Neurociência e Educação: entre saberes e desafios

Geolange Carvalho Ferreira

Especialista em Educação Especial Inclusiva (Fapaf), graduada em Pedagogia (UFMA), coordenadora pedagógica na Secretaria Municipal de Araguaína/TO

Vivem-se tempos de muitas mudanças e transformações visíveis na sociedade do conhecimento e da informação. Diante desse cenário, a escola não pode ficar alheia nem estagnada. É preciso ressignificar o ensino a partir da contribuição da Neurociência, que poderá certamente orientar o processo educativo sobre como o cérebro aprende, dando enfoque ao fracasso escolar. São muitas mudanças, e a escola precisa permitir que outros saberes sejam articulados em prol da qualidade do ensino. Compreender a vida humana em todos os seus aspectos requer a interligação dos conhecimentos separados, divididos, compartimentalizados e dispersos. Como argumenta Morin (2020),

as fraquezas do modo de conhecimento que nos foi inculcado nos fazem dissociar o que é inseparável e reduzir a um único elemento que constitui um todo ao mesmo tempo que é uno e múltiplo; separa e compartimenta os saberes em vez de os ligar; limita-se a prever o provável enquanto o inesperado surge incessantemente (Morin, 2020, p. 34).

Esse é o desafio a ser pensado como possibilidade de desenvolver, no âmbito educacional, novos sentidos do saber-fazer docente frente aos desafios da sociedade contemporânea, com auxílio da Neurociência. Morin (2020) afirma que o momento requer novos saberes para a Educação do futuro, reconsiderando as demandas emergentes no campo educacional.

A escola precisa imergir na pluralidade e na diversidade, ressignificar a prática de ensino a partir de saberes capazes de superar o fracasso escolar e, sobretudo, que permitam o desenvolvimento de outras competências tão necessárias ao mundo de hoje. Estudos apontam que a Neurociência, que surgiu no final da década de 1970, se constitui como a ciência do cérebro; juntamente com a Pedagogia, já conhecida como a ciência do ensino e da aprendizagem, elas devem se articular em busca das novas estratégias metodológicas para garantir o desenvolvimento cognitivo de cada estudante.

A Neurociência e seus avanços

Em meio a tantas invenções mirabolantes, surge a pergunta que não se cala nunca: o que torna o cérebro humano ser notável? Esse questionamento foi levantado por Suzana Herculano ao falar sobre as diferenças entre o cérebro humano e o de outras espécies. Uma das suas afirmativas levanta a ideia de que a espécie humana é curiosa, interessada e está sempre procurando estudar sobre si mesma em busca de respostas acerca das suas complexidades. Ela é referência na área do estudo do cérebro por analisar como os conhecimentos gerados pela Neurociência podem ser aplicados na vida diária em sua conferência no Fronteiras do Pensamento, no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre (2015).

Ela relata ainda que, quando começou a estudar o assunto, se deparou com o conceito de que “o cérebro não se compara, é uma exceção à regra. Ele é, na verdade, o último órgão humano a revelar seus segredos”. Durante muito tempo, as pessoas não entendiam quais eram as funções exatas do cérebro.

O fato é que nenhuma espécie tem tantos neurônios no córtex cerebral quanto o ser humano. Os estudiosos da área atestam que, assim como não existe pessoa igual a outra, cada cérebro é diferente. As células em desenvolvimento do cérebro têm maior capacidade de adaptação do que no adulto; percebe-se que, com o avanço da idade, a aprendizagem requer o emprego de muito mais esforço para se efetivar. Guerra (2015, p. 11) afirma:

Não significa que a pessoa deixa de aprender quando amadurece; ao contrário do que se pensava décadas atrás, existem partes do cérebro que produzem novos neurônios até a velhice, como, por exemplo, o hipocampo, porém perdem-se um pouco as vantagens naturais que o cérebro traz no começo da vida e do seu desenvolvimento, quando é a fase em que ele está em plena adaptação ao meio. A eficácia de uma aprendizagem se relaciona fortemente com a sua continuidade (repetição), discussão, problematização e argumentação. Por isso hoje se defende uma Pedagogia pautada na interdisciplinaridade, pois a ligação de um conteúdo ao outro traz a repetição do mesmo assunto em vários contextos diferentes, fazendo várias áreas do cérebro armazenar a informação e pode ser evocada com maior facilidade quando necessário.

