Conselho escolar: o legítimo gestor escolar

Máximo Luiz Veríssimo de Melo

Graduado e pós-graduado em História e em Educação, servidor público municipal e estadual na SEEC/RN

O conselho escolar é uma das instâncias da gestão democrática nas escolas. É um órgão que deve ser composto por representação dos vários segmentos que formam a comunidade escolar, como professores, funcionários, pais e/ou responsáveis por alunos e equipe gestora (diretor, vice, coordenadores etc.). Esse órgão, legalmente, deve atuar nos diversos processos da gestão da escola, em vários assuntos ou temas inerentes à escola, desde assuntos que envolvem docentes e discentes, como aprendizagem, práticas pedagógicas, indisciplina etc. como também a parte administrativa da escola, o financeiro, a manutenção da infraestrutura física do prédio da escola... Enfim, esse órgão deve ter atuação ampla e em tudo que diz respeito à gestão de uma escola.

A existência do conselho escolar numa escola é algo extremamente necessário. E não somente isso. O conselho escolar deve estar presente, mas não somente existir por existir; ele deve ser atuante, que seja chamado a todo instante para atuar na e como gestor da unidade escolar, em todos os temas, situações ou problemas que venham a surgir no âmbito da gestão da escola. Só assim podemos falar em uma gestão democrática. No entanto, principalmente no tocante à atuação desses órgãos nas unidades escolares, ele tem se resumido, na maioria das vezes, a resolver problemas de indisciplina de alunos.

Além da pouca atuação dos conselhos escolares, em todos os aspectos ou assuntos inerentes à gestão escolar, ainda existe uma ideia (muitas vezes dentro da escola mesmo) de que esse órgão tem somente a função de resolver os problemas de indisciplina de alunos e só devendo atuar nisso. E, mais grave, ainda prevalece a visão de que ele não é de fato um legítimo órgão ou instância de poder e de gestão da escola e que suas deliberações e decisões não possuem legitimidade alguma. A ideia que prevalece é a de que o diretor é o único a mandar e decidir tudo na escola.

Diante dessa realidade, trazemos dois momentos de atuação de um conselho escolar; são duas situações distintas que tiveram a presença e atuação dessa instância da gestão democrática e foram solucionadas. E, mais importante ainda: nesses dois momentos a deliberação do conselho escolar foi posta à prova e passou na prova. Assim, o objetivo deste trabalho é mostrar que o conselho escolar é de fato um legítimo órgão da gestão das unidades escolares, devendo atuar em vários assuntos.

Assim, este trabalho se caracteriza como um relato de experiência vivida no espaço escolar; nele é apresentada a atuação do conselho escolar em duas situações distintas. Encontra-se dividido em duas partes; a primeira traz uma breve fundamentação teórica a respeito de conselho escolar e a gestão democrática; na segunda parte, é feita a apresentação das situações reais de atuação de um conselho escolar. Além dessas duas partes, temos as considerações e as referências.

O conselho escolar e a gestão democrática

O conselho escolar é uma instância colegiada da gestão escolar. É um espaço de participação da comunidade nas decisões da escola. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), citado no Caderno nº 05 do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares (2004),

trata-se de uma instância colegiada que deve contar com a participação de representantes dos diferentes segmentos das comunidades escolar e local, podendo constituir um espaço de discussão de caráter consultivo, deliberativo, fiscalizador e mobilizador (Brasil, 2004, p. 44).

Ainda de acordo com o Caderno nº 05, a configuração dos conselhos escolares pode variar de município para município e de estado para estado, tendo a quantidade de membros mudando de acordo com os turnos de funcionamento da escola.

As atribuições dessa instância devem ser definidas, segundo o caderno do MEC, de modo colegiado por todos que formam a comunidade escolar, que deverão construir o regimento que regerá sua atuação. Para a construção das diretrizes de funcionamento e atuação do conselho, a unidade escolar, com sua comunidade, deverá ter autonomia. Como uma das atribuições básicas do conselho escolar, “destacamos a sua função de coordenação do coletivo da escola e a criação de mecanismos de participação” (Brasil, 2004, p. 45).

