Educação Inclusiva na escola pública: desafios e possibilidades

Denilson Pereira Furtado Máximo

Professor da rede pública municipal de Angra dos Reis, mediador presencial de diversas disciplinas no polo Cederj de Angra dos Reis, aluno do curso de aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva da Fundação Cecierj

Este relato de experiência tem como tema os desafios e as possibilidades da Educação Especial Inclusiva no início do magistério. Venho relatar e refletir sobre as minhas experiências iniciais quando tive contato pela primeira vez com a educação de alunos com necessidades educacionais especiais e quando confrontei com a prática os conhecimentos adquiridos na licenciatura em Pedagogia.

A pesquisa tem como problema “como a formação inicial docente e os conhecimentos adquiridos na universidade podem instrumentalizar o(a) professor(a) para uma prática pedagógica inclusiva?”. Escolhi esse tema por acreditar que muitos, assim como eu, também passaram ou passam por essa situação e que dividir minhas experiências e impressões sobre esse tema pode ajudar outros(as) na construção das suas práticas pedagógicas.

Este trabalho tem por objetivo geral refletir sobre as minhas experiências com a Educação Inclusiva no início da minha carreira no magistério, os desafios encontrados e as possibilidades vislumbradas. Como objetivos específicos, busca-se apontar os desafios encontrados na escola pública para a Educação Inclusiva; identificar as possibilidades surgidas para a construção de uma prática pedagógica inclusiva na escola pública; e defender a Educação Inclusiva como uma construção pedagógica diária.

A metodologia utilizada será qualitativa, pois se procura analisar e interpretar dados subjetivos e não numéricos, partindo das experiências do autor. Quanto à natureza, será aplicada, pois visa gerar conhecimentos dirigidos à solução de problemas específicos e envolve verdades e interesses locais. Quanto aos objetivos, será um trabalho exploratório, visto que busca proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses (Gerhardt; Silveira, 2009, p. 31-35).

O trabalho está dividido em desenvolvimento e considerações finais. No primeiro trecho, realizou-se uma breve descrição e apresentaram-se as impressões que tive quando em contato com alunos com necessidades educacionais especiais, enfatizando o choque entre as competências adquiridas na universidade e os problemas reais de uma escola pública. Foram apontados os desafios e as possibilidades surgidos para a construção de uma prática pedagógica inclusiva, que é uma construção diária. Nas considerações finais reflete-se sobre o relato e propõem-se novas questões para reflexões futuras.

Desenvolvimento

Segundo a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015), é direito da pessoa com deficiência o acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e ao aprendizado ao longo de toda a vida, devendo o Estado, a família, a sociedade e toda a comunidade escolar “assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação” (Brasil, 2015, p. 12).

Ao assumir como professor primário, sendo representante do poder público municipal no espaço escolar e imbuído de garantir o direito à educação aos estudantes com alguma necessidade educacional especial, dirigi-me à unidade escolar cheio de esperança e vontade de contribuir, buscando realizar o meu trabalho da melhor forma possível. Porém a realidade era muito diferente do que eu tinha aprendido na universidade e, após o contato com o ambiente da escola pública, descobri que as disciplinas de Estágio só me deram uma visão parcial do “chão da escola”. A situação era mais complexa e desafiadora.

Iniciei a carreira do magistério no primeiro semestre de 2021, em plena pandemia de covid-19. Nesse período ainda estava em vigor o ensino remoto. No encontro com a equipe técnico-pedagógica, fui informado de que a turma em que eu lecionaria, 3° ano, possuía dois alunos com necessidades educacionais especiais – um com síndrome de Down e o outro com mobilidade reduzida – que necessitavam de adaptações curriculares. Tentei pensar no que tinha aprendido durante o curso de Pedagogia, mas nada me veio à mente naquele momento. Teria que voltar aos estudos para compreender como poderia mediar os conhecimentos necessários para aqueles alunos, pois eles também têm direito à educação de qualidade, e como fazer as adaptações curriculares e as atividades diferenciadas.

O choque maior não foi nem o trabalho em si, mas a falta de referências para iniciá-lo. Como saber de que esses alunos com necessidades educacionais especiais precisam para aprender? Como fazer a adaptação curricular sem nem ao menos conhecê-los e enquanto eu ainda estava me apropriando dos documentos curriculares municipais? Como adaptar as atividades em um espaço tão curto de tempo, visto que a recomendação era de uma atividade por dia, e eu estava iniciando o magistério naquele momento? Essas e outras perguntas se acumulavam, e a saída era com exaustivos dias de trabalho e estudo para dar conta do recado. Nessa etapa, identifiquei a minha formação (ou a falta dela) e o distanciamento como os principais desafios.

A situação ficou ainda mais desafiadora quando as aulas retornaram ao modo presencial. Nesse retorno, fui convidado a assumir outra turma, de 4° ano, em outra escola, que também tinha dois alunos com necessidades educacionais especiais e sem laudo médico. Somam-se a isso cinco alunos analfabetos que precisavam de recuperação paralela urgente (na turma de 3° ano também havia quatro alunos analfabetos). Ou seja, também eram alunos com necessidades educacionais, pois não estavam aptos ao ano de escolaridade em que estudavam. Os desafios se multiplicavam e não havia soluções disponíveis. Seria necessário ter formação continuada. Nesse período, os principais desafios que pude identificar foram a falta de tempo para planejamento e de formação continuada, falta de profissionais especialistas, falta de equipes multidisciplinares, falta de suporte pedagógico – há carência de pedagogos na rede pública municipal – e a falta de referencial prático para auxílio na formulação e adaptação de atividades.

