas, logísticas e estruturais dos sistemas. Isso retira a autonomia deles para escolher o caminho a seguir.
As condições dos sistemas de ensino são expressas na realidade das escolas públicas que os compõem. Assim, o poder de escolha de itinerário formativo pelo aluno dependerá, em última instância, das condições da escola à qual ele tem acesso. Na avaliação de Maciel (2019),
Isso pode ser especialmente problemático diante da realidade das escolas públicas brasileiras que carecem de recursos financeiros, estrutura e corpo docente, especialmente em municípios menores. Para que a mudança proposta possa gerar o efeito esperado, é preciso que haja investimento, apoio e articulação entre os entes federativos, de modo a se viabilizar a oferta desses itinerários nas escolas, como por exemplo com transporte escolar, o que não foi previsto na lei (Maciel, 2019, p. 6).
Soma-se a isso o fato de a Reforma do Ensino Médio ter sido imposta à sociedade sem amplo debate e sem o suficiente diálogo, já que é o resultado de uma medida provisória.
O uso da medida provisória caracteriza uma forma autoritária de legislar, que sinaliza o desprezo pelo necessário diálogo acadêmico e legislativo, típico de um regime de exceção. A alteração da LDB de forma açodada, sem o debate sobre os impactos que a Reforma produzirá a médio e longo prazo, pode ser considerada, no mínimo, como irresponsável e inadequada, e compromete a oferta de qualidade desse nível de ensino (Lino, 2017, p. 77).
Santos (2019), por outro lado, considera que a Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) proporciona mais autonomia aos estudantes e permite às escolas oferecer-lhes uma educação mais interessante. O autor trata a diminuição do número de disciplinas obrigatórias como um ponto positivo da lei e ressalta a importância do fortalecimento do ensino profissionalizante pela Reforma. Segundo ele, isso abre caminho para que as pessoas se viabilizem economicamente e o país se desenvolva.
Nesse ponto, cabe refletir sobre a quem interessa a valorização da educação profissional de nível médio, focada na preparação de mão de obra, sem preocupação com a formação ampla e crítica dos alunos e sem uma política de fomento à continuidade dos estudos no Ensino Superior público. Na verdade, “a reforma do Ensino Médio busca a expansão do Ensino Superior privado” (Gonçalves; Koepsel, 2018, p. 80) que começou a entrar em crise no final de 2014, acirrando-se a partir de 2016, sobretudo devido à diminuição do número de bolsas disponibilizadas pelo Programa de Financiamento Estudantil (FIES) do governo federal.
O estreitamento do FIES acarretou queda no número de matrículas nas instituições privadas de Ensino Superior, de forma que “a solução encontrada para superar a crise do financiamento da rede privada encontra-se na justificativa da flexibilidade” (Gonçalves; Koepsel, 2018, p. 84). Isso porque a flexibilidade de horário e de duração dos cursos de graduação na modalidade de Educação à Distância (EaD) nas instituições privadas têm se mostrado um atrativo para concluintes do Ensino Médio. A formação flexível proporcionada pela Reforma do Ensino Médio, portanto, “está articulada aos interesses competitivos de um mercado educacional no Ensino Superior” (Gonçalves; Koepsel, 2018, p. 84). Inclusive, de acordo com a Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), a BNCC passa a ser referência para os currículos de formação de docentes. Esse espírito neoliberal do Novo Ensino Médio de preparação para o mercado de trabalho e da formação flexível atrelada aos interesses mercadológicos do Ensino Superior privado contraria a própria Lei da Reforma, que prevê a formação integral do aluno. Nesse contexto, a formação integral está fadada a ficar restrita à formalidade da previsão legal, dado o espírito neoliberal que permeia o texto da lei. Ampliar a carga horária do Ensino Médio, como faz a Reforma em questão, não necessariamente significa que o aluno terá a oportunidade de se desenvolver integralmente.