Infelizmente, ainda existem muitos profissionais da área educacional que deixam de privilegiar as vantagens que o cérebro traz na infância com maior capacidade de armazenamento de memória. Nesse enfoque, Capovilla (2007, p. 23) enfatiza:

A compreensão desses fatores traz importantes contribuições para a prática pedagógica, embasamento cientifico que auxilia o trabalho dos profissionais dentro da sala de aula, e os capacita para entender o processo da aprendizagem. Não somente a metodologia, mas também os processos neurológicos envolvidos na aprendizagem. O conhecimento mais amplo da atividade mental infantil permite ao professor detectar problemas comportamentais e de aprendizagem que surgem durante o período de escolarização. [...] A Neurociência somada à Pedagogia pode trazer muitos benefícios para efetivar um trabalho mais coeso, identificando no aluno suas dificuldades e o estimulando corretamente para conseguir maximizar as capacidades cognitivas, mediando sua aprendizagem e estimulando seu potencial.

Assim sendo, estudar como estimular o cérebro nas suas múltiplas funções não é tarefa fácil. São anos de estudos que vêm atravessando fronteiras cada vez mais complexas, porém não se cansam de buscar os mecanismos de aprendizagem que podem vir a favorecer corretamente as capacidades cognitivas. Permitir que a Neurociência de fato dialogue com os outros campos de conhecimento em favor do desenvolvimento cognitivo, emocional, afetivo, social e, sobretudo, comportamental ainda é um desafio a ser revelado.

É preciso descolonizar a prática educativa, que continua caminhando em modelos lineares, instrutivos, reducionistas. É preciso ousar pensar de forma multidimensional, plural e circular em detrimento dos modelos tradicionais do pensamento. É preciso compreender a si e aos outros dentro do processo histórico-cultural. Segundo Luckesi (1994), “é preciso, sobretudo, proporcionar uma ação educativa consciente e mais atenta ao sujeito dotado de subjetividades, trazendo-o para uma práxis pedagógica protagônica”.

Neurociência cognitiva

A Neurociência cognitiva está voltada para a capacidade cognitiva, onde se localizam comportamentos ainda mais complexos. Partindo dessa premissa o foco baseia-se no estudo acerca das capacidades mentais do ser humano: seu pensamento, aprendizado, inteligência, memória, linguagem e percepção.

Esse ramo da ciência preocupa-se em investigar como uma pessoa adquire conhecimento a partir das experiências sensoriais a que é submetida; por exemplo, uma música, um aroma, o gosto de uma comida, uma imagem ou uma sensação corporal – tudo isso engloba as experiências sensoriais e são elas as responsáveis por captar os dados do ambiente e levá-las ao cérebro.

Com isso, a Neurociência cognitiva diz respeito na apenas ao sistema nervoso; as experiências sensoriais adquiridas ao longo da vida são processadas pelo cérebro e são transformadas em conhecimento. Por conta disso, as perguntas começam a ser processadas na mente. Como o cérebro codifica e decodifica as informações que recebe? E essas, por sua vez, como se refletem na aprendizagem e na vida como um todo? A Neurociência tenta responder essas indagações e se ocupar. Para tanto, é necessário definir ações estratégicas assertivas de ensino, com o intuito de garantir ao aprendente metodologias de ensino eficazes.

Ainda sobre a Neurociência cognitiva, é interessante conhecer tópicos que ajudam no auxílio do aprendizado de modo mais geral: a emoção, a motivação, a atenção, a socialização e a memória. Sem considerar esses fatores, dificilmente os educadores irão conseguir êxito no processo de ensinar e aprender.

É fato! A inteligência humana está intimamente ligada à emoção, o aspecto emocional interfere na cognição. Quanto mais o ser humano estiver envolvido emocionalmente, mais a lembrança ficará guardada na memória e, consequentemente, afetará a obtenção de conhecimento, positiva ou negativamente. Ainda em prol da aprendizagem, existe um aspecto proeminente: a motivação que permite ao indivíduo aprender. Isso ocorre porque a mente se frustra diante de qualquer informação que não desperte interesse.

