A inclusão escolar e a Educação Profissional: desafios e conquistas com a matrícula de um aluno com síndrome de Down

Cláudio Alves Pereira

Professor no Programa de Pós-Graduação em Docência (IFMG - Câmpus Arcos), mestre em Educação (UFLA) e doutorando em Educação (UFES)

Natasha Moutinho Geada

Pós-graduanda em Educação Inclusiva (IFMG - Câmpus Arcos), graduada em Pedagogia (UFRJ), profissional do Apoio Escolar no CSVP

Temos nosso próprio tempo”. Essa frase pertence a uma das músicas mais conhecidas no rock brasileiro da década de 1980, composta por Renato Russo. Ela fala sobre os jovens e o tempo que eles têm, que é escasso, mas que também é enorme e que acreditamos ter a ver com a educação do Brasil, principalmente no que concerne à Educação Inclusiva.

A canção diz muito sobre a importância de respeitar o tempo de aprendizagem do aluno, tempo necessário à sua formação, ao tempo de não pular etapas e nem ficar estagnado. Será que todos esses estudantes são respeitados nesse sentido? Os estudantes com deficiência ou algum transtorno estão inseridos nisso?

Neste artigo, relataremos o percurso de um aluno com síndrome de Down em uma escola com Ensino Médio. Ao final, pretendemos responder às perguntas mencionadas.

O aluno estudado – que iremos chamar de Gustavo para preservar a sua identidade – está regularmente matriculado numa escola estadual profissionalizante localizada no município de São Gonçalo/RJ. O objetivo é investigar a sua trajetória, buscando compreender se ele está sendo de fato incluído na escola ou se só é mais um número de matrícula.

Para tanto, entrevistamos parte da equipe de Gestão Escolar e dois docentes, um do corpo técnico e outro do núcleo comum (que já deram ou dão aula para Gustavo). A entrevista foi presencial e a pesquisadora contou com um roteiro semiestruturado.

Iremos expor, neste texto, uma breve explicação sobre a pessoa com síndrome de Down, suas características físicas e neurológicas, bem como os marcos legais e históricos da Educação Inclusiva no Brasil no âmbito escolar. Além disso, mostraremos a história da escola e a sua relação com a inclusão de alunos com deficiência ao longo de seus treze anos de existência.

Síndrome de Down: história e características

A síndrome de Down, no século XIX, era conhecida como “mongolismo”, pois o médico Langdom Down, estudioso sobre a teoria da evolução de Darwin, acreditou que pessoas com a síndrome se assemelhavam à forma física do povo mongol (Wuo, 2007). No século XX, na década de 1950, o médico Lejeune conseguiu visualizar um cromossomo extra no par 21, que depois ficou conhecido como “Trissomia do 21”.

As características físicas de uma pessoa com síndrome de Down não são sempre as mesmas. Entretanto, é comum que apresentem deficiência intelectual, hipotonia muscular, problemas no aparelho cardiovascular, gastrointestinal, respiratório, nos ossos e ligamentos, no sistema nervoso central e até mesmo hipotiroidismo (Wuo, 2007). Além disso, também possuem um “rosto com perfil achatado, pálpebras com inclinação para cima, orelhas pequenas, arredondadas e displásicas, além de alterações na linguagem, motricidade e interação” (Sousa; Nascimento, 2018, p. 123).

No que diz respeito ao seu desempenho escolar, alunos com síndrome de Down têm dificuldades motoras, problemas sociais e na linguagem, por isso enfrentam obstáculos na sua formação, pois nem sempre existem professores capazes de lidar com esses alunos, oferecendo o mesmo ensino ofertado aos demais. De acordo com Melo (2015, p. 41), o aluno com síndrome de Down apresenta “uma construção do conhecimento das letras e dos números bem mais lenta do que os demais, porém, a compreensão de mundo é compatível com a de qualquer pessoa dita normal, seus interesses e manifestações são iguais aos de qualquer criança”. Ou seja, o indivíduo Down consegue entender o mundo com naturalidade. Não é necessário tratá-lo de forma diferenciada, utilizando um palavreado específico. Eles entendem a língua materna como qualquer sujeito (Melo, 2015). A escola deve ser o primeiro lugar a contribuir para a sua permanência no espaço, fazendo com que seja educado como qualquer outro aluno matriculado.