Nessa nova organização do Ensino Médio, o aluno que optar pelo itinerário da Educação Profissional pode ter ainda menos oportunidade de uma formação ampla e emancipatória, que o prepare para atuar criticamente na sociedade. A preparação para o trabalho é necessária, mas precisa estar associada à formação integral do ser humano. Nesse sentido, Bugs, Tomazetti e Oliari (2020) afirmam, a partir de ampla revisão bibliográfica sobre a Reforma do Ensino Médio, que ela tem caráter regressivo, por subordinar as finalidades da educação ao regime de produção capitalista. Esses autores denunciam a dualidade da organização curricular do Novo Ensino Médio nos seguintes termos:
trata-se da oferta de uma Educação Básica com caráter propedêutico para um público mais abastado e a oferta de formação técnica profissionalizante de nível médio para os/as filhos/as da pobreza, cuja consequência imediata é a desigualdade do acesso ao conhecimento e manutenção das desigualdades sociais, mantendo os/as filhos/as da pobreza na pobreza e as elites nos postos de trabalho com melhor remuneração, melhores condições de trabalho e prestígio social (Bugs; Tomazetti; Oliari, 2020, p. 93).
O problema, portanto, não é a educação profissional, mas a sua organização curricular. A previsão legal de um Itinerário Formativo de “formação técnica e profissional” (Brasil, 2017) dificulta a sua articulação e integração com a formação em Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas (Maciel, 2019). Trata-se da fragmentação do conhecimento, que marca a dita flexibilização curricular do Novo Ensino Médio, pois, “mesmo que as escolas possam ofertar os cinco itinerários, o aluno continua podendo, por direito, se matricular em apenas um itinerário, e caso sobre vaga, então, cursar um segundo” (Bugs; Tomazetti; Oliari, 2020, p. 94).
Nessa perspectiva, Silva e Silva (2021) criticam o Novo Ensino Médio instituído pela Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), sobretudo pelo fato de, em nome de uma falsa ideia de liberdade de escolha de itinerários formativos pelos alunos, ele negligenciar algumas áreas do conhecimento em detrimento de outras ou centralizar o percurso do aluno na formação técnica e profissional.
Assim, dotado de um espírito neoliberal, com um currículo focado no desenvolvimento de “competências e habilidades” (Brasil, 2017), independentemente do arranjo curricular que venha a ser cursado pelo aluno, o Novo Ensino Médio não favorece o pleno desenvolvimento do ser humano em sua formação para a emancipação. Isso torna ainda mais desafiador o ofício de professor, que precisa ensinar aos alunos o valor da luta contra as desigualdades e injustiças sociais que persistem no Brasil. Nesse contexto, educar chega a ser um remar contra a maré, já que se deve ensinar aquilo que se opõe ao cerne da política educacional do país.
Esse projeto neoliberal vem se fortalecendo e se efetivando no Brasil nos últimos anos, tentando convencer os jovens de que a solução para eles é uma educação potencializadora de sua capacidade competitiva. Essa prática, segundo Oliveira (2020, p. 9), “é pura expressão da desconstrução dos avanços sociais, lentamente conquistados”.
Steimbach (2019), ao analisar a Exposição de Motivos nº 00084/16/MEC (Brasil, 2016), enviada pelo então ministro de Estado da Educação ao presidente da República, como justificativa para a Reforma do Ensino Médio por meio de medida provisória, alerta para a notória vinculação que esse texto oficial faz dos problemas do Ensino Médio com a condição da economia brasileira. Especialmente os motivos expostos nos itens 6, 14 e 15 do documento sintetizam a preocupação do governo daquele momento de investir com urgência no Ensino Médio para garantir a existência de uma população economicamente ativa e preparada para impulsionar o desenvolvimento econômico do país nas próximas décadas.
A Reforma do Ensino Médio ganhou impulso em um contexto político, no ano de 2016, em que se atualizava a disputa em torno do projeto educacional no Brasil. Assim, a partir da análise do contexto político brasileiro do momento da edição da Exposição de Motivos nº 00084/16/MEC (Brasil, 2016), percebe-se que o conteúdo da Reforma “está eivado de necessidades que pouco têm a ver com educação, mas com a vinculação forçosa que fazem dela com um dado projeto de desenvolvimento econômico” (Steimbach, 2019, p. 149) do país.
