Brasil, cultura e patriarcado: desdobramentos políticos e sociais

Isabel Cristina Weisz

Licenciada e mestra em Língua Portuguesa (PUC-SP), pedagoga pós-graduada em Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem (PUC-RS)

Nos tempos atuais, ouvimos e lemos, com alguma frequência, a palavra Patriarcado. Quase sempre, os textos que a empregam a utilizam em um tom emocional ou mesmo exaltado para protestar, pedir, reivindicar ou exigir algo em favor do gênero feminino. Geralmente, clamam por respeito e tratamento igualitário.

Todavia, a palavra Patriarcado, embora soe familiar, não é autoexplicativa. Seu verdadeiro significado é complexo e começou a ser construído há cerca de cinco milênios, com tantas consequências que acabaram por moldar a civilização da qual fazemos parte.

Neste texto, faremos um caminho inverso para explicar o significado do termo, apresentando uma consequência social e depois o motivo dela, fruto intencional da cultura patriarcal. Para nossos propósitos didáticos, o efeito – já amplamente conhecido pelos brasileiros minimamente instruídos com a ínfima participação da mulher no cenário político – será demonstrado antes da explanação de sua causa: o Patriarcado e seus instrumentos de ação e perpetuação.

Em suma, este estudo é uma decupagem/desconstrução de uma das diversas formas da manipulação do Patriarcado na sociedade brasileira.

A essência do termo Patriarcado

Segundo Lins (2020), as identidades de gênero são construtos sociais que se desenvolvem e se fortalecem historicamente por meio da cultura, das crenças, dos mitos e das atitudes dos indivíduos de uma determinada civilização.

Nessa estrutura, de acordo com Pinsky (2014), as atividades laborais, o vestuário, a personalidade, a subjetividade, o ideal de comportamento social, dentre outros fatores de ordens diversas, são atribuídos ao sexo biológico (macho, fêmea) pelo grupo dominante, que nas sociedades dos últimos cinco milênios tem sido o masculino, mais precisamente definido em tal contexto como “homem heterossexual”. 

Esse modelo sociocultural recebeu o nome de Patriarcado, porquanto se refere ao pai como “chefe supremo” de uma família. No decorrer do tempo, tal paradigma de sociedade foi se tornando mais e mais poderoso fazendo uso eficiente de todos os instrumentos e artefatos culturais (tais como livros e jornais impressos, peças teatrais, rádio e teledifusão etc.) que iam sendo criados. Encontramos em Buitoni (2016) uma irretocável definição para ele:

E, à medida que se avança na história das mulheres contadas pelos jornais, constata-se a força das estruturas limitadoras: Igreja, estado, família e escola. Segundo Bordieu (1999), foi através dessas instituições que o Patriarcado eternizou seu poder e legitimou a opressão sobre as mulheres. Tanto é verdade que, quando se tornou conveniente valorizar a maternidade, ela foi investida de uma mística religiosa e filosófica que naturalizou ainda mais o papel da mãe, incentivou a amamentação e contribuiu para mantê-la mais apegada à família. Os ideólogos do Patriarcado nacional – aí incluindo homens e mulheres, filósofos, moralistas, jornalistas e médicos – determinavam em seus escritos os novos comportamentos, direitos e deveres. E o redirecionamento do papel da mulher com que umas e outras sonhavam vai consistir na supervalorização das figuras da esposa e da mãe, alçadas à categoria de “santas”. Com a entronização da “divina missão” materna e da “guardiã privilegiada” da família, a autoridade do pai parecia diminuir na proporção que a mãe aumentava seu espaço de poder. Mas, no fundo, no fundo, continuava cabendo ao mantenedor a última palavra. Ela, a “rainha do lar” ele, o cabeça, o chefe, o juiz (Buitoni, 2016, p. 47).

Efeitos práticos da deslegitimação dos direitos da mulher no Brasil

O modelo androcêntrico e patriarcal de civilização é fundamentado em um paradigma que subestima a capacidade cognitiva da mulher.