A importância da afetividade e inclusão na educação

Numa escola, o ambiente onde mais se necessita da afetividade é a própria sala de aula. É de extrema importância que o professor busque transmitir afeição com a intenção de facilitar o seu relacionamento com os alunos, permitindo que o processo de ensino-aprendizagem seja rico e prazeroso.

De acordo com Winnicott (1999), o aprendizado acontecerá a partir do momento em que é instaurado um “ambiente facilitador [que] requer uma qualidade humana, e não uma perfeição mecânica”. Dessa forma, o professor precisa estar ali de corpo e alma com seus alunos. Assim, ele mostra que também está sujeito a erros e que não há problema quanto a isso. Um ambiente facilitador pode ser descrito por Winnicott como um ambiente suficientemente bom, onde acontecem trocas respeitosas e afetivas entre professor e alunos que preservam um sentimento de segurança, “crença em algo que não seja apenas bom, mas seja também confiável e durável, ou capaz de recuperar-se depois de se ter machucado ou mesmo parecido” (Winnicott, 2005, p. 44).

Além disso, é extremamente necessário que o professor dê voz aos alunos, utilizando de seus próprios conhecimentos para enriquecer a aula a fim de trazê-los para mais perto, conquistando sua confiança (Geada, 2021).

A partir da conquista dessa confiança, instaura-se um vínculo entre professor e aluno. Quando esses sujeitos encontram uma conexão entre si é fundamental que ela se enriqueça cada vez mais “não só para que os alunos aprendam mais a matéria, mas que sejam bons em se relacionar uns com os outros e aprenderem a se respeitar” (Geada, 2021, p. 33).

Desse modo, o que dizer sobre a afetividade com os alunos com deficiência? É possível estender todos esses conceitos a eles? Sem dúvida alguma. Naturalmente, o estudante com deficiência precisa de mais atenção e espera-se que o professor consiga fazer com que esse aluno se sinta mais acolhido. O docente precisa compreender que o processo de ensino-aprendizagem daquele aluno será diferente dos demais.

Contudo, nem sempre o professor sai da graduação sabendo lidar com alunos com deficiência. Seus planos de aula parecem já decorados. É necessário muito estudo e preparação para conhecer esses alunos, pois por mais que a deficiência seja a mesma de nome, nenhum aluno com síndrome de Down é igual a outro.

Mantoan (2003) defende a formação continuada dos professores com o objetivo de expandir seus conhecimentos para trazer uma sala de aula mais inclusiva: “Como se considera o professor uma referência para o aluno, e não apenas um mero instrutor, a formação enfatiza a importância de seu papel, tanto na construção do conhecimento, como na formação de atitudes e valores do cidadão” (p. 44).

Sendo assim, podemos afirmar que a instauração de um ambiente suficientemente bom dentro de sala de aula precisa partir da iniciativa do professor, mas não é algo fácil e rápido. Deve-se ter paciência para construí-lo. Além disso, manter uma formação continuada e ter um olhar mais aprimorado para o aluno com deficiência, com certeza, trará mais segurança e confiança entre professor e alunos.

Aspectos legais e históricos sobre a inclusão no âmbito escolar brasileiro

A história da inclusão do Brasil vem de longa data e demorou para sair da segregação. Foi promovida por instituições dedicadas somente a alunos cegos ou surdos no século XIX. Só muito depois chegamos, de fato, à inclusão, que ainda enfrenta percalços no território brasileiro.

Começando pela Constituição Federal de 1988, o Art. 205 é redigido da seguinte forma: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988). Especificamente em relação à Educação Inclusiva, temos o Art. 208, inciso II, que afirma que o Estado tem como dever oferecer “atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (Brasil, 1988), um grande salto na teoria das escolas segregacionistas do século XIX para escolas possivelmente inclusivas no século XX.