Outro ponto da Reforma do Ensino Médio importante de ser destacado é que
a Lei nº 13.415/17 retira a obrigatoriedade do ensino da Filosofia, Sociologia, Educação Física e Arte, passando a ser obrigatório apenas seus estudos e práticas. Entretanto, torna obrigatório o ensino de Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa, mas apenas Português e Matemática são obrigatórios nos três anos do Ensino Médio (Bugs; Tomazetti; Oliari, 2020, p. 91).
De acordo com Ferreti (2018), a expressão “estudos e práticas” é intencionalmente mais vaga e imprecisa que os termos “ensino e oferta”, utilizados para os componentes curriculares obrigatórios. Com a substituição da obrigatoriedade legal de oferta das disciplinas de Filosofia, Sociologia, Educação Física e Arte pelos seus estudos e práticas, poderá haver flexibilização da oferta de conteúdos importantes para o desenvolvimento físico e intelectual, bem como da capacidade crítica e reflexiva dos estudantes.
Metodologia
A pesquisa proposta foi realizada por meio de análise documental. Foram analisados, em comparação com a Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), documentos normativos e orientações do Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais, tais como: o Currículo Referência de Minas Gerais (CRMG) (Minas Gerais, 2021a), a Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b) e a Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c).
Análise dos dados
A análise documental nasceu do referencial teórico selecionado para a pesquisa pelo cotejamento da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), com documentos a ela correlatos. Entre os autores cujas produções teóricas contribuíram para a análise estão: Ferretti (2018), Hernandes (2020), Mendonça Júnior, Fhon e Cassin (2021), Maciel (2019), Steimbach (2019), Gonçalves e Koepsel (2018) e Bugs, Tomazetti e Oliari (2020).
A lei da Reforma do Ensino Médio e a BNCC
Bugs, Tomazetti e Oliari (2020) sintetizam o conteúdo da Lei da Reforma do Ensino Médio:
A Lei nº 13.415/17 opera duas mudanças principais no Ensino Médio: a ampliação da carga horária e a organização curricular flexível. A ampliação da carga horária é prevista de dois modos: primeiro nas escolas regulares e de forma imediata, passando de 800 horas para 1.000 horas anuais; segundo, pela instituição de novas escolas de Ensino Médio de tempo integral, passando a 1.400 horas anuais. Quanto à organização curricular do Novo Ensino Médio, há uma parte geral e comum a todos, ancorada na Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCC/EM), e a opção por itinerários formativos a serem ofertados, de acordo com as possibilidades e recursos de cada sistema de ensino, sendo obrigatória a oferta de pelo menos um dos cinco itinerários [I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional] em cada escola. Aos estudantes é dada a possibilidade/liberdade de escolher um, no máximo dois (caso haja vaga), entre os itinerários que suas escolas terão condições de ofertar (Bugs; Tomazetti; Oliari, 2020, p. 87).
Esses autores afirmam que houve uma manipulação jurídica na definição da reforma curricular do Ensino Médio pela Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), “aprovada sem que se tivesse conhecimento do conteúdo da BNCC/EM, cuja versão final só foi publicada em 4 de dezembro de 2018” (Bugs; Tomazetti; Oliari, 2020, p. 92). Isso porque, desde a Medida Provisória nº 746/16 (Brasil, 2016), a proposição era de que a reforma curricular se daria baseada na BNCC do Ensino Médio, um documento inexistente. “Na prática, como a lei trata apenas das diretrizes mais genéricas a serem aprofundadas na Base Nacional, aprovar a lei sem Base significou dar um cheque em branco ao Executivo” (Maciel, 2019, p. 13, grifo nosso). Ao final das contas, a BNCC é que se baseou na Lei da Reforma.
Observa-se que a Reforma fundamenta a BNCC, sobretudo pelas inúmeras referências que esta faz à Lei 13.415/17 (Brasil, 2017), entre elas a seguinte:
Em função das determinações da Lei nº 13.415/17, são detalhadas as habilidades de Língua Portuguesa e Matemática, considerando que esses componentes curriculares devem ser oferecidos nos três anos do Ensino Médio (Brasil, 2018, p. 33).
