A questão social no Brasil: Programa Bolsa Família e desempenho escolar estudantil

Ricardo da Cruz Moreira

Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFMS) - linha de pesquisa História, Políticas, Educação

O Programa Bolsa Família (PBF) foi criado pela Lei nº 10.836/04 com a finalidade de unificar os procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente os intitulados programas remanescentes: Programa Nacional de Renda Mínima Vinculada à Educação – “Bolsa Escola”, Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA – “Cartão Alimentação”, Programa Nacional de Renda Mínima Vinculado à Saúde – “Bolsa Alimentação” e Programa Auxílio-Gás (Brasil, 2004a; 2004b). Os objetivos básicos do PBF são:

  1. promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social;
  2. combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;
  3. estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza;
  4. combater a pobreza;
  5. promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público (Brasil, 2004a; 2004b).

Como programa de transferência direta de renda, o PBF é destinado às famílias em situações de vulnerabilidade social. As discussões sobre os programas de transferência de renda (PTR) começaram a ser formuladas por pensadores liberais no século XVIII. Contudo, as experiências efetivadas em relação a tais programas surgiram nos países desenvolvidos no século XX, à medida que vai se consolidando o chamado Welfare State (Mendes; Buzinari; Silva Oliveira, 2006). As transferências de renda, as condicionalidades e os programas complementares constituem os seus principais eixos de atuação. Conforme os termos do PBF, a transferência de renda tem por objetivo o alívio imediato da pobreza. As condicionalidades são colocadas como contrapartidas dos beneficiários para a inclusão e a permanência no programa. Dessa forma, o Estado vinculou o acesso ao benefício a uma pauta de obrigações quanto aos direitos sociais básicos, tais como saúde, educação e assistência social. Os programas complementares apresentam-se como meios para o desenvolvimento das famílias, com vistas à superação da situação de vulnerabilidade (Brasil, 2004a; 2004b).

A literatura tem evidenciado os efeitos positivos das transferências condicionadas de renda sobre a educação (Fernandes; Viana; Alves, 2014), especialmente sobre as taxas de matrícula, frequência e abandono. Contudo, poucos estudos procuram detectar os efeitos específicos sobre o desempenho escolar. Se os objetivos das transferências de renda passam pelo fortalecimento do empoderamento das famílias, é fundamental que haja, além da permanência na escola, a progressão de ciclo associada à aprendizagem. Nesse sentido, uma interrogação indica o caminho da pesquisa: em que medida as condicionalidades do PBF para a educação se efetivam como mecanismos operatórios no desempenho escolar dos estudantes beneficiários?

Assim, o objetivo principal deste trabalho será investigar os impactos do Programa Bolsa Família na aprendizagem dos estudantes da Escola Municipal Elpídio Reis, localizada no bairro Mata do Jacinto, em Campo Grande/MS, a partir das contribuições do benefício para a efetivação do direito à Educação Básica no ano letivo de 2017.

Consequentemente, dois objetivos específicos serão perseguidos: primeiro, mapear os estudantes da escola pesquisada, no intuito de identificar os beneficiários do PBF; segundo, confrontar o repasse do benefício assistencial com o rendimento escolar estudantil, por meio do balanço comparativo do desempenho dos estudantes bolsistas e não bolsistas.

A pesquisa valer-se-á da perspectiva histórico-crítica na análise empírica dos dados; serão utilizados os dados primários dos estudantes matriculados solicitados ao secretário escolar em exercício. Além disso, serão coletados dados secundários de sítios eletrônicos do governo federal, como do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

A pesquisa consistirá inicialmente em fazer o acompanhamento da frequência escolar do PBF por meio do Sistema Presença, a fim de caracterizar o beneficiário do programa, para posteriormente auferir o desempenho estudantil mediante o balanço comparativo proposto.

Parte-se do pressuposto de que o fenômeno da pobreza é universal e que se manifesta em inúmeras dimensões sociais. Espera-se, portanto, que esta investigação consiga revelar uma nova faceta dessa problemática, possibilitando o debate acerca das relações entre o desenvolvimento econômico e o compromisso educacional presentes na agenda política governamental.

