Pretos e pardos na escola pública: mapear discentes para desenvolver políticas adequadas

Lucineide Lima de Paulo

Doutora (UFF), professora de Língua Portuguesa do IFRJ - Câmpus Duque de Caxias

Carla Mahomed Gomes Falcão Silva

Doutora (UNIRIO), professora de Física do IFRJ - Câmpus Duque de Caxias

Jefferson Neves Bittencourt

Licenciando em Química (IFRJ - Câmpus Duque de Caxias), bolsista Pibic

Vitoria da Rocha Torres Jarcem

Estudante do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Química (IFRJ - Câmpus Duque de Caxias), bolsista Pibic Jr.

O racismo ainda é crime presente na sociedade e a escola reflete isso. Como espaço propício a mais que a mera punição, a instituição escolar deve desenvolver estratégias para uma educação efetivamente antirracista.

Desde que a Lei nº 10.639/03 foi implementada, houve avanços, mas ainda não suficientes para que se declare que o ensino inclui, de fato, “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional” (Brasil, 2003). É preciso não considerar como cumprimento da lei o tratamento estereotipado ou caricatural da história africana ou de suas culturas, filosofias e religiões. Da mesma forma, tomar a participação negra no Brasil como coadjuvante, ainda sob uma perspectiva eurocêntrica, é falsear o atendimento ao previsto na legislação.

Um percurso possível para o início de um trabalho eficiente quanto à entrada desse tema nas salas de aula é a realização de um levantamento étnico-racial na instituição. É inegável que se pode identificar a composição racial aproximada de um espaço apenas por observá-lo; contudo, é imprescindível o levantamento acurado de dados para que se possa gerar políticas realmente adequadas.

Ao se realizar um levantamento populacional para contagem de discentes a partir de um recorte racial, os cenários se tornam mais perceptíveis e, de acordo com o objetivo dos pesquisadores, é possível delinear um panorama por grupos, com sobreposição de categorias. Por exemplo, pode-se investigar não apenas quantas pessoas se reconhecem como negras, mas quantas se leem como pardas. E, entre as pardas, quantas são do gênero feminino. Pode-se identificar grupos por cursos e por turnos. Descobrem-se quantas pessoas do gênero feminino estudam no turno vespertino e precisam cuidar de irmãos – e, por isso, faltam à escola com frequência. Tendo colhido informações dessa natureza, mais facilmente os docentes, a equipe gestora e a própria instituição podem ajustar suas políticas de apoio ao estudante e à estudante.

Ao considerar cor e raça, no Brasil, é preciso ter em mente a diversidade presente e o quanto ela pode dificultar uma categorização. Diferentes fatores levam o respondente da pesquisa a optar por “preto” ou “pardo” quando perguntado sobre sua autoidentificação racial. Há uma percepção de que o pardo, sendo lido como um “quase-branco”, poderia circular pelos mesmos espaços que o branco ou que poderia, ao menos, escapar das discriminações pelas quais os pretos passam com maior frequência e intensidade. Em raciocínio paralelo, é preciso considerar que as políticas que atendem ao pardo não necessariamente atenderão ao preto. Por isso é tão relevante construir um conjunto de dados que se possa acessar para conhecer efetivamente a comunidade escolar.

Este artigo pretende apresentar os resultados de pesquisa realizada numa escola pública da Baixada Fluminense na qual foi feito levantamento étnico-racial dos discentes matriculados em 2022.

A pesquisa confirmou diferentes hipóteses, como a de que a maioria do corpo discente é de negros e qual seria sua cidade de origem, mas trouxe resultados desconhecidos, em especial quanto à proporção de pretos e pardos ou quanto à percepção dos alunos e alunas sobre a ocorrência de bullying na escola.

Censo populacional no Brasil

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é a instituição responsável por realizar o recenseamento da população do País. Tal levantamento busca identificar toda a população do território em diferentes características, tais como gênero, idade, religião, tipo de domicílio, grau de escolaridade, dados migratórios etc. (IBGE, 2013?). O Censo já foi realizado diversas vezes no Brasil, mesmo antes da criação do IBGE. Com diferentes objetivos e, por isso, investigando questões diferentes, o Censo foi ajustado ao contexto histórico em que ocorreu.

A categorização por cor ou raça é um aspecto ímpar na série histórica dos censos. Além de os censos não ocorrerem com a regularidade decenal, as opções fornecidas nos questionários para cor e raça não traduziam adequadamente a população ou não o faziam com a clareza necessária.

Em 1872, houve o chamado Censo Geral do Império. Nele constavam quatro classificações possíveis quanto à raça: branca, preta, parda e cabocla. “Branco” e “preto” são categorias que se pode tomar como fáceis de serem reconhecidas; contudo, “pardo” e “caboclo” podem levar a confusões quanto ao grupo que realmente representavam. Oliveira (1997) explica que “não existe uma conceptualização explícita dessas categorias, mas no censo de 1890 são traduzidas para o idioma francês. Os ‘pardos’ são caracterizados como mestiços (‘métis’), enquanto os ‘caboclos’ seriam os indígenas (‘indiens’)”.

Em 1890, já sob o signo da República, foi realizado novo censo. Dessa vez, as opções para indicar cor ou raça eram: branca, preta e mestiça. Em 1900 e 1920 houve censo, mas não constavam perguntas sobre cor ou raça.