Despertar a curiosidade com emoção e motivação é o desafio. O ser humano tende a prestar atenção a qualquer coisa quando aquilo é entendido a partir dos seus significados e da importância dele para a vida prática. Salla (2018) afirma que “a emoção interfere no processo de retenção de informação. É preciso motivação para aprender. A atenção é fundamental na aprendizagem. O cérebro se modifica em contato com o meio durante toda a vida”.

É preciso compreender para saber lidar com as questões que permeiam a construção do conhecimento. A Neurociência cognitiva tem buscado compreender, na prática, como a nossa mente processa as informações, como isso possibilita aprender, desenvolver e acumular conhecimentos e aperfeiçoar as múltiplas inteligências. Essa consciência dos pontos fortes e de limitação é fundamental no processo de ensino, uma vez que possibilita desenvolver modelos de aprendizado que levem em conta o processo cognitivo de cada um e com soluções adequadas a cada aprendente, considerando-o em suas multiplicidades.

Os desafios da Neurociência aplicada à Educação

Diante dos vários estudos já realizados pela Neurociência, constata-se que um de seus maiores desafios é entender também como o cérebro do adulto – nesse caso, o cérebro dos profissionais da Educação – tem funcionado, a fim de melhorar seus procedimentos pedagógicos, até porque a aprendizagem depende da conversa entre a memória do professor e a memória do aluno.

Outra mudança é entender como as novas gerações reagem aos estímulos modernos, como os aparelhos tecnológicos. “As crianças e os jovens de hoje não nascem com cérebros diferentes. Mas, em vez de ganhar um chocalho, hoje eles ganham um iPad”, exemplifica Leonor Bezerra Guerra, médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que pesquisa as relações entre o cérebro e a aprendizagem. Os professores, segundo ela, precisam aprender como trabalhar com esses estímulos para melhorar a apreensão do conhecimento.

O professor de hoje precisa trabalhar com saberes cheios de pluralidades no contexto das tarefas cotidianas da sala de aula, articular parcerias com multiprofissionais que possam oferecer ferramentas de equilíbrio e autoestima em seu próprio fazer pedagógico.

As escolas precisam estar atentas às descobertas da Neurociência, de acordo com o que Lent (2001) sugere: “as escolas precisam estar atentas à necessidade de integrar as contribuições das diversas áreas da pesquisa científica e das ciências clínicas para a compreensão do funcionamento do sistema nervoso”, de forma a entender, valorizar e respeitar às diferentes maneiras de aprender. Afinal, “aprende-se com o cérebro” como justifica Relvas (2012).

Hoje, famílias e escolas estão muito aflitas com a crescente percepção de que as dificuldades de aprendizagem estão prejudicando a inserção dos alunos no próprio cotidiano escolar, além de nos cotidianos social e profissional. Ainda que não haja receita para minimizar essas dificuldades, Relvas (2012, p. 16) afirma que

a Neurociência, quando dialoga com a educação, promove caminhos para o educador tornar-se um mediador do como ensinar com qualidade por meio de recursos pedagógicos que estimulem o estudante a pensar sobre o pensar. E o conhecimento do funcionamento do cérebro tornou-se muito importante para as práticas docentes em geral e hoje em dia.

A escola precisa sair das concepções obsoletas e saber como os estudantes aprendem. É a possibilidade da conquista da eficiência pedagógica. Segundo Fonseca (2008), todos precisam aprender a refletir, a raciocinar, a utilizar estratégias de resolução de problemas. Logo, “conhecer e entender o processo de aprendizagem e do comportamento tornou-se um grande desafio para os educadores”.

Nesse sentido, Relvas (2012) sublinha que as diferentes áreas do saber precisam envolver esses encéfalos com mais especializações e alcançar intensas experiências cognitivas. “É fundamental que os educadores conheçam as estruturas cerebrais como interfaces da aprendizagem e do comportamento para a ininterrupção do desenvolvimento e que seja sempre um campo a ser explorado”.

