Diversidade, Empatia e Educação Afetivo-Sexual - um relato de experiência

Maitê Puri

Licenciada em Ciências Biológicas (UFMG), mestranda em Educação - Ensino de Ciências (Promestre/FaE/UFMG)

Em 2018, cursando a licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), participei do Programa de Monitoria de Graduação (PMG) no Centro Pedagógico da UFMG (CP/UFMG). Nesse programa, os estagiários são responsáveis por ministrar quatro disciplinas optativas, denominadas Grupo de Trabalho Diferenciado (GTD). Elas têm duração semestral e são desenvolvidas pelos monitores em conjunto com seus orientadores, professores efetivos da escola.

Inspirada em projetos de que participei em disciplinas na graduação e por reuniões organizadas pela Coordenação Pedagógica (Coped) do CP sobre respeito e sexualidade, desenvolvi o GTD Diversidade, Empatia e Educação Afetivo-Sexual, juntamente com a minha orientadora, professora Ana Cristina Ribeiro Vaz. Nesse GTD, o objetivo foi trabalhar questões sociais que envolvem a sexualidade, possibilitando reflexões e debates para que os estudantes pudessem construir suas opiniões de maneira crítica. Segundo a ementa,

a temática da sexualidade é geralmente abordada na escola com enfoque nos aspectos biológicos e reprodutivos, limitando-se ao ensino de conceitos sobre sexualidade e reprodução. As crianças e os adolescentes trazem noções e emoções sobre sexo adquiridas em casa, em suas vivências e em suas relações pessoais, além do que recebem pelos meios de comunicação. A orientação sexual deve considerar como todo repertório [...] possibilita a reflexão e o debate a fim de construírem suas próprias opiniões e fazerem suas escolhas. Considerando esse cenário, o GTD criado guia-se pelas dúvidas e pelos interesses dos alunos sobre o tema, tendo por objetivo discutir e proporcionar aos alunos reflexões sobre diversidade sexual, identidade de gênero, autoconhecimento, respeito ao outro e a si, afetividade e educação sexual.

Esse GTD aconteceria em dois horários, formando uma turma com estudantes de 8° e 9° anos e outra com estudantes de 6° ano, com abordagens e dinâmicas diferentes, de acordo com a faixa etária de cada turma. A professora Ana Cristina me orientou em uma turma de 2° e em outra de 3° ciclo. Entretanto, após a escolha dos alunos pelos GTD, foi solicitado pela coordenação do 2º ciclo que, ao invés de ofertar o GTD Diversidade, Empatia e Educação Afetivo-Sexual, eu ofertasse dois de Teatro Ambiental, uma vez que poucos alunos escolheram o primeiro tema e muitos escolheram o segundo. Fiquei desanimada com isso, pois esse GTD fazia parte de um projeto da Coped, com abordagem sobre o respeito entre os alunos e enfoque na temática, uma vez que estavam tendo problemas com os alunos nesse sentido, principalmente com os do 6° ano.

Já que a sexualidade é um tema que faz parte da vida de todos, desde o nascimento (Santos; Rubio, 2013), ele se tornou relevante para ser trabalhado em todas as etapas educacionais, não sendo prudente adiar até a adolescência, quando muitos já iniciaram suas práticas sexuais de risco (Brêtas, 2005) sem orientação. Antes disso, na faixa de 10 a 12 anos, é importante aprofundar certos aspectos, como prevenções e interesses sexuais, pois os jovens estão na puberdade, passando por mudanças causadas pelos hormônios sexuais e a maioria ainda não iniciou sua vida sexual. No caso dos que já iniciaram, os índices de gravidez são alarmantes nessa faixa etária.

Corroborando a pesquisa de Vera Paiva (2008), vem ocorrendo diminuição no uso de preservativo nas iniciações sexuais antes dos 14 anos. Entretanto, a maioria das escolas prefere só falar de educação afetivo-sexual em séries mais avançadas, por considerar os estudantes do 6° ano ainda novos. Pareceu-nos ser esse o caso: receio de lidar com essa faixa etária e possivelmente com suas famílias. Mesmo não concordando com a troca do GTD, no momento cedi à solicitação.

Desenvolvimento

No GTD ofertado para o 8° e o 9° anos, do 3º ciclo, desenvolvi uma paixão. Era uma turma grande, com dezessete estudantes – mais que o estipulado para os GTD –, e muitos estavam interessados na temática. Assim, na primeira aula conversamos que somente seria possível continuar com todos os participantes se tivessem bom comportamento. Não houve problemas nesse sentido e os estudantes se apresentaram interessados em quase todas as atividades.

