Potencialidades da aula prática no ensino de Ciências: oficina sobre digestão de macronutrientes em uma turma de EJA

Abraão Carneiro do Carmo Rodrigues

Especialista em Ciências da Natureza, suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho (UFPI), licenciado em Ciências Biológicas (UNEB), professor da rede de educação do Estado da Bahia

O ensino de Ciências da Natureza pressupõe a compreensão de conceitos, fatos e ideias; para isso, requer não somente a mera atividade de memorização, mas o uso da imaginação, criatividade e curiosidade dos estudantes, de modo a melhor explorar os fenômenos científicos que sejam de seu interesse (Krasilchik; Marandino, 2007). No Ensino Fundamental, tanto na modalidade regular quanto na Educação de Jovens e Adultos (EJA), é esperado que esse trabalho ocorra principalmente através do componente curricular Ciências, abordando temas de Física, Química e Biologia, mais especificamente aqueles que compõem as unidades temáticas estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC): Terra e Universo, Matéria e Energia e Vida e Evolução (Brasil, 2018).

Todavia, em nossa experiência prática de ensino, certos fenômenos e conceitos se mostram muito abstratos, especialmente para os alunos do Ensino Fundamental, que geralmente buscam memorizá-los, ao invés de compreendê-los. Dessa forma, os próprios objetos de aprendizagem (conteúdos) costumam se inscrever como desafios para o ensino de Ciências quando fazem referência a processos, ideias e conceitos que não estão relacionados diretamente ao contexto de vida dos alunos. Apesar disso, segundo Krasilchik e Marandino (2007), as Ciências da Natureza estão fortemente presentes em nossa vida cotidiana contemporânea, e sua relevância à nossa rotina e para o funcionamento da sociedade têm demarcado a importância da compreensão dos fenômenos científicos, a fim de que as pessoas possam ter subsídios para a resolução de problemas e tomada de decisões, daí o apelo para a alfabetização científica, como destacam as autoras.

Logo, deparamo-nos com temas necessários aos sujeitos cuja abordagem tradicional os torna de difícil apreensão, requerendo do professor estratégias de ensino que promovam maior compreensão do que é abordado, assim como sua contextualização com aspectos cotidianos. Conforme Guimarães (2009), as pesquisas em educação têm considerado oportunas as atividades experimentais no ensino de Ciências da Natureza, pois tendem a motivar os estudantes e contribuem para o desenvolvimento de habilidades que estão atreladas a essa área da Ciência. Assim, para a autora, por meio de atividades de natureza experimental, os alunos são capazes de reelaborar conceitos, ao invés de memorizá-los, contrapondo-os àquilo que já sabem sobre os fenômenos estudados, o que viabiliza não apenas o entendimento de conceitos e processos, como também a apreensão crítica deles.

Em concordância, Krasilchik e Marandino (2007) afirmam que o ensino de Ciências também deve partir de trabalhos práticos que oportunizem aos educandos a experimentação da atividade investigativa ética e rigorosa que se encontra no cerne das Ciências; atividades, no entanto, que são conduzidas apostando no fazer criativo do estudante e não no cumprimento de receitas prontas, cuja discussão e análise crítica se encontram ausentes. Nesse sentido, para as autoras, o experimento nas aulas de Ciências é um exercício do próprio modo do fazer científico, que deve refletir sobre os procedimentos empregados e os resultados obtidos. Ora, isso significa que, para além da motivação destacada por Guimarães (2009), o uso de atividades experimentais tem de ser significativo, afinal não se objetiva com ele o mero lazer, mas a familiarização dos sujeitos com a ciência e a apreensão dos conhecimentos estudados por ela para que possam, inclusive, empregá-los quando necessário.

Porém, não podemos perder de vista a realidade de muitas escolas públicas brasileiras, que não possuem, segundo Krasilchik (1987), equipamentos adequados e são desprovidas de laboratórios que poderiam facilitar o ensino de Ciências. Ao mesmo tempo, a autora aponta a viabilidade de realizar atividades práticas em outros espaços não laboratoriais e com materiais de baixo custo, ainda que reconheça o ganho que seria a existência de laboratórios para o trabalho do professor da área.

Tendo isso em vista, busquei, na condição de docente, realizar uma atividade experimental como estratégia didática para o ensino do processo de digestão no corpo humano em uma turma do Tempo de Aprendizagem (TAP) IV da EJA, com o objetivo de facilitar a aprendizagem do tema, mais especificamente da ação enzimática na digestão dos macronutrientes que ingerimos pela alimentação. Tratou-se de uma oficina prática sugerida em uma das aulas de um curso de atualização denominado Metabolismo e Obesidade: uma Abordagem Fisiológica, ofertado pela Universidade de São Paulo (USP); sua realização foi feita com algumas adaptações, em função da realidade da escola e da turma em que leciono. Assim, este trabalho tem por objetivo descrever a realização de uma oficina prática sobre o processo de digestão de macronutrientes realizadas em uma turma do Tempo de Aprendizagem IV da EJA e discutir, a partir de tal experiência pedagógica, as potencialidades e os desafios do uso de atividades práticas no ensino de ciências, mais especificamente com esse público da Educação Básica.

Iniciaremos pela apresentação da metodologia adotada para a realização do trabalho e, em seguida, realizaremos o relato da experiência vivenciada, destacando os aspectos que consideramos mais significativos. Posteriormente, efetuaremos a discussão utilizando o referencial teórico adotado.