O artigo está dividido em quatro seções: a introdução, com a apresentação do Programa Bolsa Família; uma discussão teórica sobre as diretrizes condutoras do programa, além de situar algumas relações estabelecidas entre a educação e os direitos humanos; a contextualização do objeto no âmbito da pesquisa, juntamente com a análise dos dados empíricos; e as considerações finais.

Discussão teórica e as diretrizes do Programa Bolsa Família

Leão Rego e Pinzani (2013a) apresentaram os resultados de uma pesquisa realizada no período 2006-2011 (Leão Rego; Pinzani, 2013b) cujo objetivo foi apreender as mudanças morais e políticas observadas em mulheres pobres como consequência do recebimento do benefício assistencial do PBF.

A hipótese inicial dos autores repousou na ideia de que a percepção de uma renda monetária regular consegue criar e ampliar os espaços de liberdade dos sujeitos, proporcionando-lhes mais níveis de autonomização, ou seja, capacidade de autonomia para gerir a vida em geral (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

Para Simmel (1977), o dinheiro possui dimensões liberatórias, dotado de forte função simbólica; torna seus portadores pessoas mais determinadas, mais respeitadas em um mundo regido por relações mercantis, isto é, mais capazes de decidir sobre suas próprias vidas. As suas dimensões liberatórias desamarram os indivíduos dos laços de dependência econômica da família ou de terceiros.

Sen (2000 e 2008) entende que a liberdade das pessoas depende de um conjunto de opções concretas que lhes permitem praticar atos ou atingir estados que consideram valorosos. Essas opções dependem das suas capabilities (capacidades individuais), assim como das condições materiais em que vivem. A mudança dessas condições altera as possibilidades de tornarem-se livres e autônomas.

Assim, uma interrogação norteadora da pesquisa (Leão Rego; Pinzani, 2013b) foi elaborada a partir da hipótese inicial: em que medida o PBF cria condições materiais que permitam aos beneficiários alcançar mais autonomia?

A pesquisa se justifica em razão da necessidade de dar voz pública aos desamparados pelo Estado brasileiro, um contingente de pessoas desprovidas dos serviços mínimos essenciais, que em condições de pobreza extrema têm as suas vozes silenciadas, o que as torna meros átomos perante a sociedade, sujeitos destituídos de direitos cuja “morte civil” os alija de uma vida civilizada com dignidade (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

A permanência da pobreza em níveis alarmantes no seio social demonstra uma fraqueza constante da política, no sentido de proporcionar aos habitantes de um país o usufruto dos direitos humanos e da sua herança histórico-cultural. A problemática da pobreza reintroduz de forma polêmica o tema incansável da política como a única atividade capaz de transformar os resultados dos processos econômicos para não deixá-los nas mãos dos interesses privados (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

A perspectiva metodológica utilizada buscou privilegiar as vozes silenciadas dos excluídos, com o objetivo de captar uma dimensão não perceptível noutras modalidades de pesquisa sobre o tema. Portanto, o objetivo da pesquisa foi avaliar o impacto do PBF na subjetividade das pessoas para tentar apreender os graus de autonomia atingidos e os supostamente potencializados pela percepção de uma renda monetária (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

As conclusões a que chegaram Leão Rego e Pinzani (2013a) atravessaram dois percursos interdependentes: o PBF como possível saída da dominação de gênero e o PBF como caminho para a cidadania.