Após a Constituição Federal, outro marco legal importante na história do Brasil aconteceu oito anos depois, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), nº 9.394/96 (Brasil, 1996). No capítulo V, totalmente dedicado à Educação Especial, destacamos o Art. 59, que diz respeito à “oferta de Educação Especial, nos termos do caput deste artigo, tem início na Educação Infantil e estende-se ao longo da vida” (Brasil, 1996). Ou seja, desde a Educação Infantil, que obrigatoriamente tem início aos quatro anos de idade, como pode ser observado na Resolução CNE/CEB nº 2/01 (Brasil, 2001), a pessoa com deficiência tem direito à Educação Especial, que deve perdurar até o final de sua vida. Mais uma teoria que se apresenta também bastante promissora. Além disso, depois da LDBEN, foram elaboradas mais de 20 legislações que regulamentam uma melhoria para o ensino-aprendizado dos alunos com deficiência e/ou algum tipo de transtorno.

Especificamente 12 anos depois da LDBEN, acontece a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em Nova York, dando origem ao Decreto Legislativo nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 (Brasil, 2009). O Art. 24 traz as obrigações referentes à educação e uma delas afirma que “as pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência” (Brasil, 2009). Ou seja, é proibido que a escola recuse a matrícula do aluno independentemente de sua deficiência e isso também se encontra na Lei nº 7.853/89, no Art. 8º, inciso I.

Tendo como suporte legal o Decreto nº 6.949/09, em 2015 foi aprovada a Lei nº 13.146 (Brasil, 2015) que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Nela documenta-se o objetivo de “assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (Brasil, 2015). Não existe, até os dias de hoje, uma lei específica para as pessoas com síndrome de Down, mas elas têm seus direitos respaldados pelas leis mencionadas.

O lócus da pesquisa

A escola estadual técnica escolhida teve sua fundação no ano de 2009 e é fruto de uma parceria público-privada entre a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc/RJ), Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento (Seappa/RJ) e uma empresa privada no setor de alimentação cuja sede fica em São Paulo.

Primeiramente, ela ofereceu formação profissional em Leite e Derivados e, no ano seguinte à sua fundação, o curso técnico de Panificação e Confeitaria. Essa escola, por ser do Estado do Rio de Janeiro, somente oferta vagas para o Ensino Médio e atualmente são quatro turmas por série. Infelizmente, a partir de 2023 não existe mais a parceria público-privada entre a empresa de alimentos com as secretarias. Portanto, para as próximas turmas, será ofertado somente o curso técnico de Panificação e Confeitaria.

Como já dito, cada série possui quatro turmas; na primeira série, todas pertencem ao curso técnico de Panificação e Confeitaria. A 2ª e 3ª séries possuem duas turmas do curso de Leite e Derivados e outras duas de Panificação. Na 1ª série, os alunos têm aulas teóricas do curso técnico. A partir da 2ª série, os alunos têm aulas práticas em usinas específicas para Panificação, Confeitaria, Leite e Derivados.

Os alunos estudam em horário integral, intercalando disciplinas do núcleo comum com as disciplinas do curso técnico, sendo que em dias específicos, as turmas da 2ª e 3ª séries assistem aulas e produzem dentro da usina determinada para o curso técnico (uma para a produção de panificação e confeitaria e outra para a produção de leite e derivados) durante todo o horário escolar, não tendo nenhuma disciplina do núcleo comum, com o objetivo de conseguirem mais tempo para praticarem.

Em 2022, o corpo docente foi reformulado. Receberam-se, tanto para o núcleo comum quanto para o técnico, professores recém-concursados do estado e recém-contratados pela empresa parceira. Desde a sua fundação, somente alguns professores permaneceram na instituição. Durante as entrevistas com a equipe de Gestão Escolar, obtivemos mais informações sobre a infraestrutura da escola e a quantidade de alunos com deficiência matriculados, tópico a ser abordado em “Resultados e discussões”.

Procedimentos metodológicos

A escolha da escola foi algo fácil. Um dos pesquisadores deste artigo conhece a escola desde a sua formação e o interesse pela Educação Inclusiva foi o que uniu mais a pesquisadora com a escola. Como ambos estão nesse processo de entender o que é a inclusão e como torná-la mais efetiva, teve então a possibilidade, por meio de trabalho de final de curso de especialização em Docência com Ênfase em Educação Inclusiva, oferecida pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), trazer o olhar da escola sobre a trajetória desse aluno com síndrome de Down.

A escolha do aluno Gustavo se deu por interesse dos autores em investigar como um aluno com deficiência pode se tornar um técnico em alimentos. Desse modo, buscou-se entrar em contato com os profissionais que estiveram durante toda a sua formação no Ensino Médio para compreender o processo escolar do Gustavo. 