Porém nem tudo são espinhos. O contato com a Educação Especial e com os desafios da escola pública provocaram diversas reflexões sobre minha formação inicial e continuada, a Educação Inclusiva como um todo, as políticas públicas de inclusão e as estruturas educacionais de suporte, entre outras. Havia muitos desafios, mas também muitas oportunidades. Uma delas era a percepção da necessidade de formação continuada, impulsionando-me a buscá-la, como esta de Educação Especial e Inclusiva. Outra é o reconhecimento de que a Educação Inclusiva não é só para alunos com necessidades educacionais especiais, e sim para todos os alunos que tenham algum tipo de necessidade educacional. Outra oportunidade é o ensino colaborativo, pois, diante de inúmeros desafios, é sempre bom unir esforços com outros profissionais e membros da comunidade escolar. Sobre isso, Cabral e Silva (2007, p. 65) afirmam:

No contexto escolar pode-se dizer que a colaboração envolve compromisso dos professores, dos administradores da escola, do sistema escolar e da comunidade, ou seja, de todos os agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Para atingir o objetivo maior, que se refere à aprendizagem do aluno, o ambiente escolar deve desenvolver estra­tégias como trabalho de dois professores juntos, visando desenvolver um currículo dife­renciado que supra as necessidades de todos os alunos, e não só os da Educação Especial.

Sorriano (2014, s/p apud Mendes, 2017, p. 17) diz que o trabalho com outros, a colaboração e o traba­lho em equipe são metodologias essenciais para todos os professores, o que inclui o trabalho com pais e famílias e com diferentes profissionais da Educação dentro e fora da escola. Com relação ao desen­volvimento profissional e pessoal, segundo o mesmo autor, o ensino é uma atividade de aprendizagem, e os(as) professores(as) são responsáveis por sua aprendizagem ao longo da vida, o que determina que eles(as) sejam profissionais reflexivos e sua formação inicial seja a base para o desenvolvimento profissional contínuo, pois um(a) professor(a) não pode ser especialista em todos os domínios da Educação Inclusiva.

Considerações finais

A Educação Especial Inclusiva possui muitos desafios e oportunidades. Neste relato de experiência pude compartilhar minhas percepções iniciais em um contexto muito particular: ensino remoto e início do magistério. Pude refletir sobre a construção da minha prática pedagógica e compreender que a formação inicial docente e os conhecimentos adquiridos na universidade são o início para uma prática pedagógica inclusiva e devem fundamentá-la, apesar da necessidade de formação continuada. Expus os desafios e oportunidades enfrentados na minha caminhada e como a prática pedagógica deve ser uma construção diária. A metodologia utilizada foi adequada, visto o alcance dos objetivos propostos.

Percebe-se que a Educação Inclusiva vai além dos alunos com necessidades educacionais especiais e engloba todos os estudantes, pois o seu objetivo maior é a aprendizagem deles(as). Aprendi isso tanto na prática escolar quanto na teoria – formação continuada em Educação Especial e Inclusiva – e na necessidade de oferecer uma educação de qualidade para os estudantes da escola pública. Há muitos desafios a serem superados para uma efetiva Educação Inclusiva, porém há também novas oportunidades de fazermos melhor, de transformarmos a educação para que ela transforme os(as) alunos(as), pois, segundo Freire (1987, p. 43), ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, as pessoas se educam entre si, mediatizadas pelo mundo.

Referências

BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da pessoa com deficiência). Brasília: Câmara dos Deputados - Edições Câmara, 2015. (Série Legislação, nº 200). Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/lei_brasileira_inclusao__pessoa__deficiencia.pdf. Acesso em: 09 out. 2022.

CABRAL, Leonardo Santos Amâncio; SILVA, Aline Maira da. Desafios para a formação de professores em Educação Especial e a contribuição do ensino colaborativo.  Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 4, nº 1, p. 61-72, 2017. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/dialogoseperspectivas/article/view/7330/4640. Acesso em: 09 out. 2022.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de pesquisa. Plageder, 2009. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 09 out. 2022.

MENDES, Maria Elisabete. Formação inicial de professores em Educação Especial. Revista Diálogos e Perspectivas em Educação Especial, v. 4, nº 1, p. 11-18, 2017 - Edição Especial. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/dialogoseperspectivas/article/view/7326/4636. Acesso em: 18 out. 2022.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer ao Cecierj pela oportunidade de continuar a minha formação, ao grupo pela troca de experiência e construção coletiva de conhecimentos e reflexões e à mediadora Vanessa Canuto, pela ajuda e contribuição durante essa etapa da minha formação.

Publicado em 31 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MÁXIMO, Denilson Pereira Furtado. Educação Inclusiva na escola pública: desafios e possibilidades. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 42, 31 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/42/educacao-inclusiva-na-escola-publica-desafios-e-possibilidades

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