Vivências do orientador educacional para a formação da cidadania

Edilania Reginaldo Alves

Mestranda em Educação Inclusiva (Profei/UPE)

Amanda Denise da Rosa Foza

Especialista em Educação Especial e Inclusiva (Unisinos)

Lucas Gabriel da Silva

Mestre Profissional em Geografia (UFRN)

Odilon Antonio Stramare

Mestre em Geografia (UFRGS)

A atuação do orientador educacional (OE) no Brasil soma-se à da equipe gestora da escola, e suas atribuições estão se configurando cada vez mais como uma ação educativa que visa contribuir para a construção de uma escola pública democrática e de qualidade, tendo em vista que o seu trabalho vai além dos muros da escola e envolve aspectos políticos e sociais.

Dessa forma, “a orientação trabalha com a realidade social do aluno, diante de contradições e conflitos, fazendo a mediação entre indivíduo e sociedade” (Oliveira et al., 2010, p. 2). Ademais, Grinspun (1994, p. 13) afirma:

A orientação, hoje, está mobilizada com outros fatores que não apenas e unicamente cuidar e ajudar os “alunos com problemas”. Há, portanto, necessidade de nos inserirmos em uma nova abordagem de orientação, voltada para a “construção” de um cidadão que esteja mais comprometido com seu tempo e sua gente. Desloca-se, significativamente, o “aonde chegar”, neste momento da Orientação Educacional, em termos do trabalho com os alunos. Pretende-se trabalhar com o aluno no desenvolvimento do seu processo de cidadania, trabalhando a subjetividade e a intersubjetividade, obtidas através do diálogo nas relações estabelecidas.

Por conseguinte, suas ações precisam ser fundamentadas na compreensão da realidade, refletindo sobre a integração do sujeito ao meio escolar e ao meio em que vive. Ciente dessas questões, este estudo relata uma experiência do estágio em Orientação Educacional realizado em uma escola pública de Educação Básica localizada no município de Juazeiro do Norte/CE no período de 25 de maio a 30 de agosto de 2022, quando foram realizadas 20 horas de observação e 24 horas de intervenção, as quais oportunizaram reflexões e análises críticas sobre a realidade escolar e o referencial teórico trabalhado durante o curso. O estágio em questão faz parte do componente curricular Prática em Orientação Educacional, do curso de pós-graduação lato sensu Gestão em Educação: Supervisão e Orientação, ofertado pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – Câmpus Cruz Alta.

A realidade com que se depara na escola em que realizamos o estágio nos oportunizou uma observação analítica sobre as atribuições do OE, bem como um estudo colaborativo a respeito das necessidades do referido contexto, em que procuramos relacionar as características presentes no cotidiano da escola com a ação pedagógica do OE. Ao observar a atuação do orientador, foi possível constatar as possibilidades, os limites e suas manifestações dentro do atual contexto.

A convivência com essa realidade escolar nos direcionou para pensar em práticas com o propósito de instrumentalizar os estudantes para uma consciência cidadã, ética e empática, entendendo que “ser cidadão é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não violência; aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida coletiva da comunidade e do país” (Ulisses; Klein, 2006, p.121).

Em síntese, identificamos um perfil com indigências voltadas para a formação da cidadania, almejando uma ressignificação dos comportamentos e práticas dos estudantes, privilegiando o cognitivo com os valores importantes para a vida em sociedade, sabendo que, “embora a escola não tenha a solução para esses problemas, ela deve se constituir em um espaço excelente de discussão que muito poderá contribuir para a formação da consciência crítica dos alunos” (Porto, 2009, p. 71).

As intervenções propostas promoveram momentos de compreensão e ajuda, por meio de abordagens que buscaram colaborar com o desenvolvimento integral do estudante junto à escola e à comunidade, tendo como ponto de partida a reflexão sobre seu contexto, sua cultura e seus valores, objetivando conscientizá-los para mudanças que reverberem em uma melhor convivência no ambiente escolar e fora dele, evitando acontecimentos como o vandalismo e a violência e instrumentalizando os estudantes a se sentirem agentes de transformação social.