Em 1940, o recenseamento da população foi realizado pelo recém-criado IBGE. A categoria “pardo” foi eliminada do questionário, mantendo-se apenas “branca”, “preta” e “amarela” (incluída para dar conta da imigração de pessoas vindas da Ásia). Os recenseadores foram orientados a assinalar um traço (-) quando um respondente não se identificasse com nenhuma das opções. Mais tarde, esse traço foi configurado pelo IBGE como sendo a categoria “pardo”, para fins de manutenção da série histórica censitária.

Em 1950, as categorias foram: branca, preta, parda e amarela. A opção “pardo”, nesse ano, dizia respeito aos indígenas e seus descendentes e ao que se convencionou chamar “mestiço”.

Em 1960, pela primeira vez foi incluída a opção “indígena”. Nesse caso, as orientações aos recenseadores explicitavam uma particularidade sobre o uso dessa categoria: indígenas eram aqueles que viviam em aldeias. Se vivessem fora dos aldeamentos, deveriam ser classificados como pardos. As opções do questionário nesse ano foram: branca, preta, parda, amarela e indígena.

Em 1970, não houve coleta de informações sobre cor e raça. Em 1980, havia quatro opções: branca, preta, parda e amarela. Os indígenas voltaram a ser incluídos na categoria “pardo”. Em 1991, retomou-se o modelo de 1960: branca, preta, parda, amarela e indígena (neste caso, sem a distinção de viver ou não em aldeamentos).

Nos anos 2000 e 2010, o censo investigou a população quanto à cor e à raça a partir das mesmas cinco categorias. Porém vale destacar que, em 1980, 1991 e 2000, tal classificação só existia no questionário aplicado em uma amostra da população. Somente em 2010 essa classificação foi estendida a toda a população (Anjos, 2013).

Vê-se que as categorias “branco” e “preto” são permanentes nos censos. “Indígena” e “amarelo” surgiram para atender a demandas de classificação quanto à origem, mas não indicam necessariamente cor. Entretanto, há uma população cuja existência ora é negada, ora é apagada intencionalmente, ora é confundida com outras. A população negra de pele (mais) clara, desde o início do recenseamento no Brasil, se vê às voltas com nomeações diferentes.

Variadas razões políticas, culturais e históricas podem ser elencadas para tal tentativa de apagamento, mas importa aqui definir como racismo, já que de fato o é.

Frente à dificuldade da classificação dos negros de pele clara (Petruccelli, 2000), o IBGE aproveitou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1976 para investigar quais termos o brasileiro usava espontaneamente para identificar sua cor ou raça. Também o fez em 1998, dessa vez incluindo a questão sobre cor na Pesquisa Mensal de Emprego. Assim, o recenseador indagava “Qual sua cor?”, sem fornecer opções. Houve citação de 136 cores diferentes na primeira pesquisa e 143 na segunda. Vale refletir sobre a dificuldade de se perceber racialmente, ao recorrer a termos que, na visão do respondente, retirariam o suposto traço negativo de se reconhecer negro ou preto. Alguns exemplos de cores listadas foram: Morena, Parda, Morena Clara, Clara, Morena Escura, Escura, Sarará, Marrom, Chocolate, Jambo, Castanha, Galega, Canela, Bugre.

Essa multiplicidade de termos parece corresponder a uma tentativa de se afastar do fenótipo preto. Isso só pode ser compreendido com base no conceito de colorismo, conforme se verá adiante.

Colorismo

Para Devulsky (2021, p. 13), o colorismo é “um sistema sofisticado de hierarquização racial e de atribuição de qualidades e fragilidades”. Como face do racismo brasileiro, o colorismo é um fenômeno comum que afeta uma população significativa, mas de denúncia mais difícil, já que não tão óbvio quanto o praticado contra pessoas pretas. Devulsky acrescenta que é “um sistema de valoração que avalia atributos subjetivos e objetivos, materiais e imateriais, segundo um critério fundamentalmente eurocêntrico” (Devulsky, 2021, p. 13).

O racismo, nesse caso, se apresenta como uma classificação por escala: quanto mais se aproxima da aparência de uma pessoa branca, mais a pessoa negra consegue circular nos ambientes; porém, se seu fenótipo a afasta do que se entende por pessoa branca, a ela é negado o direito a tal incursão.

Ressalte-se que o pardo não é admitido como igual nos “espaços brancos”: sua presença é tolerada e, atualmente, acaba por configurar a “inclusão” da pessoa negra naquele ambiente, pretendendo fazer crer que a diversidade está presente ali – e que, portanto, não há racismo.

Discutindo como uma pessoa constrói a sua leitura da identidade racial do outro, Devulsky (2021, p. 24) explica:

Lábios, olhos, nariz, formato dos quadris, seios e genitais apontam o grupo de pertencimento racial de um indivíduo e, por conseguinte, a medida da fruição de direitos e certas vantagens sociais. Entre todos esses elementos, conquanto, o fator predominante na escala racial discriminatória permanece sendo o da cor. É a quantidade de melanina [...] o que ressalta de modo mais arguto qual será o local predeterminado na economia dos afetos e na distribuição de riquezas.

Assim, se vê que negros de pele escura são impactados mais fortemente pelo racismo, o que não significa que pardos não sofram discriminação também. Nesse caso, é preciso considerar individualmente o negro e a negra de pele mais clara, pois é possível que dois pardos tenham acesso a oportunidades sociais diferentes apenas porque outros traços físicos os distinguem (largura de nariz ou de lábios, por exemplo).