Metodologia

Este trabalho se inscreve como um relato de experiências que fez uso da sistematização de experiências como recurso metodológico. De acordo com Holiday (2006), essa metodologia visa ordenar e organizar o que foi experienciado por um sujeito em determinado contexto, podendo, a partir daí, realizar uma descrição que contemple não apenas as ações realizadas, mas também as percepções e emoções vividas durante o processo. Desse modo, o relator não se anula, mas se posiciona constantemente, pois entende que, em parte, seus afetos e reflexões não podem se furtar de sua narrativa, uma vez que estiveram presentes em sua ocorrência concreta.

Para que a sistematização fosse possível, lançamos mão do diário de campo como dispositivo de produção de informações; nele foram registrados os eventos ocorridos e as ideias decorrentes deles para que, posteriormente, pudéssemos realizar o trabalho de organização e reflexão sobre o material ordenado, culminando na narrativa do processo a ser compartilhada. Segundo Moura e Nacarato (2017), o dispositivo em questão se mostra profícuo em investigações qualitativas, visto que possibilita o registro e a síntese dos tópicos, conteúdos e sentidos que foram aludidos ao longo do processo.

Na próxima seção, iremos apresentar o relato sobre a aula prática realizada em uma turma de EJA, fruto da sistematização de experiências realizada, trazendo, inicialmente, aspectos contextuais da unidade escolar e da turma em que a atividade pedagógica foi desenvolvida para posteriormente descrever e discutir o processo, com ênfase não apenas na forma como a prática ocorreu, mas nos aspectos de ensino-aprendizagem que se mostraram significativos.

Resultados e discussão

A oficina prática sobre processo de digestão de macronutrientes foi realizada em uma turma do Tempo de Aprendizagem IV da modalidade EJA de uma escola localizada em um bairro periférico da cidade de Salvador/BA. O público que compunha essa turma era bastante heterogêneo, era constituído de jovens, adultos e idosos, dentre os quais havia estudantes com deficiência física, além de sujeitos que ainda não dominavam a leitura e a escrita. A unidade escolar em questão não possui laboratórios de ciências, de forma que a atividade foi conduzida na sala de aula, utilizando materiais simples e de baixo custo. A condução foi feita no turno noturno e, por isso, dispôs de menor tempo de aplicação, o que exigiu adaptações na proposta original de Braga, Pereira e Furlan (2022), que será descrita mais à frente.

A ideia de realizar uma oficina com atividades experimentais que demonstram o processo de digestão surgiu após ter sido percebida dificuldade, por parte dos estudantes, em compreender os fenômenos envolvidos na fisiologia da digestão. O tema havia sido iniciado pela apresentação imagética dos órgãos que compõem o sistema digestório humano e por uma explicação mais genérica sobre o que é a digestão e como ela ocorre através dos órgãos apresentados, ação que visava não apenas introduzir objeto de aprendizagem, mas sondar o que os estudantes sabiam sobre o tema.

Assim que a imagem lhes foi apresentada, perguntei se eles conheciam suas estruturas e o que sabiam sobre elas, bem como a respeito do processo de digestão. Nesse momento, tive a percepção de que digerir era uma ação conhecida, associada à alimentação, mas que se apresentava de modo vago, pois havia dificuldade em sua conceituação, descrição e caracterização. Os estudantes verbalizaram que se tratava de algo realizado pelo corpo para aproveitar o alimento e tinham conhecimento da participação da boca e do estômago no mecanismo, desconhecendo a participação dos demais órgãos e as operações envolvidas durante o processo. Assim, era preciso trabalhar em prol da ampliação do que os alunos sabiam de forma que eles não apenas memorizassem a função de cada órgão, mas entendessem o funcionamento do sistema digestório como um todo, apreendendo sua dinâmica e operações envolvidas, além de reconhecer sua importância para a manutenção da vida.

A ideia inicial era viabilizar a compreensão de que a digestão envolve uma série de transformações do alimento ingerido por meio de ações físicas e reações químicas mediadas por enzimas. Tendo isso em vista, foi planejada uma oficina prática que pudesse demonstrar a participação das enzimas no processo digestivo e como elas implicam realizar a modificação dos macronutrientes contidos no alimento. Além disso, a escolha por uma atividade prática demonstrativa objetivava maior participação dos estudantes, uma vez que, segundo Veiga (1991), esse tipo de metodologia de ensino permite que o aluno se posicione como sujeito ativo no processo de aprender, pressupondo iniciativa e responsabilidade de sua parte durante a condução da atividade, porque não se trata de uma apresentação na qual o estudante assume papel de espectador, mas de cocondutor da atividade realizada, efetivando-a junto ao professor e refletindo sobre o processo e seus resultados. Na próxima subseção, iremos apresentar a oficina proposta, seu planejamento, os materiais utilizados e como ela ocorreu.

Oficina sobre digestão de macronutrientes: proposta e realização

A oficina realizada propunha a demonstração da ação enzimática e de substâncias químicas na digestão de amido, proteínas e lipídios. Para isso, planejamos a execução de três experimentos:

  1. hidrólise do amido e, por conseguinte, sua transformação em maltose, a partir da amilase salivar;
  2. hidrólise de proteínas de colágeno por meio da enzima bromelina contida no abacaxi; e
  3. emulsificação de gorduras por meio de detergente neutro.