 O GTD foi organizado em forma de dinâmicas com jogos teatrais, que promovem a liberação da criatividade e o desenvolvimento integral do estudante (Coelho, 2014), além de rodas de conversa e outras atividades lúdicas. Os temas a serem trabalhados foram demandados pelos alunos, a partir da “dinâmica do sinal”, na qual eles escreviam anonimamente tudo o que queriam discutir e, a partir disso, nós organizamos a temática por níveis de dificuldade.

Inicialmente, discutimos temáticas sociais, consideradas mais tranquilas por eles, como machismo, racismo, LGBTfobia, feminismo, a sigla LGBTQIA+, diversidade e empatia. Na sequência, entramos em temas mais pesados, como violência sexual, depressão, drogas, feminicídio e prostituição. Em todas as aulas os alunos eram participativos, motivados pelo espaço de discussão, por notícias, textos, imagens e perguntas. Por fim, tratamos de sexo em si, falamos sobre prevenção, doenças, masturbação e variadas formas de sexo. O fechamento do GTD foi feito com uma roda de conversa com pessoas LGBT convidadas. A notícia chegou a alguns professores de outros GTD com temáticas afins, que pediram para também seus alunos participarem desse momento.

O interesse dos alunos pelos temas de todas as aulas foi notório e houve mudança nas suas concepções ao longo das discussões. As meninas eram mais participativas, não apresentavam timidez em falar sobre os temas, ao contrário dos poucos meninos, que pareciam menos confortáveis em opinar, preferindo ouvir; entretanto, percebemos que eles não deixavam de refletir sobre os temas trabalhados. Foram treze encontros semanais com duração de 1h30 cada; seguimos este cronograma:

Aula 1 - Apresentação

Cada participante apresentou seu nome por meio de dinâmicas corporais. Em sequência, desenvolvemos um diálogo a partir dos significados retirados do dicionário sobre os temas presentes no nome da disciplina. Nessa conversa, os alunos também trouxeram suas concepções sobre as palavras temáticas (diversidade, empatia etc.) e sobre o que seria desenvolvido na disciplina.

Aula 2 - Dinâmica de reconhecimento das zonas do próprio corpo

Desenhamos um corpo em tamanho real em folha de papel cartão e conversamos sobre quais seriam as zonas íntimas e as zonas neutras no corpo e sobre quem poderia tocar em cada parte, discutindo a noção de consentimento e privacidade.

Aula 3 - Dinâmica do sinal

Cada estudante recebeu três papéis pequenos cortados. Solicitei que escrevessem, em cada um, uma palavra ou um termo que desejassem discutir, que fosse relativo ao tema da disciplina ou que imaginavam que seria trabalhado nas próximas aulas. Os papéis foram misturados, preservando o anonimato. Em seguida, com um semáforo (imagem ao lado) já pronto em cartolina e em grandes círculos coloridos, os papéis foram lidos um a um e a turma decidiu em conjunto localizar onde se situa cada temática no sinal, considerando o círculo verde para os conceitos tranquilos de serem conversados no ambiente escolar, o amarelo para as palavras que causam desconforto ao serem ditas na escola e a circunferência vermelha para os papéis que contêm tabus que não são discutidos na escola.

Essa dinâmica foi usada como atividade diagnóstica para encontrar temas geradores (Freire, 1968) a serem desenvolvidos em sequência para as aulas seguintes.

Aula 4 - Dinâmica dos estereótipos

Em roda, todos recebem papéis e escrevem características que vêm à mente quando olham para cada um dos participantes. Em sequência, entregam o papel à respectiva pessoa. Após essa etapa, cada um lê, em voz alta, o seu papel e, ao final, discutem como essas características são estereótipos e não necessariamente correspondem à realidade.

Aula 5 - Caminhada dos privilégios

Com os estudantes lado a lado, damos os seguintes comandos:

  1. Se você consegue dar um passo à frente, dê um passo à frente.
  2. Se tem plano de saúde particular, dê um passo à frente.
  3. Se pode demonstrar afeto por alguém e gostaria de beijar ou namorar em público, sem sentir medo de ridicularização ou violência, dê um passo à frente.
  4. Se seus ancestrais vieram ao Brasil escravizados, dê um passo atrás.
  5. Se as pessoas que criaram você tiveram que trabalhar à noite, nos finais de semana ou em dois empregos para sustentar a família, dê um passo atrás.
  6. Se já recebeu diagnóstico de deficiência mental ou física, dê um passo atrás.
  7. Se seu ambiente familiar te apoia a seguir seus sonhos, dê um passo à frente.
  8. Se o bairro onde mora ou cresceu tinha alta incidência de crime ou tráfico de drogas, ou já foi invadido e/ou ocupado pela polícia, dê um passo atrás.
  9. Se você já teve que mudar sua fala para ter mais credibilidade, dê um passo atrás.
  10. Se seguranças de estabelecimentos comerciais já seguiram você, dê um passo atrás.
  11. Se a sua orientação sexual é utilizada como xingamento, dê um passo atrás.
  12. Se você usa o banheiro no qual se sente mais confortável, dê um passo à frente.
  13. Se você encontra facilmente roupas para o seu tamanho, dê um passo à frente.
  14. Se o seu comportamento (e, em especial, seus erros) raramente são atribuídos ao seu gênero, dê um passo à frente.
  15. Se o seu pai participou ativamente da sua criação, dê um passo à frente.
  16. Se você já ficou desconfortável com um comentário sobre sua aparência, mas não sentiu segurança para confrontar a situação, dê um passo atrás.
  17. Se você se sente confortável de andar por conta própria pelas ruas dos bairros onde vive e trabalha, dê um passo à frente.
  18. Se o nome no seu documento de identidade é o nome com o qual você se apresenta às pessoas, dê um passo à frente.
  19. Se você já sentiu como se não existisse uma representação verdadeira da sua orientação sexual na mídia, dê um passo atrás.
  20. Se você nunca teve um apelido baseado em sua raça, dê um passo à frente.
  21. Se você provavelmente conseguiria um emprego por amizade, parentesco ou indicação pessoal, dê um passo à frente.
  22. Se há ou havia mais de 50 livros na casa onde você cresceu, dê um passo à frente.

Ao término da caminhada, o aluno é incentivado a observar as posições dos colegas, a fim de perceber se há padrões de posicionamento. Em sequência, discutimos o motivo dessas diferentes caminhadas.

Aula 6 - Biscoito sexual

Explicação dialogada sobre os seguintes termos:

  • Identidade de gênero: Mulher, genderqueer, homem
  • Expressão de gênero: Feminina, andrógina, masculina
  • Sexo biológico: Mulher, intersex, homem
  • Orientação sexual: Heterossexual, bissexual, homossexual

Aula 7 - Dinâmica do Cafezim

Foram organizadas três rodas de conversa simultâneas sobre os seguintes temas: violência sexual/estupro, depressão e prostituição, todas guiadas pelas perguntas escritas em três cartazes:

  1. Quais são os tipos de violência sexual? Por que muitos deles são bem aceitos pela sociedade?
  2. O que é depressão? Por que essa doença é tão comum na sociedade atual?
  3. Por que a prostituição existe? Quem se prostitui? Isso é errado? Deveria ser proibido?

Após dez minutos de discussão, a metade de cada grupo se encaminha para um dos cartazes, permanecendo apenas um único estudante responsável por instigar a discussão, apresentando brevemente a que ponto chegou a discussão do grupo anterior. Ao final, com todos juntos, apresentam-se as anotações que foram feitas no cartaz e as conclusões a que cada grupo chegou.

Aula 8 - Explorando outros sentidos

Essa atividade foi inspirada em oficinas do I Encontro Corpos Mistos e do II Congresso Autismo, Dança e Educação, das quais participei na Faculdade de Belas Artes da UFMG em 2018. Inicialmente, os estudantes colocam vendas sobre os olhos e realizam sua autoaudiodescrição, sendo incentivados a pensar sobre sua aparência por uma ótica diferente da habitual. Em seguida, com música e ainda vendados, dançam guiados por comandos da professora em diferentes planos do espaço, não utilizando certas partes do corpo e buscando refletir sobre pessoas que não possuem alguns dos sentidos comuns a todos.

Aula 9 - Feminicídio + Racismo

Selecionei notícias recentes sobre feminicídio e racismo e documentos contendo conceitos jurídicos sobre ambas as temáticas. Em roda, os alunos fizeram a leitura dos materiais em voz alta, um por vez. Em um primeiro momento sobre um tema e em um segundo momento sobre o outro tema. Seguiu-se a discussão a respeito, incentivando o empoderamento dos estudantes.

Aula 10 - Concepções alternativas sobre drogas

Leituras em voz alta de pesquisas sobre drogas, como café, tabaco e outros fármacos, assim como sobre o uso medicinal da cannabis e notícias sobre a guerra às drogas, intercaladas entre os estudantes e seguidas pelas discussões.