É importante ressaltar que essa determinação legal de que os componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, somente esses devem ser oferecidos nos três anos do Ensino Médio indica a valorização de determinados conhecimentos em detrimento de outros. Essa determinação também aponta para a noção de qualidade que permeia a Reforma do Ensino Médio. A análise das razões apresentadas pelo governo federal para a Reforma no texto da Exposição de Motivos nº 00084/16/MEC (Brasil, 2016) indica que, para essa política educacional, “qualidade se mede pelo desempenho dos estudantes em exames externos feitos em larga escala; logo, basta alterar o currículo de modo a adequá-lo a tais avaliações” (Steimbach, 2019, p. 159) e, assim, alcançar melhoria no desempenho dos estudantes nas avaliações externas.
Os efeitos da Reforma do Ensino Médio no CRMG
Em consonância com a Lei da Reforma do Ensino Médio e com a BNCC, o CRMG, ao tratar das competências das áreas do Ensino Médio, diz que, para cada uma dessas competências, “são descritas habilidades a serem desenvolvidas ao longo da etapa, além das específicas de Língua Portuguesa e Matemática – componentes obrigatórios durante os três anos do Ensino Médio” (Minas Gerais, 2021a, p. 39). A intenção aqui é demonstrar que os currículos dos sistemas de ensino têm que se adequar às normas nacionais. Assim, se a Reforma em questão “compreende a qualidade do ensino de modo a limitá-la a condições curriculares que promovam o sucesso em avaliações externas” (Steimbach, 2019, p. 143), essa noção de qualidade estará reproduzida nos currículos dos diferentes sistemas de ensino, pelo menos no sentido de que alguns componentes curriculares (nesse caso, Língua Portuguesa e Matemática) têm prioridade sobre outros.
A Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b) institui e orienta a implementação do CRMG nas escolas de educação básica do Sistema de Ensino do Estado de Minas Gerais. Essa Resolução, no artigo 9º, em conformidade com a Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), estabelece que:
O Currículo Referência do Ensino Médio, em especial, adota a tônica da flexibilidade como premissa de organização curricular, possibilitando a articulação entre as áreas do conhecimento e os componentes curriculares, permitindo a construção de currículos escolares e proposições pedagógicas que atendam, de forma mais adequada, às especificidades locais e às multiplicidades de interesses dos estudantes (Minas Gerais, 2021b).
Vê-se, então, reproduzido na norma do Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEEMG) o principal argumento da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) para atrair o interesse dos estudantes, a organização curricular flexível. O CEEMG ainda argumenta que a flexibilidade da organização curricular possibilita a articulação entre as áreas do conhecimento e os componentes curriculares. No entanto, Bugs, Tomazetti e Oliari (2020) afirmam, com base em um conjunto significativo de autores, que a flexibilização no contexto do Novo Ensino Médio significa fragmentação, pois reduz o tempo de formação geral e comum dos estudantes a 1.800 horas e lhes oferece uma formação específica mínima de 1.200 horas por meio de Itinerários Formativos aligeirados. Assim, segundo esses autores, a Reforma do Ensino Médio “dissimula a fragmentação curricular em uma ideia de integração que não se sustenta” (Bugs; Tomazetti; Oliari, 2020, p. 91).
No Art. 85 da Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b), o CEEMG assim define os Itinerários Formativos:
Os itinerários formativos são a parte flexível, diversificada e dinâmica do currículo, constituídos por um conjunto de unidades curriculares que permitem, ao estudante, criar caminhos ou percursos distintos, que irão compor a sua formação, a partir de suas escolhas, de acordo com seus interesses, suas aptidões, seus objetivos e seu projeto de vida (Minas Gerais, 2021b).
Nessa perspectiva, o CEEMG (Minas Gerais, 2021b) estabelece que os itinerários formativos devem ser compostos por três unidades curriculares: I - Aprofundamento da Área do Conhecimento e/ou Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPT), II - Projeto de vida e III - Eletivas.