Esses experimentos simulam respectivamente: a) a digestão de amido na boca pela ação da amilase salivar, uma enzima contida na saliva; b) a digestão de proteínas no estômago, porém demonstrada pela ação da bromelina, enzima que não participa da digestão humana; e c) a digestão de lipídios através de emulsificantes, como a bile. Assim, a expectativa era de que os estudantes, por analogia, pudessem perceber que a digestão, além de ações mecânicas como a mastigação, envolve transformações químicas mediadas por enzimas.

Para a realização dessa atividade prática, fizemos uso dos seguintes materiais: copos descartáveis transparentes, amido de milho, saliva, tintura de iodo, abacaxi, gelatina sem sabor, água, óleo e detergente neutro. Esses materiais, com exceção do amido de milho, foram sugeridos por Braga, Pereira e Furlan (2022) em sua proposta de aula prática. Com eles, pudemos executar os experimentos seguindo as etapas propostas por Veiga (1991) para a realização de uma demonstração didática por meio de oficinas escolares: a de preparação, a de realização e a de avaliação. Apesar da ordem apresentada, a autora sinaliza a inter-relação entre as etapas.

A preparação, de acordo com Veiga (1991), envolve ações preliminares necessárias para a ocorrência da demonstração prática, dentre as quais destaca o planejamento da ação com definição de seus conteúdos e objetivos, além da organização dos estágios do processo, estabelecendo a ordem das atividades a serem executadas e o arranjo dos participantes, agrupando-os e sistematizando sua participação. Trata-se, pois, de estruturar a proposta, tornando possível sua execução de forma ordenada. Nesse sentido, para a efetivação de nossa oficina, além da definição dos objetivos já apresentados, nós a preparamos da seguinte maneira:

  1. os estudantes foram orientados sobre a execução dos experimentos por meio de instruções gerais escritas no quadro branco;
  2. a turma foi dividida em três equipes de quatro pessoas; e
  3. cada equipe foi instruída verbalmente a realizar, com o auxílio do professor, os experimentos de digestão de amido, proteínas e lipídios, respectivamente.

Dessa forma, os estudantes executaram primeiro a demonstração prática de digestão de amido. Nessa etapa, cada equipe separou dois copos plásticos e introduziu em cada copo água e amido de milho, misturando-os. Em seguida, cada copo foi etiquetado, um recebendo a identificação sem saliva e o outro com saliva. Após isso, eles foram orientados a cuspir no copo identificado com a etiqueta com saliva. Feita tal ação, os alunos foram informados sobre a capacidade do iodo de reagir com o amido, corando-o de roxo, de modo que, sempre que colocado em uma mistura contendo amido, ela apresentará coloração arroxeada. Depois de ter sido fornecida essa informação, as equipes foram orientadas a introduzir algumas gotas da tintura de iodo no copo sem saliva e anotar o que observaram. Cada equipe, então, expôs o copo, mostrando o aspecto visual após a inserção do iodo. De acordo com a proposta de Braga, Pereira e Furlan (2022), a tintura de iodo deveria ser gotejada 30 minutos após ter sido misturada ao carboidrato – neste caso, o amido de milho com a água. O tempo é necessário, segundo a proposta, para que a amilase aja sobre o amido, quebrando-o. Assim, os estudantes cronometraram o tempo e, enquanto esperavam, deram início à segunda demonstração, com o segundo experimento.

O início da atividade se deu pelos mesmos procedimentos adotados na primeira demonstração, isto é, as equipes separaram dois copos descartáveis e os etiquetaram, indicando o copo controle e o copo com bromelina. Em seguida, colocaram pequenas porções de gelatina nos dois copos e, logo após, introduziram alguns pedações de abacaxi picado no copo identificado com bromelina. A instrução dada foi de observar, também após 30 minutos, o que ocorreu com a gelatina, anotando se houve qualquer alteração no aspecto do material. Braga, Pereira e Furlan (2022) sugerem que esse experimento seja realizado adicionando a gelatina derretida nos dois copos e seguindo com a adição do abacaxi em um dos copos e levá-los à geladeira.

Todavia, não foi possível realizar o experimento dessa maneira, visto que a escola não dispunha de um laboratório com instrumentos e equipamentos que permitissem a preparação da gelatina no local da aplicação da prática e seu armazenamento posterior em refrigerador. A escola possui uma copa, mas, no turno noturno, a utilização da geladeira não foi possível. Porém, levando a gelatina pronta e, portanto, solidificada, optamos por conduzir o processo e verificar se haveria mudanças no aspecto do material que apontasse para a digestão do colágeno pela bromelina presente no abacaxi.

Sobre essa decisão, não podemos perder de vista o que afirma Guimarães (2009) a respeito de adequar as atividades experimentais à realidade da escola. Para a autora, o professor deve considerar os recursos que estão disponíveis e o tempo de que se dispõe para sua execução ao realizar o planejamento da prática. Considerando isso, modificamos a proposta inicial apresentada por Braga, Pereira e Furlan (2022). Destarte, realizadas as primeiras etapas do segundo experimento, o tempo foi cronometrado e demos início ao último experimento enquanto aguardávamos o tempo para observação dos dois primeiros.

Para a realização da terceira demonstração, solicitou-se aos estudantes que adicionassem água e óleo de soja aos dois copos após etiquetar um com a designação controle e o outro com a expressão com detergente. Feito isso, acrescentaram detergente no copo identificado para tal fim, agitando-o em seguida. Após isso, registraram o que foi observado. Em função do tempo, ao invés de prontamente retornar aos primeiros experimentos para observar o que ocorreu, demos início à discussão da terceira demonstração.