Uma delas se refere à cultura da resignação, isto é, à espera resignada da morte por fome e por doenças associadas a ela, que, com o programa, há o início da sua superação (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

Outra constatação importante diz respeito ao empoderamento feminino. Todas as entrevistadas registraram importantes mudanças na vida material, apesar da queixa sintomática sobre o baixo valor da renda recebida, considerado uma “ajuda governamental” por muitas ao mesmo tempo que prefeririam um trabalho regular. Destaque-se também que as possibilidades de libertação do jugo masculino são muito difíceis nas regiões pobres do país, devido aos rígidos controles familiares que incidem sobre as mulheres (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

Enfim, pode-se afirmar que o PBF produz mudanças significativas na vida dos seus destinatários, embora se apresente como uma incipiente política de exercício da cidadania. O fato de estar insuficiente não anula as possibilidades de se tornar uma consistente política de formação de cidadãos, se for complementada por um conjunto de ações que mirem este alvo: a cidadania democrática no Brasil (Leão Rego; Pinzani, 2013a).

O tema direito à educação tem suscitado estudos e investigações que enfocam o processo histórico de sua incorporação como direito social e humano, sua configuração como objeto de garantia e proteção pelo Estado, seu tratamento no contexto das políticas públicas e os resultados que têm sido alcançados. Os trabalhos de Marshall (1967) e Bobbio (1992) têm sido referência nos estudos sobre essa questão nas sociedades contemporâneas, conforme constataram Machado e Oliveira (2001).

Marshall (1967) cunhou o conceito de cidadania desenvolvido nos séculos XVIII (direitos civis), XIX (direitos políticos) e XX (direitos sociais), a partir da especificidade britânica. Embora essa produção tenha sido problematizada com a crise do Welfare State, as críticas são pouco difundidas no Brasil, e a obra continua influenciando a produção acadêmica, conforme discutido por Machado e Oliveira (2001).

Bobbio (1992) discutiu problemas gerais de teoria e história dos direitos do homem. No plano teórico, afiançou que são direitos históricos, nascidos de modo gradual e em circunstâncias caracterizadas por lutas contra velhos poderes. No plano histórico, sustenta que a afirmação desses direitos decorre de uma inversão de perspectiva na representação da relação política no Estado moderno, que se deu cada vez mais do ponto de vista dos direitos dos cidadãos – não mais dos súditos e não mais do ponto de vista do soberano.

Na produção brasileira, Machado e Oliveira (2001) verificaram que são escassos os trabalhos que tratam diretamente a educação como um direito, sendo destacados os livros Direito à educação, de Francisco Pontes de Miranda (de 1933), e Educação é um direito, de Anísio Teixeira (de 1967).

Nas décadas de 1980 e 1990 houve maior interesse pelo tema em meio ao debate constituinte (1987-1988), na elaboração das constituições estaduais e leis orgânicas municipais e da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, nº 9.394/96).

A produção recente privilegiou as relações entre direito à educação e a construção da cidadania, o combate à exclusão do acesso à educação, a educação para os direitos humanos e/ou cidadania. Na área da legislação, as pesquisas se concentraram nos condicionantes político-sociais da elaboração normativa, assim como na interpretação da lei, na verificação do impacto da lei e minimamente na jurisprudência (Machado; Oliveira, 2001).

Análises conceituais e inclusivas desse direito no ordenamento jurídico nacional foram feitas, dentre vários autores, por Boaventura (1997), Horta (1998), Cury (2000), Vieira (2001) e Oliveira (1995; 1998; 2001). No geral, esses estudos afirmaram a educação como bem jurídico individual e coletivo, mostrando que os instrumentos normativos contribuíram para que o direito à educação saísse da condição de enunciado para o terreno da efetivação nas esferas administrativa e judiciária.

O balanço da aplicação do Programa Bolsa Família na Escola Municipal Elpídio Reis

A Escola Municipal Elpídio Reis é mantida pela Prefeitura Municipal de Campo Grande (PMCG) e administrada pela Secretaria Municipal de Educação (Semed). Está situada na Rua Tertuliana Ghersel Cattaneo, s/n, bairro Mata do Jacinto, Campo Grande/MS (Campo Grande, 2015a).

Localizada ao norte da cidade, região do Prosa, na saída para Cuiabá/MT, a escola usufrui de alguns recursos como água filtrada, água da rede pública, água de poço artesiano, energia elétrica, fossa asséptica, lixo destinado à coleta seletiva periódica e internet banda larga. Esses recursos são importantes para assegurar o direito à educação, na medida em que o cenário nacional apontava, em 2015, para a insuficiência dos estabelecimentos da rede pública brasileira quanto à sua disponibilidade, revela o Anuário Brasileiro da Educação Básica (Todos pela Educação, 2017).