Se retrocedermos na história dos povos ocidentais, constataremos, por múltiplas e diversas fontes, a veracidade da afirmação. Na Antiga Grécia, por exemplo, a mulher não tinha direito a voz nem a voto no areópago de Atenas. O ser feminino era considerado propriedade do homem, assim como suas terras e seus escravos.

Em outras palavras, a mulher não era considerada cidadã e não tinha acesso à educação institucional. Não é de se admirar que Hipátia de Alexandria (370-415) – pese o fato de ter nascido já na Era Comum – tenha estudado Matemática e se tornado diretora da Escola de Filosofia Neoplatônica em Alexandria. A singularidade e a coragem dessa mulher foram também a causa de seu horripilante assassinato (Sagan, 1980).

Vemos, portanto, que é milenar a origem da falácia veiculada em vários discursos populares no Brasil que, de maneira abertamente preconceituosa, afirmam que “mulher tem mente fraca” ou “só serve para fazer sexo e filhos”. Frases dessa natureza atribuem ao gênero feminino um estado psíquico permanente de incompetência e debilidade, abolindo as mulheres de se tonarem seres que decidem sobre temas importantes.

Um exemplo disso foi a demora na outorga da lei que legitimou o direito da mulher ao voto no Brasil. Somente a partir de 24 de fevereiro de 1932, o sexo feminino passou a ter permissão para votar, ajudando a eleger, no ano de 1934, o 14° presidente do país, Getúlio Vargas.         

O reflexo dessa longa negação de legitimidade continua sendo a diminuta participação da mulher na cena político-partidária e legislativa do país. A política brasileira continua sendo um ambiente patriarcal, hierarquizado e masculinizado. Senão, vejamos as tabelas a seguir:

Tabela 1: Participação de mulheres nos cargos ministeriais do governo no ano de 2020

Cargo

Total de vagas

Total de mulheres

Proporção de mulheres

Ministério

23

2

8,7%

Fonte: IBGE.

Visualizando os números em forma de diagrama:

Figura 1: Número de mulheres no ministério do mandato presidencial de 2018 a 2022

Tabela 2: Proporção de cadeiras ocupadas por mulheres em exercício na Câmara de Deputados em 2020

Cargo

Total de cadeiras

Total de mulheres

Proporção de mulheres

Deputado (a)

513

76

14,8%

Fonte: IBGE

Tratando essa proporção sob os parâmetros da imagética estatística, temos o seguinte gráfico circular:

Figura 2: Proporção entre deputados e deputadas federais no mandato de 2018 a 2022

Tabela 3: Proporção de mulheres entre os parlamentares eleitos para as câmaras de vereadores em 2020

Cargo

Total

Total de mulheres

Proporção de mulheres

Vereadores(as)

56.896

9.106

16,0%

Fonte: IBGE

Representando os números acima em forma de imagem temos:

Figura 3: Vereadores/vereadoras na gestão de prefeituras brasileiras no ano de 2020

1: Homens

2: Mulheres

Tudo o que vimos acima é uma disponibilização visual de dados públicos oficiais fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para garantir essa massiva presença de homens no círculo político, o Patriarcado brasileiro criou artifícios tais como o das “candidaturas laranja”. Quanto a esse assunto, veja o que explica Milke (2020):

Os candidatos laranjas são, em sua maioria, mulheres usadas para preencher a cota mínima de 30% do sexo feminino, prevista no § 3º o artigo 10 da Lei 9.504/97. Elas se candidatam formalmente, mas na realidade não fazem campanha, nem se lançam a população com o intuito de angariar votos. Ocorre que tal prática é considerada fraude ao pleito eleitoral, e cada vez mais vem sendo rigorosamente punida, a fim de coibir a prática fraudulenta.

Ao aplicarmos os números apresentados na tabela, obtemos um panorama da presença da mulher na política brasileira.