Nesse momento, os estudantes puderam observar que se formou no copo contendo apenas água e óleo uma única camada de óleo na parte superior do copo. Os estudantes apontaram que isso se deveu ao fato de água e óleo não se misturarem. Na ocasião, foi possível resgatar os conceitos de substâncias hidrofílicas e hidrofóbicas e associar tais conceitos ao processo de digestão. Os estudantes puderam, inclusive, elencar alimentos hidrofóbicos, isto é, aqueles que são ricos em lipídios. Após isso, eles apresentaram o que foi registrado no copo com detergente, informando que nele há a presença de pequenas gotículas de óleo distribuídas ao longo da mistura. A partir disso, foi possível fazer a analogia com os sais biliares, demonstrando, pois, como ocorre parte da digestão de óleos e gorduras e qual o papel do fígado, portanto, no processo de digestão. Com essa discussão, concluíram também que digerir tem relação com a quebra dos alimentos em partículas menores, ou melhor, em nutrientes absorvíveis, constatação feita por terem verbalizado isso.

Após a discussão sobre o experimento demonstrativo da digestão de lipídios, voltamos aos dois anteriores. Assim, os estudantes finalizaram o primeiro e, em seguida, analisaram o segundo. A finalização implicou a introdução do iodo no copo com saliva, o que fizeram observando que nele não houve mudança de cor, de modo que, diferente do copo sem saliva, a mistura não se apresentou arroxeada, indicando que não havia mais a presença de amido. Com isso, perguntei aos estudantes o que poderia ter ocorrido para que não houvesse mais amido no copo; a resposta foi que a saliva agiu quebrando o amido. Nesse ponto, aproveitei para comentar a existência de polissacarídeos, dissacarídeos e monossacarídeos, comentário que os fez questionar qual foi o carboidrato gerado pela ação da saliva. Respondi não só indicando a maltose como produto da reação como sinalizando que a ação se deve à enzima amilase contida na saliva.

Terminada a primeira demonstração didática, demos início à análise do segundo experimento. Nela, os estudantes puderam observar leve mudança no aspecto do material com abacaxi, que estava mais empastado e não com a consistência sólida da gelatina presente no copo controle. Com isso, os estudantes sugeriram que no abacaxi também haveria uma enzima que quebrasse proteínas. Aproveitei, então, para apresentar a bromelina como protease, momento importante para classificação das enzimas em amilases, proteases e lipases. Diferentemente da primeira demonstração, a bromelina não é uma enzima presente em nosso corpo, o que levantou questionamentos por parte dos alunos, sobre o tipo de proteases produzidas por nós e em qual órgão ocorre sua produção. Lembrei-lhes, nesse momento, das funções de cada órgão do sistema digestório que vimos em aula anterior, pedindo que verificassem em suas anotações qual o principal órgão responsável pela digestão de proteínas – identificaram que é o estômago.

A explicação da proposta da oficina aos estudantes, seguida da execução dos três experimentos com a evidenciação de aspectos mais relevantes da ação e a discussão dos conteúdos envolvidos nela consistiram na segunda etapa da atividade, a da demonstração, que, segundo Veiga (1991), consiste no momento da apresentação da ação a ser executada e sua operacionalização, isto é, sua efetivação concreta com os estudantes. Para a autora, nessa etapa, o professor apresenta o roteiro, explicando como os procedimentos serão realizados, incluindo seus pormenores, e explicitando informações relevantes para o êxito da atividade. Durante a execução, a autora salienta também a necessidade de mediação por parte do professor, que auxilia na condução, de modo a confirmar explicações, contrapô-las e promover relações entre os aspectos observados e o que já foi trabalhado pelo docente. Aqui, inclusive, é o momento para articular os novos conhecimentos adquiridos àqueles que os estudantes já possuíam.

Esses aspectos da demonstração puderam ser observados na descrição realizada, uma vez que, além da realização da prática, também operamos mediações, auxiliando os alunos na execução das tarefas, problematizando os achados e os articulando aos aspectos teóricos já estudados, bem como tomando-os pontos de partida para introdução de novos elementos do tema estudado ou de temas correlatos.

Seguida da demonstração, encontra-se, conforme Veiga (1991), a etapa de avaliação, na qual o professor irá verificar as contribuições da oficina prática para a aprendizagem dos estudantes. Todavia, a autora enfatiza que esse processo permeia toda a execução da atividade, visto que, ao pô-la em prática, é possível perceber, em alguma medida, parte de seus efeitos, se está ou não sendo bem recebida e se demonstra trabalhar os objetivos propostos. Logo, a avaliação é contínua e processual e responde não apenas ao envolvimento e desempenho dos alunos, mas à aplicabilidade mesma do que o professor planejou, permitindo que ele, durante o processo, reveja decisões tomadas. Apesar de sua natureza processual, buscamos realizar, ao final dos experimentos, uma autoavaliação com os estudantes sobre o processo. Além disso, o desempenho em atividades posteriores que requereram os objetos de aprendizados trabalhados nos experimentos também foi oportuno para a avaliação da proposta e da aprendizagem dos sujeitos envolvidos.