O bairro Mata do Jacinto dispõe de alguns serviços essenciais, como água tratada e encanada, luz elétrica, sistema público de saúde (UPA, UBS), transporte urbano coletivo com dois terminais de transbordo (General Osório e Nova Bahia) e uma base da Guarda Civil Municipal (GCM). Dentre os serviços deficitários, verifica-se a ausência de rede de tratamento de esgoto e o asfalto que se encontra em estado de qualidade ruim atualmente. Para o lazer, a comunidade conta com diversas praças abertas equipadas com academias ao ar livre. O Parque do Sóter é seu principal ponto de entretenimento e diversão (Campo Grande, 2015b).

Em sua rede física, o terreno escolar tem 11.454,90m² em área total e 3.534m² de área construída. Quanto às instalações, encontram-se 24 salas de aula, sala de informática, biblioteca, sala de recursos multifuncionais, secretaria, sala de professor, sala de supervisão, sala de orientação, sala de direção, sala de monitores, laboratório de Ciências, sala de Educação Física, cantina, área de serviço, quadra poliesportiva coberta, vestiário masculino com três duchas, vestiário feminino com três duchas, vestiário masculino adaptado com ducha, vestiário feminino adaptado com ducha, 17 banheiros com sanitários, dois banheiros adaptados, palco, três áreas de convívio e estacionamento (Campo Grande, 2015b).

A Escola Municipal Elpídio Reis oferta Educação Infantil e Ensino Fundamental de nove anos, pautada nos seguintes dispositivos legais: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, nº 9.394/96), Constituição Federal de 1988, Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul (1989) e Lei Orgânica do Município de Campo Grande, de 1990 (Campo Grande, 2015a). Não há cobrança de mensalidade dos estudantes, taxa ou outra contribuição exigida.

Com ists, a escola iniciou o ano letivo de 2017 com 1.407 matrículas iniciais e 66 alunos admitidos após o Censo Escolar 2017, num total de 1.473 matrículas (Inep, 2018). Percorrido o ano letivo de 2017, o quadro de vagas se apresenta conforme a Tabela 1.

Tabela 1: Matrícula geral, quantitativo de alunos com e sem frequência por seriação (novembro e dezembro de 2017)

Ano escolar

Nº de alunos matriculados

Frequentes

Não frequentes

Transf.

Evasão

Pré I

94

86

7

1

Pré II

135

124

11

0

1º ano

116

106

10

0

2º ano

160

149

11

0

3º ano

160

145

15

0

4º ano

160

150

10

0

5º ano

133

126

7

0

6º ano

144

133

10

1

7º ano

147

137

10

0

8º ano

149

131

18

0

9º ano

144

116

28

0

Total

1.542

1.403

137

2

Fonte: Dados fornecidos pela escola.

Os dados apresentados pela Tabela 1 indicam o aumento no total de matrículas ao longo do ano letivo, considerando a igualdade numérica do segundo ao quarto anos e leve crescimento do quinto ao oitavo, além dos recuos verificados nos extremos da tabela. A extensão das matrículas gerais pode ser vislumbrada em um amplo movimento em busca da universalização do Ensino Fundamental em todo o país, detalhado a seguir.

Tabela 2: Taxa líquida de matrícula por unidades da federação – Ensino Fundamental, de 6 a 14 anos (2007-2015) - em %

Unidade da federação

2007

2008

2009

2011

2012

2013

2014

2015

Brasil

95,3

96,3

96,8

97,0

97,1

97,2

97,5

97,7

Região Centro-Oeste

96,2

96,6

97,3

97,4

97,2

97,1

97,8

98,1

Mato Grosso do Sul

96,1

98,1

97,3

97,9

97,2

97,3

97,2

97,9

Fonte: Pnad/IBGE e Todos pela Educação.