Cargo

Mulheres

Homens

Total de vagas

% de participação feminina

Ministros

2

21

23

8,7

Deputados

76

437

513

14,8

Vereadores

9.106

47.790

56.896

16,0

A aferição permite constatar que, quanto mais elevado o cargo político, mais reduzida é a presença da mulher. Essa é uma demonstração factual, clara, numérica, objetiva e, por conseguinte, incontestável da natureza de uma cultura dominada pelo gênero masculino. O Patriarcado cria ferramentas específicas para se aproveitar da vulnerabilidade que ele próprio fabrica e atribui à figura da mulher. Não por acaso, conforme verificou Barros (2021), a “síndrome do impostor” acomete mais mulheres do que homens.

A consequência dessa baixa participação feminina na política brasileira se traduz no irrelevante trabalho de representação feminina pelos temas de seu interesse como, por exemplo, a criação de creches em empresas de médio e grande porte ou a igualdade salarial entre os gêneros. Em tal contexto é imediata a constatação: mulheres das classes mais populares equivalem a cidadanias totalmente menosprezadas. Como se pode perceber, o quadro social promovido pelo Patriarcado acarreta atraso incalculável nos ganhos civilizatórios.

Para entender a lógica que deu origem a essa realidade de inexpressividade feminina na política brasileira, explanaremos a seguir os primórdios da participação da mulher no panorama político mundial por meio dos chamados movimentos sufragistas.

O movimento sufragista e sua inspiração ideária

As historiadoras e sociólogas consultadas para a elaboração deste artigo, elencadas nas Referências, são unânimes em afirmar que os movimentos sufragistas tiveram início, de maneira objetiva e organizada, na Inglaterra.

Segundo Abreu (2002) e Karawejczyk (2013), a mentora intelectual dos movimentos feministas foi Mary Wollstonecraft (1759-1797) que publicou a obra A Vindication of the Rights of Woman (1792), na qual admoesta contra a desigualdade social e a política entre os sexos perpetuada pela educação diferenciada entre homens e mulheres.

Karawejczyk (2013) descreve uma primeira onda de movimentos com a participação exclusiva de mulheres entre 1830 e 1840. As participantes visavam à abolição da escravatura e à criação de leis trabalhistas. Todavia, a militância pelo voto só começou em Manchester, em 1903, com a fundação do Women's Social and Political Union (WSPU) por Emmeline Pankhurst e suas filhas Christabel e Sylvia. As ativistas se autodenominavam suffragettes (sufragistas). Ao longo de sua existência, o grupo editou duas publicações semanais como veículos de propagação de suas ideias e ideais, o Votes for Women, no ano de 1907, e o The Suffragette, em 1912 (Karawejczyk, 2013).

As formas de manifestação do grupo abrangiam distribuição de panfletos, desobediência civil e a voluntária submissão a constrangimentos públicos como, por exemplo, se acorrentarem a portões como forma de protesto. Tais ações resultavam em prisões. Uma vez encarceradas, as manifestantes iniciavam greves de fome e esse modus operandi gerava diversos desdobramentos, incluindo novas manifestações nas ruas.

Todas essas atividades, somadas à grande atuação e à ajuda das mulheres do Reino Unido nos esforços de resistência à I Guerra Mundial, fomentaram pautas e discussões no Parlamento Britânico e, em 1928, o direito ao voto foi concedido a todas as mulheres maiores de 21 anos de idade. Durante seu longo tempo de ideação, planejamento e empenho em ações práticas, o movimento feminista-sufragista da Inglaterra se disseminou pela Europa e pela América.

Breve histórico do início do voto feminino na Europa

Quanto ao tema do direito das mulheres ao voto político amplo (ou seja, em todo o território nacional, em todas as categorias eletivas e com o direito de também candidatar-se a um cargo político), a Nova Zelândia saiu na vanguarda, no ano de 1893 (Pedro, 2010).

