A consciência histórica no processo de aprendizagem da História Local

Gabriel Costa de Souza

Mestre em Educação (PPGEDUC/UFRRJ), especialista em Metodologia do Ensino de História (Fameesp) e em Ciências Humanas e Sociais e Mundo do Trabalho (UFPI), licenciado em História (ICHS/UFRRJ)

A consciência reúne os fragmentos de conhecimento que revelam, graças à sua presença simultânea, o mistério do pertencimento. Eles me dizem — ou a você — às vezes na linguagem sutil dos sentimentos, às vezes em imagens comuns ou até em palavras traduzidas para a ocasião, que sim, eis que sou eu — ou que é você — pensando essas coisas, vendo essas visões, ouvindo esses sons e sentindo esses sentimentos. O “eu” e o “você” são identificados por componentes mentais e corporais.
Damásio, 2022, p. 140

O reconhecimento do “eu”, do “outro”, de espaço e tempo é um movimento intimamente conectado com o processo de aprendizagem em História Local, em que a memória permite observar e compreender o passado com a construção de um sistema de comunicação que percorre os fatos, constituindo uma interpretação das experiências e vivências. Essa dinâmica nos direciona ao desenvolvimento desse espaço de reflexão e ponderação sobre a consciência no aprendizado histórico local.

Este ensaio engendra uma correlação da História com a neurociência com o intuito de trabalhar analiticamente o tema da História Local, além de selecionar os devidos instrumentos de análise e o método adotado. De acordo com as características da presente investigação, utilizou-se como abordagem a teórica qualitativa, com o uso dos procedimentos descritivos quanto aos objetivos.

A adoção da pesquisa qualitativa teórica permite compreender os conceitos a partir das relações teóricas entre o objeto de investigação e seu contexto local, absorvendo as particularidades e os aspectos que não são meramente quantificados. Com isso, as subjetividades das estruturas discursivas permitem conhecer a natureza do processo formativo de História Local, as conexões com as pesquisas da neurociência e as características que lhe constituem (Oliveira, 2008).

Esta investigação, de maneira igual, utiliza abordagem descritiva nos procedimentos de análise, permitindo a compreensão do fenômeno da consciência no processo de aprendizagem da História Local (Silveira; Córdova, 2009). Essas escolhas dialogam com o objetivo central deste ensaio, que reside na compreensão teórico-conceitual da consciência no aprendizado histórico local, analisando as operações mentais nesse movimento de localização temporal e na construção de memórias do que está próximo de si.

Com o intuito de atender o objetivo desta investigação, os caminhos metodológicos nos levam para três eixos de análise. No primeiro eixo é apresentada uma definição conceitual sobre a História Local, apresentando os suportes teóricos que moldam esse elemento estrutural para esta investigação. O segundo eixo se preocupa em detalhar os aspectos teórico-conceituais sobre a consciência e a consciência histórica, ressaltando as conexões de pesquisa entre a neurociência, a História da Educação e a historiografia. O terceiro eixo, por fim, se preocupa em compreender teórica e conceitualmente a consciência no aprendizado histórico local, em especial as influências e contribuições no processo de letramento histórico.

História Local: apontamentos teóricos

O compromisso intelectual, teórico e conceitual de um ensaio centrado na consciência histórica no aprendizado em História Local é um elemento primordial no árduo processo de investigação que demanda uma cautelosa observação das estruturas que dão significado pedagógico e histórico aos fenômenos observados. A partir da contribuição de pesquisadores e pesquisadoras – Rogério Haesbaert (1997; 2004), Maria Auxiliadora Schmidt (2007), José D’Assunção Barros (2005), Afonso Graça Filho (2009) e Carlos Eduardo Zlatic (2020) –, é possível mobilizar o conceito de História Local para atender aos objetivos deste ensaio.

Ao falarmos da História Local, não nos limitamos aos fatos de uma rua, bairro, cidade ou de qualquer recorte geográfico circunscrito. O localismo compreende a multiplicidade de elementos que dotam esses espaços de singularidade, evidenciando que a história se dá na correlação com outros espaços em múltiplas dimensões – social, cultural, econômica, política – que devem ser reconhecidas como elementos mutáveis de acordo com a temporalidade e o recorte do pesquisador.

A historicidade do território é um elemento estrutural da História Local, entendendo a mutabilidade dos sujeitos, signos sociais, cultura, economia e política na ocupação e vivência dos espaços. A História Local deve compreender o território a partir de sua relação entre a temporalidade e a territorialidade, em que as diferentes dimensões são destacadas como elementos ligados aos aspectos globais históricos, ou seja, o localismo é produto das distintas relações do seu território específico com outros espaços. Sendo assim, o território e o tempo se entrelaçam, ou, como Le Goff destaca, “o espaço produz a história tanto quanto é modificado e construído por ela” (2006, p. 201).