A existência e a atuação efetiva do conselho escolar nas unidades escolares são de fundamental importância, pois tiram do diretor o papel de único responsável pela gestão da escola. Segundo Paro (2002), em uma escola onde não existe o conselho escolar, o diretor escolar vive numa situação de dupla contradição: por um lado, é a autoridade máxima da escola, uma espécie de pequeno rei ou ditador no espaço da escola; por outro, é apenas um mero preposto do Estado, cumprindo a lei e as ordens dele.

No entanto, essa realidade, segundo alguns autores – entre eles Paro (2002), Hora (2002) e Saviani (1999) –, é a desejada pela classe dominante, que usa a escola como forma de manter a sua dominação. Em outras palavras, essa estrutura de funcionamento da escola é, em essência, um projeto de dominação da elite, que a usa e estrutura para sua permanência como classe dominante.

Sobre essa defesa e constatação de que a escola é um instrumento de poder e dominação, Saviani (1999, p. 32-33) afirma que Althusser faz uma distinção entre os “aparelhos repressivos de Estado (ARE), que são o governo, a administração, o Exército, a polícia, os tribunais, as prisões etc., enquanto os aparelhos ideológicos de Estado (AlE) são: o religioso, o escolar, o familiar, o jurídico, o político, o sindical, o da informação, o cultural etc. Assim, de acordo com essa visão de Althusser apresentada por Saviani (1999), a escola é um aparelho ideológico a serviço do Estado. Nas palavras desse autor,

como AIE dominante, vale dizer que a escola constitui o instrumento mais acabado de reprodução das relações de produção de tipo capitalista. Para isso, ela toma a si todas as crianças de todas as classes sociais e lhes inculca durante anos a fio de audiência obrigatória "saberes práticos" envolvidos na ideologia dominante (Althusser, s/d, p. 64 apud Saviani, 1999, p. 33-34).

Assim, se a escola é um aparelho ideológico de dominação usado pelo Estado, não interessa a ele a gestão democrática, que começa a se concretizar não somente pela eleição de diretor, mas principalmente pela existência e atuação efetiva de órgãos colegiados dentro das unidades escolares. Ao Estado, o que interessa é a permanência dos diretores indicados, agindo como meros prepostos dele, conforme as diretrizes impostas por ele, o Estado. Dessa forma, fica mais fácil o uso da instituição escola como instrumento de dominação.

Por outro lado, não podemos afirmar que uma gestão democrática, começando pela eleição para diretor de escola, e a existência e atuação efetiva dos órgãos colegiados nas unidades escolares permitem à escola deixar de ser um aparelho ideológico do Estado. Porém traz mais autonomia e liberdade das escolas em relação às suas ações e decisões, principalmente para o diretor, que deixa de ser o único responsável pelas decisões na escola, as quais, com a deliberação do conselho escolar, tornam-se mais legítimas.

As decisões tomadas pelo colegiado possuem peso maior perante a comunidade escolar e, possivelmente, até perante outras instâncias de poder. Paro (2001) fala que essa é a vantagem da existência dos conselhos escolares. Nas suas palavras,

na condição de entidade coletiva, fica menos vulnerável, podendo tomar medidas mais ousadas, sem que uma pessoa, sozinha, corra o risco de ser punida pelos escalões superiores. Supõe-se que, assim, o dirigente da escola (o conselho) detenha maior legitimidade e maior força política, posto que representa todos os setores da escola. Seu poder de barganha e sua capacidade de pressão para reivindicar benefícios para a escola seriam, também, superiores ao do diretor isolado (Paro, 2001, p. 82-83).

No entanto, o autor chama a atenção para a existência de funções, atribuições e competências claras e definidas para o diretor e o conselho escolar, a fim de que não haja choque de competências entre essas duas instâncias de poder dentro da escola.

Do ponto de vista legal, o conselho escolar é uma instância da gestão democrática nos espaços escolares e, como tal, tanto na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 206, quanto na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, é assegurada a participação de toda a comunidade que compõe a escola nos conselhos, entendendo aqui que, de modo geral, os conselhos são o “escolar, o de acompanhamento do caixa escolar e o de classe”.

Do mesmo modo, compreendendo o conselho escolar como instância da gestão democrática nos espaços escolares, ainda em âmbito nacional temos o Plano Nacional de Educação (PNE, 2014, p. 59), que, em sua meta 19, determina:

assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.