Educar, hoje, exige a exploração de situações cooperativas que busquem um bem comum; é preciso cultivar oportunidades que valorizem o aspecto social, foquem no papel do cidadão e estimulem uma reflexão sobre seu papel no mundo. Consequentemente, o estudo da temática se justifica pela necessidade de acolher os anseios dos estudantes, que, diante da ausência de amparo moral em casa em decorrência de famílias desestruturadas, e de uma sociedade cada vez mais em crise, acabam enfrentando desafios na construção de sua identidade e constituição de valores humanos, o que acaba trazendo reflexos negativos na escola.

Em suma, nossas intervenções introduziram experiências que tiveram como ponto de partida o cotidiano extraescolar dos alunos, levando-os a refletir sobre alternativas que apresentem caminhos que os ajudem a construir sua identidade a partir da reflexão sobre suas formas de viver e suas implicações na sociedade. Por fim, evidenciamos a relevância da prática para o contexto, tendo em vista que elas objetivam diminuir as práticas de intolerância, violência social e escolar, bem como dificuldades de escuta e reconhecimento do outro, motivando-os para a construção de vivências pautadas na ética, na democracia e em valores humanos.

Contextualização do local de realização da prática

O estágio foi realizado numa escola no bairro Triângulo, município de Juazeiro do Norte/CE. Atualmente, a escola conta com 21 salas de aula climatizadas, refeitório, quadra coberta, biblioteca, sala de atendimento educacional especializado (AEE), banheiros adaptados, Sala de Orientação Educacional e de vídeo. A instituição oferece Ensino Fundamental (do 1º ao 9º ano) e Educação de Jovens e Adultos (EJA), com um público estimado em 1.508 estudantes, distribuído nos turnos: matutino, vespertino e noturno; seu corpo docente é de 73 professores e há 23 funcionários. O turno matutino conta com o funcionamento de 20 salas, o vespertino, com 21 e o noturno conta com quatro salas.

Os estudantes que frequentam a instituição são oriundos não apenas do bairro no qual a escola está localizada, mas também de bairros próximos, como Frei Damião, Pirajá, Romeirão, Antônio Vieira, João Cabral e Jardim Gonzaga; os bairros possuem grande indicador de criminalidade, e o público é oriundo de trabalhadores de baixa renda.

Os estudantes da instituição já receberam inúmeros prêmios em nível estadual, o que traz reconhecimento no município e maior investimento em recursos materiais e humanos.

Intervenções participativas

Com o propósito de trabalhar as problemáticas sinalizadas pela observação diagnóstica, desenvolvemos rodas de conversas com temáticas que envolveram situações do contexto de vida diária/social dos educandos, como identidade, drogas, ética, respeito, valorização das diferenças e violência, entre outras, compreendendo que a relação entre elas é cada vez mais necessária para a construção de uma consciência cidadã, posto que, de acordo com as ideias acenadas por Stephanie et al. (2017), para desenvolver a cidadania no contexto escolar se faz necessário promover o desenvolvimento global do estudante mediante: “conhecimentos, atitudes e competências que cada um/a precisa consolidar para fazer escolhas coerentes consigo próprio/a, ter relações interpessoais gratificantes e um comportamento socialmente responsável e ético” (Stephanie et al., 2017, p. 19).

Corroborando o autor, Nogueira (2015) ressalta que a cidadania é constituída por três dimensões e denomina “Triângulo da Cidadania”, como é possível verificar na Figura 1.

Figura 1: Triângulo da Cidadania

Fonte: Nogueira, 2015, p. 30.

Nesse viés, a cidadania não se restringe a uma compreensão de direitos e deveres; ela envolve categorias como responsabilidade, autonomia e gestão de escolhas, em que o conhecimento não venha em sentido contrário à humanização; Grinspun (2006, p. 113) compreende que,

na medida em que o aluno vai construindo sua personalidade, enquanto participa do processo pedagógico, ele terá possibilidade de construir sua identidade pessoal, grupal, de classe, de nacionalidade, de autoconceito positivo, de conhecimento de si, do outro, do mundo.