A História Local não é o mero detalhamento estanque de fatos históricos, datas e nomes que ocuparam determinando espaço geográfico; muito pelo contrário, o localismo exige compreender a heterogeneidade, a mutabilidade e a multiplicidade da História que é necessariamente forjada em muitos territórios por muitas mãos, com resistências, lutas, suportes, negações, disputas, enfim, com a dinâmica da vida. O professor-pesquisador Rogério Haesbaert define que essa teoria de História Local é uma “concepção ‘multiescalar’ e não exclusivista do território que trabalha com a ideia de território como um híbrido, seja entre o mundo material e ideal, seja entre natureza e sociedade, em suas múltiplas esferas (econômica, política e cultural)” (2004, p. 77).

A complexidade do localismo requer o reconhecimento das tensões, disputas e correlações da economia, geografia, natureza, sociedade, política e cultura. A História Local é uma ferramenta para entender e compreender a si e o outro, o seu território e o do outro, valorizando que a história é dinâmica, constante e múltipla (Barros, 2005; Graça Filho, 2009; Zlatic, 2020).

A História Local, segundo Schmidt (2007), é um importante mecanismo de estruturação do processo de ensino-aprendizagem da História e de aproximação identitária do protagonista com o seu território e, consequentemente, uma expansão de criticidade, observação social e interesse sociológico dos aspectos globais históricos. A profícua formação na temática do localismo possibilita uma série de ferramentas pedagógicas e metodológicas que despertam uma observação analítica e um interesse investigativo dos estudantes.

A História Local tem o intuito de revelar as especificidades e o caráter múltiplo dos processos históricos que dão significado histórico aos conteúdos mediados no cotidiano escolar. Localizar-se é multiterritorializar-se. Esse é o elemento central da construção conceitual que envolve a História Local que deve reconhecer e mobilizar os distintos territórios, nomes e temporalidades para entender essa relação do local com o global.

Essa compreensão do ambiente como constituidor da individualidade dialoga com as proposições do professor António Damásio, que ressalta que a humanidade se constituiu a partir da integral e constante interação com o ambiente. É nesse lugar que as vivências são guardadas e transformadas em experiências, em que os sentimentos são expressos, em que a consciência molda uma história completa consigo e com os outros, interagindo coletivamente e ambientalmente (Damásio, 2022).

É a integral interação do indivíduo com o ambiente que gera o “saber” e a partir dela a consciência, o pensamento, a memória, a emoção, a atenção e a cognição, bem como o ser e o sentir em uma dinâmica de interação e reflexão em que se movimenta uma percepção do nosso interior e do mundo exterior (Damásio, 2022). O ambiente nos envolve na subjetividade e pessoalidade, possibilitando as “experiências mentais, do prazer à dor, em conjunto com tudo o que percebemos, memorizamos, relembramos e manipulamos, enquanto descrevemos o mundo que nos cerca e o mundo dentro de nós no processo de observar, pensar e raciocinar” (Damásio, 2022, p. 103).

O movimento de compreensão da consciência no aprendizado de História Local exige uma aproximação teórica dela na formação, revelando o seu processo constitutivo, a dinâmica da consciência na experimentação temporal, as operações mentais realizadas, enfim, um conjunto distinto dos elementos. Essa contextualização, de maneira igual, ocorre a partir da definição teórico-conceitual da consciência e da consciência histórica – objeto do próximo subeixo deste ensaio.

Consciência e a consciência histórica: diálogos entre a historiografia e a neurociência

Se usada inesperadamente e desacompanhada de uma definição apropriada, a palavra “consciência” adquire múltiplos significados e se torna um pesadelo linguístico (Damásio, 2022, p. 108).

Esse aviso teórico-conceitual do neurocientista António Damásio ressalta que a consciência é um termo polissêmico que envolve múltiplas perspectivas, de acordo com as demandas e ideações da área, do objetivo e do método de pesquisa. Compreendendo essa realidade, esta investigação detalha dois desdobramentos analíticos do tema, envolvendo primeiro a consciência no campo da neurociência – assentada nas ideações do pesquisador António Damásio na obra Sentir e saber: as origens da consciência – e a consciência histórica da área de pesquisa da História com o suporte teórico do filósofo e historiador Jörn Rüsen.