O Projeto de vida, de acordo com a Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b), é componente curricular obrigatório nos três anos do Ensino Médio e visa ao desenvolvimento da capacidade de autoconhecimento, de potencialidades, de aspirações, de interesses e de objetivos de vida.
As eletivas são unidades curriculares de duração semestral ou anual que ampliam o leque de ofertas e permitem que os estudantes diversifiquem seus conhecimentos para além da área do conhecimento por eles escolhida. Elas podem ser integradas e abordar componentes de mais de uma área, assim como podem ser vinculadas à EPT. Ainda segundo o CEEMG,
As eletivas devem ser elaboradas e propostas, pelos professores, considerando as capacidades e os interesses dos discentes, em diálogo com todo o corpo docente e com as necessidades e as preferências dos estudantes, com foco nos seus projetos de vida, oportunizando-lhes processos de escolha (Minas Gerais, 2021b).
É importante destacar que o artigo 94 da Resolução CEE nº 481 (Minas Gerais, 2021b), aponta para a possibilidade de a região ofertar Itinerários Formativos Integrados, combinando mais de uma área do conhecimento, podendo ou não ser completados por EPT. Essa previsão, na verdade, está na Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), segundo a qual “a critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular e dos itinerários formativos” (Brasil, 2017), considerando as quatro áreas do conhecimento e a formação técnica e profissional. Essa possibilidade, segundo Bugs, Tomazetti e Oliari (2020), parece abrir espaço em meio a tantas desconstruções da Reforma do Ensino Médio para recompor o currículo e amenizar o problema da fragmentação do conhecimento no Novo Ensino Médio.
Fica definido pela Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b), em sintonia com a Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), que o Currículo do Ensino Médio é composto pela Formação Geral Básica e pelos itinerários formativos.
A Formação Geral Básica compõe-se das quatro seguintes áreas e seus respectivos componentes curriculares:
- I - Linguagens e suas tecnologias: a) Língua Portuguesa, b) Língua Inglesa, c) Arte e d) Educação Física;
- II - Matemática e suas tecnologias: a) Matemática;
- III - Ciências da Natureza e suas tecnologias: a) Biologia, b) Física e c) Química;
- IV - Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: a) Geografia, b) História, c) Filosofia e d) Sociologia.
Os itinerários formativos, conforme já descrito, devem ser compostos por três unidades curriculares: I - Aprofundamento da Área do Conhecimento e/ou EPT, II - Projeto de Vida e III - Eletivas.
As matrizes curriculares do Novo Ensino Médio definidas pela SEEMG
Tendo em vista a definição do início do ano letivo de 2022 como “prazo máximo para a implementação dos novos currículos no 1º ano/série do Ensino Médio para todas as instituições de ensino autorizadas a ofertar o Ensino Médio no Sistema de Ensino do Estado de Minas Gerais” (Minas Gerais, 2021b), a SEEMG publicou a Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c). Essa Resolução dispõe sobre as matrizes curriculares para as turmas do 1º ano do Ensino Médio e as turmas de 1º e 2º períodos do Ensino Médio da Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), com início em 2022 na Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais.
Foram definidas pela Resolução SEE nº 4.657/22, 26 matrizes curriculares a serem adotadas pelas escolas estaduais de Minas Gerais, para as turmas de 1º ano do Ensino Médio e para as turmas do 1º e 2º períodos do Ensino Médio da modalidade de EJA, a partir de 2022, considerando-se as diversas modalidades e ofertas dessa etapa de ensino nessas escolas: I - 1º Ano do Ensino Médio Diurno, II - 1º Ano do Ensino Médio em Tempo Integral, III - 1º Ano do Ensino Médio Noturno, IV - EJA (1º e 2º períodos), V - Escola Estadual Francisco Sales – Instituto de Deficiência da Fala e Audição – Belo Horizonte (EJA – 1º e 2º períodos), VI - Correção de Fluxo (1º e 2º períodos), VII - 1º ano do Ensino Médio – Pedagogia da Alternância; VIII a XX - 1º ano do Ensino Médio Diurno – Educação Indígena (Escolas Estaduais Indígenas Específicas) e XXI a XXVI - 1º ano do Ensino Médio – EJA – Educação Indígena (Escolas Estaduais Indígenas Específicas).
