A avaliação como um processo de diálogo, compreensão e melhora

Lucas Carneiro Costa

Pós-graduando em Mercado Financeiro e de Capitais (PUC-MG), graduado em Pedagogia (UEMG)

Para entender como se dão os processos avaliativos, primeiramente deve-se levar em conta todas as partes dele. O objetivo do trabalho é mostrar como esse processo é realizado e quais são as suas nuances, pois acreditamos que elas estejam ligadas a certas formas de “patologias” dos modelos de avaliação.

Os processos de avaliação seguem três vias: a diagnóstica, a processual e a prazo. Acrescentamos que o entendimento é de que esses processos são circulares e não apenas lineares. As tomadas de decisões, sejam iniciais ou processuais, geram a avaliação, que precisa de uma análise da abordagem, da ação, do contexto e das condições. Por conta disso, os resultados são complexos no mundo da educação. Assim, vários desses processos avaliativos, dentro do currículo, são realizados e afetados pelas mais diversas patologias.

O debate sobre avaliação é complexo. Somente as conclusões são discutidas, quando, por exemplo, alunos são reprovados, mas não sabem o porquê. Portanto, se presume que eles são incompetentes. A educação, particularmente o fenômeno da avaliação, está farta dessas patologias que se revelam como clichês. Sem debater o tema e sem fazer a avaliação da avaliação, não haverá progresso na educação e na escola.

Em última instância, o currículo não parece ser concebido na avaliação, mas sem essa última não há como fazê-lo. A avaliação é necessária à educação. Mas da forma como ela se propõe atualmente, existem diversos problemas:

  • Só o estudante é avaliado: nesse sentido, o aluno é o protagonista. Ele e suas produções na escola são examinados por um determinado tempo. Os resultados são dados. Mas, em geral, ele é considerado o único responsável por eles. O aluno é avaliado como se fosse uma entidade fora da escola e fora de um contexto. Presume-se na avaliação de que ele seja capaz, mesmo sem saber o que ele possui a sua disposição.
  • Só se avaliam os resultados: é evidente que os resultados, quando estamos nos referindo às notas, são importantes. Na escola, parece que só esse pequeno elemento é considerado. Não se avalia o processo, as condições que se tem, as estratégias, as consequências e os desencadeamentos, o ritmo, o rendimento ou o esforço do estudante. 
  • Só se avaliam os resultados pretendidos: a avaliação, da forma como é feita atualmente, serve somente para verificação de pontos específicos que são de interesse da escola. Não se avalia para verificar como o aluno aprendeu, a forma que ele assimilou o conteúdo, de que maneira o conteúdo foi assimilado, o que foi compreendido. Avalia-se o que se pergunta – e não há margem para aceitar respostas diversas, por mais que elas sejam exatas ou até mesmo construtivas.
  • Somente os efeitos observáveis são avaliados: existem efeitos que não são diretamente observáveis. Esses efeitos passam despercebidos pelo avaliador. As limitações metodológicas impostas por uma concepção experimentalista da avaliação não deve nos fazer esquecer todo o bloco do iceberg curricular (problemas, situações sociais, conflitos internos, dificuldades) que permanece abaixo da superfície das águas (avaliações rápidas e objetivas, descontextualizadas).
  • O escopo negativo é avaliado: na prática usual do professor, a avaliação é marcada pelo correto. O sublinhado de erros ortográficos é muito mais frequente do que a valorização explícita de palavras bem escritas (essa pequena anedota serve para ilustrar o que se deseja falar). Uma avaliação rigorosa requer um tratamento holístico dos fenômenos. O desequilíbrio de perspectiva torna a escola mais atenta aos erros do que aos sucessos dos alunos. As equipes de avaliação estão prontas para descrever problemas, mas não estão prontas para listar e comemorar realizações.
  • Só as pessoas são avaliadas: a forma de avaliação em vigência se preocupa em avaliar as pessoas, listando suas capacidades e incapacidades. Todos os aspectos para além das pessoas não são levados em consideração. Procura-se estigmatizar, rotular e personalizar a avaliação. Assim, de acordo com esse modelo, se um aluno não vai bem em uma prova, é bem provável que a culpa seja exclusivamente nele.
  • Avaliação fora do contexto e instrumentos inadequados: a avaliação é feita fora do contexto global da escola e da educação, isto é, sem levar em consideração os diversos aspectos que formam o processo de ensino-aprendizagem. Procura-se avaliar o aluno pelo tamanho de sua produção ou pelo tamanho das suas notas. Além disso, não se utilizam instrumentos adequados para fomentar uma avaliação horizontal, participativa, justa e democrática. Questionários, escalas de estimativa e listas de verificação que fazem parte desse modelo de avaliação tradicional, não trazem conceitos novos e apenas reforçam os pontos a que se propõe, ignorando a amplitude e a variedade de informações e elementos que se apresentam na vida escolar. Por exemplo, nem sempre os alunos não utilizam a biblioteca da escola porque não gostam de ler ou são preguiçosos. Muitas vezes, há outros problemas que os levam a tomar tal atitude.
  • Avaliação incoerente ao processo de ensino-aprendizagem: é a avaliação feita sobre o que se ensina, ou melhor, é estudado para avaliação, de modo que é esse processo que direciona os alunos. A inconsistência é estabelecida quando você deseja realizar uma aprendizagem por compreensão e, em seguida, um teste de caráter mecânico, rígido e repetitivo. Um processo de ensino baseado na explicação oral termina com um modelo de exame escrito. Uma forma de trabalhar baseada no grupo termina em uma avaliação individual e um processo de ensino-aprendizagem, baseado teoricamente no desenvolvimento integral do indivíduo, termina com uma avaliação exclusiva sobre o conhecimento adquirido.
  • Avalia-se competitivamente: o verdadeiro significado do processo de educação está em analisar todos os fatores que o integram, mas sem contraste ou comparação com outros processos similares, diferentes ou antagônicos. Muitas vezes, para pais, alunos e professores o que interessa é o quantitativo, em face à comparação com outros. A avaliação do aluno parece cobrar sentido na comparação e não na evolução. Esse fator aparece também para a avaliação das escolas. A escola que apresenta melhor avaliação é melhor do que a outra. Esquece-se de outros fatores como as condições, os meios, a história e as pessoas.