Em entrevista à Coleção Feminismos Plurais, Carla Akotirene aborda a relevância de se distinguirem as categorias raciais “preto” e “pardo” em coleta de dados raciais, pois tais pessoas são marcadas pelo racismo de forma diferente, algumas vezes:

Eu acabo fornecendo às governanças do município essa diferenciação que acontece dentro da identidade negra quando a gente contrasta os pretos e os pardos. Então, eu percebo que quando atendo usuários que foram vítimas de PAF, ou seja, arma de fogo, eu percebo que em sua maioria são jovens pretos. Por outro lado, quando eu atendo mulheres vítimas de violência doméstica, percebo que a maioria é parda (Devulsky, 2021, p. 54).

Para evitar homogeneizar as discriminações, é preciso considerar o gradiente de cor conforme leitura social. Em uma escola, o racismo afeta a todos; mas é preciso investigar como ele se dá especificamente e quais pessoas agride mais frequente ou profundamente.

Local da pesquisa

A escola onde foi desenvolvida esta investigação é uma instituição federal situada em Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. Localiza-se na Baixada Fluminense, área tradicionalmente reconhecida como carente de bens culturais, com ausência de investimentos consistentes em áreas como educação, emprego e saneamento básico.

Duque de Caxias, segundo o IBGE (2022?), contava com uma população estimada de 929.449 pessoas no ano de 2021. O salário médio mensal dos trabalhadores formais dessa região era de 2,5 salários-mínimos em 2020. A taxa de escolarização entre crianças de 6 a 14 anos de idade era de 96,1% e o esgotamento sanitário adequado estava disponível para 85,3% da população (segundo dados do Censo de 2010). O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 2010, era de 0,711.

De acordo com o Mapa da Desigualdade (Mapa, 2020), Duque de Caxias está entre os cinco piores municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro quanto ao número de homicídios de jovens negros e quanto ao número de mortes decorrentes de intervenção policial.

Retomando dados do Censo 2010, o Mapa destaca que 39% da população de Duque de Caxias trabalham sem registro formal. A partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2018, o Mapa destaca que a diferença de remuneração salarial média entre brancos e negros (pretos e pardos) no emprego formal era de 27,2% nesse município. Se considerado o recorte de gênero, a diferença entre homens e mulheres era de 22,0%. O percentual de homicídios de pessoas negras decorrentes de intervenção policial, em relação ao total, foi de 73,9%, em Duque de Caxias.

Em 2006, foi implantado nessa cidade um câmpus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (ainda unidade do antigo Cefet-Química à época). Esse câmpus oferta cursos técnicos integrados ao Ensino Médio (Plásticos, Química, Petróleo e Gás e Manutenção e Suporte à Informática – este no formato Educação de Jovens e Adultos), cursos técnicos concomitantes/subsequentes (Segurança do Trabalho, Plásticos e Petróleo e Gás) e Licenciatura em Química.

Os discentes do Ensino Médio matriculados nesse câmpus, no ano de aplicação dos questionários da pesquisa, haviam ingressado por diferentes mecanismos: processo seletivo (prova), sorteio e transferência direta da escola de origem (em convênio com a prefeitura da cidade). Nessa instituição é aplicado o sistema de reserva de vagas para oriundos de escola pública, negros, indígenas e pessoas com deficiência.

Diante da diversidade possível, buscou-se realizar uma investigação que delineasse o perfil do corpo discente, em seus diferentes aspectos.

Metodologia

Esta pesquisa objetivou realizar um levantamento étnico-racial do corpo discente que compunha o câmpusno ano de 2022. Buscou-se atingir todos os alunos, de todos os turnos e cursos. Não era meta deste trabalho realizar uma amostragem, mas um mapeamento completo dos alunos e alunas.

Foi elaborado um questionário online na plataforma Google Forms: o link de acesso e a explicação do objetivo da pesquisa foram divulgados entre os discentes por e-mail, redes sociais e presencialmente nas turmas. Havia um cartaz com cerca de um metro de altura na entrada do câmpus com o QR Code para acesso ao formulário e, em todas as salas de aula, um cartaz menor, de cerca de vinte centímetros de altura por quinze de largura, com os mesmos dados.

Esta pesquisa foi financiada pelo IFRJ a partir de uma seleção interna, no Programa Institucional de Incentivo a Projetos de Pesquisa (Prociência). Foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa, obtendo parecer favorável à sua realização. Os respondentes recebiam um Registro de Consentimento Livre e Esclarecido e, os menores de idade, um Registro de Assentimento para si e um Termo de Consentimento para os responsáveis.

