Ensino inclusivo: relatos de experiência de professores da sala de atendimento educacional especializado

Flávio Penteado de Souza

Mestrando em Antropologia Social (UFMS)

Este relato de experiência trata das práticas inclusivas realizadas com alunos da sala de atendimento educacional especializado (AEE) numa instituição estadual de ensino no município de Sinop, no Mato Grosso, no período remoto da pandemia da Covid-19, em 2021. Os alunos estão inseridos no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio e, semanalmente, tiveram interações pedagógicas desenvolvidas por meio do uso de tecnologias digitais e comunicação via celular com os docentes da sala de AEE.

Diante da pandemia enfrentada, passamos por uma reestruturação sobre o modelo educacional que tínhamos até 2019. Diante disso, a rede estadual de educação de Mato Grosso precisou organizar como seria esse retorno às aulas em formato híbrido ou por sistema remoto, com aulas assíncronas.

Diante das medidas adotadas em reuniões com os representantes da Secretaria de Saúde e da Secretaria de Estado e Educação de MT, decidiu-se que as aulas seriam propostas por meio síncrono e/ou assíncrono, de acordo com a realidade educacional das escolas, sendo avaliada a situação específica de cada município e unidade escolar.

Com isso, a Escola Estadual Professora Edeli Mantovani seguiu as orientações do estado e passou a ofertar aulas em sistema remoto aos alunos, com o envio de videoaulas e material apostilado aos alunos, aplicados ao ensino regular e à sala de recursos/sala de AEE.

A sala de AEE é a sala que atende crianças com deficiência, “os com transtornos globais do desenvolvimento e os com altas habilidades/superdotação”, público-alvo do AEE. Na sala são desenvolvidas atividades que visam assegurar as “condições de acesso ao currículo por meio da promoção da acessibilidade aos materiais didáticos, aos espaços e equipamentos, aos sistemas de comunicação e informação” e um conjunto de atividades escolares (Brasil, 2001).

Relação com as famílias

Em um primeiro momento, o contato com alunos e famílias realizou-se de forma remota, por meio de ligações por telefone ou chamadas de vídeo, a fim de que pudessem se conhecer. Em maio, quando a sala de recursos foi aberta, o município estava em estado crítico de contaminação e não poderia ser feito atendimento presencial nem com pais, nem com alunos.

Desse modo, nesse primeiro contato, procuramos conhecer como os alunos estavam, de que maneira se organizavam em casa e quais os desafios estavam enfrentando, além de compreender se havia o interesse pelo retorno às aulas presenciais, caso fosse possível. A maioria das famílias relatou o receio de mandar os filhos para a escola, pois não sabiam como eles iam reagir à exposição e aos perigos de uma contaminação.

Diante disso, buscou-se atender a todos da melhor forma possível, sem colocar responsáveis e alunos expostos aos riscos. Após o contato por telefone, desenvolvemos uma apostila em forma de avaliação diagnóstica para que as famílias, com horário agendado, viessem buscá-la na escola. Essa foi a forma encontrada para que os professores conhecessem como estava a aprendizagem de cada um e quais eram as suas dificuldades. Para aqueles que tinham impressora em casa, foi encaminhado o material em PDF por e-mail ou WhatsApp.

Uma estratégia de comunicação foi a criação de um grupo de WhatsApp por meio do qual alunos e familiares participavam em canal direto com a escola, recebendo avisos e realizando troca de atividades e experiências. Também serviu de canal para os alunos falarem sobre seu desenvolvimento diário, os áudios, as fotos ou/e os vídeos encaminhados ao grupo.

O atendimento educacional especializado

A partir das decisões administrativas tomadas pela instituição, passamos à organização das aulas remotas. Primeiramente, fez-se necessária a interação com os primeiros contatos, tendo em vista que a Sala de Recursos havia permanecido fechada durante todo o ano de 2020 devido à pandemia.

A sala da escola Estadual Professora Edeli Mantovani é organizada com atendimento aos alunos no período matutino e vespertino, recebendo-os alunos dos três períodos (matutino, vespertino e noturno), tanto do Ensino Fundamental II, como do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). São dois professores de 30 horas para fazer o atendimento de cerca de 40 alunos entre 12 e 22 anos de idade.