  • Avaliação estereotipada: os professores costumam repetir suas formas de avaliar. Normalmente, os professores reproduzem repetidamente seus processos avaliativos sem nenhum tipo de diálogo com os alunos. Não se faz uma avaliação sobre os métodos avaliativos. Quando é feito, tem como objetivo confirmar os estereótipos. Os alunos têm diferentes métodos avaliativos em cada matéria que cursam. Já os professores são avaliados de uma única forma.
  • Não se avalia eticamente: além de problemas técnicos, os processos avaliativos também apresentam problemas éticos. A avaliação pode se converter em um instrumento de opressão, uma vez que o professor não dialoga com os alunos para a definição de como ocorrerá o processo. O poder fica todo na mão do professor. Isso pode ser compreendido como um mecanismo de controle e não uma forma de apurar o processo de aprendizagem.
  • Avalia-se para controlar: não se deve confundir controle com avaliação. Quando o professor se nega a discutir com os alunos a qualificação que lhes é dada, o professor está perdendo um momento importante de aprendizagem. É preciso analisar os resultados do processo avaliativo para compreender os acertos e os erros e, dessa forma, planejar os próximos processos.
  • Avalia-se para manter o status quo: mais grave do que a avaliação se fechar nela mesma e não impulsionar mudanças é a avaliação ser usada como mecanismo de manutenção do status quo dos professores, da direção e da administração escolar. Quando maus resultados e o mau funcionamento do processo caem em mãos erradas, de quem não tem interesse em fazer mudanças, este pode manter os processos da maneira como estavam planejados.
  • Avalia-se de forma unilateral: a avaliação ocorre em sentido decrescente, pois o Ministério avalia os inspetores, que avaliam os diretores, que avaliam os professores, que avaliam os alunos. Não é feita uma avaliação ascendente, nem tão pouco horizontal. A avaliação democrática deve ser realizada pelos interessados. Só a avaliação democrática pode promover uma mudança profunda. Os que desejam conhecer os resultados de uma avaliação e os que a executam são integrantes de um processo.
  • Não se avalia “de fora”: A avaliação externa é necessária para expandir o horizonte de visão. A visão externa pode revelar algo além do que se ver internamente, pelo fato de que o avaliador externo tem um ponto de vista privilegiado, pois: tem certa distância afetiva da dinâmica e dos resultados; tem critérios de independência do resultado; tem pontos de referências mais amplos e mais completos; tem uma maior disponibilidade de tempo e dedicação. Porém é imprescindível que a avaliação não se afaste dos protagonistas do processo avaliativo.
  • Não há autoavaliação: a autoavaliação é um processo de autocritica que enriquece a reflexão sobre a própria realidade. Dessa forma, é melhor analisar nossos erros do que se vangloriar de acertos. O professor deve propiciar aos alunos os instrumentos necessários para realizar a autoavaliação e mediar esse processo junto aos alunos. Esse processo autoavaliativo deve conter um cunho de reflexão do aluno sobre a sua aprendizagem sem necessariamente projetar qualificação quantitativa.
  • Avalia-se “fora do tempo”: quando se fala em “avaliação contínua”, fala-se de algo que quase nunca acontece. Porém, como forma de evitar uma má forma de avaliar, aumentou-se o número de vezes em que se avalia. Portanto, uma boa avaliação sincrônica não é feita em relação ao processo de aprendizagem e educação de uma forma mais ampla. Também não se faz uma adequada avaliação diacrônica, uma avaliação que ocorre ao longo do tempo, com uma perspectiva temporal que ofereça novos elementos de referência.
  • Não há uma avaliação da avaliação: a avaliação deve ser mais do que uma simples comprovação de eficácia do método avaliativo, usado em determinado processo de ensino-aprendizagem. A avaliação do processo avaliativo deve se estender para além da simples análise da coerência do programa e da eficácia dele.
  • Não há uma meta de avaliação: o processo de avaliação é tão complexo que precisa ser avaliado para ser válido. Por meio da avaliação, pode-se resolver inúmeros problemas e deficiências, por isso é necessário desenvolver mecanismos de avaliação. É preciso avaliar não somente o rigor do processo, mas como ele está acontecendo. Dessa forma, o processo avaliativo se torna outro elemento, como uma variável, com poder de modificar substancialmente todo o programa.