Nas matrizes curriculares definidas pela Resolução SEE nº 4.657/21, a carga horária para o 1º ano do Ensino em 2022 está estabelecida da seguinte forma: Ensino Médio Diurno – 1.000 horas, Ensino Médio Integral – 1.500 horas, Ensino Médio Noturno – 1.000 horas e Ensino Médio Integral Profissional – 1.500 horas. Já o 1° e o 2º períodos do Ensino Médio na modalidade de EJA, para o 1º e o 2º semestres de 2022, respectivamente, são organizados com a carga horária de 400 horas cada um.
Observa-se, no conjunto dessas matrizes curriculares, que a SEEMG não suprimiu componentes curriculares ao organizar o currículo do Novo Ensino Médio para as escolas estaduais. As matrizes estão todas organizadas com a manutenção das disciplinas Educação Física, Arte, Sociologia e Filosofia, as quais não constam como obrigatórias na Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017). A obrigatoriedade, nessa lei, passa a ser de “estudos e práticas” dessas disciplinas, o que preocupa alguns pesquisadores, entre eles Ferretti (2018), Maciel (2019) e Bugs, Tomazetti e Oliari (2020), já que sem a exigência legal os sistemas podem suprimi-las de suas matrizes curriculares e limitar-se a utilizar suas contribuições para o estudo de temas específicos em outros componentes curriculares ou projetos interdisciplinares. É positivo, assim, o fato de Minas Gerais manter as disciplinas de Educação Física, Arte, Sociologia e Filosofia como componentes curriculares do Ensino Médio, pois dá a garantia de que os estudantes terão acesso ao mínimo dos seus conteúdos, de indiscutível relevância para sua formação.
Assim como determina a Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b), as matrizes definidas pela Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c) estão organizadas em duas partes: I - Formação Geral Básica, composta pelas 4 áreas do conhecimento (Linguagens e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Ciências da Natureza e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias) e os seus respectivos componentes curriculares e II - Itinerário Formativo, organizado em unidades curriculares e seus respectivos componentes curriculares.
Cada matriz curricular apresentada pela Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c) traz apenas um Itinerário Formativo para 2022, pois “todos os estudantes vivenciarão todos os componentes curriculares ofertados em cada unidade curricular”, tanto os de 1º ano quanto os de 1º e 2º períodos da EJA. A SEEMG (Minas Gerais, 2021d) explica que se trata de um momento de aproximação e preparação para a escolha de Itinerários nos próximos anos e que a partir de 2023/24 os alunos vão optar por uma das áreas de aprofundamento ou pelo Itinerário Técnico Profissional. Esclarece que a intenção é que eles experimentem primeiro um pouco de cada área e do que é o Mundo do Trabalho, além das eletivas e do Projeto de Vida, sendo este último componente curricular obrigatório em todos os anos/períodos do Novo Ensino Médio.
Essa organização para 2023, em certa medida, significa a oferta de um Itinerário Integrado que tem previsão tanto na Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) quanto na Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b), o que é positivo para a integração dos conteúdos curriculares, conforme defendem Bugs, Tomazetti e Oliari (2020). Por outro lado, com essa organização, a promessa da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) de escolha de Itinerários Formativos pelos estudantes não está sendo cumprida nas escolas estaduais de Minas Gerais em 2022.
Resta saber se, nos próximos anos, os alunos efetivamente poderão escolher o Itinerário Formativo a cursar e se haverá equidade nesse processo, dadas a extensão territorial do Estado e a disparidade entre as escolas no que se refere à estrutura para implementação da Reforma do Ensino Médio. Já há indícios de que, na prática, o poder de escolha dos alunos será limitado, assim como será desigual o acesso, por exemplo, ao itinerário da EPT. A SEE/ MG (Minas Gerais, 2021d), que já anunciou que não conseguirá implementar o Itinerário da EPT em todas as escolas.