De acordo com a Tabela 2, há uma clara evolução das matrículas nos três entes federativos, com maior avanço para a União. Os índices exibidos sinalizam a quase universalização do Ensino Fundamental no território nacional, apesar de os números revelarem alguns contrastes: “99% das crianças e adolescentes de 6 a 14 anos das famílias mais ricas estão no Ensino Fundamental” (Todos pela Educação, 2017, p. 25); todavia, “97% dos mais pobres estão matriculados, mas nesse estrato está a maioria das 430 mil crianças e adolescentes dessa faixa etária que não frequenta nem concluiu o Ensino Fundamental” (Todos pela Educação, 2017, p. 25). Portanto, o “Ensino Fundamental para crianças e jovens de 6 a 14 anos só pode ser considerado universalizado no quartil mais rico da população” (Todos pela Educação, 2017, p. 25), constata o Anuário.

Outro dado esboçado na Tabela 1 reafirma a tendência apontada na Tabela 2: em 2015, o total de matrículas no Ensino Fundamental no país foi da ordem de 27.931.210, com 15.562.403 para os anos iniciais e 12.368.807 para os anos finais (Todos pela Educação, 2017, p. 27-28); a escola pesquisada registrou, em 2017, um total de 1.313 matrículas, 729 nos anos iniciais e 584 nos anos finais. Dessa forma, a escola acompanhou a tendência nacional, o que reforça os compromissos educacionais nessa etapa de ensino.

O próximo dado a ser analisado traz à tona o universo empírico do PBF da escola, conferido na sequência.

Tabela 3: Alunos frequentes, quantidade e percentual de alunos beneficiários do PBF por seriação (outubro e novembro de 2017)

Ano escolar

Alunos frequentes

Alunos com PBF

% de alunos que recebem PBF

1º ano

106

7

6,60

2º ano

149

24

16,10

3º ano

145

12

8,27

4º ano

150

20

13,33

5º ano

126

17

13,49

6º ano

133

14

10,52

7º ano

137

12

8,75

8º ano

131

9

6,87

9º ano

116

8

6,89

Total

1193

123

10,31

Fonte: Dados fornecidos pela escola.

O primeiro ponto a chamar a atenção é o fato de a Tabela 3 não contemplar os números da Educação Infantil como a Tabela 1, em razão de o PBF não cobrir a faixa etária de quatro e cinco anos, conforme estabelecem as condicionalidades, o que exclui automaticamente os alunos pré-escolares da inserção no programa. A média escolar é de 10%, com variação entre 6% e 16%, considerando as oscilações recorrentes e uma tendência de retração a partir do quinto ano. Foram detectados dez alunos cujo ano escolar não foi informado, dado que elevaria os quocientes dos respectivos indicadores e que, portanto, merece ser investigado.

A tendência de redução do percentual de alunos bolsistas no decurso escolar é mais bem elucidada sob os números de beneficiários do PBF das unidades federativas, como consta a seguir.

Tabela 4: Quantidade de beneficiários do PBF por unidade da federação

Data

Brasil

MS

Campo Grande

2004

6.571.839

32.588

13.095

2005

8.700.445

85.098

26.212

2006

10.965.810

114.876

29.005

2007

11.043.076

112.212

26.248

2008

10.557.996

102.433

22.019

2009

12.370.915

127.768

28.371

2010

12.778.220

132.887

30.144

2011

13.352.306

134.447

30.664

2012

13.900.733

142.249

31.291

2013

14.078.789

146.539

32.477

2014

13.995.978

144.736

 

2016

13.562.452

130.877

27.430

Fonte: Ipeadata.

A Tabela 4 exibe uma série histórica com números do PBF desde 2004, ano da sua implementação pelo governo federal. Atente-se ao fato de que não existem dados oficiais dos entes federativos para o ano de 2015. Além disso, não há dado de Campo Grande para o ano de 2014. As razões que justificam tais lacunas não foram informadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

As três esferas analisadas verificaram aumento do quantitativo de beneficiários em suas trajetórias, com maior avanço proporcional para o Estado de Mato Grosso do Sul. O município de Campo Grande dobrou o número dos seus beneficiários em um ritmo de crescimento acompanhado pela União. Esse avanço registra o seu ápice em 2013, seguido por decréscimo nas respectivas unidades.