A sala conta com recursos didáticos para o atendimento de alunos das mais distintas deficiências, equipada com livros, materiais, jogos, brinquedos, computadores e materiais escolares. Os recursos disponíveis nos possibilitam oferecer um ensino de qualidade aos alunos matriculados, sendo respeitadas as suas especificidades, conforme podemos observar nas Figuras 1, 2 e 3.

Figura 1: Materiais pedagógicos

Na Figura 1 podemos observar a mesa de materiais escolares que são utilizados pelos alunos, com acesso ao material de forma individual, respeitando as normas de segurança e de proteção. É importante a escola ter esses materiais disponíveis, pois nem sempre os pais têm condições financeiras para a aquisição deles.

Tomamos como exemplo os alunos surdos e, na imagem à esquerda, apresentamos alguns materiais voltados ao seu atendimento. Eles são materiais adaptados à realidade específica do surdo, para que ele tenha acessibilidade linguística em Libras.

No município de Sinop/MT, as redes de ensino estadual e municipal atendem diversas crianças surdas nas escolas. Então, faz-se necessário incluir propostas e estratégias que atendam a esse público-alvo, pautadas em estudos a partir de sua língua materna, Libras, que é a língua com a qual os sujeitos surdos se comunicam (Gesser, 2009, p. 27).

Em sala, a criança surda é acompanhada por um profissional intérprete de Libras, profissional que tem formação técnica para promover a comunicação entre os surdos e os ouvintes, traduzindo e interpretando. Nesse momento remoto, o intérprete auxilia na promoção de ações de colaboração na tradução de videoaulas e materiais de suporte aos alunos, sendo um mediador entre docentes da sala de recursos e alunos. O auxílio do intérprete é assegurado pela Lei nº 12.319, de 1° de setembro de 2010, que regulamenta o exercício da profissão de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Brasil, 2010).

A aprendizagem da criança surda será desenvolvida em colaboração entre os agentes envolvidos nesse processo (professor, intérprete e família), sendo pilares fundamentais para o seu desenvolvimento e crescimento integral. Nesse novo sistema a distância, buscamos adaptar nosso exercício pedagógico a fim de atingirmos os objetivos de aprendizagens propostos aos alunos.

Ainda sobre os materiais, podemos notar na Figura 2 livros e recursos utilizados com os alunos nos atendimentos e na preparação das videoaulas.

Figura 2: Livros de histórias infantis e jogos pedagógicos

Os alunos, na sala de recursos, recebem, além do atendimento de acompanhamento das atividades da sala de aula regular (que muitas vezes são adaptadas), o estímulo psicossocial, por meio de estratégias adequadas, para a sua inclusão digital tecnológica com a aprendizagem do uso de computadores.

Os alunos aprendem como fazer o uso dessa tecnologia, desde como ligar, navegar na internet até realizar trabalhos. Os computadores também são utilizados para jogos educativos virtuais e para estabelecer comunicação online entre alunos e professores.

;A inclusão digital é uma necessidade inerente a este século, então isso significa que o “cidadão” do século XXI deve considerar esse novo fator de cidadania que é a inclusão digital, e que constitui uma questão ética oferecer essa oportunidade a todos; ou seja, o indivíduo tem o direito à inclusão digital, e o incluído tem o dever de reconhecer que esse direito deve ser estendido a todos (Ribeiro, 2012, p. 3).

A inclusão digital dos alunos é “um processo que deve levar o indivíduo à aprendizagem no uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC)” e ao acesso “à informação disponível nas redes, especialmente àquela que fará diferença para a sua vida e para a comunidade na qual está inserido” (Ribeiro, 2012, p. 9).

Figura 3: Computadores utilizados nas aulas do AEE

Além dos materiais já mencionados, a sala de recursos possui ainda arquivo onde são anexados todos os documentos que dizem respeito à vida escolar dos alunos, desde documentos pessoais até laudos clínicos. Todo esse material encontra-se arquivado, com cópias na secretaria da unidade escolar. Nesse espaço, os professores da sala de aula regular, tiram dúvidas e acessam o arquivo individual de seus alunos a fim de saberem mais sobre a especificidade de cada um deles.