O questionário contava com as seguintes perguntas:

  1. Endereço de e-mail;
  2. Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (caso o respondente assinalasse “não desejo participar da pesquisa”, era convidado a responder “Por que não deseja participar da pesquisa?”;
  3. Nome completo (com o qual a equipe poderia conferir quantos e quais alunos tiveram acesso ao formulário);  
  4. Turma (todas as turmas estavam previamente listadas e o aluno deveria selecionar uma);
  5. Gênero (alternativas: feminino, masculino, outro, prefiro não responder);     
  6. Religião (Catolicismo; Protestantismo ou Evangélico; Espiritismo/Kardecismo; Religiões de matriz africana; Testemunha de Jeová; Judaísmo; Não tem religião; Ateu; Outra);
  7. Data de nascimento;
  8. Bairro/cidade de moradia (cidades da Baixada Fluminense e regiões da capital listadas);
  9. Pertencimento racial (Preto/preta; Pardo/parda; Branco/branca; Amarelo/amarela; Indígena);
    1. Caso o respondente assinalasse “indígena”, era encaminhado ao seguinte grupo de perguntas: “Qual sua etnia ou povo a que pertence?”, “Fala língua indígena no domicílio?”, “Qual(is)?” e “Qual é a sua religião ou culto?”;
  1. Qual grau de dificuldade você encontra para permanecer em seu curso? (a resposta deveria ser assinalada numa escala de Likert, com dez opções, partindo do “muito fácil” até “muito difícil”);
  1. Nas escolas anteriores onde estudou, houve algum ensino de cultura e história afro-brasileira e indígena?;
  2. Qual pessoa é a principal responsável pelo sustento da família?;
  3. Qual é o grau de escolaridade da pessoa responsável pelo sustento da família?;
  4. Tem filhos ou irmãos dos quais você precise cuidar?;
  5. Você dedica mais de quatro horas por dia para alguma atividade que gere remuneração?;
  6. Vive com companheiro(a) ou é casado(a)?;
  7. Considera que já foi vítima de bullying?
    1. Não;
    2. Sim, quanto à aparência;
    3. Sim, quanto à origem;
    4. Sim, quanto à religião;
    5. Sim, quanto ao gênero;
    6. Sim, quanto ao cabelo;
    7. Sim, quanto à cor/raça;
    8. Sim, quanto ao peso;
    9. Sim, quanto a questões financeiras;
    10. Sim, quanto à educação;
    11. Prefiro não responder.

À medida que o prazo previsto para a coleta dos dados se reduzia, e eram poucas as respostas aos questionários online, a equipe de pesquisadores se propôs a ir presencialmente às salas de aula e roteando a internet para que os alunos com aparelho de telefone celular pudessem acessar o link, e disponibilizando o questionário no formato impresso para quem não dispusesse de aparelho eletrônico ou impresso em fonte maior para quem sofresse com baixa visão.

Após a coleta, que também contou com o apoio de muitos docentes, os quais disponibilizaram seu tempo de aula para a intervenção, o formulário foi bloqueado pela equipe e os dados foram tomados com finalizados para que se procedesse à análise. O encerramento se deu no final do semestre 2022-2.

Resultados e discussão

Obteve-se um total de 337 questionários respondidos, equivalente a 44,2% da população (o total esperado era de 762). Para esta análise, excluíram-se seis formulários, nos quais os alunos assinalaram “Não desejo participar da pesquisa” ao final do Registro de Consentimento. E, para concentrar a análise no grupo que deve, por Lei, ter acesso ao ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, foram desconsideradas as respostas obtidas na licenciatura. Assim, em números absolutos, serão trabalhados neste artigo 306 respostas aos questionários.

O grupo pesquisado precisa ser analisado inicialmente sob a perspectiva da idade, pois diferem muito as percepções e o volume de dados.

Responderam ao questionário 236 discentes que estudam nos turnos matutino e vespertino e 70 no noturno. Do total, nove invalidaram a resposta quanto ao ano em que nasceram, pois registraram 2023, 2022, 2021 e 1900. Eliminando-se esses nove, verifica-se, nos cursos da noite, grande diversidade de idades: o mais velho assinalou 1965 como ano de nascimento e o mais jovem, 2004. Quanto aos alunos que cursam o Técnico Integrado ao Ensino Médio nos turnos da manhã e da tarde, uma pessoa declarou ter nascido em 1978; duas em 1992; e as demais entre 2002 e 2008.

Entre os alunos dos cursos noturnos, 70% declararam residir na cidade de Duque de Caxias; 22,85%, em outras cidades da Baixada Fluminense; e 7,14%, na cidade do Rio de Janeiro. Entre os alunos dos turnos matutino e vespertino, 58,47% são oriundos da cidade onde se situa o câmpus; 17,79%, de outras cidades da Baixada; 22,03%, do Rio de Janeiro; e 1,69%, de outra região não listada entre as anteriores. Verifica-se o quanto o câmpusacolhe pessoas da própria região. Isso favoreceria, por exemplo, um trabalho de investigação sobre o espaço em que vivem. Por outro lado, não se pode esquecer de atentar para mecanismos que permitam a permanência de alunos que se deslocam de cidades distantes, tarefa que despende mais tempo quando comparado com os moradores da cidade de Duque de Caxias. Assim, é preciso avaliar, para esse aluno, tempo de viagem e se há gratuidade em todos os meios de transporte, por exemplo.

À noite, 61,42% dos respondentes se declararam do gênero feminino; 35,71%, masculino e 2,85% assinalaram “Prefiro não responder”, como se verifica no Gráfico 1.

Gráfico 1: Gênero nos cursos noturnos (em %)

Entre os alunos que estudam de manhã ou à tarde, 54,23% assinalaram o gênero feminino; 42,37%, o masculino; 2,11% assinalaram a opção “Outro”; e 1,27%, “Prefiro não responder”. Nesse aspecto, importa construir um espaço que acolha a maioria feminina (estruturalmente, por exemplo, em números de banheiros) e que permita liberdade e expressão aos que não se julgam atendidos pela nomenclatura “feminino x masculino”.