Neste artigo, buscou-se, assim, a metodologia de análise de dados na qual, segundo Marconi e Lakatos (2003, p.167), “o pesquisador entra em maiores detalhes sobre os dados decorrentes do trabalho estatístico, a fim de conseguir respostas às suas indagações, e procura estabelecer as relações necessárias entre os dados obtidos e as hipóteses formuladas”. Para tanto, foram escolhidos alguns teóricos oriundos do trabalho de conclusão de curso de uma das autoras, como Winnicott (1982; 1999; 2005) e Geada (2021), além de outros estudados durante a sua especialização em Docência com Ênfase em Educação Inclusiva, como Mantoan (2003), buscando estabelecer uma relação teórica que tratasse do ensino a partir do campo afetivo e inclusivo e se alinhasse às respostas dadas pelos participantes da entrevista. Escolheu-se usar a entrevista, sob roteiro semiestruturado, como auxiliar na coleta de dados de modo a cumprir o objetivo de investigar a trajetória do Gustavo na escola no ensino profissionalizante (Marconi; Lakatos, 2003).

Para os entrevistados, os autores estabeleceram os seguintes critérios: conhecer bem o aluno Gustavo e já ter dado aula para ele. Sendo assim, foram escolhidos 5 indivíduos que já trabalham na escola há mais de 5 anos e que conhecem bem o estudante. São eles: a diretora geral, a diretora adjunta, a coordenadora pedagógica, o professor técnico de alimentos do curso de Panificação e Confeitaria e a professora de Língua Portuguesa. A todos esses profissionais foi apresentado o termo de consentimento e livre esclarecimento (TCLE). Com o aceite, realizamos a entrevista em data e horário marcados por eles e um dos autores deste artigo.

Para os profissionais da Gestão Escolar, foram elaboradas sete perguntas sobre Educação Inclusiva e sobre a trajetória do Gustavo na escola, com reflexões a respeito do que pensam sobre inclusão. Para o corpo docente, elaboramos cinco perguntas sobre Educação Inclusiva, sua formação nessa área e sobre como era o comportamento do aluno Gustavo em sala de aula.

Resultados e discussões

As entrevistas duraram cerca de meia hora e todos os participantes responderam às perguntas com disposição e alegria. Os professores entrevistados fazem parte da instituição desde a sua fundação e as professoras que comandam a Gestão assumiram a escola em 2017. 

Veremos aqui as perguntas feitas aos entrevistados, depois as perguntas específicas de cada grupo e, por final, as perguntas a respeito da trajetória do aluno Gustavo. As respostas não vão ser colocadas na íntegra devido ao limite de páginas de um artigo científico. Traremos os principais pontos dessas respostas para dialogar com os referenciais teóricos envolvendo a educação afetiva e inclusiva.

A primeira pergunta realizada foi: “Para você, a escola em que trabalha é considerada um ambiente inclusivo?”. Unanimemente, a resposta foi sim. Os profissionais da Educação se empenham pela inclusão no ambiente. Destacamos a fala da professora do núcleo comum quando ela diz que “quando se coloca amor no que se faz, há grande diferença”. Interessante observar que desde os profissionais que estão a mais tempo na instituição até a profissional que entrou há pouco, todos enxergam que a escola busca ser inclusiva em seus atos, abraçando e acolhendo qualquer estudante matriculado. Também é relevante analisar a fala da professora do núcleo comum quando afirma que ao se colocar amor no que se faz, tudo muda, mostrando a importância de se utilizar a afetividade no dia a dia devido ao seu impacto positivo na inclusão.

A segunda pergunta foi a respeito da matrícula de alunos com deficiência na escola e se eles foram aceitos. As diretoras falam que, desde a entrada delas na Gestão, em 2017, isso tem sido uma prática recorrente, pois nesse ano o processo seletivo da escola mudou. Anteriormente, os alunos precisavam fazer prova para entrar, mas agora é necessário somente entrar no portal Matrícula Fácil, disponibilizado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, e qualquer jovem pode ser matriculado, sem a necessidade de realização de provas. Uma dessas diretoras trouxe em seu relato que no ano de 2022 havia dezesseis alunos com deficiência e foi disponibilizado para cada professor uma relação desses alunos com o nome de suas deficiências.