Aula 11 - Dinâmica das luvas + caixa com métodos contraceptivos

Em roda, dois estudantes colocam luvas cirúrgicas e os outros não. Um participante sem luvas mancha as mãos em tinta e cumprimenta, com aperto de mão, os que estão ao seu lado. Eles repetem o movimento com quem está do outro lado e assim sucessivamente, até que todos tenham apertado as mãos uns dos outros. Por fim, quem estava de luvas as retira e analisa quem está sujo e quem não está, fazendo reflexões acerca do uso de preservativos. Em sequência, abrimos uma caixa repleta de métodos contraceptivos – que já foram trabalhados em aulas regulares de Ciências –, tirando dúvidas sobre o funcionamento de cada um deles.

Aula 12 - Roda de conversa com comunidade

Três graduandes em Ciências Biológicas – sendo alguns deles trans e/ou não héteros – participam da aula, a fim de realizar relatos a respeito de suas vivências como pertencentes à comunidade LGBTQIA+, respondendo às perguntas dos estudantes.

Aula 13 - Prazer + Autoavaliação

Na sala de computação do CP, alunas e alunos pesquisam sobre estruturas que proporcionam prazer ao corpo humano, como clitóris e próstata, desenhamos seus formatos no quadro e discutimos suas funcionalidades, em trabalho relacionado ao sistema nervoso. Em sequência, os estudantes respondem a um formulário contendo um diagnóstico sobre como se autoavaliam, como avaliam o curso e suas aprendizagens.

Considerações finais

O GTD Diversidade, Empatia e Educação Afetivo-Sexual reforçou a importância de discutir temáticas sociais e sexuais com os estudantes, temas que muitas vezes são tabus ou conversados apenas entre si, com fontes não confiáveis, como a internet e outras mídias. Como afirma a pesquisa de Siqueira e Nascimento (2020), “não dá para esperar a adolescência para falar de sexo, já que aos treze anos esse assunto não despertará tanto interesse quanto aos nove ou dez anos de idade”. Quanto mais informada e consciente estiver a criança, melhor poderá assumir seus atos com responsabilidade, certeza e maturidade.

Essa pesquisa afirma que a escola é invadida por questões de sexualidade e que, assim como a família, sente dificuldade em trabalhar com questões sexuais como aquelas presentes no cotidiano das crianças, tantas vezes ignorando-as ou repreendendo os alunos, construindo uma relação de desconfiança entre professor e aluno (Siqueira; Nascimento, 2020). Isso só corrobora minha percepção da importância de desenvolver com os estudantes uma relação próxima, de confiança e amizade. Caso esse laço não seja criado, não temos como entrar em discussões profundas sobre temas complexos.

O impacto dessa experiência foi extremamente proveitoso para a graduanda e para os estudantes da Educação Básica. Assim, vemos que ela pode ser remodelada e aplicada em diferentes espaços educativos, de acordo com cada realidade e demanda e acompanhada por atividades lúdicas e diálogos francos. Essa vivência aumentou meu interesse em trabalhar na área, despertando o desejo de me especializar nessa temática.

Referências

BRÊTAS, José Roberto da Silva; SILVA, Conceição Vieira da. Orientação sexual para adolescentes: relato de experiência. Acta Paulista de Enfermagem, v. 18, p. 326-333, 2005.

COELHO, Márcia Azevedo. Teatro na escola: uma possibilidade de educação efetiva. Polêm!ca, v. 13, n° 2, p. 1.208-1.224, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 1968.

PAIVA, Vera et al. Idade e uso de preservativo na iniciação sexual de adolescentes brasileiros. Revista de Saúde Pública, v. 42, n° 1, p. 45-53, 2008.

SANTOS, Inaiá Alves dos; RUBIO, Juliana de Alcântara Silveira. A orientação sexual nos anos iniciais do Ensino Fundamental: possibilidades e desafios. Revista Eletrônica Saberes da Educação, 2013.

SIQUEIRA, Wdemira Silva de Aguiar; NASCIMENTO, Maria do Livramento de Freitas. Educação Sexual: um ensino de referência no desenvolvimento da sexualidade das crianças do Ensino Fundamental. Revista Educação Pública, v. 20, nº 48, 15 de dezembro de 2020. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/20/48/educacao-sexual-um-ensino-de-referencia-no-desenvolvimento-da-sexualidade-das-criancas-do-ensino-fundamental.

VIANA, Anamaria; RAHME, Mônica Maria Farid. Arte e diferença na escola. Belo Horizonte: Edição das Autoras, 2020.

Publicado em 28 de novembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

PURI, Maitê. Diversidade, Empatia e Educação Afetivo-Sexual - um relato de experiência. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 46, 28 de novembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/46/diversidade-empatia-e-educacao-afetivo-sexual-um-relato-de-experiencia

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