Gráfico 2: Gênero nos cursos diurnos (em %)

Racialmente, o curso noturno se distribui da seguinte forma: entre quem se declarou do gênero feminino, 2,32% estão no grupo das indígenas (equivalente a uma respondente); 23,25%, brancas; 48,83%, pardas; 25,58%, pretas – como se pode verificar no Gráfico 3. Entre os que declararam gênero masculino, 32%, brancos; 52%, pardos; 16%, pretos. Os dois respondentes que assinalaram “Prefiro não responder”, quando perguntados sobre o gênero, correspondem a um(a) pardo(a) e a um(a) preto(a), em números absolutos.

Gráfico 3: Autoidentificação racial das alunas dos cursos noturnos (em %)

A coleta de dados quanto à autoidentificação racial permite diferentes frentes de trabalho. Uma delas tem relação com os fatores externos que prejudicam o engajamento no processo de estudo. Veja-se que, entre os adultos do turno da noite, o grupo majoritário é feminino e negro. Porém é preciso destacar que, entre as mulheres, há mais pretas que brancas e muito mais pardas que brancas. Observe-se que o grupo feminino atendido pelos cursos ofertados à noite é predominantemente negro. Da mesma forma ocorre com os do gênero masculino, com apenas uma diferença: os pretos estão em menor quantidade que os brancos. Se analisados pretos e pardos, então o número de negros ultrapassa o de brancos. Contudo, se apenas comparado ao grupo de pretos, vê-se que estes estão em menor número.

Disso surgem reflexões: os jovens pretos não querem ou não podem frequentar o ensino noturno? Não estudam nesse câmpus porque tal grupo já concluiu o Ensino Médio? Já estão trabalhando baseados em uma formação prévia ou trabalham em funções que não exigem formação regular? Como, à noite, há cursos técnicos com duração mais curta que a dos integrados, pode-se pensar: por que esse horário reúne mais mulheres que homens buscando especialização dirigida ao mercado de trabalho? Por que mais mulheres pardas que homens pretos?

Somado a esses tipos de questionamentos, que devem ser levantados pela equipe gestora e coordenação para a construção de estratégias adequadas à permanência e ao êxito de tais discentes, é importante buscar identificar quais foram os alunos e alunas que abandonaram o curso. Um levantamento sobre idade, cor/raça (etc.) de quem evadiu pode revelar aspectos capazes de nortear decisões do corpo docente que venham a contribuir mais fortemente para que os próximos alunos ingressantes não desistam do curso.

Quanto aos turnos da manhã e da tarde, que concentram os adolescentes/jovens (14 a 20 anos), eles apresentam a seguinte configuração racial, segundo o recorte de gênero (Gráfico 4):

  1. Entre as pessoas que assinalaram gênero feminino, 49,21% se identificam como brancas; 0,78%, como indígena (uma respondente em valores absolutos); 25,78%, como pardas; e 24,21%, como pretas;
  2. Entre as pessoas que assinalaram gênero masculino: 39% escolheram a opção “branco”; 2%, “indígena”; 38%, “pardo”; e 21%, “preto”;
  3. Entre as pessoas que assinalaram “Outro” quanto ao gênero, três respondentes se veem como brancos e dois como pardos;
  4. Entre os que assinalaram “Prefiro não responder”, dois são respondentes optaram pela categoria “branco” e um pela categoria “preto”.

Gráfico 4: Autoidentificação racial por gênero – cursos diurnos (em %)

Se se desconsidera o recorte de gênero (ainda tomando apenas os alunos do diurno), há um total de 45,33% de brancos/brancas e 54,66% de não brancos/não brancas. Se considerados apenas os negros, 30,93% se veem como pardos/pardas e 22,45%, como pretos/pretas.

Ao confrontar esses dados com os do Brasil (IBGE, 2022b) e com os da cidade onde se localiza o câmpus (IBGE, 2012), vê-se que há uma proporção ligeiramente maior de brancos e brancas na escola: no Brasil, 43% da população se declara branca, e em Duque de Caxias, 35,33%, ao passo que no turno diurno do câmpusesse valor foi de 45,33%. No Brasil, 47% se declaram pardos e em Duque de Caxias, 48,92%; no local de investigação, 30,93%. Contudo, um dado digno de registro e que deve levar a ações específicas na escola é: identificam-se como pretos e pretas no país 9,1%, e no município em tela, 14,49%; na escola, nos cursos diurnos, esse número foi de 22,45%.

É imprescindível que pretos e pretas sejam acolhidos na escola. Devem ser consideradas as diferenças de sua formação e vivência para que o racismo estrutural não se perpetue e a esse aluno só reste, como solução, a evasão da escola – e um ingresso precoce e desqualificado no mercado de trabalho. Tais discentes devem receber o conhecimento correto relativo às suas origens, de modo que sua autoestima seja elevada por se verem em pessoas bem-sucedidas que se assemelham a eles. A escola não deve buscar apenas a mera representatividade negra: um filósofo, numa fotografia, numa única aula. É urgente que a real e extensa contribuição negra seja apresentada aos alunos – a todos, mas em especial àqueles que costumeiramente não se veem representados nos livros didáticos como cientistas ou pensadores exitosos.