A terceira pergunta foi: “Você possui formação para trabalhar com a inclusão de alunos com deficiência?”. A coordenadora e uma das diretoras buscam de forma pessoal fazer suas formações, pois a escola não fornece nenhum tipo de formação continuada. Já os outros profissionais não possuem formação para inclusão, mas buscam no dia a dia atender as demandas dos alunos com deficiência, com o conhecimento adquirido pela própria prática ao longo dos seus anos de docência.

Partindo agora para as perguntas específicas abordamos as seguintes questões para as profissionais que compõem a Gestão: “A Escola possui equipe multidisciplinar para o atendimento aos alunos da Educação Especial? Em caso afirmativo, quais profissionais formam a equipe? Em caso negativo, você acha que deveria ter uma equipe na escola?” e as respostas foram bem parecidas. 

A escola conta com uma orientadora educacional e uma assistente social, ambas neuropsicopedagogas. Um dos professores técnicos também possui a mesma formação, atuando na Gestão. Sendo assim, trata-se de uma equipe voltada para a inclusão. Foi possível observar que as profissionais que compõem a Gestão se preocupam com os alunos com deficiência, mas por falta do olhar do Governo do Estado, não é possível oferecer mais auxílio. Apesar das dificuldades, elas não desistem e não impedem ou transferem por conta própria esses alunos, mas buscam dentro de suas possibilidades facilitar o acesso e a permanência desses alunos.

A última pergunta específica para a Gestão foi: “A escola possui sala de atendimento educacional especializado (sala de recursos multifuncionais) para o atendimento de alunos com deficiência? Em caso afirmativo, como é o seu funcionamento? Em caso negativo, você acha que é importante ter uma?” As respostas foram parecidas entre si, mostrando que o trabalho converge, traduzindo suas visões.

Elas contam que a escola não tem como oferecer uma sala de recursos, pois a modalidade funciona no contraturno do horário escolar. Essa instituição funciona de modo integral e, portanto, não existe a possibilidade de os alunos não assistirem determinadas disciplinas para estarem na sala de recursos. Elas acreditam que seria interessante ter uma sala com esse funcionamento, mas com a dinâmica da própria escola, pode ser inviável. O que é feito para com alguns desses alunos é o remanejamento para outra escola com esse tipo de atendimento ou a permanência de um cuidador que o auxilie na sua higiene, por exemplo, caso precise.

Mas, para essas profissionais, alunos com deficiência deveriam ter um profissional de apoio, o que não é concedido pelo Governo do Estado. Gustavo tem acesso a uma cuidadora que o auxilia nas funções básicas, porém essa cuidadora não é pedagoga ou profissional da educação, mas uma pessoa formada no Ensino Médio, contratada pelo Governo do Estado por tempo determinado. O cuidador é uma ajuda para esse aluno, mas a carência maior é de um profissional do ramo específico da educação inclusiva.

Terminando as perguntas específicas, passaremos para as perguntas referentes ao processo escolar de Gustavo. Os professores participantes dessa entrevista deram aula para Gustavo de forma remota no ano de 2020 e presencial nos anos de 2021 e 2022. Dessa forma, conhecem bem o aluno e tinham propriedade para falar sobre como ele se portava em sala de aula e no aproveitamento da disciplina técnica na usina de Panificação e Confeitaria.

A pergunta feita aos professores foi: “Como foi ser professor do aluno Gustavo? Quais foram as suas dificuldades e seus possíveis acertos como educador?”. Ambos falaram que foi uma experiência incrível. O professor técnico nunca havia dado aula para um aluno com síndrome de Down e se preocupou muito com as questões de segurança desse aluno, pois a usina possui objetos cortantes e equipamentos como fogão e batedeira. Sozinho, o estudante não conseguiria manuseá-los, porém o professor ficava muito contente ao vê-lo mexendo na massa e finalizando alguma produção, pois sabia que de alguma forma havia contribuído positivamente para o seu aprendizado.