Nessa tendência, a França foi o país seguinte. De maneira gradual e contínua, a partir do ano de 1898, o direito ao voto começou a ser concedido às mulheres. A priori, havia muitos impedimentos. Tais proibições eram fundamentadas em pretextos fictícios e diversos, principalmente os de “cunho moral”. Segundo Beauvoir (1949), mulheres solteiras ou divorciadas eram impedidas de votar. Tal imposição deixa inequívoca a cosmovisão sociocultural patriarcal quanto ao sexo feminino nesse período temporal (virada do século XIX para o XX até 1944). Na França, uma mulher não é capaz de decidir e agir por si mesma sem a orientação e a permissão de um marido. Somente quase no final da Segunda Guerra Mundial o gênero feminino passou a ter direito irrestrito ao voto (Pedro, 2010).

Adotando o modelo francês de “tirar aos poucos” os empecilhos ao voto feminino, a Inglaterra começou esse processo em 1918 e liberou completamente as urnas a todas as mulheres em 1928. É interessante observar o panfleto abaixo, publicado durante os 10 anos de lutas femininas pelo voto. Intitulado Conselhos sobre casamento para moças, ele está atualmente exposto no museu da cidade de Pontypridd, País de Gales.

Figura 4: Manifesto do movimento sufragista no Reino Unido, País de Gales

Fonte: https://www.pontypriddmuseum.wales/.

Tradução do texto:

CONSELHOS SOBRE CASAMENTO PARA MOÇAS:
1 - Nunca se case. 2 - Evite principalmente os bonitões, os paqueradores, os vaidosos e os fanáticos por futebol. 3 - Procure um homem saudável, calmo, encorajador, que trabalhe como carvoeiro, limpador de janelas ou jardineiro. 4 - Não faça muitas concessões, a maioria dos homens é de preguiçosos, egoístas, irrefletidos, mentirosos, bêbados, desajeitados, pesados, brutos e não viris. Eles precisam ser domesticados. 5 - Todos os solteirões são ainda piores. 6 - Se, ainda assim, você o quer para ser feliz, alimente-o adequadamente para mantê-lo em forma. 7 - A mesma observação se aplica aos cães. 8 - Você será mais sábia se não se casar, não vale a pena o risco.
Uma esposa suffragette.

Da leitura dos conselhos, avisos e recomendações que formam o conteúdo do impresso, podemos facilmente depreender que as mulheres das camadas mais simples da sociedade sempre foram as que sofreram os efeitos danosos do Patriarcado. Na sequência da linha temporal do voto feminino, os próximos países a reconhecer esse direito natural às mulheres foram a Finlândia, em 1906, e a Noruega, em 1907. Nesse período, iniciou-se o primeiro movimento sufragista do continente americano nos Estados Unidos da América.

Primeiro movimento sufragista no continente americano 

As ações pró-direitos femininos tiveram início nos Estados Unidos no ano de 1848, com a publicação de um manifesto chamado Declaração dos Direitos e Sentimentos. Tal documento foi elaborado em uma conferência que contou com a presença de 300 pessoas (entre homens e mulheres), realizada em Seneca Falls, no Estado de New York (Batista, 2020; Hamrick; Levene, s/d). Suas principais reivindicações abarcam o direito das mulheres à cidadania, ao voto, à propriedade privada, a ministrar cultos em igrejas, ao trabalho assalariado, ao ingresso no Ensino Superior e à total autonomia com relação ao gênero masculino (Fordham University).

À época, havia vários grupos que reivindicavam direitos civis, como por exemplo, os movimentos abolicionistas, porém somente no ano de 1890 foi criado o primeiro movimento que defendia exclusivamente o direito de a mulher votar e se candidatar ao voto político em todo o território nacional. O grupo se chamou National American Woman Suffrage Association (Nawsa). Em 1916, foi criado o NWP (National Woman's Party) com o mesmo objetivo.

Conforme sabemos, os estados membros que compõem os Estados Unidos possuem uma ampla margem de liberdade para a criação de leis locais, desde que elas não entrem em conflito com a Constituição. Assim, Wyoming foi um dos estados americanos a garantir o direito das mulheres ao voto, desde o ano de 1896. Nesse horizonte, os movimentos sufragistas reivindicavam a criação de uma emenda na Constituição que garantisse nacionalmente o direito das mulheres ao voto (Batista, 2020). Cidades como Chicago e New York foram palco de diversas marchas como a mostrada na imagem abaixo.