Felizmente se caminha, mesmo que vagarosamente; mas já tem sido perceptível a preocupação por parte dos educadores de orientar a equipe gestora a fazer um trabalho de pareceria com os pais e familiares em busca dos profissionais que tratam das questões neurológicas em favor do estudante a fim de melhorar seu aprendizado. Num contexto mais atual, Relvas considera que,

em muitos casos, mesmo inconscientemente, muitos educadores já estão optando por otimizar seus trabalhos embasados em pesquisas e sugestões vindas das Neurociências, como criação de jogos de memória, introdução de palavras, dramatização com emoções fortes etc. Mesmo na era da ansiedade, faz-se necessário estabelecer rotas alternativas para aquisição da aprendizagem, utilizando-se, além de recursos tecnológicos, de recursos sensoriais como instrumentos do pensar e do fazer (Relvas, 2012, p. 19).

O professor precisa fazer um diagnóstico para compreender as limitações do educando quanto ao desenvolvimento das habilidades cognitivas. Não adianta querer acreditar que quando as habilidades não são atingidas existem culpados. Não! O procedimento mais sensato é buscar ajuda nas ciências, na forma como elas podem interferir diretamente nesse processo.

Os conhecimentos científicos ajudam a conhecer melhor o funcionamento do cérebro e suas possíveis aplicações, e assim fazer toda a diferença para poder compreender os processos e mecanismos envolvidos na aquisição dos saberes. Vale destacar que será importante penetrar no desenvolvimento do cérebro e ter a plena convicção do conjunto de capacidades cognitivas implicadas na aquisição dessa tarefa.

O que se afirma é de suma importância para todos os educadores. Quando tomam conhecimento do funcionamento neurológico e do desenvolvimento maturacional do cérebro, aí sim podem de fato colaborar com o desenvolvimento do potencial cognitivo de cada aluno, principalmente nos dias atuais, quando é preciso ficar claro que o processo de aprendizagem, seja de leitura, de escrita ou de qualquer outro conhecimento, ocorre no cérebro. Logo, é essencial conhecê-lo, desvendá-lo, investigá-lo.

A proposta principal neste momento é mostrar de forma clara a relação da Educação e da Neurociência, relacionando-as a ponto de fazer com que seja possível compreender que, hoje, elas são inseparáveis. A intencionalidade não é fazer com que o professor seja um especialista em cérebro, a não ser que seu interesse seja grande, mas o propósito inicial é mostrar o quanto o processo educacional depende também do conhecimento acerca dos processos cerebrais.

Muitos especialistas da Educação discutem sob vários focos, mas dificilmente surgem nessas discussões as questões que envolvem assuntos relacionados à Neurociência, talvez porque as pessoas pensem ser apenas mais uma ciência ou uma teoria que foi inventada para confundir a cabeça de pais e educadores; no entanto, promover uma Educação que foque nas questões internas, que observe como cada educando age em cada situação, cada informação para buscar a melhor forma de ensinar sem que nenhuma seja excluída do processo. É sensato pensar, conforme Relvas (2012, p. 17), que

os seres humanos possuem um cérebro com estruturas cognitivas evoluídas em relação aos outros animais, um neocórtex que dá a propriedade de pensar, então porque não utilizá-lo corretamente? O cérebro humano é constituído por dois hemisférios, mas que se complementam. Então, quando estimulados, elaboram comandos e respostas, por meio dos circuitos neurais. Por isso, “desafiar” o cérebro é estimulá-lo para uma aprendizagem criativa.

Há necessidade de reconhecer e incorporar o conhecimento do funcionamento do sistema nervoso como forma de enriquecer a prática de ensino. O conhecimento e a aplicação da Neurociência na educação perpassam uma visão neurocientífica do processo de ensinar e aprender, contribuindo sobretudo na identificação de uma análise biopsicológica e comportamental do educando por meio de estudos mais apurados.

No contexto atual, o ensino é uma atividade delicada, complexa, múltipla, que demanda a realização de processos cerebrais em sua maioria inconscientes e automáticos. Ao desenvolver essas ações, é possível perceber o quanto é complexo o ato de aprender a fazer a leitura de mundo.