A diminuição dos beneficiários do PBF é mais bem percebida à luz dos índices de pobreza e pobreza extrema do Brasil, apresentados a seguir.

Tabela 5: Taxa de pobreza e extrema pobreza no Brasil – em %

Data

Pobreza – taxa de pobreza

Pobreza – taxa de extrema pobreza

 

(PO)*

(PO)**

2004

33,71

13,22

2005

30,83

11,50

2006

26,75

9,45

2007

25,36

8,96

2008

22,60

7,56

2009

21,41

7,27

2011

18,42

6,31

2012

15,93

5,29

2013

15,09

5,50

2014

13,29

4,20

Fonte: Pnad/IBGE, Ipeadata.

Comentários:

* Percentual de pessoas na população total com renda domiciliar per capita inferior à linha de pobreza. A linha de pobreza aqui considerada é o dobro da linha de extrema pobreza, uma estimativa do valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em recomendações da FAO e da OMS.

** Percentual de pessoas na população total com renda domiciliar per capita inferior à linha de indigência (ou miséria, ou extrema pobreza). A linha de extrema pobreza aqui considerada é uma estimativa do valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em recomendações da FAO e da OMS.

No geral, a Tabela 5 apresenta uma série histórica semelhante à Tabela 4, com iguais lacunas. Faltam dados para os anos de 2010 e 2015, além de 2016 presente anteriormente. Os números esboçados tratam dos segmentos alvos do PBF: o percentual de população pobre e miserável em relação ao total de habitantes do país. Os dois indicadores revelam o grande avanço dessa política social, se considerar que em 2004 quase metade da população brasileira estava na condição de pobreza ou indigência, situação alterada em 2014 para menos de um quinto. Em outros termos, um extrato populacional relativo de trinta por cento emergiu da linha da pobreza após dez anos.

O próximo dado escolar a ser analisado são os resultados finais dos alunos do quinto bimestre letivo de 2017.

Tabela 6: Taxa de aprovação e reprovação escolar (2017) – em %

Ano escolar

Alunos frequentes

Alunos com PBF

Aprovação %

Reprovação %

Aprovação %

Reprovação %

1º ano

98,15

1,85

PC

PC

2º ano

89,37

10,63

87,5

12,5

3º ano

93,68

6,32

83,33

16,66

4º ano

89,24

10,76

95

5

5º ano

99,19

0,81

100

0

6º ano

96,27

3,73

100

0

7º ano

94,24

5,76

66,66

33,33

8º ano

94,45

5,55

77,77

22,22

9º ano

98,08

1,92

100

0

Média geral

95,30

4,70

90,25

9,75

Fonte: Dados fornecidos pela escola.

Legenda: PC é progressão continuada.

A Tabela 6 exibe os percentuais de aprovação e reprovação escolar do ano letivo de 2017. A média geral, em valor absoluto, é de 1.337 alunos aprovados e 66 reprovados. Os números apontam altos índices de aprovação nos dois grupos analisados, principalmente dos alunos frequentes não partícipes do PBF. Consequentemente, a maior taxa de reprovação é proveniente do segmento beneficiário do programa.

Esses dados são mais bem compreendidos ao confrontá-los com os respectivos índices nacionais a seguir.

Tabela 7: Taxas de aprovação, reprovação e abandono no Ensino Fundamental – Brasil, 2015 – em %

Ensino Fundamental

Aprovação

Reprovação

Abandono

1º ano

97,7

1,4

0,9

2º ano

96,8

2,5

0,7

3º ano

88,5

10,5

1,0

4º ano

91,7

7,2

1,1

5º ano

92,1

6,7

1,2

6º ano

82,9

13,8

3,3

7º ano

84,6

12,2

3,2

8º ano

87,3

9,6

3,1

9º ano

88,6

8,3

3,1

Fonte: MEC/Inep/DEED/Indicadores Educacionais, Todos pela Educação.