Uma vez que já descrevemos a oficina realizada, iremos, a seguir, apresentar e discutir, por meio do referencial teórico utilizado, o que percebemos como resultados significativos para aprendizagem dos estudantes por meio do uso da atividade prática sobre o processo de digestão, assim como os percalços encontrados e aquilo que, após autoavaliação crítica, poderia ter sido conduzido de modo diferente.

Análise do processo e dos resultados: potencialidades e desafios da oficina

A execução e a avaliação da oficina possibilitaram perceber aspectos significativos para o processo de ensino-aprendizagem em Ciências e dificuldades na realização do processo e conduções que não contribuíram para uma maior eficácia da ação proposta e que podem ser revistas para uma próxima aula.

Um ponto importante da aplicação foi a participação e o engajamento dos estudantes ao longo da atividade proposta. Diferentemente das aulas expositivas, a maior parte dos estudantes demonstrou entusiasmo durante a realização dos experimentos e se envolveu em praticamente todos os momentos de sua execução, não apenas realizando as ações, mas questionando e dialogando sobre os resultados. Essa percepção corrobora Guimarães (2009) a respeito do interesse e participação que as atividades práticas promovem nos estudantes. De acordo com a autora, essa é uma das razões pelas quais as atividades experimentais devem permear o ensino de Ciências da Natureza.

Bassoli (2014), todavia, indica, com base em aprofundada discussão teórica, que o papel motivador das atividades práticas seria um mito e que nem todos os estudantes se sentem entusiasmados por essas atividades, de forma que a motivação proporcionada pelas aulas práticas seria bastante particular, variando de um aluno para outro. De todo modo, a percepção que tenho, não só pela experiência vivida nessa prática, mas também em outras aulas experimentais que realizei, é de que os estudantes demonstram interesse na realização desse tipo de aula, que se faz ver não só por uma postura mais ativa na sua execução, mas na solicitação de mais aulas dessa natureza, além da realização de atividades posteriores sobre a prática. Estudantes, inclusive aqueles cuja participação em aulas expositivas é quase nula, tendem a perguntar, sugerir e dar respostas a questões que foram elaboradas durante uma ação prática realizada.

Krasilchik (2004) também sinaliza o interesse dos jovens em aulas demonstrativas, nas quais o professor tende a apresentar técnicas ou fenômenos a um público de estudantes, engajando-se de modo a participar mais ativamente e em executar observações mais atentas. Porém a autora não considera as demonstrações como atividades práticas, argumentando que são estratégias de que o docente lança mão quando possui pouco tempo para trabalhar um tema ou necessita realizar a exposição de um fenômeno a toda a turma. Para a autora, uma atividade prática, por sua vez, consiste em propostas desafiadoras que requerem a resolução de problemas por parte dos alunos, que, para isso, necessitam levantar hipóteses e propor possibilidades de testá-las, além de analisar os resultados obtidos, fazendo inferências e generalizações a partir deles. Ou seja, segundo a autora, as atividades práticas se aproximam de atividades investigativas cujas etapas do método científico sejam executadas pelos alunos, que não irão apenas seguir instruções definidas pelo professor para constatar verdades prontas.

Apesar de concordarmos com Krasilchik (2004) a respeito de como deve ser a postura de um estudante em uma atividade prática, consideramos, diferentemente da autora, as demonstrações experimentais como atividades práticas, desde que o professor realize problematizações do que está a demonstrar com o experimento e, com isso, possibilite maior interação dos estudantes entre si e entre o objeto/fenômeno estudado, ainda que seja por meio do estabelecimento de um diálogo que permita ao aluno questionar e contrapor, tal como buscamos realizar durante a execução dos experimentos realizados. Isso viabiliza não só que os estudantes operem as ações, mas que indaguem e que realizem, além da observação e do registro, a verbalização sobre o que tal acontecimento poderia sugerir, ainda que, de algum modo, se buscasse demonstrar algo que já havia sido previamente trabalhado teoricamente.

Essa ação problematizadora é assinalada por Bassoli (2014) como sendo um aspecto consensual entre os autores sobre os elementos que caracterizam uma atividade prática, daí afirmar que “caberá ao professor problematizar as demonstrações práticas de modo a propiciar o engajamento intelectual dos alunos com os objetos e fenômenos apresentados” (Bassoli, 2014, p. 582). Assim, uma demonstração prática cuja ação não conduz necessariamente à resolução de um problema, mas à ilustração de um fenômeno, não precisa assumir uma forma tradicional de ensino, na qual há transmissão das informações e os alunos são meros espectadores, podendo, na verdade, instigá-los e engajá-los intelectualmente, além de motivá-los por estarem participando de uma aula diferente das ocasionais aulas expositivas. Nesse sentido, acreditamos que a ação pedagógica executada parece não apenas ter despertado o interesse, mas viabilizado um espaço de interação e problematização oportuno para a construção de saberes sobre o tema trabalhado e outros que surgiram ao longo do processo.

Dessa forma, as atividades experimentais realizadas conseguiram explicitar e elucidar os conteúdos relacionados à digestão, cumprindo, segundo Veiga (1991), o que se propõem as ações demonstrativas feitas em laboratórios e oficinas; afinal, para a autora, o uso de demonstrações, além de permitir expor ao aluno como uma operação é feita, também se presta a demonstrar conceitos e confirmar ideias a respeito de um tema. Em nosso caso, acreditamos que pudemos, por meio das demonstrações práticas, não só pôr em evidência o papel das enzimas na digestão dos macronutrientes como confirmar esse papel, testá-lo. Isso não só se faz pertinente pela função pedagógica que cumpre no ensino de Fisiologia humana e Bioquímica como também por poder dar mostras de uma das perspectivas de trabalho das Ciências da Natureza, qual seja aquela que busca uma averiguação empírica dos fenômenos naturais, aproximando, com isso, os estudantes de um método científico, feito relevante em um período de forte negacionismo da ciência e de seu papel social.