Os desdobramentos do Novo Ensino Médio na organização das escolas
Em termos de organização, a principal mudança que vivenciam as escolas que ofertam Ensino Médio diurno, a partir de 2022, é que este passou a ter “carga horária diária de 6 módulos-aula de 50 minutos, totalizando 30 módulos-aula semanais” (Minas Gerais, 2021c) para, ao final dos 200 dias letivos, estar garantida a oferta de 1.000 horas anuais. Com isso, as escolas adaptadas à oferta de 5 módulos-aula diários, viram-se desafiadas a se reorganizar para a oferta do 6º horário diário de aula para o 1º ano do Ensino Médio Diurno. A Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c) prevê que,
em situações excepcionais, autorizadas pela Secretaria de Estado de Educação, a carga horária correspondente ao 6° horário diário poderá ser cumprida em um único dia da semana no contraturno, em 5 (cinco) módulos-aula de 50 (cinquenta) minutos, para as escolas que atendam modalidades especiais e atendimento específicos (Escola Quilombola, Escola do Campo, Escola Indígena, Escola Especial e Escolas inseridas em Unidades Socioeducativas e Unidades Prisionais) ou escolas que atendam estudantes beneficiados com o Programa Estadual de Transporte Escolar (Minas Gerais, 2021c).
De toda maneira, seja com seis módulos-aula diários ou com cinco acrescidos de mais cinco no contraturno, um dia por semana, as escolas tiveram que reorganizar seus tempos e espaços para a implementação do Novo Ensino Médio em 2022.
Na Superintendência Regional de Ensino (SRE) Coronel Fabriciano, uma das 47 SRE da SEEMG, conforme dados do Sistema Mineiro de Administração Escolar (Simade) (Minas Gerais, 2022), das 32 escolas que em 2022 ofertavam Ensino Médio diurno (que não são escolas de EMTI), cinco precisaram utilizar a excepcionalidade do contraturno para se adequarem à gestão municipal do Programa Estadual de Transporte Escolar. Uma dessas escolas, além de ter que se adequar à organização municipal do transporte escolar, teve dificuldade em realizar o atendimento no contraturno por incapacidade de sua rede física. Precisou, portanto, usar espaço alternativo para esse fim, tendo que transformar seu auditório em sala de aula.
Segundo Maciel (2019) é preciso haver investimento, apoio e articulação entre os entes federados para que as mudanças propostas pela Reforma do Ensino Médio gerem o efeito esperado, inclusive no sentido de viabilizar a oferta dos Itinerários Formativos. A autora cita justamente o exemplo do transporte escolar como garantia, acrescentando que a Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) não fez previsão referente a investimento, apoio e articulação interfederativa para a viabilização da oferta dos itinerários pelas escolas.
A Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) prevê investimento no que se refere à “Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral” por ela instituída. Essa política de fomento, conforme parágrafo único do Art. 13 da lei (Brasil, 2017), “prevê o repasse de recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal pelo prazo de dez anos por escola, contado da data de início da implementação do ensino médio integral” em cada escola contemplada.
Em consequência dessa política, a SRE Coronel Fabriciano contou, em 2022, com doze escolas de EMTI (Minas Gerais, 2022), tendo começado com três escolas em agosto de 2017 e expandido o número de escolas a cada ano, com previsão de expansão gradativa das escolas de EMTI.
É importante destacar que, embora a SEEMG já venha implementando o EMTI desde 2017, a Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c) define a matriz curricular também para o 1º ano do EMTI em 2022, conforme descrito anteriormente. Isso ocorre para adequação da matriz curricular ao formato exigido pelo Novo Ensino Médio, Formação Geral Básica mais Itinerários Formativos, cuja implementação se tornou obrigatória no 1º ano do Ensino Médio em 2022.