Ao visualizar os números das Tabelas 6 e 7, verifica-se que a escola pesquisada registrou em 2017 alto grau de reprovação no grupo do PBF, em comparação ao grupo dos frequentes, percentual superior também à média nacional de 8,2% nesse indicador (Todos pela Educação, 2017, p. 66), dado que vai de encontro à constatação de Oliveira e Soares (2013) ao mostrarem que o PBF contribui para a redução na probabilidade de reprovação.

Uma perspectiva analítica diz respeito à influência dos programas de transferência de renda condicionada à melhoria da aprendizagem e do percurso escolar de crianças beneficiárias. Dois mecanismos podem estar na origem dessa influência: o primeiro se refere ao efeito direto que a condicionalidade exerce na promoção da frequência escolar e na expansão da oferta de educação; o segundo, ao efeito indireto da melhoria da renda nas condições de vida das famílias beneficiárias (Cireno; Silva; Proença, 2013).

Em 2011, o Banco Mundial fez uma metanálise dos efeitos dos programas assistenciais nos indicadores educacionais de aprovação e reprovação, abandono escolar e distorção idade-série e mostrou que os programas de transferência monetária condicionada obtiveram resultados positivos em todos os países consultados. A proporção/amplitude desse efeito é variável por país (Cireno; Silva; Proença, 2013).

No caso brasileiro, Oliveira e Soares (2013, p. 21) investigaram os efeitos do PBF sobre a repetência escolar no ano de 2008 e encontraram resultados positivos para as variáveis citadas. Quando analisadas em conjunto, os efeitos da renda são muito baixos, porém os “alunos que cumprem a condicionalidade de frequência possuem chances até 40,0% menores de repetência do que aqueles que não cumprem”.

Enfim, a literatura educacional (nacional e internacional) tem mostrado que os programas de transferência de renda condicionada aumentam significativamente as chances de crianças pobres frequentarem efetivamente a escola. Contudo, a realidade municipal contradiz o cenário delineado de efetivação do direito à educação no que tange ao índice de reprovação local dos beneficiários do PBF, o que permite deduzir que, na escola pesquisada, a pobreza reverbera os seus efeitos educacionais. As razões desse desempenho podem ser atribuídas às condições socioeconômicas familiares ou a características da escola pública frequentada.

Considerações finais

O objetivo do artigo foi investigar os impactos do Programa Bolsa Família na aprendizagem dos estudantes da Escola Municipal Elpídio Reis, de Campo Grande/MS, com o intuito de apontar as contribuições do programa para a efetivação do direito à Educação Básica no ano letivo de 2017.

Assim, uma interrogação inicial foi lançada: em que medida as condicionalidades do PBF para a educação se efetivam como mecanismos operatórios no desempenho escolar dos estudantes beneficiários?

Na tentativa de encontrar respostas, buscou-se fazer um balanço da aplicação do PBF na escola pesquisada, a fim de verificar em que medida o benefício assistencial contribui para o rendimento estudantil com vistas à universalização do Ensino Fundamental com qualidade, meta traçada pelo Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024.

Os resultados locais obtidos indicam que o acesso e a permanência estudantil no ambiente escolar são realidades em Campo Grande/MS. Contudo o desempenho escolar auferido sinaliza os desafios educacionais ainda não realizados pelo poder público municipal, metas que demandam atenção especial aos vulneráveis campo-grandenses.

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O presente trabalho foi realizado com o apoio da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, sob a orientação da professora doutora Carina Elisabeth Maciel.

Publicado em 10 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MOREIRA, Ricardo da Cruz. A questão social no Brasil: Programa Bolsa Família e desempenho escolar estudantil. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 39, 10 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/39/a-questao-social-no-brasil-programa-bolsa-familia-e-desempenho-escolar-estudantil

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