Um fator muito importante para o bom desenvolvimento do trabalho na Sala de Recursos e a organização documental é sempre obter e renovar os materiais disponíveis para que possa ser oferecido um ensino de qualidade. Dessa forma, o professor conhece melhor o seu aluno e prepara uma aula que esteja de acordo com o seu contexto, vindo ao encontro de suas reais necessidades.

Atividades propostas (metodologia de ensino aplicada)

As atividades desenvolvidas aos alunos, no primeiro momento, foram por meio da apostila de avaliação diagnóstica, adaptada a cada aluno e ampliada a quem fosse necessário, em Libras, atendendo a todos da melhor maneira possível.

Após a devolução da apostila, pudemos constatar como estava o desenvolvimento e a atenção de cada criança. Desse modo, procedemos para um segundo contato, pautado nas dificuldades observadas e nos novos desafios que poderiam se apresentar. Os alunos falaram as suas opiniões a respeito e os professores montaram um novo material a partir desse diagnóstico inicial, sobre o que havia dado certo e o que precisava ser melhorado.

Além das apostilas e vídeos também mandamos links de jogos e sites educativos, preparados pelos professores. Assim, os alunos tinham acesso a um ensino mais lúdico, de acordo com o que dominavam, tendo em vista que a grande maioria já sabia navegar na internet e jogavam jogos online. A proposta era tornar a ferramenta um instrumento educativo que também pudesse ser utilizado na aprendizagem escolar.

No mês de julho foi anunciado o retorno das aulas em formato híbrido. Dessa forma, os alunos seriam divididos em dois grupos e a cada semana viria um grupo específico presencialmente. O outro grupo estaria em casa, fazendo as atividades remotamente, das apostilas ou das videoaulas. Com isso, os alunos foram separados por grupos e aos pais foi disponibilizado horários de atendimento individual, pois devido a pandemia passamos a atender presencialmente alunos, respeitando o cronograma de seu grupo de aprendizagem (1 ou 2).

Com isso, apenas 5% dos alunos deram sinal positivo ao atendimento presencial e os demais continuaram de forma remota, com aulas organizadas com material apostilado e vídeos de aulas com explicações do conteúdo, tudo ampliado aos alunos com deficiência visual e traduzido em Libras aos alunos surdos.

Considerações e resultados

A experiência ainda se apresenta como um desafio diário que aos poucos vem sendo superado. Os alunos se mostram empenhados em realizar as atividades e a darem continuidade aos estudos. A participação das famílias foi um fator muito importante nesse momento, pois representa o elo entre a escola e os alunos. Quando a família auxilia o aluno nas atividades em casa, ele tem mais vontade de aprender e esse momento se torna um espaço de vivências entre famílias e alunos.

Por meio da organização do ensino remoto concluímos que ele também é um momento de aprendizagem para a escola, integrando famílias e suportes. Os alunos, aos poucos, se integraram ao desenvolvimento das aulas, se tornando mais autônomos e abertos ao diálogo.

Um dos pontos negativos foi a falta de acesso a uma internet banda larga de algumas famílias. Dessa maneira, não puderam ver os vídeos com as explicações e tiveram que buscar outras estratégias para aprender como desenvolver as atividades das apostilas. De certo modo, podemos concluir que o ensino remoto por meio de apostilas ou videoaulas contribuem não só aos alunos, mas ainda aos docentes que aprenderam a reinventar suas práticas e formas de ensinar.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Diretrizes operacionais da Educação Especial para o atendimento educacional especializado na Educação Básica. Brasília, 2001. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/rceb004_09.pdf. Acesso em: 10 jan. 2023.

BRASIL. Lei nº 12.319, de 1° de setembro de 2010. Lei do Tradutor e Intérprete de Libras. Brasília, 2010. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12319.htm. Acesso em: 12 jan. 2023.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

GESSER, Audrei. Libras? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua e da realidade surda. São Paulo: Parábola, 2009.

RIBEIRO, Maria Thereza Pillon. Inclusão digital e cidadania. Revista Informação &. Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 12, n° 1, 2012.

Publicado em 26 de setembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, Flávio Penteado de. Ensino inclusivo: relatos de experiência de professores da sala de atendimento educacional especializado. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 37, 26 de setembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/37/ensino-inclusivo-relatos-de-experiencia-de-professores-da-sala-de-atendimento-educacional-especializado

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