O processo constitutivo da consciência, a partir da concepção de Damásio, está intimamente ligado ao self – a perspectiva subjetiva – que organiza os conteúdos mentais em imagens, os interpreta e os projeta para a ação do sujeito (Damásio, 2022). O movimento de ‘tornar-se consciente’ envolve um conjunto heterogêneo de subsistemas cerebrais que induzem uma ativação, atenção e seleção do objeto de análise a partir de objetivos e motivações próprias que induzem as atividades motoras e de cognição (Scorsato; Silva, 2017; Damásio, 2022).

A crucialidade da consciência é possível a partir de dois níveis: a central e a mente ampliada. A primeira trata das representações cerebrais do corpo com o espaço em que se mobilizam o conhecimento, o mapeamento do objeto, as mudanças no organismo a partir dessa relação, a construção de novos mapas mentais e os sentimentos (Rosa, 2018). A teoria de Damásio sintetiza esse movimento como a relação do indivíduo com vê, escuta e toca, sobretudo o que se percebe no corpo, correspondendo à percepção do sujeito pelas imagens que fluem em sua mente consciente que atuam em seu próprio interior para constituir novos mapas mentais (Damásio, 2022).

A mente ampliada é baseada no self autobiográfico – perspectiva subjetiva de si hábil na projeção futura – que é consciente do tempo e espaço atual, projetando para experiências e vivências futuras (Rosa, 2018). Os mapas mentais são constituídos em uma renovação e são capazes de avaliar e projetar o “eu” em ambientes distintos e em cenários ainda desconhecidos a partir do seu posicionamento no meio, ao outro e a si.

Esses níveis encontram a máxima da teoria de Damásio para o processo constitutivo da consciência, que é o sentimento, ou seja, sentir as experiências e as interações do mundo – o self – em intenso processo de alteração não seria possível sem as emoções; portanto, não haveria a consciência (Rosa, 2018; Damásio, 2022). Nas palavras de Damásio, “A consciência é uma reunião de conhecimento suficiente para gerar automaticamente, em meio ao fluxo de imagens, a noção de que as imagens são minhas, estão acontecendo no meu organismo vivo, e de que a mente é… bem, é minha também!” (Damásio, 2022, p. 141).

No âmbito da historiografia, a consciência é somada ao termo histórica. De acordo com o historiador e filósofo Jörn Rüsen, a consciência histórica é a “atividade mental da memória histórica, que tem sua representação em uma interpretação da experiência do passado encaminhada de maneira a compreender as atuais condições de vida e a desenvolver perspectivas de futuro na vida prática conforme a experiência” (1997, p. 81-82).

A consciência histórica exige a expressão do pensamento mediante a linguagem narrativa, em que o indivíduo interpreta o passado, guia suas ações no presente e projeta o futuro. A consciência histórica se constituiu de quatro tipologias de narrativa que influenciam as operações mentais, a constituição das memórias e localizações espaciais e temporais: a tradicional, exemplar, crítica e genética (Rüsen, 1997; Gevaerd, 2015).

A consciência histórica guiada pela narrativa tradicional funciona como um resgate do passado que mantém as tradições vivas a partir da rememoração em que os fatos passados se mantêm para o presente (Rüsen, 1997; Gevaerd, 2015). Por outro lado, na tipologia exemplar o passado é uma lição para o presente em que a consciência resgata os valores para guiar o presente (Rüsen, 1997; Gevaerd, 2015).

Na consciência histórica estruturada na criticidade movimenta-se uma negação com as regras passadas, abrindo espaço para novos padrões que questionam e indagam o passado em diálogo com o presente e com projeções para o futuro (Rüsen, 1997; Gevaerd, 2015). A genética, por fim, observa o tempo na lógica da temporalidade, compreendendo a complexidade da vida e os diferentes pontos de vista que integram as mudanças do tempo e do espaço (Rüsen, 1997; Gevaerd, 2015).

Essa dinâmica está presente em toda a vida do sujeito, especialmente em seu aprendizado histórico, em que se estabelece um quadro interpretativo do que vivencia e experimenta em relação a si mesmo, do seu mundo, do outro e do mundo ao seu redor com o intuito de agir (Rüsen, 2001). Com isso, a consciência histórica ocorre por meio de uma série de operações mentais em que se constituem a experiência temporal e a territorial, mobilizando as ações do indivíduo em seu aprendizado. A Figura 1 sintetiza esse movimento.

Figura 1: A consciência histórica

A compreensão do passado – no olhar atento a nomes, datas, fatos, interpretações e significados – é dada pelas referências e experiências do indivíduo em seu processo de formação a partir do seu repertório de conhecimentos profundos, evidenciando a operação mental e cognitiva da consciência histórica. Segundo Jörn Rüsen (2001), essa operação mental se materializa em uma experiência temporal em que os indivíduos se apropriam desses elementos, influindo em suas intenções e ações.