A respeito disso, sabemos, conforme Krasilchik (2000), que por muito tempo o ensino de Ciências estava voltado para a formação de cientistas, cuja organização curricular fomentava a prática científica nas escolas, que passavam a ser consideradas como locais propícios a se produzir ciência e preparar o estudante para o trabalho com ela, o que justifica a valorização, desde essa época, das atividades práticas de natureza empírica. É em função desse histórico que Andrade e Massabni (2011) afirmam que não é de hoje que se produzem discursos de preocupação com a ausência de ações práticas nas aulas de Ciências. Tal constatação nos leva a admitir que toda proposta pedagógica apresenta uma intencionalidade para além da aprendizagem, inscrita em um contexto sociopolítico que demarca o que aprender, como e por que aprender. Hoje, por exemplo, questiona-se o uso de experimentação que não esteja voltado para a resolução de problemas cotidianos, já que, segundo Krasilchik e Marandino (2007), a divulgação e a aprendizagem dos conhecimentos científicos assumem aspecto imprescindível para o exercício da cidadania.

A partir desse entendimento, podemos afirmar, também, que o que estaria em jogo na realização de atividades práticas não seria apenas a sua potencialidade pedagógica em si, mas o modo como é executada e quais objetivos ela propõe cumprir, sugerindo que, para além da operacionalidade, adquire relevância a postura do professor durante a execução. Se o objetivo é que o estudante possa, por meio do uso do método científico e do exercício de investigação, formulando hipóteses e testando-as de modo criativo, resolver problemas reais do seu dia a dia, mais que aplicar uma metodologia ativa desenhada para que o estudante seja o protagonista, como sugere Moran (2018), o essencial é que o professor, em sua relação de trabalho com o aluno, dê espaço para que o estudante pense e aja, tratando-o de fato como agente construtor, assumindo, com isso, uma mudança de posição daquele que sabe e pode dizer para aquele que instiga o aluno a procurar, ainda que isso se dê por meio de conversas e diálogos em sala de aula.

Nessa perspectiva, uma investigação declarada ou uma demonstração prática de um fenômeno podem ser métodos oportunos de aprendizagem ativa e requerem mais de como o professor as conduz. Andrade e Massabni (2011) corroboram tal ideia ao afirmar que “as possibilidades de aprendizagem proporcionadas pelas atividades práticas dependem de como elas são propostas e desenvolvidas com os alunos” (Andrade; Massabni, 2011, p. 837).

Com efeito, apesar de nossa prática ter objetivado demonstrar o papel das enzimas na digestão de macronutrientes, a abertura para a indagação permitiu que os estudantes pensassem em questões mais próximas às suas realidades, a partir do que era observado e discutido na experimentação, de modo a contextualizar o conteúdo. Um exemplo disso, a nosso ver, foi quando uma equipe, ao se dar conta de que as enzimas são necessárias para que a digestão aconteça e que cada macronutriente necessita de uma enzima específica no processo, associou o problema de intolerância à lactose à deficiência da enzima, sem que essa informação fosse fornecida previamente; pelo contrário, ela não estava no script, uma vez que a lactase não participou diretamente do experimento; por reflexão, daí podermos falar em engajamento intelectual, conforme mencionado por Bassoli (2014), chegou-se à atuação dessa enzima e dos efeitos de sua ausência. A partir daí, pudemos iniciar, inclusive, uma conversa contextualizada, a partir da ação da enzima, sobre as tecnologias terapêuticas produzidas com base nos conhecimentos científicos, a exemplo de medicamentos contendo a lactase, que permite que as pessoas comam alimentos derivados do leite.

Apesar disso, reconhecemos que muito mais poderia ter sido feito no sentido de contextualizar o tema, oportunizando com isso a apropriação de saberes fisiológicos na perspectiva de sua conversão em ações práticas que pudessem melhorar a qualidade de vida dos estudantes – proposta, inclusive, que deve ser ponto de partida para o trabalho com estudantes da EJA (Gadotti, 2011). Silva, Vieira e Soares Jr. (2018) e Ramalho et al. (2015), após a execução de atividades práticas em turmas da EJA, destacaram, por exemplo, a importância de ações pedagógicas dessa natureza, pois perceberam que elas podem despertar o interesse dos estudantes, de modo a atrair a atenção dos sujeitos e aumentar sua participação em sala de aula.

Outrossim, ambas conseguiram realizar experimentos a partir de materiais conhecidos do público em questão, aproximando-os de sua experiência cotidiana. Também foram efetuados pelos estudantes ao invés de aplicados para sua apreciação, possibilitando, assim como em nossa oficina, a interação direta dos sujeitos com o objeto/fenômeno estudado. Todavia, Silva, Vieira e Soares Jr. (2018), apesar de viabilizarem a interação e buscarem tornar mais dinâmica a aula, fomentando a participação dos alunos, parecem realizá-la no intuito de confirmar a teoria e facilitar a sua assimilação – termo utilizado pelos autores. Nessa perspectiva, cuja ênfase está no conteúdo, observam que os estudantes percebem, por exemplo, que uma reação química ocorreu, mas não se apropriam do vocabulário científico e não associam a ocorrência do fenômeno às variáveis relacionadas a ele, daí afirmarem que “não dá para saber se realmente eles aprenderam os conteúdos, pois nota-se que nas respostas lhes falta à linguagem científica utilizada na abordagem conteudista das aulas” (Silva; Vieira; Soares Jr., 2018, p. 56).