A professora do núcleo comum se emocionou ao relatar a sua experiência com o Gustavo, pois ela afirma que se dedicou muito para auxiliar no seu aprendizado e nunca vai esquecê-lo. De acordo com a professora, foi uma oportunidade perfeita para seu final de carreira, já que completará 25 anos no ensino público. Além disso, ficou grata por poder acompanhar o seu progresso. Ela conta que antes de começar a aula para os demais da turma, separava um tempo com Gustavo a fim de que ele utilizasse os materiais comprados por ela mesma. O resultado final foi observar seu aprendizado e a escrita do seu nome. Destacamos esse trecho da entrevista que mostra o quanto a confiança e a segurança dada pela professora foi fundamental ao aprendizado de Gustavo:

Pra mim, dentro de tudo aquilo que eu propus a ele, ver ele escrever o próprio nome, que é a identidade do ser humano, não tem preço, saber que ele reconhece dentro da realidade dele, que ele existe e isso pra mim, como eu falei, é um aprendizado para o resto da minha vida (Professora do Núcleo Comum, informação verbal, 2022).

De acordo com as diretoras e coordenadoras, Gustavo adentrou na escola por indicação da sua escola anterior. Antes, era um menino muito recluso, não falava com todos e não aprendia quase nada. Ao longo desses anos, principalmente quando a escola voltou a funcionar presencialmente, Gustavo se desenvolveu bastante socialmente. Apesar de ter sido aprovado por força de resolução em 2020 e 2021, mediante um decreto do governador do Estado do Rio de Janeiro, todas concordam que ele evoluiu. Hoje, conversa com todos e a turma aprendeu a acolhê-lo, apesar do seu conhecimento ainda se limitar ao reconhecimento das letras do alfabeto, das vogais e de poucas operações matemáticas simples. Ele já é um indivíduo completamente diferente de como entrou. Professores e Gestão olharam para Gustavo e buscaram auxiliá-lo em seu processo como sujeito, inserindo-o dentro da realidade com outros adolescentes, respeitando seus limites e mostrando a sua importância no contexto da escola.

No final de cada entrevista, pedimos aos profissionais que dessem a sua opinião sobre a seguinte questão: “Alunos da Educação Especial podem contribuir para que o ambiente escolar se torne um ambiente mais inclusivo? Como?”. Todos afirmaram que esses alunos contribuem positivamente para a inclusão no ambiente escolar.

A equipe da Gestão utilizou muito a palavra empatia, observando o respeito ao próximo, pois todos aprendem com a pessoa com deficiência. As diretoras ainda falaram a respeito da turma do Gustavo, pois durante o processo ela foi amadurecendo e acolhendo mais seu colega de classe, permitindo que juntos vivenciassem a inclusão, levando isso para o resto de suas vidas.

Os professores, por sua vez, disseram que o trabalho com alunos com deficiência, apesar de desafiador, contribui para refinar a atenção e o olhar sobre o processo educacional. Disseram também que o trabalho cotidiano exige cuidado, pois não basta incluir. É preciso oferecer as mesmas oportunidades de enriquecimento a todos.

Considerações finais

A partir das respostas dos profissionais entrevistados, reafirmamos a necessidade de permitir a instauração de um ambiente suficientemente seguro e acolhedor ao aluno com deficiência. Entendemos que ninguém sai da graduação, nem mesmo de um pós-doutorado, sabendo todas as formas e conhecendo todos os meios para lidar com um aluno com deficiência. A prática é fundamental. É preciso conhecer o aluno, saber o que importa para ele.

Portanto, podemos concluir que, para Gustavo, seu tempo de aprendizado foi completamente respeitado e ele foi muito bem acolhido por todos em sua escola. Seu percurso até ela é feliz, pois sabe que é visto e reconhecido como um sujeito de direitos.

Referências

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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/96. Brasília, 1996.

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BRASIL. Resolução CNE/CEB nº 4, de 2 de outubro de 2009. Institui diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Brasília: MEC, 2009.

GEADA, N. M. Educação afetiva: contribuições para uma prática pedagógica afetuosa. 2021. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) - Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2021.

MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2003. 

MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003.

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WINNICOTT, D. W. A criança e o seu mundo. 5ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

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Publicado em 07 de novembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

PEREIRA, Cláudio Alves; GEADA, Natasha Moutinho. A inclusão escolar e a Educação Profissional: desafios e conquistas com a matrícula de um aluno com síndrome de Down. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 43, 7 de novembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/43/a-inclusao-escolar-e-a-educacao-profissional-desafios-e-conquistas-com-a-matricula-de-um-aluno-com-sindrome-de-down

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