A consciência histórica permite o desenvolvimento da identidade do indivíduo, ao mesmo tempo que movimenta uma relação temporal com a vida prática entre as experiências do passado, presente e futuro. “A consciência histórica é, assim, o modo pelo qual a relação dinâmica entre experiência do tempo e intenção no tempo se realiza no processo da vida humana” (Rüsen, 2001, p. 58).

O desenvolvimento operacional da consciência histórica tem a memória como base em que os eventos são rememorados e reavaliados a partir da dinâmica temporal presente, abrindo conexões com projeções futuras (Scorsato, 2016). A consciência histórica não está atrelada tão somente ao passado, constituindo uma relação estrutural com o presente e as expectativas para o futuro com uma lógica de continuidade (Rüsen, 2001, p. 65).

Ao compreender as interfaces teórico-conceituais sobre a consciência na neurociência e na História podemos nos envolver no processo de aprendizado histórico local e o papel exercido pela consciência nessa dinâmica de aproximação territorial. Esse suporte conceitual nos aproxima das operações mentais presentes no processo constitutivo da consciência no aprendizado em História Local. Assim nos indica o próximo eixo de análise deste ensaio.

Aprendizado histórico local e a consciência

O processo de formação em História Local suscita um conjunto de processos mentais de reconhecimento e autorreconhecimento em que os sentimentos influenciam no processo do saber de modo que possa interferir dialeticamente na realidade, dialogando com a concretude das experiências vivenciadas pelos estudantes.  Com isso, “tornamo-nos conscientes da nossa existência e das nossas percepções quando usamos o conhecimento para estabelecer referência e propriedade” (Damásio, 2022, p. 138).

O sentimento de pertencimento da História Local é possível pela reunião de fragmentos de conhecimentos que nos relevam nossas singularidades traduzidas em signos, sons, cheiros, palavras, espaços. Essa distinção é dada por um conjunto de memórias que são interpretadas, armazenadas, correlacionadas ao presente e projetadas para o futuro.

A consciência nos diz quem somos nós e quem é o outro, seja pela linguagem dos sentimentos, pelas construções mentais, pelos sons, pelos pensamentos (Damásio, 2022). Esse movimento é possível a partir da expressão narrativa do tempo que compreende os elos e rupturas em uma dinâmica de experiência do tempo, percebendo o indivíduo como agente histórico que se dimensiona a partir de sua identidade, moldando suas ações a partir de sua racionalidade e capacidade de cognição (Rüsen, 2001; Damásio, 2022). A consciência no movimento de ensino-aprendizagem da História Local envolve distintos processos mentais que podem ser absorvidos a partir do esquema explicativo mostrado na Figura 2.

Figura 2: Processo constitutivo da consciência histórica

Fonte: Scorsato; Silva, 2017.

A primeira etapa da consciência histórica no processo de ensino-aprendizagem da História Local está no resgate das experiências vivenciadas no passado, em especial em sua territorialidade, que mobilizam sensações e percepções capturadas pelos órgãos dos cinco sentidos (Scorsato; Silva, 2017). Seja ao sentir um sabor, um aroma ou odor, seja ao observar uma imagem de uma rua, o indivíduo é transportado para a sua pessoalidade.

A consciência relaciona o ser, o sentir e o saber, tomando os acontecimentos em experiência que são memorizados, dando identidade aos sujeitos, fornecendo à realidade em que se vive a dimensão temporal – a memória histórica (Damásio, 2022). É significativo observar a relação da consciência com a subjetividade e a pessoalidade como elementos estruturais para o aprendizado histórico, permeando esse movimento em que o conhecimento é construído pela leitura do objeto. Com isso, a consciência se dá na conjugação do empírico com o emocional na produção de significados e sentidos de si e do mundo.

Esse processo envolve o estímulo de um conjunto de respostas emocionais que são direcionadas nos processos mentais para formação e resgate das memórias. Com isso, há no hipocampo o armazenamento das memórias, dentre as quais cabe ressaltar a emocional, que mobiliza um armazenamento das interpretações das experiências (Scorsato; Silva, 2017). A consciência, na condição de experiência mental, expressa uma situação de uma mente, uma perspectiva e um sentimento singular em cada pessoa que tem a sua história, interpreta-a e a reparte de sua maneira (Scorsato; Silva, 2017; Damásio, 2022).