Ora, há a nosso ver dois aspectos relevantes na situação descrita pelos autores. O primeiro diz respeito à supervalorização dos conceitos científicos e à sua incorporação ao vocabulário dos alunos como sinal de aprendizagem durante o processo; o segundo corresponde ao aspecto avaliativo do experimento realizado. Tais aspectos indicam a necessidade de cautela nas inferências que buscam realizar relações entre resultados obtidos nas atividades práticas e a aprendizagem efetiva por parte dos estudantes. Cada um deles nos permite refletir sobre a intencionalidade subjacente às estratégias didáticas que usamos, assim como sobre as potencialidades que possuem para além do trabalho de um tema.

Ao focarmos nossa prática na aquisição de conceitos e na possibilidade de explicá-los por uma linguagem científica, corremos o risco de assumir uma posição bancária de ensino, tal como alertou Paulo Freire (1996). Para esse autor, tal modo de ensinar é caracterizado por uma tentativa de transferir informações e conteúdos aos estudantes, que, empobrecidos por não os possuir, deverão recebê-los e assimilá-los. Nesse processo, Freire (1996) destaca o quanto esse ato está marcado por uma relação verticalizada, na qual o professor que sabe se coloca como superior ao estudante, supostamente desprovido de conhecimento. Com isso, ignora-se o que ele já sabe sobre o fenômeno ou mesmo menospreza seu saber.

Em conformidade com isso, não seria mais interessante aproveitar a atividade prática para aproximar o estudante do fenômeno e, a partir disso, apresentar-lhe um novo mundo de conceitos e nomenclaturas, que, sem ser melhor ou pior, busca explicar e representar fenômenos do mundo? Ao invés de pôr em evidência o que não sabem, o que lhes falta, como fizeram Silva, Vieira e Soares Jr. (2018), talvez fosse oportuno, partindo do que esses estudantes sabem, aproveitar o momento para lhes oportunizar uma familiarização com novos conceitos e modos de classificação, evitando atribuir valor negativo aos conhecimentos desses sujeitos que, em função disso, experimentaram, por muito tempo, o fracasso escolar (Barcelos, 2014).

Assim, se por meio da experiência o estudante percebeu o fenômeno, mas não dominou os aspectos teóricos relacionados a ele, demos o ponto de partida para que ele se aproxime desses aspectos e, a partir daí, possamos trabalhar em prol da apropriação e não da assimilação dos conteúdos e termos utilizados para explicar o fenômeno estudado, permitindo confrontá-los com os conhecimentos prévios que possui dele. Parece-me, em situações como essa, que nos falta a confiança de que o aluno pode aprender e que o erro não é uma sentença de fracasso, mas parte não só do processo de aprendizagem, mas do processo científico. Deveríamos, portanto, considerá-lo parte fundamental do fazer e conhecer.

Ao nos defrontarmos com tais experiências, somos incentivados a realizar uma avaliação mais crítica do que propomos e de como conduzimos nossas propostas. Diante disso, preciso admitir também que, em alguns momentos de nossa oficina, explicações diretas, com ênfase na compreensão dos conceitos, foram dadas aos alunos, ainda que, muitas vezes, eu tenha tentado instigá-los, incentivando a reflexão sobre o que estava a ocorrer nas experimentações, no intuito de que fossem mobilizados a pensar o processo e seus resultados. Essa prática docente de explicar aos nossos alunos sem que se espere deles uma resolução pode de alguma maneira ser explicada pelo tipo de formação que recebemos, que, de acordo com Marandino, Selles e Ferreira (2009), está inscrita em uma cultura enciclopédica, que é reproduzida em nossas aulas, embora, segundo as autoras, muitos docentes tendam a romper esse modo de agir tradicional, propondo práticas inovadoras e criativas, o que significa, que, apesar desse legado, é possível realizar mudanças, desde que nossa prática seja alvo de reflexão crítica.

Acreditamos que, se nossa oficina não foi promovida nessa perspectiva de ruptura, ao menos buscou se aproximar dela, porque, ao mesmo tempo que buscamos complementar as aulas teóricas e comprovar parte do que foi visto nelas, alinhando-se aos principais usos das atividades práticas realizadas por professores apontados por Andrade e Massabni (2011), também procuramos discutir e problematizar os fenômenos observados durante a execução dos experimentos, em uma tentativa de ir além da exposição de um fenômeno. Além disso, o desenvolvimento das experimentações viabilizou a aproximação dos sujeitos aos objetos de aprendizagem trabalhados, considerados muitas vezes como abstratos. Também não podemos perder de vista que a própria efetivação de uma atividade prática que requer diversos recursos e técnicas, em uma escola com pouco acesso a eles, apresenta-se como um desafio ao docente no sentido de adaptar as práticas aos contextos e, ainda assim, conduzi-las a partir de um ideal de aplicabilidade.