Ainda concentrando a leitura entre os adolescentes e jovens, vê-se que a declaração de religião confirma a hipótese inicial sobre a fé mais professada: o número de quem se declara protestante ou evangélico é de 40,25%. O número de quem declara não ter religião é de 28,81%, seguido dos católicos, com 13,98%. Esperava-se que a quantidade de alunos e alunas declarando seguir religiões de matriz africana, como o candomblé, fosse extremamente baixa, mas foi fato inesperado que 3,38% manifestassem tal credo.

Se tomados os discentes matriculados no turno da noite, a resposta mais recorrente foi a de protestante ou evangélico: 41,42%. Declaram não ter religião, 27,14%, e afirmam professar a religião católica 14,28%. Assinalaram a opção “religiões de matriz africana” 5,71% dos respondentes desse subgrupo – número também julgado alto, porque as religiões cristãs costumam ser preponderantes na Baixada Fluminense.

Segundo dados do IBGE (2012), 36,77% da população de Duque de Caxias se declara evangélica; 35,56%, católica; e 0,83% declara seguir uma religiosidade afro-brasileira.

Para ler os dados desta investigação, é preciso considerar a data de coleta (2012, a do IBGE, e 2022, a desta pesquisa), pois isso pode traduzir uma mudança nos modelos de religião adotados pela população da cidade, ainda a ser confirmada quando da divulgação dos dados do Censo Demográfico Brasileiro de 2022. Além disso, cabe lembrar que as pessoas que seguem religiões de matrizes africanas são vítimas de racismo religioso com alguma frequência. Isso pode afetar as respostas concedidas pelo respondente (simplesmente ocultando-a ou optando pelas opções “espírita” ou “católica”).

Para o escopo deste trabalho, importa concentrar-se na importância de se realizarem atividades que proponham respeito à religião alheia, visando esclarecer conceitos e tradições para eliminar bullying e racismo. Destaque-se o valor de abordar as religiões de matriz africana, pois a porcentagem de pessoas no câmpusque as professa é alta, se comparada aos dados do município onde se situa. Contudo, é preciso, no contexto maior da escola, promover políticas de respeito a todas as formas de manifestar a fé, pois 7,18% dos respondentes assinalaram o item “Sim, quanto à religião”, na pergunta “Considera que já foi vítima de bullying?”. Desses, 13,63%, eram católicos; 59,09%, protestantes ou evangélicos; e 27,27%, de religiões de matriz africana.

Ainda analisando os dados da categoria Religião, foram realizados recortes por cor/raça. Se avaliadas as respostas de todos os respondentes, sendo indiferente o turno no qual estão matriculados, das 124 pessoas que declararam ser de religião protestante/evangélica, 33,87% são brancas; 66,12%, são não brancas (dos quais 20,16% se leem como pretos). Aqueles 87 que declaram não ter religião estão assim distribuídos quanto à cor/raça: 44,82% são brancos e 55,17%, não brancos (dentre os quais 26,43% são pretos). Os 43 autodeclarados católicos são 53,48% brancos e 46,51% não brancos (18,6% deles se leem como pretos). Para os doze que assinalaram a opção de professar uma religião de matriz africana, cinco são brancos e sete não brancos (41,66% e 58,34%, respectivamente). Tais números podem ser analisados no Gráfico 5.

Gráfico 5: Autoidentificação racial e religião (em %)

De acordo com esta investigação, no locus analisado, católicos são em sua maior parte brancos; evangélicos/protestantes, em sua maioria, não brancos. Quanto às religiões de matriz africana, não se observa maioria relevante quanto à autoidentificação racial.

Perguntou-se, no questionário, “Qual grau de dificuldade você encontra para permanecer em seu curso?”, cuja resposta deveria ser fornecida por meio de escala de Likert, numerada de 1 a 10, cujos extremos registravam “Muito fácil” (para o grau 1) e “Muito difícil” (para o grau 10).

Os números 9 e 10 foram os menos assinalados: 6,86% dos respondentes escolheram um desses (e sem variação expressiva entre cores/raças). O valor mais assinalado foi 5 (22,54%), seguido do 6 (14,05%).

Assinalaram, em maior quantidade, o grau 5 tanto os pretos (23,18% do total de pretos) quanto os pardos (24,07% do total de pardos) e brancos (21,6% do total de brancos).

Um total de 23 respondentes assinalaram 1, equivalente a “Muito fácil”. Desses, 8,69% são pretos; 34,78%, pardos; e 56,52%, brancos. Essa categoria pode revelar o quanto os alunos tiveram êxito no Ensino Fundamental e, por isso, conseguiram acompanhar as aulas do instituto ou ainda o quanto podem investir tempo nos estudos. Vê-se que a maioria que considera “Muito fácil” é branca e que menos de 10% dos pretos julgam dessa forma. Tal proporção reflete privilégios e o racismo estrutural que permeia a educação.

Ao serem perguntados sobre qual pessoa era a responsável pelo sustento financeiro da família, 42,81% declararam ser a mãe. Desses, 60,31%, se leem como negros (pretos ou pardos) e 39,69%, como brancos. A resposta “pai” é o segundo item mais escolhido entre não brancos (48,21%), mas o primeiro entre brancos (51,78%). Havia uma hipótese inicial de que “Avô ou avó” fosse um frequente membro familiar responsável pelo sustento da casa, porém essa resposta só foi assinalada em 0,98% das vezes, considerado o total de respondentes.