Dessa forma, a escola deve promover o desenvolvimento de qualidades que atendam às necessidades para a vida em sociedade, preparando-os de modo integral, para viver como cidadão (Gadotti, 2010). É sabido também que o OE não trabalha sozinho e que em algumas situações ele precisa de uma rede externa de apoio com outras unidades para contribuir com o melhor desenvolvimento das ações planejadas; sendo assim, é necessária a articulação de parcerias com outros órgãos, instituições e profissionais de outras áreas. Em nossas ações destacamos: centros de assistência social, projetos sociais do município que desenvolvem trabalhos com usuários de drogas e programas educacionais de combate à violência.

Por conseguinte, direcionamos as seguintes intervenções junto aos estudantes e às famílias:

  • Apresentação das ações com exposição da temática e sua importância; Conceito de cidadania e formação de valores;
  • Início do ciclo de palestras: roda de conversa sobre drogas, prevenção e consequências, histórias de vida;
  • Roda de conversa com a temática – cuidado com os bens pessoais e coletivos;
  • Roda de conversa com a psicóloga e/ou orientadora social com a temática indisciplina e violência – cuidando de si e do próximo;
  • Encerramento, com momento de diálogo com as famílias.

Descrição das intervenções realizadas

Mediante as necessidades apresentadas no contexto e as possibilidades de operacionalização de nossa prática, realizamos durante nossa intervenção a Semana Socioeducativa: Escola Protegida. O público para intervenção foi o da Educação de Jovens e Adultos.

Durante a semana desenvolvemos rodas de conversas com a participação do Grupo de Segurança Escolar do Estado do Ceará e do Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), com psicólogos do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) e do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e com projetos sociais do município (Reflorescer), que se fizeram uma rede de apoio fundamental nesse processo. As rodas de conversas tiveram as seguintes temáticas:

Apresentação das ações com exposição da temática e sua importância; conceito de cidadania e formação de valores.

Objetivo: Refletir sobre questões que envolvam o conceito de cidadania e formação de valores;

1º momento: Essa prática foi conduzida por uma das autoras deste estudo, nela refletimos a respeito do conceito de cidadania e formação de valores. Para tanto fizemos uso da música Pacato Cidadão, na voz de Skank, para iniciar a reflexão. Todos receberam a letra da música e acompanharam durante a exposição. Após esse momento, foi solicitado que eles representassem com uma palavra a mensagem que a música passou e compartilhassem o porquê da escolha. A maioria dos estudantes presentes associou a mensagem da música ao trabalho e sua importância.

2º momento: Após exposição dos conceitos prévios dos educandos, foi feita uma apreciação crítica da música, tendo como ponto de partida as necessidades apresentadas no momento anterior. Em sua operacionalização, notamos como a visão dos estudantes foi se expandindo, de modo que eles participavam relacionando os pontos expostos a determinadas situações e vivências.

3º momento: Foi apresentada a proposta a ser realizada durante a Semana Socioeducativa: Escola Protegida, com a programação prevista. Todos os presentes gostaram e demonstraram interesse pela proposta.

4º momento: Momento de interação com lanche.

Início do ciclo de palestras: roda de conversa sobre drogas: prevenção e consequências – história de vida.

Objetivo: Sensibilizar os estudantes sobre a prevenção e consequências do uso de drogas.

1º momento: Iniciamos a Semana Socioeducativa: Escola Protegida com a participação dos fundadores do projeto Reflorescer e um dos seus assistidos. O projeto Reflorescer é um projeto social de destaque em nossa região por desempenhar papel importante na recuperação de dependentes químicos. O projeto conta com uma equipe de assistência multidisciplinar e com uma oficina onde eles produzem produtos religiosos, como terços e imagens. Milton, o fundador do projeto, abriu a noite apresentando sua história de vida, como ex-dependente químico. Trouxe situações que o conduziram ao uso de drogas e o que o levou à procura de ajuda. Foi um momento muito significativo, os estudantes ficaram atentos e compartilharam suas vivências.

2º momento: Houve a participação de um jovem que está em tratamento no projeto e que possui a faixa etária da maioria dos estudantes presentes. Foi um momento de reflexão e partilha, em que os estudantes ficaram comprometidos a rever costumes e atos naturalizados.

3º momento: Momento de Interação com lanche.

Roda de conversa com a temática – Cuidado com os bens pessoais e coletivos

Objetivo: Refletir sobre como cuidar dos bens pessoais, coletivos e patrimônio, promovendo discursões sobre as imposições sociais advindas de danos e furtos.