Ou seja, o PNE é mais um documento oficial em que está assegurada a gestão democrática da educação mediante a participação da comunidade escolar, o que costuma acontecer na forma e através da existência dos conselhos e/ou órgãos colegiados – e o conselho escolar é um deles.

No âmbito do Estado do Rio Grande do Norte, temos a Lei Complementar nº 585, de 30 de dezembro de 2016, mais conhecida como Lei da Gestão Democrática do Estado. Essa Lei coloca como mecanismo de efetivação da gestão democrática os seguintes órgãos colegiados: I - Comissão Estadual Central de Gestão Democrática; II - Assembleia geral escolar; III - Conselho escolar; IV - Conselho de classe; V - Grêmio estudantil.

O texto dessa lei complementar diz que em cada unidade escolar de sua rede de ensino funcionará um conselho escolar, órgão esse que tem “natureza consultiva, fiscalizadora, mobilizadora, pedagógica, articuladora, deliberativa e representativa da comunidade escolar, conforme critérios estabelecidos em regulamento” (Rio Grande do Norte, 2016, p. 5).

Essa Lei Complementar dá uma série de atribuições ao conselho escolar, como “acompanhamento da frequência e rendimento escolar dos estudantes; mudanças no regimento interno da escola; prestação de contas dos recursos financeiros da unidade escolar; assiduidade, pontualidade, disciplina, produtividade e probidade da equipe gestora, dos professores e demais servidores da escola; participação na elaboração do PPP da escola”, entre outras. De modo geral, as atribuições dadas ao conselho escolar permitem a ele atuar no âmbito de todas as dimensões da gestão escolar. Ou seja, o conselho escolar tem atribuições em várias questões do pedagógico, do administrativo e do financeiro da unidade escolar.

O conselho escolar é um órgão colegiado que, no caso da rede de ensino do Rio Grande do Norte, possui “natureza consultiva, fiscalizadora, mobilizadora, pedagógica, articuladora, deliberativa e representativa da comunidade escolar e deliberações dentro do espaço escolar” (Rio Grande do Norte, 2016, p. 5); sua atuação deve ser ampla, tirando das mãos do diretor as principais decisões e as tornando mais fortes, legítimas e respeitadas. Assim, apresentamos agora dois momentos em que houve atuação de um conselho escolar, mostrando que ele é o legítimo gestor da escola.

Relatos de experiências

Entre os anos de 2014 e 2017, estive como diretor de uma unidade escolar da rede municipal de ensino de Alto do Rodrigues, no Estado do Rio Grande do Norte. Ocupando essa função, pude presenciar na prática a atuação do conselho escolar da unidade de ensino. Atuação essa que deixa claros o papel e a importância dessa instância da gestão democrática. Foram inúmeros os momentos e as situações em que o conselho da escola atuou e se mostrou como um órgão de gestão da unidade de ensino. E não somente isso. Foi possível também perceber o poder de efetivação e cumprimento de uma decisão que esse órgão tem, além da respeitabilidade por parte de outras instâncias do poder, como o Executivo municipal e a promotoria pública.

Como já dito, foram inúmeros momentos em que o conselho escolar da escola atuou resolvendo problemas das mais diversas ordens, e suas decisões foram acatadas, cumpridas e respeitadas por toda a comunidade e até fora da comunidade. No entanto, escolhemos apenas dois desses momentos de atuação do conselho para trazer aqui e, assim, poder mostrar o quão é importante que cada unidade escolar tenha seu conselho ativo e atuante na gestão escolar. Isso torna o trabalho do diretor escolar bem menos pesado e mais forte e legítimo.

Os eventos particulares na escola e o prefeito

O primeiro momento foi quando, por ocasião da minha assunção à função de diretor da escola, esta ter seu espaço físico usado para eventos particulares, como festas de casamentos e de aniversários. A escola era, provavelmente, o espaço da cidade mais procurado para esses eventos. Como prova disso, quando assumi a direção, em janeiro de 2014, já havia eventos agendados para o ano todo e até janeiro do ano seguinte. Quanto à escola ser usada para eventos desse tipo, não sou totalmente contra, pois acredito que a escola deva também servir à comunidade não somente ofertando e sendo um ambiente de ensino e aprendizagem sistematizado e formal. A escola também pode ter essa outra função. Ocorre que, nesse caso, esse uso estava acontecendo de forma a ser ruim e danoso para a escola muitas vezes.