A avaliação educacional é um fenômeno geralmente confinado à sala de aula, que se refere somente aos alunos e que se limita ao controle dos conhecimentos adquiridos por meio de provas de diversas naturezas. Essa forma de avaliar traz diversos problemas, limitações, desvios e manipulações. Também, está posta de forma negativa, realizada em más condições e utilizada de forma hierárquica, permitindo saber pouco sobre como ocorre realmente a aprendizagem. Raramente ela serve para melhorar a prática dos professores ou o contexto de funcionamento das escolas.

Em outro momento, o autor se refere à avaliação de programas educacionais, não necessariamente circunscritos no âmbito da escola. Ele se refere a diversos problemas que estão inseridos neles. O ideal é que essas avaliações produzam diálogos, compreensão e aprimoramento dos programas que são colocados a serviço dos usuários. A avaliação é uma plataforma de diálogo entre avaliadores e avaliados. Mas o diálogo tem uma dupla finalidade: por um lado, gera compreensão do programa e, por outro, melhora a sua qualidade.

A avaliação é guiada pelo desejo de compreensão. Propõe-se como objetivo compreender porque as coisas passaram a ser como são:

  • Reivindicações educacionais: quem os inicia e por quê. Quais propósitos ocultos ou manifestos.
  • Necessidade: não considerado apenas em si, mas em contraste com outras necessidades possíveis da sociedade.
  • Destinatários: para quem se destina e quais as formas de acessá-lo.
  • Processos que inicia: que tipos de atividades são adequados e que atitudes, conhecimentos ou habilidades desenvolvem nos destinatários.
  • Resultados durante o mesmo programa: o que o desenvolvimento do programa está alcançando nos destinatários, nos responsáveis ​​ou, indiretamente, nas outras pessoas.
  • Resultados a longo prazo: é necessário pensar sobre o que acontecerá a longo prazo com essa abordagem.
  • Efeitos colaterais: quais são as repercussões não intencionais que o programa está produzindo.
  • Rentabilidade dos custos: é preciso perguntar sobre a relação entre o esforço e o custo do programa e sua lucratividade, já que os recursos são limitados.
  • Rentabilidade social: o benefício do programa, do ponto de vista democrático.
  • Relação de oferta e demanda: é interessante saber que tipos de ofertas são feitos e quem demanda esse tipo de ação educativa.
  • Continuidade no futuro: que tipo de desenvolvimento posterior tem o programa e que possibilidades de continuidade no futuro.
  • Resposta sincrônica e diacrônica: o programa acontece em local e horário específicos, com meios específicos.

A avaliação não se fecha em si mesma, mas busca melhorar não só os resultados, mas a justiça das práticas educativas. Contudo, vale lembrar que a melhoria não consistirá apenas em obter melhores resultados.

É a avaliação que determina toda a aprendizagem, mas ela não deve ser somente um diagnóstico e sim uma estratégia para a compreensão e a melhoria do ensino. A aprendizagem é o reflexo da avaliação, pois se um professor avaliar o aluno aplicando provas de memorização, o aprendizado também será de memorização. Se a avaliação for feita por meio de testes objetivos, a aprendizagem se encaminhará nesse sentido. Ou seja, para ter êxito nas provas, o aluno vai se esforçar para lembrar-se de fatos, datas e nomes que, na grande maioria das vezes, aparecem descontextualizados. No entanto, se a avaliação consistir na elaboração de projetos e pesquisas, análise de informações e resolução de problemas, todo o aprendizado também será direcionado para esses fins. Em uma sala de aula, diversas habilidades são incitadas nos alunos, tais como a memorização, a compreensão de fenômenos e de fatos, além do estímulo à análise, à criação e à comparação. Sabemos que algumas dessas tarefas exigem mais esforço intelectual do que outras, mas estamos cientes que as tarefas de menor potencial intelectual, como a memorização, são as mais cobradas.

A avaliação ideal deve agregar uma série de características: ser qualitativa, mais voltada à compreensão do aprendizado dos alunos, do que à sua medição, ser processual, não verificando somente os resultados do processo de aprendizagem, mas também os meios utilizados para se chegar a eles, ser continuada, ou seja, realizada ao longo do processo de ensino e não apenas no final da etapa de aprendizagem e ser rica e diversificada, não priorizando tarefas intelectuais pobres, como a prática da memorização. Testes de múltipla escolha devem ser evitados também, já que não permitem ao aluno discutir, analisar ou mesmo expor seu ponto de vista sobre temas. A avaliação não pode servir como ferramenta para desanimar ou constranger a escola que obtiver um desempenho ruim. Ao contrário, precisa ser utilizada para incentivá-la a progredir e a sanar suas deficiências.

A avaliação é um processo de diálogo e compreensão que contribui em diversos pontos da educação, inclusive para justificar decisões e esclarecer realidades. Uma avaliação superficial pode dar origem a explicações insuficientes, como ressaltado no começo do trabalho: “este aluno reprova porque não estuda”, “aquele programa de renovação não funciona porque os professores são incompetentes” ou “este centro tem eficácia educacional porque tem ótimas instalações”.

O modelo tradicional de avaliação deturpa diversos conceitos educacionais, dificultando uma escola aberta, horizontal e inclusiva. Para muitos pais, professores e para os próprios alunos, a avaliação é o resultado de sua capacidade e de sua falta ou desperdício de esforço. Em caso de fracasso é ele quem deve pagar as consequências.

Referências

GUERRA, M. A. S. La evaluación: un proceso de diálogo, comprensión y mejora. Investigácion en la escuela, n° 20, 1993.

Publicado em 24 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

COSTA, Lucas Carneiro. A avaliação como um processo de diálogo, compreensão e melhora. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 41, 24 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/41/a-avaliacao-como-um-processo-de-dialogo-compreensao-e-melhora

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