É preciso avaliar a estrutura familiar, pois isso impacta na dedicação aos estudos: a mãe ser a principal mantenedora financeira da casa leva a pensar que a figura paterna é ausente ou está desempregada. Brancos, em maioria, contam com o pai para seu sustento, e isso pode se refletir em tranquilidade e menos preocupação na vida cotidiana – o que por sua vez converte-se em um distrator a menos quando é preciso estudar. Tais hipóteses precisam ser testadas futuramente, acrescentando questões ligadas à presença e à participação paterna na vida do adolescente/jovem e levando em conta aspectos como a disparidade salarial entre homens e mulheres.

Também foi perguntado aos discentes do câmpus se eram responsáveis por alguma criança. Dos 306 respondentes, 225 (73,52%) afirmaram que não, assim distribuídos: 47,11%, brancos; 29,77%, pardos; 21,77%, pretos; 1,33%, indígenas. Declararam ter filhos 14,7% dos respondentes, e 11,76%, irmãos dos quais precisavam cuidar.

Entre os 45 que têm filhos, 11,11% cursam o Ensino Médio durante o dia e 88,88%, à noite. Desses 45 discentes, 60% são pardos/pardas; 24,44%, pretos/pretas; 13,33%, brancos/brancas; e 2,22% (um respondente em números absolutos), amarela/oriental.

Entre os 36 que afirmam cuidar de irmão(s), 8,33% são de algum curso noturno e a maioria, totalizando 91,67%, de turmas diurnas. Quanto à cor, distribuem-se da seguinte forma: 38,88% são pardos/pardas; 36,11%, brancos/brancas; e 25%, pretos/pretas.

Somando todos os que precisam cuidar de alguma criança na casa (seja filho, seja irmão), obtém-se 81, distribuídos por raça/cor conforme o Gráfico 6.

Gráfico 6: Autoidentificação racial e responsabilidade por criança(s) na casa (em %)

Portanto, pardos se veem mais frequentemente ocupados com a responsabilidade de cuidar de crianças, e esse fato precisa ser considerado na prática docente, uma vez que muitas tarefas enviadas para serem realizadas em casa podem não ser cumpridas, ou não a contento.

Com esses dados, é possível observar que discentes que são pais e mães são, em sua maioria, pardos. Se somados pretos e pardos, vê-se que quantidade de alunos e alunas que têm filho(s) equivale a 84,44% – o que é uma quantidade significativa. Aqueles que cuidam de um mais irmãos também são em maioria pardos – mas sem diferença relevante quando comparados aos brancos. Se considerado o recorte “negro”, há 63,88% de discentes cuidando de irmãos. Havia a hipótese de que pretos e pretas seriam jovens mais frequentemente responsáveis pelos irmãos, o que não se confirmou nos dados levantados.

De qualquer forma, vale refletir sobre o tempo destinado aos estudos em casa quando se tem uma criança sob seus cuidados. Costumeiramente, também recaem sobre essa pessoa as tarefas de preparar refeições e de limpar a casa – o que demanda ainda mais tempo desse aluno ou aluna.

A última pergunta do formulário abordava o tópico bullying. Optou-se por não empregar o termo “racismo” nesse tópico para que não houvesse “falsos negativos”, já que há registros de alunos que não reconhecem determinados atos como racismo, ainda o nomeando como “brincadeira” ou “bullying”. Era permitido ao aluno e à aluna a marcação de quantos itens julgassem pertinentes. No Gráfico 7, são listados os mais recorrentes.

Gráfico 7: Autoidentificação racial e bullying

Se tomadas apenas as respostas de brancos e brancas, observou-se que 32% declararam não ter sofrido bullying; entre pardos e pardos, 28,7% assinalaram “Não”; e entre pretos e pretas, 15,94%.

O item selecionado mais vezes pelos três grupos, foi “Sim, quanto à aparência”: 40% dos brancos e brancas; 48,14% dos pardos e pardas; e 53,62% dos pretos e pretas. Para brancos e pardos, a segunda categoria mais escolhida foi “Sim, quanto ao peso”: 31,2% e 26,85%, respectivamente.

“Cabelo” foi o terceiro motivo mais selecionado por brancos e por pardos quando foram vítimas de bullying: 12% e 15,74%, respectivamente.

Esse dado, em particular, pode remeter a alguns questionamentos: em que circunstância, no Brasil, uma pessoa branca sofre intimidação ou agressão em função do seu cabelo? Um desdobramento possível para esta investigação será verificar se esses autodeclarados brancos são lidos como pardos pela sociedade, o que faria crer, por exemplo, que seu cabelo é crespo. Outra hipótese possível é o conceito superficial de bullying às vezes adotado: em vez de uma violência frequente e direcionada, ligada ao grupo detentor de alguma espécie de poder que rejeita aquele indivíduo, pensa-se em bullying como um deboche ou uma implicância ocasional.

Nesta coleta, considerando apenas brancos e brancas que assinalaram ter sofrido bullying em função do cabelo, 73,33% são do gênero feminino. Esse dado também pode representar um resultado lateral, capaz de gerar nova pesquisa sobre autoestima feminina no contexto escolar.