Quanto às escolas da rede privada de Ensino Médio de Minas Gerais, elas integram o Sistema Estadual de Ensino. Portanto, a Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b) destina-se também a elas, já que institui e orienta a implementação do CRMG nas escolas de Educação Básica do Sistema de Ensino do Estado de Minas Gerais. Entretanto, essas escolas têm autonomia para construírem seus próprios currículos, desde que respeitem as determinações da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) e a BNCC (Brasil, 2018). Elas podem utilizar as matrizes definidas pela Resolução SEE nº 4.657/21 (Minas Gerais, 2021c) para as escolas estaduais de Minas Gerais, que estão de acordo com as determinações do CEEMG. Na verdade, não faz muita diferença a opção por um currículo próprio ou pelo CRMG, já que, assim como as normas do CEEMG, ele reproduz praticamente a integralidade da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) e da BNCC (Brasil, 2018). Optando por um currículo próprio, o que essas escolas poderão apresentar com diferenças consideráveis são os itinerários formativos, considerados a parte flexível do Novo Ensino Médio.
A respeito da adesão ao CRMG pelas redes de ensino, o Parecer nº 278/SEE/CEE - Plenário/21 (Minas Gerais, 2021e), que apresenta o projeto da Resolução CEE nº 481/21 (Minas Gerais, 2021b):
A adesão ao CRMG tem caráter obrigatório para as escolas da rede estadual de ensino e escolas municipais, em cidades sem sistema próprio de ensino. Para favorecer a compatibilidade entre as alternativas de oferta, especialmente no caso do Ensino Médio, cuja flexibilização proposta pelo CREM [Currículo Referência do Ensino Médio] já abrange um rol de diversas possibilidades, a adesão é recomendada aos municípios com sistema próprio de ensino, às instituições de ensino privadas e comunitárias de Minas Gerais (Minas Gerais, 2021e, p. 3).
Observa-se, portanto, que há uma recomendação do CEEMG e da SEEMG de que tanto as escolas municipais quanto as privadas e comunitárias de Minas Gerais adotem o CREM. Ressalta-se, no entanto, que na circunscrição da SRE Coronel Fabriciano não há a oferta de Ensino Médio por escolas municipais, já que é incumbência dos Estados “oferecer, com prioridade, o Ensino Médio a todos que o demandarem” (Brasil, 1996).
Considerações finais
Pela análise da Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017), dos documentos correlatos a ela e da produção bibliográfica sobre o assunto, conclui-se que uma reformulação do Ensino Médio era necessária, sobretudo devido aos altos índices de evasão e abandono nessa etapa de escolarização e ao baixo desempenho que o país vem alcançando nas avaliações externas do Ensino Médio. No entanto, a reforma expressa pela Lei nº 13.415/17 (Brasil, 2017) não traz melhorias para o cenário educacional brasileiro.
Além de alterar significativamente o Ensino Médio, principalmente em termos de currículo, sem debate efetivo com a sociedade, já que se deu por meio de medida provisória, a reforma está fundamentada no discurso neoliberal, que não condiz com a construção de uma sociedade justa e democrática. Nessa perspectiva, o Novo Ensino Médio pode ser considerado um retrocesso, no sentido de fortalecer os interesses dos mais abastados em detrimento da formação ampla dos sujeitos e da construção de uma sociedade com menos desigualdades sociais.
Esse retrocesso atinge o sistema de ensino do Estado de Minas Gerais, bem como o dos demais entes federados, já que o conteúdo da Lei da Reforma do Ensino Médio foi incorporado à LDB de 1996. Assim, as normas de todos os sistemas de ensino do país devem estar adequadas à nova legislação que determina a implementação de um Novo Ensino Médio, de espírito neoliberal, em todas as escolas brasileiras que ofertam essa etapa da Educação Básica.
Referências
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Publicado em 26 de setembro de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
ALMEIDA, Maria Alves de; VIEIRA JUNIOR, Niltom. Análise do Novo Ensino Médio no Sistema Estadual de Ensino de Minas Gerais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 37, 26 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/37/analise-do-novo-ensino-medio-no-sistema-estadual-de-ensino-de-minas-gerais
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