A escola atual não caminha com sua proposta pedagógica na mesma velocidade das mudanças e transformações do mundo contemporâneo. Estagnou-se. Parou no tempo passado, quando as finalidades e intencionalidades eram outras. Nesse enfoque, Torre (2009) afirma que “os currículos instrutivos do século passado, que deixavam de lado a pessoa em sua totalidade com seus valores diminuídos, não se integram mais à configuração de sociedade que se almeja construir”.

É preciso que os educadores estejam atentos às pesquisas e que observem a aprendizagem relacionada à luz das pesquisas neurocientíficas com fins de estreitar ainda mais os laços entre essas duas ciências, pois dessa forma poderão aprimorar um ensino de qualidade e uma aprendizagem satisfatória para a realidade de cada educando.

Nessa perspectiva, surge a Neuroeducação, que tem como proposta utilizar os pressupostos da Neurociência em prol da Educação, em prol de uma consciência neurocientífica na Educação, visto que na atualidade nos deparamos com um ensino mecanizado, em que os alunos não têm oportunidade de desenvolver suas potencialidades devido às “amarras” que são colocadas neles.

Urge, em virtude da realidade atual, que se criem mais possibilidades pedagógicas considerando, sobretudo, os aspectos cognitivos da aprendizagem, pois cada aluno tende a aprender em um tempo e de forma diferente; não é o aluno que deve adaptar-se à forma de ensinar do professor, é o professor que deve dispor de estratégias variadas de ensino a fim de contribuir para uma melhor assimilação do conteúdo pelo estudante, tornando a aprendizagem prazerosa e significativa.

A mente aprende por associações

Engana-se o professor ao pensar que seu aluno só aprende aquilo que é colocado em sala de aula a partir da linearidade do conhecimento, como se o ato de conhecer fosse um quebra-cabeça em construção linear. Não é tão simples como parece ser. Por mais que exista todo um processo prescrito pelo aparato legal dos órgãos responsáveis pelo sistema educacional, é necessária a compreensão de que o cérebro é ativado por circuitos e sinapses nervosas, ou seja, em grande parte por associação. Implica afirmar que um neurônio é ativado por outro e assim sucessivamente.

É nesse momento que a Neurociência e a Educação se relacionam, quando justamente busca explorar na criança o conteúdo dado com algum conhecimento já desenvolvido, considerando ainda o fator emocional como proeminente para despertar outros sentidos nos alunos, permitindo que o aprender seja carregado de sentidos. Passar o conteúdo endossando as vivências sociais, culturais, históricas e, sobretudo, psicológicas permitirá ao aprendiz a motivação mais que necessária para deixá-lo mais curioso e com vontade de aprender.

Ao ser instigado e desafiado de forma positiva dentro do processo educacional, a região do prazer no cérebro libera dopamina, uma substância que gera bem-estar, mais atenção e mais esforço e alegria de querer continuar sendo partícipe do contexto escolar. Até as tarefas antes consideradas difíceis passam a ser vistas com olhar menos penoso. Se entre a solução e a dificuldade existir a possibilidade, então a Neurociência pode ser vista como a ciência capaz de oferecer múltiplas possibilidades para a educação.

Novas estratégias de aprendizagem: aprender a aprender

A Neurociência vem provando, através dos estudos já realizados, as contribuições para o desenvolvimento eficaz da aprendizagem. Conhecer o todo é nem mais nem menos que a soma das partes. Na sala de aula não deve haver confrontos e conflitos na relação professor e aluno, até porque o objetivo é provocar o momento de escuta, momentos de autoestima, conquista e autoconfiança. Em uma relação consolidada por laços de afinidade, certamente o processo é menos penoso e tanto o desejo de aprender quanto o desejo de ensinar se tornam prazerosos.

Sabe-se hoje que, se o conhecimento construído na escola não dialoga com a vida, há uma sensação de viver em dois mundos completamente diferentes. Arrisca-se ainda a comparar a sensação de se sentir “um peixe fora d’água”. A sensação unilateral desse pensar remete à ideia de um sujeito objetivado pertencente a uma unidade desvinculado da sua diversidade. Aí mora o perigo! Segundo Freire (1996, p. 35),

outro saber fundamental à experiência educativa é o que diz respeito à sua natureza. Como professor, preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes dimensões que caracterizam a essência da prática, o que me pode tornar mais seguro no meu próprio desempenho.