Na maioria desses eventos particulares que aconteciam no ambiente físico da escola, havia inúmeros problemas, como retirada de quadro do gestor municipal da parede, de placas de identificação dos ambientes da escola, como cozinha (o ambiente não podia ficar lembrando que era uma escola); retirada do bebedouro dos alunos do local e colocado em qualquer lugar; muito lixo gerado, que passava a segunda feira toda na frente da escola, pois o carro do lixo só passava às terças-feiras (e quase sempre no lixo havia coisa perecível, que apodrecia logo, causando fedor, como restos de comida). Continuando, no lixo se encontravam garrafas de vidro, de bebidas etc.

Além disso, quase sempre eram encontrados pregos salientes, que eram pregados no piso para prender alguma coisa da ornamentação do evento, e isso podia machucar um aluno. Havia também demora para organizar e deixar a escola pronta para seu uso primeiro, que é a oferta da educação formal e sistematizada para toda a comunidade que ela atendia.

Muitas vezes, acontecia de deixarem a escola uma verdadeira bagunça, e o pessoal de apoio da escola é que tinha de limpar e arrumar, o que praticamente toda segunda-feira gerava muita reclamação desses servidores. Mesmo que, no ato do agendamento, o dono do evento tenha se comprometido a deixar tudo limpo e organizado, quando procurávamos o responsável ele sempre tirava o corpo de lado, inventando uma conversa ou outra; se fôssemos esperar para ele providenciar a limpeza e a arrumação da escola, para deixá-la pronta para receber os alunos, se perdia um dia de aula.

Somando a esses problemas já citados, temos o que de fato era muito ruim, grave e bastante feio para a escola, e provocava mais descontentamento e reclamação (e tinha razão) do pessoal de apoio da escola: na maioria desses momentos, eram praticadas desordens e bagunças, como banheiros muito sujos, com fezes no chão ao lado do sanitário ou no cesto do lixo (certa vez encontramos um banheiro com as paredes sujas de fezes. Isso mesmo, jogaram fezes na parede do banheiro).

Muitas vezes, nos finais de semana, íamos para a escola para acompanhar a organização do evento, para nos certificarmos de que certas coisas e situações relatadas acima não iam ser praticadas; no entanto, nossa voz não era ouvida e respeitada ao falarmos que não era permitido fazer isso ou aquilo no espaço da escola. Às vezes, éramos obrigados a escutar: “você não manda aqui, quem manda é o prefeito”. Outras vezes, não escutávamos isso; no entanto, quando a gente saía da escola, os organizadores iam e faziam do jeito que queriam. Quando chegávamos na segunda-feira, estava lá tudo ao contrário do que pedimos para fazer.

Diante dessas situações, fomos fazendo registros escritos e fotográficos do que encontrávamos praticamente todas as manhãs de segunda-feira quando o pessoal do apoio da escola chegava para trabalhar. Com tudo documentado e registrado, convocamos o conselho escolar para deliberar a respeito da proibição dos eventos particulares no espaço físico da escola. Tendo como respaldo a documentação que fomos organizando ao longo das semanas com a realização dos eventos, foi aprovada a proibição desse tipo de evento na escola. Assim, de acordo com a deliberação do conselho escolar, ficou permitido, no âmbito do espaço físico da escola, a realização somente de eventos de algum órgão público e de igrejas, contanto que não fossem aniversários, casamentos ou semelhantes. Vale ressaltar que os eventos que já estavam agendados deveriam acontecer, mas que daquele momento em diante nenhum outro poderia ser agendado.

Como desdobramento dessa deliberação do conselho da escola, é importante destacar que, certo dia, recebemos uma pessoa que veio agendar um evento e, ao informarmos a ela de que não ia ser mais possível, por deliberação do conselho, ela falou que ia procurar o prefeito, que era quem de fato mandava na escola, pois o diretor, e muito menos esse tal de conselho não mandava em nada. Respondi que quem de fato mandava na escola não era nem o prefeito nem o diretor, e sim o conselho escolar. Com isso, a pessoa foi embora sem conseguir agendar seu evento.