Figura 5: Manifestação de suffragettes na cidade de New York, 1912

Fonte: Library of Congress

Os anos 1910 foram marcados por drásticas crises e consequentes transformações sociais no mundo todo. Dentre elas, podemos citar a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a Revolução Bolchevique, que pôs fim ao czarismo na Rússia em 1917, e a gripe espanhola, em 1918. Quanto às mudanças trazidas pela guerra, o presidente estadunidense Woodrow Wilson admitiu a inestimável colaboração das mulheres nas ações de combate e, em 1918, comunicou seu apoio ao movimento sufragista (Batista, 2020).

Assim, em 18 de agosto de 1920, a 19ª emenda à Constituição (que permitia o voto das mulheres em alguns estados, desde 1896), passou a valer em todo o país.

O movimento sufragista brasileiro

Uma vez apresentada a conjuntura histórica e o espírito do tempo da gênese do movimento sufragista, falaremos sobre as mulheres que chamaram para si a incumbência de tornar o voto feminino um direito legal em nosso país.

Ao retomarmos a história do Brasil, verificamos que, tal como na Grécia Antiga, as mulheres do Brasil Colônia eram legalmente consideradas incapazes. Seus atos eram tutelados por seus pais e, após o casamento, por seus maridos. Essa situação perdurou no Código Civil de 1916, no Brasil República.

Ainda quanto ao aspecto legal, discutido e regulamentado exclusivamente por homens, as pesquisas documentais de D'Alkmin e Amaral (2006) afirmam:

No Brasil, a discussão sobre o voto feminino chegou ao Congresso Nacional pela primeira vez em 1891. Influenciados pelo movimento das americanas e inglesas, alguns deputados propuseram estender o direito de voto às mulheres que possuíssem diploma de curso superior e não estivessem sob a custódia do pai. O resultado foi desastroso: os congressistas consideraram a emenda “anárquica”. Entre seus argumentos: a inferioridade da mulher e o perigo de dissolução da família [...] Ruy Barbosa e o Barão Rio Branco se manifestaram em defesa da igualdade política dos sexos, mas nada conseguiram (D’Alkmin; Amaral, 2006).

Como iniciativa feminina, a professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou, em 1910, o Partido Republicano, cuja principal finalidade era a emancipação e a conquista da cidadania feminina por meio do voto. Paralelamente, a bióloga Bertha Lutz criou, em 1919, a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher (posteriormente rebatizada como Federação Brasileira pelo Progresso Feminino), cujo propósito era obter o direito ao sufrágio feminino. Outras mulheres que se destacaram nesse movimento foram a jornalista Maria Lacerda de Moura e Julita Monteiro Soares, fundadora do Partido Liberal Feminino (Alves, 1980; Hahner, 1981). Evidenciamos a participação de várias outras mulheres no movimento em funções diversas, sejam como autoras de textos ou professoras de escolas (que em pleno exercício foram ativas militantes da causa), sejam como pioneiras na candidatura a cargos eletivos.

No que diz respeito ao modus facendi do movimento, diferentemente das britânicas e das norte-americanas, as ações das sufragistas brasileiras não envolviam panfletagem, marchas nas ruas ou confrontos com a polícia. As ações delas eram tão somente de cunho intelectual, reunindo a criação de jornais voltados a assuntos de interesse do público feminino para neles publicar artigos sobre a busca do direito ao voto, bem como a realização de debates sobre o tema (Karawejczyk, 2014).

As ações das sufragistas brasileiras começaram a dar resultados. Os primeiros “efeitos de seus feitos” se deram no Estado do Rio Grande do Norte. Esse foi o primeiro território federativo a registrar uma eleitora no país, Celina Guimarães Viana, em 1927. Tal estado também foi pioneiro na eleição de uma prefeita, Alzira Soriano, na cidade de Lages, em 1929 (Menuci, 2018). 