A reconstituição dos fatos históricos locais é definida por um conjunto de imagens originadas da percepção do indivíduo que recorre a suas memórias e imagens mentais, que são dadas por seus ‘pontos de observação’ influenciados por suas reações emocionais (Damásio, 2022). A consciência é informativa ao mobilizar a percepção de si, do seu espaço, do outro e do espaço do outro com o intuito de abarcar as variações nos ‘bancos de memória’ e experienciar o tempo e a territorialidade – o cheiro, a imagem, os sentimentos do espaço local são armazenados e constituídos como memória (Scorsato; Silva, 2017).

As memórias protegidas são correlacionadas às experiências e memórias atuais do indivíduo que utiliza suas funções mentais superiores – emoção, sensação, percepção, atenção – para constituir de significado para o presente os fatos passados do seu espaço territorial/local (Scorsato; Silva, 2017). Esse processo de relação das memórias com o presente só é possível pelo uso da razão, do raciocínio que permite a localização temporal e espacial, correlacionando fatos em distintas dinâmicas.

Ao vivenciar o espaço histórico local, é mobilizado um intenso processo mental que evoca nossa consciência que concentra seus esforços nas memórias que evocamos e que estão presentes em nossa vivência atual. Com isso, percebemos que o cheiro guardado na memória pode ter se mantido ou modificado ao longo do tempo ou que os fatos presentes não têm raízes nas lembranças guardadas – evidenciando que a consciência está relacionada muito mais consigo do que com o mundo exterior, ou, como ressalta António Damásio (2022, p. 138), “para saber e estar consciente, você precisa ‘conectar’ ou ‘referir’ objetos e processos ao seu organismo, a você mesmo. Precisa estabelecer seu organismo como inspetor dos objetos e processos”.

O indivíduo, por fim, abstrai e imagina um processo de projeção do futuro de si e do seu espaço em que constrói perspectivas futuras em que julga possibilidades e modela possíveis decisões (Scorsato; Silva, 2017). A relação do ser, do sentir e do saber mobiliza combinação dos processos mentais que dotam o indivíduo da dimensão temporal, ampliando o senso de percepção, a atenção, as emoções e, consequentemente, influindo na avaliação de impacto de experiências futuras (Damásio, 2022).

O aprendizado histórico local envolve a perspectiva da memória da neurociência como o mecanismo de aquisição, armazenamento e evocação de informações, em diálogo com a perspectiva histórica em que a memória é forjada na coletividade, na vivência do ambiente (Scorsato; Silva, 2017; Damásio, 2022). O indivíduo, portanto, é agente produtor de conhecimento que não se limita a ser mero espectador, envolvendo uma ação ativa com o ambiente, o coletivo e consigo em que elementos fundamentais para a vida humana são mobilizados, tais como a aprendizagem, a emoção, a linguagem, o pensamento e, sobretudo, a consciência (Damásio, 2022).

Conclusão

Ao longo deste ensaio, foi possível compreender teórica e conceitualmente a consciência no aprendizado histórico local, abordando as operações mentais nesse movimento de localização temporal e na construção de memórias do que está próximo de si. Esse movimento é possível no resgate das experiências vivenciadas no passado, na produção de significados e sentidos de si e do mundo, no armazenamento e reconstituição dos fatos históricos locais, na correlação com as experiências e memórias atuais do individuo e, por fim, com a projeção para o futuro.

As reflexões teórico-conceituais realizadas neste ensaio indicam que o fundamento da profícua mediação e aprendizagem da História Local está nos usos atribuídos ao território. Com isso, é necessário reconhecer a multiplicidade territorial como a base do localismo em que os processos históricos são construídos por múltiplos agentes e espaços, evidenciando a importância da territorialidade e da temporalidade para a mobilização da História Local.

A mobilização da consciência no processo de aprendizado histórico local é múltiplo em um movimento de autorreconhecimento e de reconhecimento do mundo ao seu redor. A mente consciente é hábil em experienciar o tempo e o espaço com atenção, emoção, percepção no pleno uso de sua racionalidade e crítica.

A consciência histórica na formação em História Local mobiliza uma estrutura identitária individual hábil em correlacionar temporal e espacialmente as memórias e experiências, analisando o passado, compreendendo o presente e projetando o futuro. “A consciência histórica é, assim, o modo pelo qual a relação dinâmica entre a experiência do tempo e a intenção no tempo se realiza no processo da vida humana” (Rüsen, 2001, p. 58).

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Publicado em 03 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

SOUZA, Gabriel Costa de. A consciência histórica no processo de aprendizagem da História Local. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro,v. 23, nº 38, 3 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/38/a-consciencia-historica-no-processo-de-aprendizagem-da-historia-local

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