Como os professores aprendem numa sociedade digitalizada e conectada?
Any Bernstein
Docente associada na Fundação Cecierj
O desenvolvimento profissional docente e as redes sociais
A pesquisa sobre aprender a ensinar, na área da pedagogia e nas suas várias abordagens ao longo de décadas, demonstra um grande interesse em investigar “como os professores aprendem?”.
O desenvolvimento profissional de docentes é entendido como a soma de atividades articuladas de forma coerente, visando melhorar e expandir o conhecimento, as habilidades e as concepções dos professores para provocar mudanças em sua forma de pensar e de comportamento.
Assim, o desenvolvimento profissional não se limita à formação formal, mas também abrange um amplo e diversificado conjunto de atividades formativas informais, que incluem a arte, a música, a dança e a literatura. Contudo, é impossível que em um curso de capacitação haja uma abordagem que leve em conta todos esses aspectos mencionados.
Conforme avançamos na digitalização da sociedade, há um consenso cada vez mais generalizado sobre a necessidade de adotar uma visão ampla do que constitui o desenvolvimento profissional dos professores.
Existem três abordagens dominantes para a capacitação docente que enfocam o processo cognitivo e o pensamento do professor. No entanto, há um enfoque adicional que leva em conta o aprendizado planejado, decorrente do cotidiano da atividade docente. Esse aprendizado, no local de trabalho, envolve diferentes formas de aprendizagem em um contexto relacional e espontâneo, que ocorre de forma não intencional e sem planejamento prévio.
Embora as redes sociais não tenham sido criadas para se tornarem ambientes explicitamente destinados a favorecer atividades de aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores, pesquisas mostram sua capacidade na promoção de conexões e de relacionamentos entre profissionais de ensino, bem como no compartilhamento de suas práticas. Kyndt et al. (2016), em uma revisão sobre a aprendizagem informal dos professores, identificaram nove tipos de atividades realizadas pelos docentes que resultam em aprendizagem informal: colaborar, aprender com os outros sem interação, compartilhar, participar de atividades extracurriculares, aprender fazendo, experimentar, consultar fontes de informação, refletir e enfrentar dificuldades.
Para preparar seus cursos e palestras, os docentes se envolvem em várias atividades de aprendizado, como pedir dicas, refletir sobre opiniões alheias e obter informações por meio de referências bibliográficas.
As redes sociais digitais estão possibilitando o estabelecimento de relacionamentos significativos entre professores, permitindo que compartilhem suas experiências, ideias, concepções e reflexões, gerando aprendizagens sociais. Para aqueles professores que são ativos, o aprendizado se torna um processo que faz parte de seu trabalho e continua fora do horário escolar (Van Den Beemt et al., 2018).
Fato é que as redes sociais digitais estão possibilitando o estabelecimento de relações significativas entre os docentes e, com isso, a criação de espaços de afinidade que podem acontecer em ambientes físicos, onde os docentes se encontram para compartilhar assuntos em comum e conversar sobre temas educacionais. Esses espaços de afinidade podem criar as condições para uma aprendizagem informal, porque neles ocorrem como "aprendizados sociais", enquanto os docentes compartilham suas experiências, ideias, concepções e reflexões.
Estudos recentes analisam como e porque professores utilizam redes sociais (Carpenter et al., 2020) e concluem que eles estão usando essas ferramentas tanto para o seu desenvolvimento profissional quanto para estabelecer conexões com outros professores, criando espaços de afinidade e colaboração. As redes sociais permitem ampliar o que é conhecido e, por meio delas, são geradas interações que podem ser duradouras ou temporárias. Elas permitem que os professores coletem recursos ou obtenham informações de outras pessoas consideradas relevantes. Dessa forma, essas redes podem se tornar comunidades de aprendizagem com interesses compartilhados.
Alguns estudos (Levy, 2018) têm analisado como os docentes usam o Facebook, o Instagram, o Tik Tok ou o X/Twitter. Este último, como indicado por Luo et al. (2020), em sua revisão recente, é a principal plataforma digital para criar redes profissionais de aprendizagem e compartilhamento de conhecimento. Os docentes valorizam as propriedades do X/Twitter como uma ferramenta mais voltada para impulsionar seu próprio desenvolvimento profissional do que para interagir com estudantes ou famílias. Esses autores descobriram que os professores valorizam a natureza imediata da comunicação no X/Twitter, permitindo que superem o isolamento que muitos professores podem sentir e ajudem a criar um senso de comunidade colaborativa. Assim, o X/Twitter está sendo um suporte para os docentes, permitindo-lhes estabelecer comunicações, se inspirar e compartilhar atividades de aula e avaliação, promovendo o desenvolvimento profissional docente e servindo como antídoto contra o isolamento geográfico e profissional associado ao trabalho deles.