Depois de alguns dias, numa visita à escola, cujo prédio estava passando por pequena manutenção, o gestor do Executivo municipal (o prefeito) perguntou por que a escola havia proibido os eventos em seu espaço físico. Como resposta, falei que foi uma decisão do conselho da escola e que isso foi feito em função de uma série de ocorridos inaceitáveis para um espaço escolar, que fomos registrando, tanto documental quanto fotograficamente, coisas e situações que não poderiam acontecer no espaço físico de uma escola e que, depois de analisar a documentação, o conselho escolar aprovou a proibição.

Nessa oportunidade, foram citados para o prefeito alguns desses ocorridos e que, se ele quisesse, poderíamos disponibilizar a documentação que serviu de base para a decisão do conselho. Ouvindo isso, ele falou que “tudo bem, não ia se opor a essa decisão” (como também não se opôs a outras decisões do conselho, quando também foi procurado), atitude e decisão muito elogiável e digna de aplausos.

A transferência do aluno e o promotor público

O segundo momento em que o conselho da escola atuou e que trazemos aqui como exemplo de atuação e efetividade e, acima de tudo, de comprovação da legitimidade dessa instância da gestão no espaço escolar, se deu por ocasião de uma transferência de aluno da escola, aluno que já vinha cometendo indisciplinas, tendo em razão disso inúmeros registros no livro de ocorrências da escola, conforme o regimento interno da unidade de ensino.

 De acordo com esse regimento, em caso de indisciplina de alunos, a escola poderia adotar as seguintes medidas: advertência verbal, advertência escrita, transferência de turno e transferência da unidade escolar. Esse aluno já tinha diversos registros, em número bem superior aos previstos no regimento para a transferência, inclusive vários com presença e assinatura do responsável, o que era o previsto no regimento interno da escola; diante da continuação dos atos de indisciplina (como ameaças a colegas da escola e até ao diretor) e após seguir essas etapas do regimento escolar, o conselho se reuniu e decidiu pela sua transferência.

Vale salientar que, para ser feita a transferência, a Secretaria Municipal de Educação foi informada e logo verificou vaga para o aluno em outra escola. Ou seja, o direito do aluno de estudar não estava sendo retirado. Vale salientar também que um membro do conselho tutelar também participou da reunião que deliberou sobre a transferência. Essa era uma prática comum adotada pelo conselho da escola, de que sempre que ia ser deliberado algo que envolvesse aluno menor esse órgão era chamado para estar presente.

Assim, o aluno foi transferido para uma escola da rede estadual de ensino da cidade. Alguns dias depois de já matriculado e estudando nessa outra escola, a responsável por esse aluno (a mãe), procurou o conselho tutelar da cidade e disse que queria tirar o aluno da escola do estado e matricular de volta na escola do município. Com isso, o presidente do conselho tutelar foi até a escola e, em conversa com o diretor, informou que a escola deveria matricular e receber o aluno de volta. Em resposta, o diretor da escola afirmou que não iria fazer isso, pois não poderia desrespeitar e descumprir uma decisão do conselho da escola.

Não se contentando com a resposta, o presidente do conselho tutelar informou que, se o diretor da escola não matricular o aluno de volta, ele, na qualidade de presidente do conselho tutelar, ia acionar a promotoria pública e iniciar um processo contra o diretor. Diante disso, o diretor resolveu chamar a presidente do conselho escolar da escola, reuniu toda a documentação referente à transferência do aluno e se encaminharam até a promotoria pública, onde foram recebidos pelo promotor público.