Tal posicionamento freiriano permite pensar que o caminho a percorrer não é fácil; todavia, estar convicto de dar um passo de cada vez irá trazer uma luz de esperança diante dos resultados que se almeja alcançar. Saber que o mover-se é parte essencial de toda mudança e tornar claro e evidente que enfrentar incertezas, e lidar com o inesperado deve ser caracterizado como sendo os primeiros passos a serem dados em busca dos novos sentidos na relação professor-aluno.

Moran (2017) diz que “os processos de aprendizagem são múltiplos, contínuos, híbridos, formais e informais, organizados e abertos, intencionais e não intencionais. [...] A ênfase na palavra ativa precisa sempre estar associada à aprendizagem reflexiva”.

Evidentemente que não se esperam resultados homogêneos; lida-se com o humano e este por sua vez é complexo e atrelado a fatores internos e externos. Contudo, espera-se dessa caminhada alcançar elementos teórico-metodológicos capazes de estimular as interfaces da Neurociência com a prática de ensino que motiva, alegra e desperta o prazer em aprender e construir novos saberes.

Dicas da Neurociência para a Pedagogia

Certamente o caminho percorrido nesta investigação cientifica vem iluminando acerca de muitos acontecimentos que permeiam o ambiente educativo; estes agora passam a receber o olhar minucioso dessa ciência que tenta compreender o trajeto cerebral do aprendizado. Vale destacar que não se trata aqui de apresentar fórmulas mágicas, pelo contrário. A preocupação é corroborar o que os professores já sabem pela sua sábia experiência. Tudo servirá como subsidio teórico-metodológico para viabilizar a prática educativa.

É oportuno salientar que não caberá dar à Neurociência uma autonomia maior do que o conhecimento do professor, conforme se lê em muitas publicações científicas que tratam do tema. O foco da educação tem sido o conhecimento a ser ensinado de maneira mecânica e igual a todos os alunos sem a devida atenção à individualidade, numa demonstração de total falta de consciência da força que possuem os modelos mentais e da influência que eles exercem sobre o comportamento. Por sua vez, os alunos, acostumados a perceber o mundo a partir da visão do docente, aceitam passivamente essa proposta pedagógica, desempenhando papel de receptor de informações, as quais nem sempre são compreendidas e geram conhecimento.

Entretanto, é de suma importância proporcionar uma aprendizagem significativa para o aluno, fato que não depende só do professor, pois é fundamental, para uma Educação que pretende ajudar o aluno a perceber sua individualidade, tornando-o também responsável pelo ato de aprender, proporcionar a otimização de suas habilidades, facilitar o processo de aprendizagem e criar condições de aprender como aprender.

Nesse contexto, conhecer o seu padrão de pensamento pessoal e saber como usá-lo é o primeiro passo para ser um participante ativo no processo de aprender. A compreensão de como se pode lidar com certas características pessoais ajudará o aluno a identificar, mobilizar e utilizar suas características criativas e intuitivas, pois cada um aprende no seu ritmo e à sua maneira, e nesse momento o papel da família também se tornará crucial para o êxito da aprendizagem.

Partindo desse pressuposto, ao professor cabe oferecer, mediante sua prática, um ambiente que respeite as diferenças individuais, permitindo que os aprendizes se sintam estimulados do ponto de vista intelectual e emocional. Daí a necessidade de o educador, consciente de seu papel de interventor responsável pela mediação da informação, buscar estruturar o ensino de modo que os alunos possam construir adequadamente os conhecimentos a partir de suas habilidades mentais.

Para tamanho desafio, é imprescindível que conheçam os significativos estudos da Neurociência, uma vez que eles sem dúvida influenciam na compreensão dos processos de ensino e de aprendizagem. Se os estados mentais são provenientes de padrões de atividade neural, então a aprendizagem é alcançada através da estimulação das conexões neurais, podendo ser fortalecida, ou não, dependendo da qualidade da intervenção pedagógica.