Assim foi que o voto da mulher foi abrangendo mais estados brasileiros até que no dia 24 de fevereiro de 1932, o então presidente da República, Getúlio Vargas, decretou o Código Eleitoral Brasileiro, concedendo às mulheres o direito pleno ao voto e à candidatura a cargo político (D’Alkmin; Amaral, 2006).

A mulher e sua participação na política do Brasil nos anos 2020

Decorridos mais de 100 anos desde o início do movimento sufragista brasileiro, a presença efetiva da mulher na cena política é mínima, conforme verificamos numericamente no início deste artigo.

A título de incentivar uma maior participação feminina nos encaminhamentos e decisões do “fazer político” no Brasil, o Art. 3º da Lei nº 12.034/09, em seu inciso 3, estabelece:

§ 3º  Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Em outras palavras, a cláusula estabeleceu uma cota que prevê uma composição de, no mínimo, 30% de mulheres na soma total do número de candidatos de um partido ou coligação em cada eleição.

Ora, tal medida, além de comprovar que a esfera política é sumamente patriarcal no Brasil, deu asas ao surgimento das candidaturas-laranja já mencionadas. Posto isso, constatamos que não é difícil inferir a fragilidade da figura feminina nas discussões ocorridas nos bastidores da política partidária brasileira.

Considerações finais

Como fechamento deste trabalho de pesquisa, gostaríamos de lembrar que em sua tessitura o modelo patriarcal de sociedade tampouco trata bem o gênero masculino. Tendo sempre que coadunar com o ideal de “força, sucesso e poder”, o homem tem forçosamente que aprender, desde a sua primeira infância, a abafar seus sentimentos, ser breve nas palavras, comedido nos gestos e trabalhar profissionalmente à exaustão.

Na prática, ele vive um adestramento cruel e incessante baseado na repressão de seus afetos. Assim, o “homem” não é o verdadeiro inimigo. Sem o saber, ele é apenas um “operador” que reproduz e pereniza esse modelo, tanto no mundo ocidental como no oriente. Como exemplo disso, no outro lado do planeta, assistimos estarrecidos à recente retomada de poder do Talibã, no Afeganistão, regime caracterizado por tratar as mulheres de maneira irracional e desumana.

Aqui no Brasil, sabemos que tanto a externalização verbal quanto a atitudinal da discriminação contra a mulher é legitimada pelo discurso popular com frases do tipo “Vai pro tanque, Dona Maria”, gritadas por um homem ao volante quando considera que uma mulher esteja conduzindo mal ou muito lentamente um automóvel; atitudes assim são naturalizadas em nossa cultura e repetidas de maneira inconsciente.

Contudo, sabemos que a cultura é paulatinamente moldada ao longo do tempo histórico. Por esse motivo, ela também pode intencionalmente ser aprimorada. Uma prova irrefutável dessa asserção é o total e contundente repúdio global a uma abjeta condição que fundamentou a edificação material das civilizações durante milênios: a escravidão. 

Desse modo, somos suficientemente seguros para concluir que juntos e com informação, compreensão e valorização mútua, homens e mulheres podem ser coautores de uma sociedade mais justa e equânime.

Referências

ABREU, Z. Luta das mulheres pelo direito de voto: movimentos sufragistas na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Arquipélago – Revista da Universidade dos Açores, v. 6, 2002. Disponível em https://repositorio.uac.pt/handle/10400.3/380. Acesso em: 11 ago. 2022.

ALVES, B. M. Ideologia e feminismo: a luta da mulher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1980.

BARROS. M. E. Imagem distorcida: mulheres são maiores vítimas da Síndrome do Impostor. Revista Veja, São Paulo, nº 2734, 2021. Disponível em https://veja.abril.com.br/brasil/imagem-distorcida-mulheres-sao-maiores-vitimas-da-sindrome-do-impostor/  Acesso em: 27 jun. 2022.

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Publicado em 24 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

WEISZ,Isabel Cristina. Brasil, cultura e patriarcado: desdobramentos políticos e sociais. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 41, 24 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/41/brasil-cultura-e-patriarcado-desdobramentos-politicos-e-sociais

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