Na mesma linha, Tang e Hew (2017) encontraram seis motivos específicos que levam os docentes a utilizarem o X/Twitter: compartilhar ideias e atividades, estabelecer redes de comunicação instrucional, colaborar com outros professores, organizar e administrar as aulas, refletir e avaliar.
Os docentes valorizam e aproveitam as oportunidades de aprendizagem que as redes sociais oferecem, baseados em formas mais flexíveis de interação e em uma comunicação mais imediata. Essa comunicação se concentra principalmente nos aspectos mais práticos aplicados ao ensino. Os docentes demonstram que parte de seu interesse nas redes sociais está relacionada à possibilidade de ampliar seu repertório metodológico, incorporando recursos ou ideias que possam enriquecer a sua própria prática.
Conclusões
Ao longo do tempo, constatamos que as redes sociais possibilitaram a criação de espaços de afinidade entre os membros do corpo docente, permitindo que muitos superem o conservadorismo institucionalizado e a didática ultrapassada, expondo e reconhecendo suas fraquezas e limites, sem que isso gere um sentimento de desvalorização profissional. Em uma sociedade conectada como a que vivemos, a comunicação entre docentes estabelece uma nova cultura de colaboração, muito mais poderosa e sem barreiras de espaço/tempo.
As pesquisas demonstram que as redes sociais estão proporcionando uma oportunidade de compartilhar práticas docentes, promovendo conexões e relações entre profissionais de ensino com interesses em comum.
Apesar dos bons motivos que levam os docentes a utilizarem as redes sociais, muitos professores ainda não as utilizam, ou por desconfiança ou por desencorajamento frente ao ambiente criado pelas redes sociais (exposição pública, imediatismo da comunicação). No entanto, as redes sociais criam espaços de afinidade que fornecem segurança e confiança aos docentes na hora de pedir ajuda. Esses espaços, na medida em que se desenvolvem em um mundo paralelo ao espaço físico da instituição educacional, permitem que os docentes mantenham uma relação de respeito com seus pares, próximos geograficamente ou não. São os próprios docentes que escolhem com liberdade aqueles outros pares que desejam seguir ou interagir.
O uso que os docentes fazem das redes sociais vem mostrando que a aprendizagem autônoma ganha vantagem em relação às formas mais tradicionais de desenvolvimento profissional docente, como os cursos de capacitação de longa duração. Alguns professores, que se tornaram líderes informais (chamados de influencers), foram consolidados pelas redes sociais.
Referências
CARPENTER, J. P.; MORRISON, S. A.; CRAFT, M.; LEE, M. How and why are educators using Instagram? Teaching and Teacher Education, n° 96, p. 103-149, 2020. Disponível em: https://doi.10.1016/j.tate.2020.103149.
KYNDT, E.; GIJBELS, D.; GROSEMANS, I.; DONCHE, V. Teachers’ everyday professional development: mapping informal learning activities, antecedents, and learning outcomes. Review of Educational Research, n° 86(4), p. 1.111 – 1.150, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.3102/003465431562786427864.
LÉVY, P. Cómo utilizo la web social en mis clases de la Universidad. Revista de Educación a Distância (RED), n° 18(57), 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.6018/red/57/2.
LUO, T.; FREEMAN, C.; STEFANIAK, J. Like, comment, and share professional development through social media in Higher Education: a systematic review. Educational Technology Research and Development, n° 68(4), p. 1.659-1.683, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1007/s11423-020-09790-5.
MARSICK, V. J.; WATKINS, K. E.; SCULLY-RUSS, E.; NICOLAIDES, E. Rethinking informal and incidental learning in terms of complexity and the social context. Journal of Adult Learning, Knowledge and Innovation, n° 1(1), p. 27-34, 2017. Disponível em: http://doi.org/10.1556/2059.01.2016.003.
TANG, Y.; HEW, K. F. Using X/Twitter for education: beneficial or simply a waste of time? Computers & Education, n° 106, p. 97-118, 2017.
VAN DEN BEEMT, A.; KETELAAR, E.; DIEPSTRATEN, I.; DE LAAT, M. Teachers’ motives for learning in networks: costs, rewards and community interest. Educational Research, n° 60(1), p. 31-46, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1080/00131881.2018.1426391.
Publicado em 07 de novembro de 2023
Como citar este artigo (ABNT)
BERNSTEIN, Any. Como os professores aprendem numa sociedade digitalizada e conectada? Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 43, 7 de novembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/43/como-os-professores-aprendem-numa-sociedade-digitalizada-e-conectada
Novidades por e-mail
Para receber nossas atualizações semanais, basta você se inscrever em nosso mailing
Este artigo ainda não recebeu nenhum comentário
Deixe seu comentárioEste artigo e os seus comentários não refletem necessariamente a opinião da revista Educação Pública ou da Fundação Cecierj.