1º momento: Foi conduzido pela equipe de segurança do Ceará e pelo Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd). Os policiais fizeram uma exposição refletindo a respeito da repercussão negativa desses tipos de atitudes em suas vidas.

2º momento: Apresentação de um vídeo curto com a história de um jovem estudante que entrou para o mundo do crime. Foi um momento de silêncio e reflexão. Os estudantes demonstraram estar impactados e pensativos com a história.

3º momento: Momento de interação com lanche.

Roda de conversa com a psicóloga, com a temática: Indisciplina e violência - cuidando de si e do próximo.

Objetivo: Conscientizar para um comportamento social de respeito e solidariedade.

1º momento: Foi conduzido pela psicóloga Juliana Holanda, em que tivemos uma roda de conversa bem produtiva. Muitos estudantes protagonizaram o momento narrando suas vivências de situações “desrespeitosas”, e a psicóloga conduziu com intervenções que levaram a refletir sobre nossas posturas, suas causas e seus efeitos. Vários estudantes apontaram situações de agressões na família, na escola, na rua e na prisão.

2º momento: Foi proposta uma atividade na qual a psicóloga utilizou um ovo para representação de sua vida.

3º momento: Foi solicitado que os alunos apresentassem o ovo para o grupo.

4º momento: Intervenção com o grupo específico.

5º momento: Momento de interação com lanche.

Encerramento com momento de diálogo com as famílias.

Objetivo: Socializar as atividades realizadas e proporcionar um momento de interação com a comunidade escolar.

1º momento: Foi proposto pelo núcleo gestor da escola, no qual foi compartilhado com as famílias tudo que foi vivenciado na semana.

2º momento: Momento de ação social.

3º momento: Momento de interação com lanche.

Considerações finais

A vivência proporcionada pelo estágio em Orientação Educacional reafirma a importância da sua atuação nas escolas públicas, tendo em vista que esse profissional introduz experiências no ambiente escolar que podem vir a redimensionar suas ações dentro e fora da escola.

As ações realizadas visaram contribuir para a formação de cidadãos mais comprometidos com seu tempo e sua gente, promovendo debates sobre temas que envolvem as questões do dia a dia, com a expectativa de ressignificar a realidade encontrada.

Ao término do estágio, percebemos como a vivência exigida pela disciplina Prática em Orientação Educacional foi enriquecedora, pois nos permitiu a integração da teoria com a prática e nos fez conhecer a realidade de uma instituição escolar pública, interagir com outros profissionais e vivenciar a rotina escolar com a realização de diversas atividades.

Referências

GADOTTI, Moacir. Escola cidadã. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

GRINSPUN, Mírian Paura Sabrosa Zippin (org.). A prática dos orientadores educacionais. São Paulo: Cortez, 1994.

GRINSPUN, Mírian Paura Sabrosa Zippin. A orientação educacional: conflito de paradigmas e alternativas para a escola. São Paulo: Cortez, 2006.

NOGUEIRA, Fernanda. O espaço e o tempo da cidadania na educação. Revista Portuguesa de Pedagogia, 2015.

OLIVEIRA, Dione Rodrigues de et al. Serviço de orientação educacional: orientação pedagógica. Brasília, 2010.

PORTO, Olivia. Orientação educacional: teoria, prática e ação. Rio de Janeiro: Wak, 2009.

STEPHANIE, Jones; SOPHIE, Barnes; BAILEY, Rebecca; DOOLITTLE, Emily. Promoting Social and Emotional Competencies in Elementary School. The Future of Children, 2017.

ULISSES, F. Araújo; KLEIN, Ana Maria. Escola e comunidade, juntas, para uma cidadania integral. Cadernos Cenpec, v. 1, nº 2, p. 119-125, 2006.

Publicado em 31 de outubro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

ALVES, Edilania Reginaldo; FOZA, Amanda Denise da Rocha; SILVA, Lucas Gabriel da; STRAMARE, Odilon Antonio. Vivências do orientador educacional para a formação da cidadania. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 42, 31 de outubro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/42/vivencias-do-orientador-educacional-para-a-formacao-da-cidadania

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