De todo modo, reconhecemos que, como sugerem os autores, as atividades práticas devem ser pensadas para além das funções de ilustrar, exemplificar e comprovar, inscrevendo-se como viabilizadoras da construção de conhecimento ativo por parte dos alunos. Se ainda não conseguimos efetivá-las nesse sentido, que possamos paulatinamente nos apropriar dessa intencionalidade, de modo a oportunizar uma aprendizagem significativa da ciência e, por conseguinte, que nossos estudantes exerçam sua cidadania de forma plena, como agentes no mundo.

Considerações finais

Buscamos, neste trabalho, descrever a realização de uma oficina prática sobre o processo de digestão de macronutrientes realizadas em uma turma do Tempo de Aprendizagem IV da EJA e discutir, com base em tal experiência pedagógica, as potencialidades e os desafios do uso de atividades práticas no ensino de Ciências, mais especificamente com o público da Educação Básica. Para tanto, fizemos uso da sistematização de experiências, de modo a organizar e ordenar as vivências e reflexões registradas em um diário de campo.

A oficina consistiu na realização de três experimentos envolvendo a digestão química do amido, de proteínas e de lipídios, que foram executados com materiais simples e de baixo custo, o que permitiu sua realização na sala de aula e, portanto, fora de um laboratório. O primeiro experimento permitiu demonstrar e problematizar o papel da amilase salivar na digestão do amido, enquanto o segundo possibilitou perceber a importância das proteases na digestão de proteínas, pela observação da ação da bromelina nas fibras de colágeno presentes na gelatina. Por fim, o terceiro experimento favoreceu a visualização de como a bile atua na digestão de lipídios, através da observação dos efeitos do detergente neutro em óleo de soja e água. Com efeito, pudemos trabalhar não apenas o processo de digestão, mas também aspectos da Bioquímica da célula, com ênfase na função de enzimas, e de Química geral, a exemplo das diferenças entre compostos hidrofílicos e hidrofóbicos.

O trabalho desses temas, por meio de uma oficina prática, assim como em outros trabalhos de mesma natureza, oportunizou maior participação dos estudantes, uma vez que todos se envolveram na realização dos experimentos, não apenas na sua operacionalização, mas refletindo sobre o processo e os resultados encontrados. A percepção de uma participação ativa inclusive permite-nos, por extensão, afirmar que as atividades práticas realizadas despertaram o interesse dos alunos, possivelmente entusiasmando-os ao estudo do tema, o que corrobora a literatura sobre esse tipo de ação pedagógica.

Além disso, buscou-se, por meio dos experimentos, promover problematizações, incentivando a reflexão, o que culminou no levantamento e na discussão de assuntos correlatos à temática por parte dos estudantes, como problemas de saúde pela ausência de enzimas e formas de prevenção e tratamento. Desse modo, apesar de a oficina propor a realização de uma demonstração didática sobre o papel das enzimas na digestão, o contato direto dos estudantes com os objetos de aprendizagem, oportunizando a interação com eles, e a discussão levantada por e com os estudantes nos permitem considerar a atividade desenvolvida para além de uma demonstração, mas como uma ação prática problematizadora, admitindo-se, todavia, que em alguns momentos adotou-se uma postura mais expositiva, explicando conceitos, ao invés de apenas questionar e incentivar a pesquisa.

A experiência aponta, portanto, para a possibilidade de desenvolver demonstrações práticas no ensino de Ciências que favoreçam a participação mais ativa do estudante, fornecendo-lhe protagonismo e centralidade no processo, o que demanda, a nosso ver, uma postura menos enciclopédica por parte do professor, que não se adquire de imediato, mas decorre de um exercício constante de reflexão e de movimentos e gestos de ruptura com o modelo tradicional de ensino.

Referências

ANDRADE, Marcelo Leandro Feitosa de; MASSABNI, Vânia Galindo. O desenvolvimento de atividades práticas na escola: um desafio para os professores de ciências. Ciências e Educação, v. 17, nº 4, p. 835-854, 2011.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 16 fev. 2023.

GADOTTI, Moacir. Educação de Jovens e Adultos: correntes e tendências. In: GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. (org.) Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 12ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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KRASILCHIK, Myriam; MARANDINO, Martha. Ensino de ciências e cidadania. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2007.

MARANDINO, Martha; SELLES, Sandra Serra Ferreira. Ensino de Biologia: histórias e práticas em diferentes espaços educativos. São Paulo: Cortez, 2009.

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RAMALHO, Cícero Jefferson Turbano et al. Atividade prática de energias alternativas como meio facilitador de ensino de Ciências para alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Remoa, v. 14, Ed. Especial UFMT, p. 228-235, 2015.

SILVA, Antonio Joélio Alves da; VIEIRA, Andreia A.; SOARES JR., Antônio L. Atividades experimentais de Química no ensino da EJA. Experiências em Ensino de Ciências, v. 13, nº 4, p. 49-63, 2018.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Nos laboratórios e oficinas escolares: a demonstração didática. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Técnicas de ensino: por que não? Campinas: Papirus, 1991.

Publicado em 21 de novembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

RODRIGUES, Abraão Carneiro do Carmo. Potencialidades da aula prática no ensino de Ciências: oficina sobre digestão de macronutrientes em uma turma de EJA. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 45, 21 de novembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/45/potencialidades-da-aula-pratica-no-ensino-de-ciencias-oficina-sobre-digestao-de-macronutrientes-em-uma-turma-de-eja

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