A presidente do conselho escolar, juntamente com o diretor da escola, munidos de toda a documentação em mãos, expuseram o motivo da visita. Após ouvir atentamente os dois representantes da escola, o promotor perguntou: quem deliberou sobre a transferência do aluno da escola? Foi o diretor da escola ou foi o conselho escolar? Como resposta, o promotor soube que foi o conselho escolar, seguindo tudo que estava posto no regimento interno. Diante dessa resposta, o promotor foi enfático em afirmar que, “se foi o conselho da escola, e com tudo documentado, estava resolvido, pois o conselho é soberano e é quem de fato gere a escola”. Contudo, ainda inseguro, o diretor da escola disse ao promotor que o senhor presidente do conselho tutelar havia dito que ia procurar aquela promotoria e que se ele, o diretor, não matriculasse o aluno na escola, ia processá-lo. Como resposta do promotor, o diretor ouviu: “deixe ele chegar aqui com esse assunto”. Ouvindo isso, os dois representantes da escola (o diretor e a presidente do conselho escolar) ficaram mais tranquilos e, antes de sair da sala do promotor, foram entregar a documentação que portavam; este falou que não era preciso deixar a documentação lá.

Depois de aproximadamente uma semana, recebemos um oficio da promotoria pública solicitando que enviássemos a documentação da transferência do aluno. Acreditamos que de fato o presidente do conselho tutelar tenha ido, como prometido, à aquela promotoria. No entanto, após isso, não veio mais nada nem o aluno retornou para a escola. Em outras palavras, a deliberação do conselho foi mantida e respeitada e, acima de tudo, o papel e a legitimidade do conselho escolar como instância de gestão na escola foram ratificados pela promotoria pública.

Considerações

A existência e, principalmente, a atuação do conselho escolar numa unidade de ensino são importantíssimas e muito necessárias. A atuação dele é fundamental no processo de gestão das escolas, especialmente para que se efetive uma gestão participativa, coletiva e democrática nos espaços escolares, para que o diretor não seja o único a decidir e a ter voz na escola, caracterizando a gestão como conservadora e autoritária. Isso é o que não cabe mais em nenhum espaço de poder. Quando o conselho escolar é chamado a atuar, é indicativo de que naquele espaço escolar está começando a se efetivar uma gestão democrática.

O conselho escolar não deve ser apenas um mero espectador, sem participação e atuação nas coisas da escola. Não pode e não deve se limitar apenas a deliberar sobre casos de indisciplina de alunos na escola, como tem acontecido na maioria das vezes. É uma instância da gestão escolar que deve ser não somente mais atuante na gestão da escola, mas também mais respeitada e considerada por todos e principalmente pelas instâncias de poder, como o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, como um órgão que de fato decide, delibera e divide a gestão escolar com o diretor escolar.

Nas duas experiências de atuação do conselho escolar vividas e relatadas acima, mostra-se que esse órgão pode e deve participar de todas as dimensões de gestão de uma escola e não somente para decidir problemas relacionados à indisciplina de alunos. Percebe-se também o quão legítimas são a existência e as deliberações desse órgão. Nas duas experiências, as deliberações foram acatadas e respeitadas, confirmando que o conselho escolar é o legítimo gestor da escola. Contudo, a atuação mais efetiva e ampla dos conselhos e, principalmente, a legitimidade de suas deliberações ainda é algo que requer luta constante.

Referências

BRASIL. MEC. Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino. Planejando a próxima década conhecendo as 20 metas do Plano Nacional de Educação. Brasília: MEC, 2014.

BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Básica. Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares. Caderno 5 – conselho escolar, gestão democrática da educação e escolha do diretor. Brasília: MEC, 2004.

HORA, Dinair Leal da. Gestão democrática na escola: artes e ofícios da participação coletiva. 9ª ed. Campinas: Papirus, 2002. (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico.)

PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 3ª ed. 4ª reimpr. São Paulo: Ática, 2002. (Série Educação em Ação.)

PARO, Vitor Henrique. Escritos sobre educação. São Paulo: Xamã, 2001.

RIO GRANDE DO NORTE. Lei Complementar nº 585, de 30 de dezembro de 2016.  Dispõe sobre a gestão democrática e participativa da rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Norte e dá outras providências. Natal, 2016.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 32ª ed. Campinas: Autores associados, 1999. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo).

Publicado em 19 de dezembro de 2023

Como citar este artigo (ABNT)

MELO, Máximo Luiz Veríssimo de. Conselho escolar: o legítimo gestor escolar. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 23, nº 49, 19 de dezembro de 2023. Disponível em: https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/23/49/conselho-escolar-o-legitimo-gestor-escolar

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