A pesquisa e o interesse em Neurociência têm crescido em resposta à necessidade de não somente entender os processos neuropsicobiológicos normais, mas também para respaldar a ciência da Educação. É notório que ocorram dificuldades de comunicação entre neurocientistas e educadores devido à linguagem diversa empregada em suas terminologias profissionais específicas, bem como a utilização de temas, métodos, lógicas e objetivos diferentes. No entanto, novos desafios históricos têm redimensionado e emergido novos paradigmas, os quais impulsionam a ciência e todos aqueles que se preocupam com a integridade humana nos aspectos físico, emocional e, em particular, sociocultural.

A partir de então há de se buscar as dicas proeminentes da Neurociência à Educação, possibilitando aos professores mais instrumentos e ferramentas para que sejam capazes de otimizar seu fazer pedagógico.

Considerações finais

A Neurociência não se apresenta como resultado para todos os problemas e dificuldades da Educação. Todavia, ela vem contribuir significativamente como sendo mais um instrumento do saber necessário para a prática educativa da sala de aula. O percurso que interliga a educação escolar com a Neurociência será certamente de grande valia a partir das suas contribuições teóricas já conhecidas no campo educacional, com objetivo claro de melhorar ainda mais a práxis educativa na estrutura do cérebro, um aporte teórico que vai dialogar com a Neurociência em favor da aprendizagem do aluno.

Cabe ao professor utilizar esses saberes como forte contribuição para sua prática profissional, ao não considerar seus alunos como unidade e sim como heterogeneidade, com saberes plurais para a coletividade e compreender as particularidades a partir de como cada cérebro aprende. A Neurociência vem se apresentando como uma releitura favorável da estrutura cerebral para compreender mais ainda que o sujeito que aprende tem uma identidade pessoal localizada no cérebro.

Espera-se contribuir com o aperfeiçoamento de novas metodologias de ensino que possam dar novos sentidos à construção do conhecimento, levando em consideração as mudanças e transformações que estão acontecendo continuamente na sociedade contemporânea. Espera-se ainda que seja expressiva a participação dos professores no aperfeiçoamento desse novo saber oriundo da Neurociência, sobretudo que se sintam parte desse processo em prol da qualidade do ensino.

Entraves existem em toda parte, mas, quando a vontade de mudar algo que não corresponde mais às expectativas do cenário atual são maiores que as dificuldades, certamente tudo leva ao caminho das possibilidades.

Referências

CAPOVILLA. Alessandra. Contribuições da Neuropsicologia cognitiva e da avaliação neuropsicológica a compreensão do funcionamento cognitivo humano. Cadernos de Psicopedagogia, São Paulo, v. 6, nº 11, 2007.

FONSECA, Vitor da. Cognição, Neuropsicologia e aprendizagem: abordagem neuropsicológica e psicopedagógica. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura).

GUERRA, Leonor Bezerra. O diálogo entre a Neurociência e a Educação: da euforia aos desafios e possibilidades. Revista Interlocução, v. 4, nº 4, p. 3-12, jun. 2015.

HERCULANO, Suzana H. O cérebro em transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.

LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de Neurociência. São Paulo: Atheneu, 2001.

LUCKESI, Carlos C. Avaliação da aprendizagem escolar: sendas percorridas. São Paulo: Cortez, 1994.

MORIN, Edgar. Conhecimento, ignorância, mistério. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.

RELVAS, Marta Pires. Neurociência na prática pedagógica. Rio de Janeiro: Wak, 2012.

SALLA, Fernanda. Neurociência: como ela ajuda a entender a aprendizagem. Nova Escola, 15 de junho de 2012.Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/217/neurociencia- aprendizagem. Acesso em: 11 jan. 2018.

TORRE, Saturnino de la; ZWIEREWICZ, Marlene. Uma escola para o século XXI: escolas criativas e resiliência na educação. Florianópolis: Insular, 2009.

Publicado em 17 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

FERREIRA, Geolange Carvalho. Neurociencia e Educação: entre saberes e desafios. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 40, 17 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/40/neurociencia-e-educacao-entre-saberes-e-desafios

Novidades por e-mail

Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing

Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário

Deixe seu comentário

Este artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.