Considerando apenas o recorte “pretos/pretas”, quando perguntados se já haviam sofrido bullying, há cinco respostas em grande quantidade: a primeira, quanto à aparência (conforme visto acima, assinalada por 53,62% dos pretos e pretas), quanto à cor/raça (40,57%), quanto ao cabelo (34,78%), ao peso (30,43%) e questões financeiras (21,73%).

O motivo de bullying mais recorrente foi a aparência, item que abarca muitas possibilidades de interpretação e se sobrepõe a diversos outros (cor e peso, por exemplo). Essa percepção possivelmente está ligada à idade da pessoa (com sentido de inadequação típico da adolescência, por exemplo) ou ao meio social – e das redes sociais – em que estão imersos. Não se pode ignorar a relevância atribuída à busca de um “corpo perfeito”, ainda presente na sociedade.

Contudo, vale um olhar mais aguçado sobre a semelhança de leitura que brancos e pardos fazem quando refletem sobre as intimidações e agressões de que se recordam: ambos os grupos sofrem tal violência ligada à aparência, ao peso e ao cabelo (na mesma ordem de relevância, segundo os dados aqui coletados). Pode-se ver que a categoria “pardo” carrega consigo muitos dos traços e vivências que permeiam as pessoas que se leem como brancas, validando aqui o conceito de “passabilidade”, segundo o qual há pardos que podem, a depender do seu fenótipo e do contexto, “se passar” por branco.

Para pretos, peso e aparência também surgem ligados à memória de violências sofridas. Contudo, outros aspectos se colocam com grande frequência: sua cor de pele e seu cabelo. Tais elementos revelam como a negritude é vista e se torna índice de rejeição. Se um negro de pele clara tentar alterar o penteado, pode vir a ser lido como branco, em algumas situações. Contudo, ainda que um negro de pele escura altere seu cabelo, não poderá se passar por branco e sua presença não será facilmente admitida em espaços conhecidos como brancos. Seria possível identificar pardos frequentando um restaurante de produtos caros e sendo atendidos adequadamente; contudo, pretos com a chamada “pele retinta” sofrem restrições de circulação em tais espaços.

Acrescente-se a esse aluno preto e a essa aluna preta uma condição financeira mais baixa e sua autoestima será gravemente afetada, interferindo no modo como ele/ela se porta no mundo e como se põe diante dos demais. Nesta investigação, 21,73% dos pretos declaram já ter sofrido bullying em função de questões financeiras.

Assim, percebe-se um cenário de agressões costumeiras a um grupo específico – o de pretos e pretas. O racismo impacta tal grupo de forma mais intensa e permanente, já que é estrutural: desde o acesso a bens culturais e a um sistema de saúde de qualidade até à aquisição de aparelhos eletrônicos e à alimentação apropriada. Esse grupo sofre com a sobreposição de agressões, e seu esforço para permanecer na escola alcançando êxito precisa ser redobrado, quando comparado com outros grupos. Por isso, ao desenvolver mecanismos de combate ao racismo na escola, é imprescindível considerar as especificidades da comunidade, em especial quanto ao impacto do racismo na vida de pretos e pardos.

Conclusão

Quando a escola de fato implementa a Lei nº 10.639/03 em seu fazer cotidiano, não apenas há maior conscientização do que é ser negro ou possível redução de crimes de racismo; também ocorre aumento de autoestima por parte de pretos e pardos que, reconhecendo-se portadores de uma potente história, de uma origem grandiosa, tornam-se protagonistas em seus espaços. Um dos prováveis resultados dessa mudança de atitude é o maior engajamento na escola, levando a um menor número de evasão e repetência. Assim, a permanência e o êxito de discentes negros na escola também é conquista fruto de uma educação antirracista.

Contudo, é importante compreender que distinguir pardos e pretos favorece uma abordagem específica – e, por isso, mais eficiente – numa educação antirracista. Isso ocorre porque a diferenciação de negros que a própria sociedade estabelece, por meio da leitura do tom da pele, confere a uns posição e acesso a lugares que não permite a outros.

Ao se tomarem os dados do local desta pesquisa, vê-se, portanto, como mais necessário o trabalho sobre racismo de forma direcionada, pois proporcionalmente há mais pretos no câmpusdo que no Brasil – o que leva a crer que há mais possibilidades de ocorrência de racismo contra tal grupo.

O corpo docente e o corpo gestor devem estar conscientes de como funciona o racismo estrutural, de como ele afeta discentes em aspectos não perceptíveis numa sala de aula. Além disso, urge que não se permitam agressões entre alunos em função de nenhum motivo, em especial quanto a aparência, cor e cabelo. A política adotada na escola para lidar com racismo deve ser justa e impedir que negros precisem, depois de todas as restrições com as quais convivem no espaço externo, tolerar sofrimento em razão de preconceitos e discriminações no espaço interno. Nesse aspecto, não se deve desconsiderar violência de nenhuma natureza e de nenhuma intensidade: ainda que seja uma microagressão, é essa violência que minará a autoconfiança e impactará negativamente o aluno e a aluna.

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Publicado em 24 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

PAULO, Lucineide Lima de; SILVA, Carla Mahomed Gomes Falcão; BITTENCOURT, Jefferson Neves; JARCEM, Vitoria da Rocha Torres. Pretos e pardos na escola pública: mapear discentes para desenvolver políticas adequadas. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 41, 24 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/41/pretos-e-pardos-na-escola-publica-mapear-discentes-para-desenvolver-politicas-adequadas

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